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Entre Senhores, Sambas e Cervejas: a construção discursiva da mulata fácil no Brasil

Parmi Messieurs, Sambas et Bières: la construction discursive de la mulâtresse facile au Brésil

Resumo:

O artigo tem por objetivo empreender uma leitura dos discursos que versam sobre o imaginário da mulata fácil no Brasil (Freyre, 2006 [1933]) considerando sua densidade histórica. O intuito é partir dos enunciados que irrompem no período escravocrata sobre essa mulata, discutir a forma como ela é colocada à prova no decorrer do século XX e, por fim, analisar as atualizações e apropriações dessa memória na atualidade. Para tanto, parte-se de uma Análise do Discurso derivada de Michel Pêcheux, mas que incorpora as atuais discussões empreendidas por Jean-Jacques Courtine, principalmente aquelas que dizem respeito à Semiologia Histórica.

Palavras-chave:
Discurso; Semiologia; Memória; Escravização; Mulata Fácil

Résumé:

Cet article vise à entreprendre une lecture des discours qui traitent de l'imaginaire sur la mulâtresse facile au Brésil (Freyre, 2006 [1933]), compte tenu de sa densité historique et sémiologique. Ce but est lancé à partir des déclarations qui émergent sur cette mulâtresse au période d’esclavage, de discuter la façon dont elle est mise à l'épreuve au cours du XXe siècle et, enfin, analyser les mises à jour et des appropriations de cette mémoire de nos jours. Le point de départ est une analyse du discours dérivé de Michel Pêcheux, mais intègre également les contributions de Michel Foucault, ainsi que les discussions actuelles menées par Jean-Jacques Courtine, en particulier celles qui concernent la sémiologie historique.

Mots-clés:
Discours; Sémiotique; Mémoire; Asservissement; Mulâtresse Facile

Abstract:

This article aims to undertake a reading of the discourses that deal with the imaginary about easy mulatto woman in Brazil (Freyre, 2006 [1933]), considering its historical and semiological density. That aim is based on statements that emerge on that mulatto woman in slavery period, discussing how it is put to the test during the twentieth century and, finally, analysing the updates and appropriations of that memory nowadays. The starting point is a discourse analysis derived from Michel Pêcheux, but also incorporates the contributions of Michel Foucault, as well as current discussions undertaken by Jean-Jacques Courtine, especially those concerning to the Historical Semiology.

Keywords:
Discourse; Semiotics; Memory; Enslavement; Easy Mulatto Woman

Esse branco ardido está fadado porque não é com lábia de pseudo-oprimido que vai aliviar seu passado. Olha aqui meu senhor: Eu me lembro da senzala e tu te lembras da Casa-Grande e vamos juntos escrever sinceramente outra história Digo, repito e não minto: Vamos passar essa verdade a limpo porque não é dançando samba que eu te redimo ou te acredito: Vê se te afasta, não invista, não insista! Meu nojo! Meu engodo cultural! Minha lavagem de lata! Porque deixar de ser racista, meu amor, não é comer uma mulata! (Lucinda, 2006LUCINDA, Elisa. Mulata Exportação. In: LUCINDA, Elisa. O Semelhante. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. P. 184-185., p. 184-185)

Em entrevista concedida ao El país Brasil em julho de 2016, a pesquisadora e ativista Djamila Ribeiro fala sobre a necessidade de problematizar o motivo pelo qual as mulheres negras são as maiores vítimas de estupros no Brasil1 1 Dados do Mapa da Violência de 2015. . Trata-se de problematizar não apenas o machismo (como se isso fosse bem pouca coisa), mas o machismo aliado ao racismo: instâncias que trabalham juntas na manutenção de um discurso que objetifica e hiper-sensualiza o corpo da mulher negra, na tentativa de justificar a violência praticada contra ele.

Segundo a pesquisadora, os dados que apontam para esta realidade delatam não um fenômeno ou um fato isolado, mas toda uma estrutura: uma estrutura que guarda suas raízes no modo como se organizaram as relações entre senhores e negras escravizadas durante os 300 anos de escravidão que tivemos no Brasil: “no período da escravidão as mulheres negras eram estupradas sistematicamente pelos senhores de escravo. Quando a gente fala de cultura do estupro é necessário fazer essa relação direta entre cultura do estupro e colonização” (Ribeiro, 2016RIBEIRO, Djamila. “É preciso discutir por que a mulher negra é a maior vítima de estupro no país”. El país Brasil, São Paulo, 23 jul. 2016. Entrevista concedida a Marina Novaes. Disponível em: <Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/14/politica/1468512046_029192.html >. Acesso em: 25 jul. 2016.
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/...
, online).

A reflexão proposta por Djamila Ribeiro (2016RIBEIRO, Djamila. “É preciso discutir por que a mulher negra é a maior vítima de estupro no país”. El país Brasil, São Paulo, 23 jul. 2016. Entrevista concedida a Marina Novaes. Disponível em: <Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/14/politica/1468512046_029192.html >. Acesso em: 25 jul. 2016.
http://brasil.elpais.com/brasil/2016/07/...
) está inscrita, portanto, numa perspectiva discursiva e, consequentemente, histórica. É nas tramas da história que os discursos - inclusive aqueles problematizados pela pesquisadora - são construídos, mantidos e atualizados. Neste ensejo, este artigo tem por objetivo analisar o modo como a relação entre africanas e colonizadores, em contexto senhorio, fez nascer no Brasil a imagem da mulata fácil, para usar a expressão de Gilberto Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933]), bem como empreender uma leitura dos enunciados que, posteriormente ao período escravocrata, conservaram e se apropriaram dessa memória, abrindo portas para que ela ainda encontre condições de emergência na atualidade.

Para tanto, este artigo está organizado em quatro partes. A primeira delas diz respeito às ferramentas teóricas e metodológicas das quais lançaremos mão no empreendimento aqui proposto. Trata-se de uma breve discussão sobre a Análise do Discurso fundada por Michel Pêcheux e, mais especificamente, sobre as discussões atualmente empreendidas por Jean-Jacques Courtine no que se refere à Semiologia Histórica. Posteriormente a essa discussão, estarão em tela a análise de três momentos históricos sequenciais: a princípio, apresentaremos o modo como foi criada e discursivizada a imagem da mulata fácil no período colonial, supostamente rendida aos desejos do senhor. A seguir, interessar-nos-ão os concursos de beleza promovidos pelas associações negras durante todo o século XX, que colocarão em xeque essa imagem e se apresentarão na tentativa de construir outro lugar para a mulher negra. Por fim, num cenário de políticas afirmativas, analisaremos as atualizações desses discursos, o modo como estão postos na mídia contemporânea, além dos efeitos de sentido produzidos a partir do corpo da mulher negra.

Como corpus a ser analisado em cada uma dessas etapas, entrarão em cena não apenas anúncios de jornais dos séculos XIX e XX, mas também enunciados visuais, tomados aqui na qualidade de performances pretéritas. Sobre isso, ainda que os mesmos, dado o tempo passado em que se desenvolveram, sejam apenas “[...] obscuro reflexo, eco ensurdecido de um prazer para sempre estancado” (Medeiros, 2005MEDEIROS, Maria Beatriz de. Aisthesis: estética, comunicação e comunidades. Chapecó: Argos, 2005., p. 165), tomá-los-emos na condição de representatividade de uma expressão cênica, capazes de colocar em jogo a aproximação entre a vida e a arte mediada pelo corpo. Tal representatividade está em comunhão com as funções defendidas por Schechner (2003SCHECHNER, Richard. O que é performance? O Percevejo, Rio de Janeiro, ano 11, p. 25-50, 2003., p. 39) para a performance, entre as quais figuram: “marcar ou mudar a identidade, fazer ou estimular uma comunidade”. Assim, entre os enunciados aqui analisados e as performances artísticas, encontra-se a centralidade do corpo, a (re)construção de identidades, bem como a produção, a manutenção e a atualização de discursos.

