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O Treinamento deve ser um Processo Vivo: uma entrevista com Torgeir Wethal

Torgeir Wethal nasceu em 1947, na Noruega, e faleceu em 2010, em Holstebro, Dinamarca. Norueguês, oriundo da classe média, ele é cofundador do Odin Teatret, em 1964, aos 17 anos de idade, após vários anos de práticas teatrais infantis. A partir de 1971, ele edita e dirige filmes sobre o Odin Teatret. No livro de Erik Exe Christoffersen, The Actor’s Way [1989-1993CHRISTOFFERSEN, Exe. The Actor’s Way. Traduit par Richard Fowler. London: Routledge, 1993. [Skuespillernes Vandring, Klim, Aarhus, 1989]. ], ele conta seu encontro com Eugenio Barba. Esta entrevista, realizada em Florença, na Itália, em 21 de maio de 2005, durante a turnê de O sonho de Andersen, pretende ser uma homenagem a esse artista, retomando a história e o sentido do treinamento no Odin Teatret.

Imagem 1:
Torgeir Wethal e Tage Larsen em Min fars hus (1972). Arquivos Odin Teatret

Raphaëlle Doyon - O que você responderia a alguém que não conhece o Odin Teatret e que pede para você descrever seu trabalho?

Torgeir Wethal - Na maior parte do tempo, eu evito responder a este tipo de questão, ou então eu dou uma resposta fácil, sucinta, que é, na verdade, uma espécie de mentira. Mas, se alguém faz esta pergunta, por exemplo, na rua ou em um bar, eu responderia que eu faço teatro, um tipo de teatro no qual o uso da voz e do corpo é mais desenvolvido do que no que se entende habitualmente como “teatro”. Eu acrescentaria que nós não encenamos textos escritos, mas que criamos nossos espetáculos ao longo dos ensaios. Eu diria algo assim, mas isso depende do contexto da conversa.

Raphaëlle Doyon - Há alguns anos, no Odin Teatret, você havia mostrado a Roberta, Ferdinando Taviani e eu uma entrevista filmada de Grotowski na qual ele dizia: ‘eu acho que existe uma maneira mais rápida de tornar-se um verdadeiro ator, isso levaria tempo, mas não tanto tempo’. Eu imagino que ele estivesse falando do tempo tomado por um ator como Ryszard Cieslak. No longo processo que você atravessou em sua formação, existe algo que você considere como não sendo necessário à formação de um ator? Existe um atalho?

Torgeir Wethal - Não, não há nada que eu não deveria ter feito, mas creio que seja uma questão de geração nesse tipo de tradição teatral, a minha é a primeira ou a segunda; não existia ninguém, naquela época, para nos transmitir um modelo cotidiano de trabalho, mesmo que tivéssemos o exemplo dos atores de Grotowski, que influenciaram muito o que eu fazia e pensava, como Ryszard [Cieslak], mas… Os seres humanos são programados para imitar; é a maneira como aprendemos desde a infância, nós imitamos e nos tornamos o que aprendemos. Mas, a maneira de aprender é importante? Claro que sim, mas essa questão continua em aberto para mim. Hoje, eu uso muitos atalhos na minha pedagogia com os alunos. Mesmo os menos hábeis podem conseguir se equilibrar sobre a cabeça em dois dias. Eu levei dois anos. Meus alunos perderam a oportunidade de ter a experiência que eu acumulei durante esses dois anos? Sim, evidentemente; mas será que eles deveriam ter essa experiência para se tornarem atores? Certamente não.

Raphaëlle Doyon - Então por que você precisou dessa experiência de dois anos?

Torgeir Wethal - Porque não havia ninguém que pudesse ensiná-la de maneira técnica. Eu precisei compreender sozinho. Claro, não se trata de uma pedagogia idiota, mas ela leva tempo. Durante os dois anos que passei ‘batendo a cabeça na parede’, eu aprendi outra coisa que ainda me é útil: raramente eu abandono uma situação que parece não ter solução. Talvez seja isso que eu aprendi e que me tornou mais forte. Aprendi a praticar minha persistência. Eu persevero.