É seguindo, pois, os passos de registros performáticos de uma dada mulata fácil que este artigo se apresenta, atentando para um enredo que envolve continuidades e descontinuidades. Vamos a ele.

Da Análise do Discurso à Semiologia Histórica

Tendo em vista que o objetivo aqui proposto exige um olhar retroativo sobre o modo como foi discursivizado o corpo da mulher negra no Brasil, apropriar-nos-emos, para fins de análise, da perspectiva teórico-metodológica apontada por Michel Pêcheux e, principalmente, das atualizações que lhe oferecem Jean-Jacques Courtine. É nessa confluência de pensamento que esperamos encontrar respaldo para analisar os sentidos atribuídos ao corpo da mulher negra em sua dimensão histórica, bem como em sua composição semiológica e performática, haja vista a instância do corpo.

A fundação da Análise do Discurso se dá durante a década de 1960, no coração do estruturalismo francês. O novo campo constituía-se como uma corrente de estudos interdisciplinar no qual estão envolvidos a língua, os sujeitos e a História, numa relação tensa com Saussure (que chegava pela releitura do próprio Pêcheux), Freud (relido por Lacan) e Marx (pela influência constante de Althusser). A Linguística, a Psicanálise e o Materialismo Histórico estavam, pois, no cerne de um projeto que visava à construção de uma teoria materialista do discurso, além de um projeto político que interviria na luta de classes (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.). O objetivo era analisar os efeitos de sentido produzidos pelo discurso político escrito, levando-se em consideração a posição-sujeito ocupada por aquele que o produzia.

Assim, discutir o projeto de Michel Pêcheux seria, antes de mais nada, ter em mente o vínculo estabelecido, em sua base epistemológica, entre ciência e política. Segundo Maldidier (2003MALDIDIER, Denise. A Inquietação do Discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Tradução de Eni Orlandi. Campinas: Pontes, 2003., p. 57), num primeiro momento, que iria de 1969 a 1975, a teoria apareceria diretamente governada pela política, e Pêcheux conduzia, com os althusserianos, a batalha teórico-política contra o reformismo. Por esse motivo, ao passo que se vislumbrava uma mutação na política francesa durante a década de 1980, tornava-se também urgente uma transformação na teoria. Naquele momento, entrava em cena uma suposta crise da Linguística, além de uma irreversível crise do Marxismo e do Estruturalismo.

A década de 1980 é, nas palavras de Courtine (1999COURTINE, Jean-Jacques. O Discurso Inatingível: marxismo e lingüística (1965-1985). Tradução de Heloisa Monteiro Rosário. Cadernos de Tradução, Porto Alegre, n. 6, p. 5-18, abr./jun. 1999.), o momento de desmarxização da teoria linguística e das Ciências Humanas de modo geral. É quando entrará em cena uma nova configuração da mensagem política: em decorrência das turbulências sociais, políticas e tecnológicas, os corpora verbais coletados e analisados na década de 1960 estavam em mutação, o discurso partidário já não se reduzia à linguagem verbal. A incorporação da linguagem publicitária à linguagem política e uma composição discursiva cada vez mais heterogênea instauravam outra discursividade na medida em que ofereciam novas formas de dizer e de produzir sentido. A grande mídia foi protagonista desse processo: instalava-se o primado das imagens, de modo que os textos recebiam um tratamento sincrético: mais do que ouvir seu verbo, era preciso ver (e fazer significar) suas imagens. O discurso verbal, que recebeu lugar privilegiado desde o surgimento da Análise do Discurso, daria lugar a textos de múltiplas naturezas (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.). Era preciso estar atento, enfim, a

[...] uma verdadeira revolução áudio-visual, com a exponencial da mídia que instalava o reinado das imagens, dos textos sincréticos que amalgamam diversas materialidades (linguísticas e visuais). Era chegado o momento de incorporar à análise a língua de vento da mídia, o discurso ordinário, as novas materialidades do mundo pós-moderno que se concretizavam no discurso (Gregolin, 2008GREGOLIN, Maria do Rosário. J.-J. Courtine e as metamorfoses da Análise do Discurso: novos objetos, novos olhares. In: SARGENTINI, Vanice; GREGOLIN, Maria do Rosário (Org.). Análise do Discurso: heranças, métodos e objetos. São Carlos: Claraluz , 2008. P. 21-37., p. 27).

Empreender uma análise do discurso a partir da década de 1980 significaria, então, levar em conta não apenas seus passos iniciais, no que diz respeito à sua aliança entre Linguística e História, mas significaria, sobretudo, considerar as descontinuidades teóricas articuladas no seu âmbito, bem como os reordenamentos políticos que se assistiam à época. É a partir de estados de crise que foi preciso revolver o projeto de uma análise do discurso político e repensá-lo a partir das restrições que se faziam significativas na teoria do discurso. As novas configurações da mensagem política, principalmente no que diz respeito à sua fugacidade, à sua composição multimodal, assim como à sua transmissão pelos mais rápidos e variados suportes midiáticos, interrogam-nos sobre um substrato teórico que faça frente a tais mutações. Como apreendê-los e, principalmente, como analisá-los mediante sua espessura histórica? Para Courtine (2006COURTINE, Jean-Jacques. Uma genealogia da Análise do Discurso. In: COURTINE, Jean-Jacques. Metamorfoses do Discurso Político: derivas da fala pública. Tradução de Carlos Piovezani e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2006. [1992]. P. 37-57.), se quisermos manter o projeto de uma análise do discurso que restitua ao discurso sua dimensão histórica, a Análise do Discurso já não pode limitar o alcance de sua visada, passando a empreender análises que articulem discursos, imagens e práticas (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.).

Parece-me, particularmente, que esse projeto poderá administrar a análise das representações compostas por discursos, imagens e práticas. A transmissão da informação política, atualmente dominada pelas mídias, se apresenta como um fenômeno total de comunicação, representação extremamente complexa na qual os discursos estão imbricados em práticas não-verbais, em que o verbo não pode mais ser dissociado do corpo e do gesto, em que a expressão pela linguagem se conjuga com a expressão do rosto, em que o texto torna-se indecifrável fora de seu contexto, em que não se pode mais separar linguagem e imagem (Courtine, 2006COURTINE, Jean-Jacques. Uma genealogia da Análise do Discurso. In: COURTINE, Jean-Jacques. Metamorfoses do Discurso Político: derivas da fala pública. Tradução de Carlos Piovezani e Nilton Milanez. São Carlos: Claraluz, 2006. [1992]. P. 37-57., p. 57).

O olhar oferecido à imagem torna-se, neste cenário, fundamental. O papel desempenhado pelas novas mídias e tecnologias audiovisuais, no processo de produção e circulação de textos sincréticos, aguça, de modo definitivo, a necessidade de analisar o modo como as imagens produzem sentido na contemporaneidade. Dessa necessidade, Courtine (2011COURTINE, Jean-Jacques. Discurso e imagens: para uma arqueologia do imaginário. Tradução de Carlos Piovezani. In: PIOVEZANI, Carlos; CURCINO, Luzmara; SARGENTINI, Vanice (Org.). Discurso, Semiologia e História. São Carlos: Claraluz , 2011. P. 145-162.; 2013) apontará como via possível a busca por um aparato semiológico aos estudos do discurso, a fim de oferecer ao campo uma perspectiva metodológica que auxilie na análise dos discursos compostos por textos sincréticos, multimodais, compostos por sistemas semióticos diversos, bem como se apresenta o discurso político contemporaneamente. A essa perspectiva, Courtine chamará Semiologia Histórica (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.).