Mas acho que os atores em formação podem ganhar muito tempo e não acho que isso os torne menos bons. Ao contrário, acho que eles podem tornar-se melhores atores. Isso também depende do sentido que você dá à palavra ator, ou do sentido que era dado por Grotowski? Ator de quê? Isso depende da data da entrevista de Grotowski a qual você se refere.

Raphaëlle Doyon - Foi em 1976, eu acho14 1 Entrevista realizada por Mario Raimondo, em Holstebro, em janeiro de 1976, para o programa de televisão Incontri del TG. Un’ora con Jerzy Grotowski. Transcrito em Teatro e storia, n. 20-21, anno XIII, p. 421-429, 1998-1999. . Em novembro de 2003, há pouco mais de um ano, entrevistei Eugenio. Ele contou que, quando estava com Grotowski em Opole, entre 1961-63, Grotowski dava uma atenção particular a Zygmunt Molik, e não a Ryszard Cieslak, na época. Ele também disse que, no início do Odin, você tinha muita confiança nele e que, por isso, ele dava uma atenção especial a você. Você se lembra disso?

Torgeir Wethal - Eu nunca pensei nisso dessa forma, mas é verdade, era assim. Se me lembro bem - mas estamos constantemente reconstruindo nosso passado, reconstruindo a história de nossa juventude -, mesmo que eu tivesse apenas 17 anos quando encontrei Eugenio, eu tinha este hábito, ou talvez fosse uma tendência natural, de me jogar a fundo nas situações que eu vivia. Poderia ser para organizar uma festa, ou criar um grupo de teatro amador, ou fazer um personagem pequeno em peças de teatro convencionais em algum teatro de Oslo. Também podia ser o sonho de ganhar dinheiro, desde que eu havia visto os peixes subindo o fiorde de Oslo. Eu tinha sete ou oito anos e comecei a fabricar sacolas de papel para colocar os peixes pescados. Depois eu vendia as sacolas para minha família, eu fazia uma pré-venda. O preço dependia de quantos peixes eles queriam colocar na sacola. Eu podia passar semanas fazendo isso. E é claro que não tinha mais nenhum peixe no fiorde quando eu fui pescar.

Quando minha candidatura foi recusada pela Escola Nacional de Teatro de Oslo15 2 Statens Teaterhøgskole (literalmente, A Grande Escola de Teatro do Estado) foi criada em 1953. A partir de 1996 ela integra a Kunsthøgskolen i Oslo (literalmente A Grande Escola de Arte de Oslo). , eles disseram que eu era muito jovem e deram a entender que eu poderia integrar a escola no ano seguinte. Eles sabiam que eu continuaria no meio teatral. Com o Odin, começamos a trabalhar e, durante muito tempo, eu não havia realmente tomado a decisão de continuar, ou talvez eu recusasse reconhecer que havia tomado essa decisão. Na primavera seguinte, quando chegou o momento de fazer novamente a audição para tentar integrar a escola, eu não participei, eu nem pensei em fazê-lo. Tenho certeza que eu era um jovem muito sério, tão sério quanto é possível ser. Aos 17 anos, somos mais sérios do que em qualquer outra idade da vida ou, ao menos, pensamos ser.