É essa Semiologia que funda necessária uma descontinuidade no que se refere ao apego pela dimensão textual dos discursos. Celebrava-se a iminente chegada do reinado das imagens, de modo que a mutação das discursividades, atraída pelo desenvolvimento dos aparelhos audiovisuais, já se fazia visível. Diante disso, seria preciso considerar que o processo de materialização textual ocorre, atualmente, através de uma diversidade de meios, manifestando-se, nas palavras de Piovezani (2009PIOVEZANI, Carlos. Verbo, Corpo e Voz: dispositivos de fala pública e produção da verdade no discurso político. São Paulo: Ed. da UNESP, 2009.), de modo plurissemiótico. Conforme o autor, uma possível definição para a unidade textual seria uma “unidade simbólica que se formula em uma, duas ou mais linguagens, sob a forma de um dado gênero de discurso, produzida em determinadas condições históricas de produção e materializada em um suporte” (Piovezani, 2009, p. 208). Assim sendo, é preciso que nós, analistas do discurso, passemos a considerar, em nossas análises, a dimensão textual mediante as linguagens sob as quais ele se funda, a fim de não produzir análises baseadas puramente em recortes textuais (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.).

Além disso, a dimensão histórica que Courtine vincula à dimensão semiológica não representa, nas palavras de Piovezani (2009PIOVEZANI, Carlos. Verbo, Corpo e Voz: dispositivos de fala pública e produção da verdade no discurso político. São Paulo: Ed. da UNESP, 2009.), um mero sintagma atraente. Integrando o caráter histórico à Semiologia, Courtine pretendia expandir o alcance da visada discursiva, oferecendo novo fôlego e novos desafios ao projeto que propunha restabelecer ao discurso sua densidade histórica, em oposição a uma tendência de gramaticalização do discurso, principalmente porque essa densidade esteve presente desde a fundação da AD. Tendo em mente, no entanto, a relação entre produção simbólica e dimensão histórica, a Semiologia proposta por Courtine estabelece também o resgate dessa esfera (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.).

Fundamentados nos postulados da Semiologia histórica, de Courtine, visamos a uma certa reabilitação da densidade histórica que atravessa toda e qualquer discursividade, com vistas a inscrevermos nosso objeto de reflexão e análise na intersecção de múltiplas durações da história e a considerarmos, mesmo que sumariamente, a historicidade das memórias que ele atualiza, dos recursos que ele emprega, quando de sua formulação, e da forma do objeto cultural por intermédio do qual ele se manifesta materialmente e circula na sociedade (Piovezani, 2009PIOVEZANI, Carlos. Verbo, Corpo e Voz: dispositivos de fala pública e produção da verdade no discurso político. São Paulo: Ed. da UNESP, 2009., p. 204).

Poderíamos dizer, assim, que a proposta de uma Semiologia Histórica, antes de estar ligada à fundação de uma disciplina, está ligada à construção de uma perspectiva teórica que sugere o desejo não apenas de revolver a espessura histórica dos discursos, mas, do mesmo modo, de considerar uma unidade textual baseada no caráter sincrético que a constrói (Braga, 2016BRAGA, Amanda. Cafuza, mulata, negra: corpo e memória no discurso publicitário de cervejas brasileiras. Revista Línguas & Letras, Cascavel, v. 17, n. 35, p. 142-162, 2016.). É a essa perspectiva que devemos nos voltar, segundo Courtine (2011COURTINE, Jean-Jacques. Discurso e imagens: para uma arqueologia do imaginário. Tradução de Carlos Piovezani. In: PIOVEZANI, Carlos; CURCINO, Luzmara; SARGENTINI, Vanice (Org.). Discurso, Semiologia e História. São Carlos: Claraluz , 2011. P. 145-162., p. 152), sempre que quisermos nos interrogar “[...] sobre o que produz signo e sentido no campo do olhar, para os indivíduos, num momento histórico determinado, a cada vez que tentamos reconstruir o que eles interpretam daquilo que percebem, mas ainda o que lhes permanece invisível”. Ainda segundo Courtine (2011, p. 152), é ainda a perspectiva oferecida pela Semiologia histórica que aparece como alternativa “[...] a cada vez também que nos interrogamos sobre a historicidade das imagens” (Braga, 2013).

Assim, é partindo desse cenário e desses apontamentos teórico-metodológicos que este artigo se apresenta, na tentativa de analisar, numa dimensão histórica e semiológica, os discursos que versam sobre o corpo de uma mulata supostamente fácil: trata-se de um olhar que vai além da superfície textual e da instantaneidade dos fatos atuais. Trata-se, em suma, de um olhar preocupado com os efeitos de sentido produzidos pela expressão performática do corpo em uma cadeia histórica. Para tanto, conforme dito anteriormente, estaremos detidos ao modo como os discursos irrompem no período escravocrata e são, posteriormente, tecidos pela história, num enredo que envolve memórias, exclusões e retomadas.

A Emergência de uma Mulata Fácil

Primeiramente, é preciso pensar o que foi constituído como domínio do discurso no interior do sistema escravocrata: de que modo o corpo da mulata, comprada e usada como objeto sexual, foi discursivizado nas tramas da escravização? De que modo produzia sentido? Vejamos.

Falar em Brasil é falar, necessariamente, de uma miscigenação que extrapola os atributos físicos. A presença negra no Brasil não está visível apenas no corpo, mas no corpo e na alma, como diria Gilberto Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933]). Ela está em tudo que é expressão sincera de vida: no nosso batuque, na nossa religiosidade, na nossa língua, nos nossos pratos. Todos nós temos - no corpo, no sangue, na alma ou na memória - um tanto da negra escravizada que amolecia a vida antes de oferecê-la, açucarada, à boca do nhonhô. Da comida às palavras, todo sabor foi machucado pela negra, daí o português doce desenvolvido aqui: “[...] palavras que só faltam desmanchar-se na boca da gente”, a exemplo de dodói, bumbum, papá, mimi, cocô... (Freyre, 2006 [1933], p. 414). Foi entre os braços da mucama que o menino branco conheceu uma ternura e uma docilidade raras ao povo europeu (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Muito menino brasileiro do tempo da escravidão foi criado inteiramente pelas mucamas. Raro o que não foi amamentado por negra. Que não aprendeu a falar mais com a escrava do que com o pai e a mãe. Que não cresceu entre moleques. Brincando com moleques. Aprendendo safadeza com eles e com as negras da copa. E cedo perdendo a virgindade. Virgindade do corpo. Virgindade de espírito (Freyre, 2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933], p. 433).

Conforme Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933], p. 367), foi o contato com a negra que ofereceu ao menino branco “a primeira sensação completa de homem”: os princípios do amor físico embalados por um sistema que criava discursivamente o imaginário da mulata fácil, rendida aos caprichos e desejos do senhor. Instigado, desde sempre, a iniciar-se na vida sexual - posto que não ficava bem, à casa-grande, um filho donzelo -, a ânsia pelo sexo, já na adolescência, o incitava à busca por moleques e animais domésticos. Era um prelúdio ao grande atoleiro da carne. Freyre (2006 [1933]) narra casos não apenas de predileção pela cor, mas de exclusivismo também: casamentos sem vias de realização, já que o homem não conseguia satisfazer-se com mulheres brancas, ou casos em que, consagrado o casamento, era preciso, ao homem, em suas noites de casado, munir-se de roupas de sua amante negra (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

São muitos os lugares nos quais é possível entrever, neste contexto, a emergência de um discurso sobre uma mulata fácil. As relações entre o sinhô-moço e a negra da senzala - tão intensas quanto fugazes - foram enunciadas, por exemplo, pelas tantas modinhas que acompanhavam o trabalho escravo: Meu branquinho feiticeiro/ doce ioiô meu irmão/ adoro teu cativeiro/ branquinho do meu coração// Pois tu chamas de irmãnzinha/ a tua pobre negrinha/ que estremece de prazer/ e vai pescar à tardinha/ mandi, piau e corvina/ para a negrinha comer (Freyre, 2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933], p. 424). É a partir de enunciados como esse que podemos atentar, inclusive, às prováveis relações incestuosas ocorridas no período. A presença de expressões como irmão e irmãnzinha remete a um erotismo que ultrapassa o limite da carne. São, possivelmente, pessoas do mesmo sangue que se amam nessa cantiga: o filho branco e sua meia-irmã mulata, acusando a grande prole de filhos ilegítimos no interior do sistema (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

A cena retratada pela cantiga era recorrente no Brasil escravista. Acompanhado de negras e mulatas desde cedo, o menino aprendeu, ainda na infância, sobre os prazeres - e as facilidades - da carne. Motivado pelo status pessoal que isso lhe traria, o nhonhô reparou, rapidamente, no corpo das mulatas da copa, e enxergou na procriação com escravas um modo de acarretar rentabilidade ao sistema. Os filhos ilegítimos foram muitos, relações incestuosas, feitiçaria sexual, crimes por ciúmes, e até o alastramento da sífilis: tudo em excesso (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

E vale ressaltar, ainda, que não foram apenas os senhores que se fizeram valer das relações de poder ali estabelecidas. Padres e frades, para além de um suposto moralismo religioso, deixaram-se “[...] arregaçar as batinas para o desempenho de funções quase patriarcais, quando não para excessos de libertinagem com negras e mulatas” (Freyre, 2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933], p. 532). A vida sexual dos religiosos figura, por exemplo, na litografia abaixo (Figura 1), de Henrique Fleiuss, que data de 18712 2 Publicada originalmente em: Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 11, n. 572, 26 nov. 1871, p. 4572. Atualmente catalogada em Moura (2000, p. 561). (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Figura 1
Henrique Fleiuss. O Padre Morales, cantando a mulata

“Muitas vezes por trás dos nomes mais seráficos deste mundo - Amor Divino, Assunção, Monte Carmelo, Imaculada Conceição, Rosário - [...] floresceram garanhões formidáveis” (Freyre, 2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933], p. 532). A cena acima evidencia (e delata) essa prática. Caracterizada tanto pelo título da litografia quanto pela batina, a presença do Padre se apresenta como uma sátira, uma crítica e, ao mesmo tempo, uma denúncia do comportamento da época. Num ambiente rural, perceptível pela vegetação, longe, portanto, de qualquer lugar sacralizado, o religioso, de costas ao observador, está voltado e cantando à mulata, acompanhado de um instrumento. Com um discreto sorriso, a mulata, deitada numa rede, também está voltada ao religioso, como quem aceita e corresponde à sua abordagem (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Na expressão dos corpos, é preciso destacar, ainda, o gesto que a mulata sugere com o vestido: enquanto uma de suas mãos suspende e sustenta seu rosto, a outra laça o vestido e alude levantá-lo, deixando entrever seu pé e um tanto de sua perna, numa suposta tentativa de atrair aquele que a canta. Ao lado direito do enunciado, ao mesmo tempo em que a cena se desenvolve, pelo menos dois rostos espiam, por trás de árvores, o provável casal. Um deles, bem maior que as proporções impressas na litografia, sugere os olhos arregalados de uma sociedade que estava atenta ao acontecimento, aludindo ao fato de ter sido corrente e sabido, a todos, as relações entre padres e mulatas, ostentadas como amantes sem que isso fosse motivo de pudor. Não por acaso, Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933]) ressalta que o poder da Companhia religiosa nunca intercedeu favoravelmente às negras, nunca se opôs às suas condições irregulares de vida sexual, diferentemente do que fizera com as índias (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

O comportamento sugerido pela cena, assim como pela cantiga anteriormente citada, está presente, ainda, aos anúncios de jornais brasileiros do século XIX. Considerados por Gilberto Freyre (2010FREYRE, Gilberto. Os Escravos nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. 4 ed. São Paulo: Global , 2010. [1963]. [1963], p. 84) como “nossos primeiros clássicos”, eles estão impregnados pelo cotidiano do país e, naturalmente, pelo intenso comércio de negras e mulatas escravizadas para fins sexuais. Pela exigência do gênero, bem como pelo tipo de comércio a que se propunham, tanto se encontram anúncios que demonstram preocupação excessiva pela descrição física das escravas - sem, no entanto, falar abertamente sobre sua vida sexual - como também se encontram anúncios que não tardam em sugerir, de imediato, seus “préstimos” (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Em 1830, o Diário de Pernambuco publicava: “Algum homem solteiro que estiver em circunstâncias de precisar de huma ama de casa para todo serviço necessário [...]” (Diário de Pernambuco, 30/1/1830)3 3 Freyre (2010 [1963], p. 170). . Já em 1859: “Vende-se uma escrava boa cozinheira, engomma bem e ensaboa, com uma cria de 3 anos, peça muito linda, propria de se fazer um mimo della [...]” (Diário de Pernambuco, 28/4/1859)4 4 Freyre (2010 [1963], p. 166). . E sucederam-se, até fins do século XIX, anúncios em que escravas à venda eram descritas como bonita figura, corpo sadio, sem defeitos. Ao lado destes, havia também aqueles que noticiavam a procura de escravos fugidos: estes também de bonita figura, capazes de dengos e quitutes, deixando, no anúncio, o ruído de um senhor saudoso (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Alguma mucama ou mumbanda de ‘bonita figura’, criada quase como folha e fugida talvez com o mulato de sua paixão, deixando o senhor branco sozinho, com saudade dos seus cafunés, dos seus dengos e dos seus quitutes. Está nesse caso a negrinha Luísa, de beiços finos, olhos grandes, pés pequenos, espigadinha de corpo, peito em pé, que em 1833 fugiu da Rua das Violas, aqui em São Cristóvão (Jornal do Commercio, 8/1/1833 apud Freyre, 2010FREYRE, Gilberto. Os Escravos nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. 4 ed. São Paulo: Global , 2010. [1963]. [1963], p. 112).