Bem mais tarde, embora as duas situações fossem muito diferentes, entendi que havia uma semelhança na maneira de, no trabalho, confrontar-se a si mesmo entre o que Eugenio fazia e o que tinha feito meu antigo mestre, professor de teatro. Era um homem mais velho, com quem eu trabalhava durante meu tempo livre desde os oito ou nove anos de idade. Eu continuei a trabalhar com ele até encontrar Eugenio. Nós formávamos um grupo de teatro amador na escola, mas era uma atividade extraescolar. Ele era alemão e tinha fugido da Alemanha no fim dos anos 1920. Ele vinha da tradição dos professores itinerantes antroposóficos, influenciados por Rudolf Steiner. A maioria deles eram jovens que viajavam pela Europa de cidade em cidade, durante a Primeira Guerra Mundial, e ensinavam, não os rudimentos, não uma versão vulgarizada da música ou da literatura, pois tinham um grande respeito pela qualidade e pela precisão em sua prática do ensino, mesmo para pessoas pouco instruídas. Eles ensinavam música, literatura, teatro, etc. com o mais alto grau de exigência. É claro, criança e adolescente na época, quando trabalhava com ele eu não sabia de tudo isso. Isso, eu li muito mais tarde. Ele montava espetáculos conosco a partir de textos que ele mesmo escrevia, muitos deles inspirados em contos de fadas, mas não apenas; nós também montávamos Shakespeare. Ele havia me pedido para trabalhar com o grupo antes do início do curso. Eu devia reunir todo mundo para que estivéssemos prontos para trabalhar quando ele chegasse. Quando reli suas cartas, muitos anos mais tarde, cerca de 15 anos depois de começar a trabalhar com Eugenio, percebi as relações entre o Odin e o trabalho com esse homem: o sentido que eles davam às palavras, a exigência deles.

Torgeir faz um longo silêncio.

Eu sempre mergulhei sem pensar nas situações em que tomava parte. Lembro-me desde os primeiros tempos, de momentos seguros, calmos, confiantes, no trabalho com Eugenio, e que se tornaram a base de minha maneira de atuar, mesmo se nenhum de nós, eu digo nós, e é exatamente isso, porque nenhum de nós sabia como o trabalho iria evoluir. Mais tarde, Grotowski e Ryszard Cieslak nos deram algumas chaves, mas os fundamentos de nosso trabalho foram construídos a partir dessas situações de confiança. Também é verdade que, na époque em que Eugenio trabalhava com Grotowski, Zygmunt [Molik] possuía um papel bastante específico, sobretudo em razão de seu trabalho sobre a voz16 3 Zygmunt Molik, era “instrutor da ação vocal: exercícios respiratórios e vocais, ressonadores, higiene da voz”. Ver: Le Théâtre-laboratoire ‘13 rzedów’ d’Opole ou le Théâtre comme auto-pénétration collective, textos reunidos por Eugenio Barba, materiais bibliográficos anexos à dissertação Théâtre psychodynamique, Kraków, drukarnia Zwiazkowa, 1964. . Pouco a pouco, quando eles começaram a trabalhar sobre O Príncipe Constante, a situação mudou. O treinamento foi perdendo sua função utilitária, de exercitar-se tecnicamente para fazer algo que respondesse à exigência específica de um espetáculo. No início, os atores de Grotowski treinavam sozinhos para poder fazer coisas que eles deveriam executar em cena no dia seguinte. Depois, é claro, isso mudou17 4 Sobre esse assunto, verLa Terre de cendreset diamants [1998], 2000, p. 60-61. Eugenio Barba explica como nasceu a necessidade do treinamento em Akropolis em março-abril de 1962, e como os exercícios que serviam aos objetivos do espetáculo, e eram abandonados depois, tornaram-se pouco a pouco autônomos em relação aos espetáculos. .

Raphaëlle Doyon - Antes de Min fars hus, Iben [Nagel Rasmussen] começou a desenvolver seu próprio treinamento. De acordo com você, quais foram as consequências disso para o grupo? Era uma proposta audaciosa? Ao fazer isso, ela estava propondo uma alternativa ao treinamento estabelecido, isso não poderia ser interpretado como um desacordo, uma oposição? É claro que, na sequência, esse treinamento de certa forma deu a volta ao mundo e tornou-se uma marca da identidade do grupo.