Desse modo, compreendendo que os anúncios, via de regra, estiveram, durante todo o período em que foram produzidos, mais preocupados em descrever o corpo escravo do que a sua habilidade de trabalho, é possível afirmar, como salienta Freyre (2006FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal (Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil - 1). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. [1933]. [1933]), que houve um processo de seleção eugênica e estética no momento de obtenção dos escravos. A predileção sempre esteve voltada aos negros bonitos de corpo e de rosto, altos e com todos os dentes. Negros vindos da Guiné, Cabo e Serra Leoa, por exemplo, ainda que sustentassem a fama de maus escravos, estavam entre aqueles considerados mais bonitos de corpo, principalmente as mulheres. Não por acaso, elas tinham preferência quando se tratava de escravas para o trabalho doméstico. “Fácil é de imaginar - salienta Freyre (2006 [1933], p. 384) - que também para os doces concubinatos ou simples amores de senhor com escrava em que se regalou o patriarcalismo colonial” (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Portanto, a acurada seleção de negras destinadas ao trabalho nas casas-grandes, a promiscuidade sugerida na relação entre senhores e escravas, um sem número de filhos ilegítimos espalhados pelo sistema, o sangue branco misturado ao suor negro, os ciúmes despertados nas senhoras, bem como os crimes cometidos em nome dessa rivalidade, são fatores que compõem um mesmo quadro: é o retrato da relação estabelecida entre brancos e negros num Brasil escravocrata, pela qual perpassaram, desde sempre, o corpo, o sexo e o imaginário da mulata fácil. A seguir, veremos o modo como o século XX fará trabalhar essa memória (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

A Mulata Reeducada

Após assinatura da Lei Áurea, em 1888, seria preciso analisar a maneira como as memórias anteriormente produzidas foram conservadas ou descartadas, isto é, o modo como o século XX organizá-las-á, elegendo aquelas que são passíveis de contestação, de manutenção ou, enfim, de esquecimento. O propósito, então, era inaugurar um novo momento para a população negra do país: inúmeros jornais e associações recreativas afro-brasileiras reivindicarão, agora, uma segunda abolição. Nesse contexto, é possível ouvir a voz do negro endereçada ao negro: nela, uma preocupação política, mas também educativa e estética. Era preciso reeducar a raça, subtrair-lhe os estereótipos atribuídos ao negro pelos séculos anteriores. Entrava em cena um apelo à moral e aos bons costumes cultivados à época. Símbolo dessa contra imagem proposta são os concursos de beleza organizados pela população negra, que além de auxiliar na construção de um conceito de beleza negra, apresentavam-se, ainda, como uma resposta à imagem da mulata promíscua construída no período escravocrata (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Nesse momento, nos tantos concursos de beleza promovidos, o que se vê é um conceito de beleza baseado nos preceitos da moral: o objetivo era premiar a senhorinha que melhor se representasse os códigos de civilidade ditados pela época. Para retratar esse período, poderíamos citar uma série de concursos realizados ao longo do século XX: o Concurso de Belleza ofertado pelo jornal O Menelick em janeiro de 1916; o concurso para eleição da Rainha Negra promovido pelo jornal A voz da raça em março de 1934; a eleição da Rainha das mulatas promovida pelo Teatro Experimental de Negros em setembro de 1947; ou ainda o concurso Miss Progresso, veiculadas pelo jornal Progresso em janeiro de 1930. Na impossibilidade de apresentar todos eles, tomaremos como exemplo o concurso Boneca de Pixe, promovido pelo Teatro Experimental de Negros em maio de 1950.

A edição número 9 de O Quilombo (Figura 2), publicada em maio de 1950, trazia Caty Silva - Boneca de Pixe na capa, estampando vasto sorriso pela vitória. Em grande matéria, o jornal fazia ecoar os créditos da beleza negra coroada naquele 13 de maio (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Figura 2
Catty, a ‘boneca de pixe de 1950’. Fonte: O Quilombo (1950).

Durante o espetáculo sem precedentes que foi o baile para eleição da Boneca de Pixe de 1950, esteve presente uma multidão de entusiastas sem qualquer distinção de classe, de modo que se poderia encontrar desde empregadas domésticas até escritores ou sociólogos, além de escritores, poetas, jornalistas, fotógrafos, maestros, atrizes, bailarinas, advogados. O auge da festividade, entretanto, segundo O Quilombo, foi a apresentação das candidatas: num total de 12 mulheres, cada uma recebeu a simpatia manifestada pela plateia, não apenas pela beleza de ébano das jovens, mas também pelo vestuário que traziam (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.):

Todas apresentaram lindos modelos, destacando-se também em elegância as senhoritas Nely Santos, que desenhou e realizou seu próprio ‘soiré’, Nina Barros, outra competente modista que se vestiu a si mesma com raro gosto; Catty Silva apresentou um modelo simples mas de grande beleza exclusivo da renomada modista Lucila, Eunice compareceu exibindo um lindo modelo grená, seguindo-se em apurado gosto os ‘soirés’ de Iracilda e Elohá (O Quilombo, 1950, p. 6-7).

A elegância possibilitada pelos trajes também figurava, na cena analisada, como critério de votação. Aliás, muitos outros critérios - que vão além da beleza física, ou da beleza de ébano - estavam em jogo. A esse respeito, Nascimento (2003NASCIMENTO, Elisa Larkin. O Sortilégio da Cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Summus, 2003.) já chamava a atenção para o fato de que, nesses concursos, embora oferecessem à mulher negra um espaço de conquista da autoestima - tão arrefecida pelos padrões dominantes -, era consenso entre os organizadores que a exigência tão somente de uma beleza física poderia trazer à tona os estereótipos contra os quais o movimento lutava. Nas palavras da autora: “[...] não escapava aos organizadores que a questão da beleza física poderia ligar-se a outros fatores, como o estereótipo da mulher fácil, ‘quente’, e sexualmente disponível” (Nascimento, 2003, p. 297). Não por acaso, o Teatro Experimental do Negro, ao relatar os normas de votação, não tarda em frisar os padrões de moralidade como elemento característico de uma beleza negra (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Foram apresentadas as candidatas ao título de ‘Boneca de Pixe de 1950’, lindas jovens e dignas representantes da beleza negra da nossa terra. O certame, tendo a finalidade de promover a valorização [sic] social da mulher de cor não poderia se ater apenas à beleza física das candidatas, tendo sido exigido também qualidade morais, predicados de inteligência, requisitos de graça e elegância (O Quilombo, 1950, p. 6).

Foi, então, com base nesses critérios que, após quatro horas e meia de apuração, Catty Silva foi anunciada Boneca de Pixe daquele ano, motivo pelo qual recebeu das mãos do engenheiro e industrial Jael de Oliveira Lima, o prêmio de 10.000 cruzeiros por ele oferecido, como forma, segundo O Quilombo, de “[...] apoio efetivo ao movimento de elevação social da nossa gente de cor”. Após discursar a respeito, o doador ainda “[...] resolveu oferecer também às quatro primeiras colocadas uma lembrança do concurso, cuja entrega teve lugar na redação deste periódico” (O Quilombo, 1950, p. 7) (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

À esteira desse concurso, todos os outros certames promovidos pelas demais associações negras guardam sua força no modo como fazem brotar, numa sociedade de classes, uma discussão sobre a estética negra que afirmava um conceito de beleza construído entre o corpo e a moral, criando, ainda, espaços para socializá-la. Esse deslocamento operado pelos concursos se afasta da imagem de uma mulher negra sexualmente escravizada e disponível, e se aproxima de uma concepção de beleza que, segundo Lipovetsky (2000LIPOVETSKY, Gilles. A Terceira Mulher: permanência e revolução do feminino. Tradução de Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2000., p. 121), vigorou até o século XVIII: “[....] tem por característica fundamental não separar a beleza física das virtudes morais. Reflexo da bondade moral, a beleza, nas culturas tradicionais, não tem autonomia, é a mesma coisa que o bem”. É essa concepção que nos parece ser retomada quando se anuncia um concurso de beleza especificamente, e se elege a candidata que melhor incorpora os preceitos morais vigentes. Prova disso são as qualidades morais e predicados de inteligência utilizados como critérios de votação.

Contudo, simultaneamente a todos esses concursos, como contraponto a toda essa construção discursiva sobre um corpo reeducado e politizado, há pelo menos dois aspectos que denunciam a manutenção de um discurso sobre um corpo negro de sexualidade exacerbada. O primeiro deles diz respeito à produção musical do período. Como exemplo, podemos destacar a canção de Alberto de Castro Simões da Silva (Bororó), que, ao final daquela década de 30, cantava os beijos molhados e escandalizados de uma morena da cor do pecado:

Esse corpo moreno cheiroso e gostoso que você tem/ É um corpo delgado da cor do pecado/ Que faz tão bem/ Esse beijo molhado, escandalizado que você me deu/ Tem sabor diferente que a boca da gente/ Jamais esqueceu/ E quando você me responde umas coisas com graça/ A vergonha se esconde/ Porque se revela a maldade da raça/ Esse cheiro de mato tem cheiro de fato/ Saudade, tristeza, essa simples beleza/ Esse corpo moreno, morena enlouquece/ Eu não sei bem por que/ Só sinto na vida o que vem de você/ Ai....Ai....

Além de Bororó, João Gilberto, em 1959, cantava uma mulata de samba no pé e compaixão nenhuma: Olha, essa mulata quando samba/ É luxo só/ Quando todo seu corpo se embalança/ É luxo só/ Tem um não sei quê/ Que faz a confusão/ O que ela não tem meu Deus/ É compaixão. Em 1960, Elizeth Cardoso, em composição de Ataulfo Alves, fazia referência a uma mulata assanhada/ Que passa com graça/ Fazendo pirraça/ Fingindo inocente/ Tirando o sossego da gente! Já em 1979, a mesma Elizeth Cardoso, em composição de João Nogueira, bradava a malícia de uma mulata faceira: Ah, Olha quem está chegando/ é a mulata faceira/ Que vem na cadência do samba/ empunhando a bandeira/ Vem com o seu valor/ que é só pra mostrar como é/ a malícia da cor, a ginga/ e o dengo da mulher (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Assim, paralelamente aos concursos de beleza realizados no decorrer do século XX, o cancioneiro de nossa Música Popular Brasileira (MPB) faria emergir a continuidade de um discurso que remetia à sensualidade exacerbada de um corpo negro. Eram enunciados destinados a permanecer na memória de nossa cultura, para além da reeducação que sugeriam as associações negras, bem como os concursos de beleza por elas organizados.

Além das produções musicais, o segundo aspecto a sublinhas desse período seria, por exemplo, as inúmeras premissas que buscavam enquadrar o comportamento da mulher negra, principalmente no que se refere à sua conduta sexual, aliando-a à busca pelo matrimônio. Retomando o artigo Breviário da Mulher, publicado no jornal A voz da raça, em março de 1934, Domingues (2007DOMINGUES, Petrônio José. Frentenegrinas: notas de um capítulo da participação feminina na história da luta anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 28, jan./jun. 2007. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332007000100015&script=sci_arttext >. Acesso em: 22 nov. 2012.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010...
, p. 367) dirá: “A mulher não devia ser namoradeira, mas contrair relacionamentos amorosos com a perspectiva de casamento; ‘pecar mais por ser recatada que desenvolta, pois nada há que lhe assente tão bem como o recato’” (Domingues, 2007, p. 367). É uma concepção - da qual somos, de algum modo, herdeiros - que deposita na mulher a responsabilidade pelo casamento: cabia a ela um comportamento recatado, alinhado à constituição de uma família. Afinal, uma conduta sexual que se expressa em excesso poderia até “[...] agradar determinados homens, mas a maioria hão de parecer pouco indicadas para mães de seus filhos, motivo por que algumas senhoritas acham noivos mas não maridos”, conforme proclamava o artigo (A voz da raça, 06/ 1936) (Domingues, 2007, p. 367). Logo, era preciso cobrir-se com vergonha e decoro, a fim de desfazer a ideia cantada por Bororó: aquela de que havia uma maldade da raça, capaz de inebriar os homens pela sedução de um corpo moreno, cheiroso, gostoso, delgado, que tem o pecado associado à sua cor (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Importa ressaltar que, no momento em que se publicam anúncios que tentam controlar o apetite sexual de um dado corpo, denuncia-se, ao mesmo tempo, a continuidade de um discurso sobre essa hiper-sensualidade: é justamente a permanência de enunciados que falam sobre uma mulata assanhada que torna necessária a publicação de modelos de conduta. Desse modo, não apenas as músicas produzidas no período, mas também os anúncios educativos delatam a manutenção de um discurso cujo mote apontava a mulher negra como sendo dona de uma sexualidade incontrolada. Vejamos, a partir daqui, de que forma essas memórias estão postas num momento de políticas afirmativas.

A Mulata Memorizada

Na última etapa aqui proposta, interessar-nos-á analisar o contexto atual, embebido pelo advento das políticas afirmativas incorporadas pelo Estado brasileiro e destinadas à população negra. Neste momento, será preciso refletir sobre a atualização dos discursos anteriormente produzidos, num empreendimento que discute o lugar ocupado pelo imaginário de que trata este artigo num contexto de autoafirmação e respeito à diversidade. Por um lado, é possível vislumbrar a demarcação de um discurso afirmativo, que muda o olhar do negro sobre si na medida em que se nacionalizam políticas afirmativas, políticas de identidade, ou, simplesmente, ações afirmativas. Daí o surgimento de enunciados como black is beautiful, 100% negro, 100% black, crespo é lindo. Por outro lado, sabemos que essa afirmação é temperada pela memória que - como negar? - ainda nos fala sobre uma mulata da cor do pecado, um corpo esculpido pela volúpia, numa liberdade sexual permitida pelo carnaval, pelo samba, pelas propagandas de cervejas, pela música, etc.

A fim de demonstrar de que modo esses discursos emergem em nosso cotidiano, analisaremos dois enunciados representativos deste momento, haja vista o gênero discursivo no qual se inserem - o publicitário -, bem como a temática que abordam. Vejamos.