Torgeir Wethal - Eu nunca percebi como oposição ao grupo o fato de Iben procurar outro tipo de treinamento. Era um período no qual cada um de nós reagia de maneiras diferentes. Eu tinha a desculpa de fazer filmes. No início dos anos 1970, eu fazia edição ou filmava os ensaios. Depois, isso tornou-se uma espécie de desculpa para fugir do treinamento. Eu parei de fazer o treinamento mais ou menos no momento em que Iben começou a desenvolver seu próprio treinamento. Após seis, sete, oito anos, isso não trazia mais nada para mim. Mais tarde, o problema foi que eu nunca mais encontrei uma maneira de retomá-lo. Acho que, durante anos, isso enfraqueceu minha posição no teatro, pois eu não tinha mais o encontro cotidiano com o diretor. Quando estávamos em turnê, eu lembro de às vezes levar comigo minha Moviola, minha mesa de edição e de fazer a edição enquanto Iben trabalhava nos campos com Jens [Christensen]18 5 Jens Christensen foi ator do Odin Teatret de 1970 a 1974. Ele atuou em Min fars hus. , em 1970-1974, por exemplo, quando estávamos na Suécia; eles pesquisavam e jogavam com novas possibilidades para o treinamento, eu adorava observá-los. E, provavelmente, isso nos salvou. O fato de que, nessa época, cada um de nós pôde seguir suas necessidades individuais provavelmente nos salvou, nos permitiu preservar o grupo.

Neste ponto, preciso pensar bem porque é quase impossível lembrar dos elementos que foram mantidos do treinamento precedente, antes que Iben desenvolvesse o seu. Depois disso, durante e após Min fars hus, chegou a geração seguinte: Roberta [Carreri], Elsa [Kvamme]19 6 Elsa Kvamme, atriz do Odin Teatret de 1973 a 1975. Ela participou de Livre des danses (julho de 1974). , Odd [Ström]20 7 Odd Ström, ator do Odin Teatret em 1973 e 1974. Ele participou de Livre des danses (julho de 1974) e de Johan Sebastian Bach. e, mais tarde, Tom [Fjordefalk]21 8 Tom Fjordefalk, ator do Odin Teatret de 1974 a 1984. . Pois, evidentemente, não se passa de uma coisa para a outra de um dia para o outro. Eu tento me lembrar: sei que a acrobacia continuou, bem como uma grande parte do trabalho de composição, certamente. Na verdade, seria necessário perguntar a Roberta o que tinha do antigo treinamento quando ela chegou, do treinamento plástico de antes e do treinamento físico. Eu não lembro, porque, por assim dizer, eu não participava deles. No entanto, eu continuava a ensinar acrobacia e provavelmente os exercícios plásticos também. Eu lembro que, em 1974, em Carpignano, quando montamos Le Livre des danses22 9 Espetáculo de rua criado em Carpignano, no sul da Itália, durante o verão de 1974. O espetáculo realizou 350 apresentações entre julho de 1974 e janeiro de 1980, sobretudo no exterior. Le Livre des danses foi uma montagem de elementos do treinamento e marca o início do período de trocas. , para poder fazer essas danças, eu precisei treinar para reencontrar elementos do treinamento que eu havia parado de praticar há um bom tempo. Então, naquele momento, eu já havia parado de treinar completamente23 10 A publicação da entrevista de Eugenio Barba em 2006 - Une vitalité radieuse (p. 27-29) - era introduzida por um resumo da história interna do Odin Teatret, na qual eu havia indicado a data na qual Torgeir Wethal parou de treinar. Era 1971, data que o interessado havia comunicado nesta entrevista, de maio de 2005. Eugenio Barba me fez retificar a data de 1971 para 1974. E. Barba e T. Wethal não tem a mesma memória (afetiva?) dos acontecimentos. .