Figura 3
Outdoor da Escola de Samba Pérola Negra no carnaval de 2007

Em outdoor para o carnaval de 2007 (Figura 3), a Pérola Negra dispara: você vai perdendo a vergonha com o passar do tempo. Nossas mulatas, por exemplo, já nem ligam de ficarem peladas. Desfile na Pérola Negra, garanta sua fantasia. O que temos, na cena aqui retratada, é uma mistura de traços representativos da folia do carnaval, momento em que estamos todos imersos em um mesmo ritmo: alguém vende bebida, alguém toca violão, alguém faz a marcação do samba no surdo, alguém varre as ruas, alguém fantasiado de malandro, de porco, de palhaço... Nas extremidades, duas mulheres, de algum modo, se sobressaem. À esquerda, uma mulher supostamente loira, olhos verdes e fantasia de anjo: nessa composição, a cor de seus olhos e de suas asas se destacam na multidão. À direita, a mulata se apresenta: nua, portando apenas uma sandália, traz os lábios marcados pelo batom vermelho, ressaltando-os como signo de sua beleza e de sua identidade: são lábios naturais, sem botox, porque “beiço e bunda são coisas de negros!” (Silva, 2007SILVA, Adyel. Entramos mais de 1 vez na fila? Raça Brasil, São Paulo, ano 11, n. 113, p. 34, 2007., p. 34). O vermelho de seus lábios se junta à escultura de seu corpo na composição de uma subjetividade que se contrapõe, conforme anuncia o outdoor, à imagem do pudor: nossas mulatas, por exemplo, já nem ligam de ficarem peladas (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Neste contexto, é preciso analisar no convite lançado ao público: Desfile na Pérola Negra, garanta sua fantasia. Com DaMatta (1986), é possível pensar na troca realizada, durante o carnaval, entre uniformes e fantasias. Ora, se passamos o ano inteiro limitados por um uniforme que, como o próprio nome sugere, tem por missão uniformizar nossos corpos, subjugá-los a uma mesma rotina e a um mesmo governo; no carnaval, em contrapartida, a fantasia permite a interferência da criatividade e, principalmente, da liberdade: podemos ser um dinossauro, uma bailarina, um personagem de história em quadrinhos, uma atriz de cinema, um astronauta. Não é por acaso que no Brasil não se cultiva o uso de máscaras, mas de fantasias. Ainda segundo DaMatta (1986), nossas fantasias vão além das máscaras em dois aspectos: primeiramente, as máscaras objetivam ocultar sua identidade, seu rosto, seu nariz; além disso, a palavra fantasia guarda uma ambiguidade: tanto pode estar relacionada a algo que se deseja enquanto a rotina nos aprisiona, como também pode estar relacionada à roupa que reservamos unicamente para o carnaval. Nessa segunda acepção, a fantasia, segundo DaMatta (1986, p. 75), “[...] permite que possamos ser tudo o que queríamos, mas que a ‘vida’ não permitiu. Com ela - e jamais com o uniforme -, conseguimos uma espécie de compromisso entre o que realmente somos e o que gostaríamos de ser” (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Assim, talvez seja essa liberdade identitária que apresenta a personagem do outdoor: corpo nu, sorriso nos lábios, samba no pé. Aqui, a composição do enunciado - sobretudo a fantasia da mulata (ou a ausência dela) - faz uma evidente referência aos estereótipos consagrados ao negro desde o período escravocrata, especialmente a aqueles que versam sobre erotismo e luxúria. Ainda que o século XX tenha atribuído preceitos morais e familiares ao imaginário da mulata, é nitidamente perceptível, ainda hoje, a continuidade desse discurso, que ocorre concomitantemente a uma negação do discurso moral: você vai perdendo a vergonha com o passar do tempo (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Além disso, através de DaMatta (1986), ainda é possível pensar na relação existente entre mulheres e comidas. Por um lado, a imagem do pudor exaltada pelo século XX: modelo de mãe, dona do lar, esposa, religiosa, cuja prática sexual é sagrada e executada unicamente com fins reprodutivos. Por outro lado, a mulata que já nem liga de ficar pelada: mulher da rua, oferecida aos olhos de quem a deseja, “[...] comida de todos [...] deliciosas na sua ingestão escondida e apaixonada”, como salienta o autor (DaMatta, 1986, p. 60). É nessa segunda acepção, portanto, que se sustenta a produção de sentido da cena em questão, símbolo de uma dada performance pretérita (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Para além desse outdoor, e ainda com o objetivo de analisar o modo como esses discursos atualmente permeiam nosso imaginário, poderíamos empreender também uma leitura do anúncio publicitário da Cerveja Devassa, publicado em 2010.

Figura 4
Anúncio publicitário Cerveja Devassa

Acima, anúncio publicitário da Cervejaria Devassa, veiculada pela Revista Rolling Stones publicada em dezembro de 2010: É pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra. Devassa negra. Encorpada, estilo dark ale de alta fermentação, cremosa e com aroma de malte torrado. Associando, em toda sua linha de produção, a imagem da mulher à imagem da cerveja, a Devassa faz uso de ambiguidades a fim de confundir os dois campos. O próprio nome da cerveja é uma tentativa: afinal, o que é a Devassa, ou quem é a devassa? Notável é que todas as cervejas produzidas nessa linha não apenas recebem designações femininas, como também são tratadas por irmãs: uma família bem atípica, todas as irmãs são gostosas, diz a página oficial do produto5 5 Disponível em: <www.devassa.com.br>. Acesso em: 11 dez. 2012. . Apresenta-se, assim, a loura, a ruiva, a negra, a índia e a sarará: mas nem todo mundo aguenta 4 na mesma noite, afirma o site (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

O ambiente criado para a performance publicitária da Devassa negra, especificamente, é um misto de bordel e botequim. Este último está presente, por exemplo, nos azulejos que formam o pano de fundo da imagem: em botequins mais tradicionais, sobretudo aqueles que remontam a meados do século XX, no melhor estilo português, os azulejos - quando não são o típico azulejo lusitano, decorado com suas formas florais ou abstratas -, estão acomodados na forma de losangos, sobrepondo dois tons de cor, tal qual nos mostra a cena em questão. Associada ao azulejo, a imagem da cerveja: chope ou long neck. Enquanto a garrafa se apresenta - geladíssima - à degustação do leitor, o chope, em copo personalizado, transborda sua espuma, como quem acaba de ser recolhido: ambos prontos ao consumo, oferecendo-se aos olhos e ao paladar do consumidor (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

A competir com essa Devassa, no entanto, apresenta-se - maior! - a mulher negra que se estende pelo restante do anúncio. É ela o contraponto à garrafa long neck ou ao chope. Do mesmo modo, é ela quem colocará em cena a imagem do bordel já referida: sentada, coxas à mostra, sapato alto, vestido decotado (minuciosamente desenhado), uma rosa amarrada ao braço, uma tiara ao cabelo e, por fim, um olhar que tem por intuito seduzir o espectador da cena. Em contraste com os azulejos verdes, a mulher negra veste vermelho, numa atmosfera de paixão e luxúria. Em trajes típicos de uma concubina, seu corpo se apresenta de costas para o espectador: apoia seus braços sobre o chão e apresenta seu rosto. É sob esse ângulo que se dá a ver o maior decote de sua roupa: desnudando seus ombros, seu dorso, ao mesmo tempo em que ameaça deixar à mostra seus seios e insinua, sob o corte que traja, o desenho de suas nádegas. Simultaneamente, a linguagem verbal sinaliza: é pelo corpo que se reconhece a verdadeira negra. Muito além de sugerir uma simples justificativa à nudez impressa, a frase em questão faz sacudir uma memória e nos remete ao processo de compra e venda de escravos em armazéns, ocasião na qual o comprador apalpava as mulheres oferecidas à venda, como quem buscava em seu corpo as razões para tal compra, numa clara alusão à aquisição de escravas destinadas, exclusivamente, ao trabalho na casa-grande e aos desejos patriarcais (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Uma leitura do enunciado em sua espessura histórica nos dirá, portanto, que a verdadeira negra aqui, é, na verdade, um acontecimento discursivo que atualiza a memória de uma escrava sexual. A verdadeira negra tem um corpo exposto, oferece-o aos olhos de quem a observa, traz uma boca entreaberta (como que pronta a entregar-se aos beijos de quem a deseja), porta uma roupa sedutora (que mostra mais do que esconde) e um olhar que revela uma suposta maldade da raça, como já cantava Bororó na década de 1930. E de outro modo não poderia ser: é pelo corpo que a reconhecemos, é por meio de suas curvas que podemos identificá-la, tal qual fazia o comprador de escravas (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Não por acaso, o anúncio em questão provocou reações em cadeia e levou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) a abrir processo junto ao Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) e ao Ministério Público. Em março de 2012, o órgão respondeu ao processo com a determinação de que o grupo responsável pela produção da Devassa efetuasse alterações no anúncio, entendendo que ele reforçava o processo de racismo e veiculava estereótipos sobre a sexualidade da população negra (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

A tal acusação, o grupo Devassa parece responder citando a alegria e a criatividade do brasileiro. Em seu site, disponibilizou, à época, um Manifesto em que fazia alusão à Devassa como sinônimo de liberdade, autenticidade e descontração: mostrar quem, de verdade, a gente é e fazer aquilo que tem vontade de fazer são algumas das possibilidades apresentadas pela cerveja, porque quem bebe Devassa procura liberdade. Nada de fazer tipo, caras e bocas, fingir ser o que não é. Assim, o sentido produzido nos leva a concluir que o anúncio por eles divulgado objetivaria, então, oferecer visibilidade e espaço para que a mulher negra seja exatamente quem ela é, para que ela assuma, enfim, sua identidade. Se quisermos voltar, ainda, ao parâmetro feito por DaMatta (1986, p. 60) entre mulheres e comidas, em detrimento de uma mulher negra que estivesse moldada por um discurso social que impõe controle de sua identidade, de sua conduta e de seu apetite sexual, a Devassa daria vazão à verdadeira negra: “comida de todos”, nas palavras do autor, ou, quiçá, “bebida” de todos (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

É esse parâmetro - de uma mulher negra comida ou bebida de todos - e principalmente as ambiguidades presentes na proposta publicitária da revista - o nome das cervejas, o modo como cada uma delas é apresentada, além do cenário de luxúria disposto em seu site - que nos proporá, então, a confusão propositalmente estabelecida entre o produto oferecido pela publicidade e suas garotas propagandas. Afinal, quem é a devassa: a mulher negra que se estende pelo anúncio ou a cerveja que se apresenta, discreta, ao seu lado? O que oferece, efetivamente, o anúncio: o corpo da mulher ou a cerveja escura, encorpada, estilo dark ale? Uma ou outra, certo é que, segundo a publicidade, o lado devassa da negra (a mulher ou a cerveja) só seria perceptível pelo corpo (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

Conclusão

Do empreendimento aqui proposto - aquele que sugere analisar discursivamente o modo como a imagem da mulata fácil emerge no período escravocrata e é, posteriormente, tecida pela história -, concluímos que esse caráter sensual atribuído ao corpo negro viaja pela história do Brasil adotando ora uma exposição explícita, ora uma negação (embora essa negação tenha sido traída pela MPB), ora uma retomada teoricamente camuflada pelas ações afirmativas, pela publicidade, pela própria música, ou, ainda, por um certo tom de humor.

Vejamos: a imagem da mulata fácil construída no período escravocrata oferecia, ao corpo negro, os signos do erotismo, da luxúria, da sensualidade exacerbada, principalmente quando se tratava de escravas selecionadas para o trabalho doméstico, destinadas a satisfazer os desejos patriarcais. Afinal, retomando a entrevista concedida por Djamila Ribeiro e mencionada no início deste artigo, “[...] desde muito cedo o menino foi criado para ser o macho, pra ser o provedor, o violento, o agressivo” (Ribeiro, 2016)6 6 Referência eletrônica, ausência de página. , mesmo que isto tenha significado, desde sempre, a manutenção de uma cultura do estupro endereçada, nesse caso particularmente, à mulher negra.

Na passagem para o século XX, em contraposição ao apelo moral que fazia as associações afro-brasileiras, que defendiam um estilo de vida honrosa regido pelas normas e códigos da civilidade, concedendo à mulher apenas o papel de mãe recatada, dona de casa e boa esposa, o cancioneiro de nossa MPB não deixava dúvida quanto à continuidade desse discurso, especialmente no que tange às facetas performáticas encarnadas pelas mulatas do carnaval, do samba, do morro (Braga, 2013BRAGA, Amanda. Retratos em Branco e Preto: discursos, corpos e imagens em uma história da beleza negra no Brasil. 2013. 239 f. Tese (Doutorado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em Letras, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013.).

No que se refere ao momento atual, paralelamente às políticas afirmativas, que recomendam um discurso de exaltação a uma imagem positiva da negritude, não é ainda esse discurso sobre uma mulata fácil que aparece no outdoor da Escola de Samba Pérola Negra? Você vai perdendo a vergonha com o passar do tempo. Nossas mulatas, por exemplo, já nem ligam de ficarem peladas. Para além das rupturas no que se refere à condição social dessas mulheres, não é ainda sobre a volúpia de uma mulata que trata a cena? É um discurso considerado válido, retido pela nossa memória e apropriado, atualmente, pela esfera cultural do nosso país: a mulata, o samba e o carnaval (tal qual o conhecemos) são signos de nossa brasilidade. Não por acaso, as músicas de que falávamos anteriormente ainda são regravadas atualmente.

Com isso, queremos mostrar a articulação de uma história que se move na medida em que atualiza memórias, conservando-as e atualizando-as. As marcas da mulata fácil construída no período escravocrata brasileiro estão espalhadas pela MPB, criada no decorrer do século XX. Na sequência, as marcas dessa sensualidade inundam o imaginário brasileiro e chegam às nossas publicidades, às nossas músicas, ao nosso carnaval. Trata-se, portanto, de discursos que atravessam o tempo e guardam sua força na medida em que trabalham em sua manutenção na dispersão do tempo histórico.

O intuito deste artigo foi, portanto, problematizar a necessidade de ruptura desses discursos. Neste sentido, parece-nos haver, já, um horizonte: estamos, finalmente, discutindo o teor racista de nossas marchinhas de carnaval; temos uma Miss Brasil negra depois de 30 anos; o feminismo negro tem ganhado visibilidade em todo o País; a Globeleza já não anuncia nua o carnaval... Na sequência, será preciso desnaturalizar práticas, pautando discussões que versem sobre o empoderamento de mulheres negras, na tentativa de reivindicar uma outra história a ser escrita sobre seus corpos.

Referências

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  • 17
    Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    Dados do Mapa da Violência de 2015.
  • 2
    Publicada originalmente em: Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 11, n. 572, 26 nov. 1871, p. 4572. Atualmente catalogada em Moura (2000MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. A Travessia da Calunga Grande: três séculos de imagens sobre o negro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2000., p. 561).
  • 3
    Freyre (2010FREYRE, Gilberto. Os Escravos nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. 4 ed. São Paulo: Global , 2010. [1963]. [1963], p. 170).
  • 4
    Freyre (2010FREYRE, Gilberto. Os Escravos nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. 4 ed. São Paulo: Global , 2010. [1963]. [1963], p. 166).
  • 5
    Disponível em: <www.devassa.com.br>. Acesso em: 11 dez. 2012.
  • 6
    Referência eletrônica, ausência de página.
  • 7
    Data of the Violence’s Map of 2015.
  • 8
    T. N.: “young master” is an approximate translation for the Portuguese word “nhonhô”. This word refers to a young master of slaves, but it also has a sentimental charge in it.
  • 9
    T.N.: “casa-grande” is a Portuguese word that means, literally, “big house”. In the Brazilian slave period, it referred to the house where the master of slaves lived.
  • 10
    Originally published: Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, ano 11, n. 572, 26 nov. 1871, p. 4572. Currently cataloged in Moura (2000MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. A Travessia da Calunga Grande: três séculos de imagens sobre o negro no Brasil (1637-1899). São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 2000., p. 561).
  • 11
    Freyre (2010FREYRE, Gilberto. Os Escravos nos Anúncios de Jornais Brasileiros do Século XIX: tentativa de interpretação antropológica, através de anúncios de jornais brasileiros do século XIX, de característicos de personalidade e de formas de corpo de negros ou mestiços, fugidos ou expostos à venda, como escravos, no Brasil do século passado. 4 ed. São Paulo: Global , 2010. [1963]. [1963], p. 170).
  • 12
    Freyre (2010 [1963], p. 166).
  • 13
    T.N.: the Portuguese word “devassa” is an adjective that refers to a libertine woman.
  • 14
    Available at: <www.devassa.com.br>. Accessed on: 11 December 2012.
  • 15
    Electronic reference, no page.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2016
  • Aceito
    02 Fev 2017
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