É claro que, quando ela sentia que era necessário, Iben tinha uma maneira de ser rebelde no trabalho e eu não acho que Eugenio tomava isso como algo de negativo. O que Iben fez, retrabalhar o treinamento, era algo necessário, sem o quê aquele treinamento teria sido petrificado, em uma forma definida que tentaríamos atingir, sendo que o treinamento deve ser um processo vivo. Lembro-me de termos encontrado um grupo, provavelmente na época de Ferai24 11 Ferai, que relata o reino de um jovem rei, pacífico e justo, após a morte de um déspota, é o terceiro espetáculo do Odin Teatret. Ele foi apresentado 220 vezes entre junho de 1969 e julho de 1970. , para o qual havíamos ensinado certos elementos do treinamento físico, exercícios de câmera lenta, etc. Reencontramos esse mesmo grupo um ou dois anos mais tarde. Eles eram capazes de fazer o treinamento físico mais difícil que pode existir, câmeras lentas perfeitas, uma perfeição que jamais havíamos visto antes, mas isso não fazia nenhum sentido. Esses exercícios tinham se tornado receitas, seu próprio fim. O treinamento não tem um objetivo em si se não fizermos nada a partir dele. Mas é algo que podemos fazer todos os dias, entrar na sala de ensaio e treinar, achando que estamos fazendo teatro. Certamente, é preciso treinar, mas também é preciso ter, de forma cotidiana, atividades teatrais que visem um espetáculo. Se não, isso não faz sentido nenhum.

Raphaëlle Doyon - Você poderia descrever um dia de trabalho normal de 1966-67, quando vocês não estavam preparando um espetáculo?

Torgeir Wethal - Em 1966-67 estávamos trabalhando cotidianamente na preparação de um espetáculo! Era o período em que ensaiávamos e apresentávamos Kaspariana25 12 Kaspariana, segundo espetáculo do Odin Teatret, é a história da educação acelerada de uma criança selvagem através de uma série de nascimentos sociais simbólicos. Esse espetáculo realizou 74 apresentações entre setembro de 1966 e fevereiro de 1968. . Havíamos acabado de mudar para a Dinamarca. No início, não tínhamos uma sala para trabalhar. Trabalhávamos bem cedo de manhã, em uma escola que haviam nos emprestado, e novamente à tarde, quando os alunos tinham ido embora. A partir do momento em que conseguimos uma sala para nós, o dia se dividia em dois momentos: durante toda a manhã, a partir de sete horas, o treinamento; e o trabalho para o espetáculo à tarde.

Como explicar o que fazíamos na época? Por exemplo, eu fiquei muito surpreso quando, nos anos 1960, encontrei grupos de teatro que trabalhavam sobre vários tipos de expressões físicas, porque os atores faziam um aquecimento antes de entrar em cena. Eu nunca havia ouvido falar disso, nós não fazíamos esse tipo de coisas. E, depois de apresentar, os atores se alongavam. Tudo isso me parecia muito estranho. Eu nunca havia pensado no trabalho do ator como um desafio físico, como é o caso do esporte. Nós éramos ativos, muito ativos em cena, mas o processo de trabalho, que se tornava um resultado, vinha do que minha mente desejava e não do que os meus músculos podiam fazer.

Provavelmente, nós não começávamos o treinamento pela acrobacia. Não me lembro muito bem. Acho que nós começávamos pelo treinamento plástico, trabalhando sucessivamente todas as articulações de maneira leve e lúdica. Depois disso, composição durante um longo momento, compondo o corpo de diferentes maneiras. Pernas de cegonha e pescoço de porco, inventando figuras. Certamente, fazíamos cerca de meia hora de cada, elementos plásticos e composição, depois, meia hora de treinamento físico e meia hora de acrobacia. Depois disso, o treinamento de voz. O que fazíamos durante o treinamento não era suposto fazer parte dos espetáculos. Houve uma exceção, para uma cena curta de Ferai, um combate de cerca de um minuto que havíamos construído a partir de exercícios de acrobacia.

Na segunda parte do dia, trabalhávamos em um espetáculo. Todos os atores estavam presentes na sala, durante os ensaios inteiros. De tempos em tempos, Eugenio me fazia trabalhar sozinho sobre improvisações e, nesse caso, éramos apenas os dois, ou éramos acompanhados por outro ator que anotava o que eu fazia. A partir dos ensaios de Kaspariana (1966), a maioria do tempo, estávamos todos presentes, inclusive quando os outros improvisavam, mas às vezes Eugenio podia trabalhar individualmente com um ou outro ator. Acho que, a partir de Ferai, estávamos todos na sala de ensaio o tempo inteiro, mesmo quando Eugenio conduzia um trabalho individual durante uma, duas ou três horas. Nesse caso, os outros ficavam sempre ali, sentados, assistindo ou comentando. Anos depois, ocorreu uma grande mudança quando começamos a trabalhar individualmente ou em duplas. Não lembro muito bem quando isso começou. Durante o período de trabalho de Oxyrhincus26 13 L’Évangile selon Oxyrhincus, espetáculo sobre o fanatismo e o poder, teve 214 apresentações entre março de 1985 e junho de 1987. (1985), provavelmente ainda estávamos todos presentes na sala de ensaio a maior parte do tempo. Hoje, cada um de nós trabalha no seu canto. Nenhum de nós faz treinamento, a não ser Kai [Bredholt] às vezes, acho.

Ou então, se eu faço um treinamento, isso ocorre quando trabalho com alunos durante as oficinas. Quer dizer que, o que eu faço em uma situação que não tem um espetáculo como objetivo, é, mesmo assim, uma preparação para situações teatrais futuras das quais eu ainda não conheço nem mesmo o nome ou o objetivo. Nessas situações, eu trabalho criando ideias hesitantes, vontades, novas maneiras de fazer. Retomar a coragem e, se possível, criar surpresas. Mas já não nos equilibramos mais sobre nossas cabeças, por assim dizer.

Références

  • BARBA, Eugenio. Le Théâtre psychodynamique. Kraków: Drukarnia Zwiazkowa, 1964. (Mémoire tapuscrit non publié, suivi de Le Théâtre-laboratoire ‘13 rzedów’ d’Opole ou le Théâtre comme auto-pénétration collective, textes rassemblés par Eugenio Barba, matériaux bibliographiques).
  • BARBA, Eugenio. La Terre de Cendres et Diamants. Saussan: Entretemps, 2000. [1998].
  • BARBA, Eugenio. Une vitalité radieuse. Entretien réalisé par Raphaëlle Doyon. Alternatives Théâtrales, Les Liaisons singulières, n. 88, p. 27-29, 2e trimestre 2006.
  • CHRISTOFFERSEN, Exe. The Actor’s Way. Traduit par Richard Fowler. London: Routledge, 1993. [Skuespillernes Vandring, Klim, Aarhus, 1989].
  • GROTOWSKI, Jerzy. Incontri del TG. Un’ora con Jerzy Grotowski. Retranscription d’une émission télévisée de Mario Raimondo tournée à Holstebro en janvier 1976. Teatro e Storia, Italia, n. 20-21, anno XIII, p. 421-429, 1998-1999.
  • 1
    Entrevista realizada por Mario Raimondo, em Holstebro, em janeiro de 1976, para o programa de televisão Incontri del TG. Un’ora con Jerzy Grotowski. Transcrito em Teatro e storia, n. 20-21, anno XIII, p. 421-429, 1998-1999GROTOWSKI, Jerzy. Incontri del TG. Un’ora con Jerzy Grotowski. Retranscription d’une émission télévisée de Mario Raimondo tournée à Holstebro en janvier 1976. Teatro e Storia, Italia, n. 20-21, anno XIII, p. 421-429, 1998-1999..
  • 2
    Statens Teaterhøgskole (literalmente, A Grande Escola de Teatro do Estado) foi criada em 1953. A partir de 1996 ela integra a Kunsthøgskolen i Oslo (literalmente A Grande Escola de Arte de Oslo).
  • 3
    Zygmunt Molik, era “instrutor da ação vocal: exercícios respiratórios e vocais, ressonadores, higiene da voz”. Ver: Le Théâtre-laboratoire ‘13 rzedów’ d’Opole ou le Théâtre comme auto-pénétration collective, textos reunidos por Eugenio Barba, materiais bibliográficos anexos à dissertação Théâtre psychodynamique, Kraków, drukarnia Zwiazkowa, 1964BARBA, Eugenio. Le Théâtre psychodynamique. Kraków: Drukarnia Zwiazkowa, 1964. (Mémoire tapuscrit non publié, suivi de Le Théâtre-laboratoire ‘13 rzedów’ d’Opole ou le Théâtre comme auto-pénétration collective, textes rassemblés par Eugenio Barba, matériaux bibliographiques)..
  • 4
    Sobre esse assunto, verLa Terre de cendresBARBA, Eugenio. La Terre de Cendres et Diamants. Saussan: Entretemps, 2000. [1998]. et diamants [1998], 2000, p. 60-61. Eugenio Barba explica como nasceu a necessidade do treinamento em Akropolis em março-abril de 1962, e como os exercícios que serviam aos objetivos do espetáculo, e eram abandonados depois, tornaram-se pouco a pouco autônomos em relação aos espetáculos.
  • 5
    Jens Christensen foi ator do Odin Teatret de 1970 a 1974. Ele atuou em Min fars hus.
  • 6
    Elsa Kvamme, atriz do Odin Teatret de 1973 a 1975. Ela participou de Livre des danses (julho de 1974).
  • 7
    Odd Ström, ator do Odin Teatret em 1973 e 1974. Ele participou de Livre des danses (julho de 1974) e de Johan Sebastian Bach.
  • 8
    Tom Fjordefalk, ator do Odin Teatret de 1974 a 1984.
  • 9
    Espetáculo de rua criado em Carpignano, no sul da Itália, durante o verão de 1974. O espetáculo realizou 350 apresentações entre julho de 1974 e janeiro de 1980, sobretudo no exterior. Le Livre des danses foi uma montagem de elementos do treinamento e marca o início do período de trocas.
  • 10
    A publicação da entrevista de Eugenio Barba em 2006BARBA, Eugenio. Une vitalité radieuse. Entretien réalisé par Raphaëlle Doyon. Alternatives Théâtrales, Les Liaisons singulières, n. 88, p. 27-29, 2e trimestre 2006. - Une vitalité radieuse (p. 27-29) - era introduzida por um resumo da história interna do Odin Teatret, na qual eu havia indicado a data na qual Torgeir Wethal parou de treinar. Era 1971, data que o interessado havia comunicado nesta entrevista, de maio de 2005. Eugenio Barba me fez retificar a data de 1971 para 1974. E. Barba e T. Wethal não tem a mesma memória (afetiva?) dos acontecimentos.
  • 11
    Ferai, que relata o reino de um jovem rei, pacífico e justo, após a morte de um déspota, é o terceiro espetáculo do Odin Teatret. Ele foi apresentado 220 vezes entre junho de 1969 e julho de 1970.
  • 12
    Kaspariana, segundo espetáculo do Odin Teatret, é a história da educação acelerada de uma criança selvagem através de uma série de nascimentos sociais simbólicos. Esse espetáculo realizou 74 apresentações entre setembro de 1966 e fevereiro de 1968.
  • 13
    L’Évangile selon Oxyrhincus, espetáculo sobre o fanatismo e o poder, teve 214 apresentações entre março de 1985 e junho de 1987.
  • Esta entrevista, traduzida por André Mubarack, também se encontra publicada em francês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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