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Atos como Performance na Ocupação do Espaço Urbano: contra um modelo de cidade para os megaeventos

Actes comme Performance dans l'Occupation des Rues: contre un modèle de ville pour les grands évenements

Resumo:

Esta pesquisa se move entre junho de 2013 e julho de 2014, observando os atos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro, em perspectiva a um só tempo estética e política, não apenas como crítica ao modelo de cidade para os megaeventos, mas como proposição de outros modos de habitar a urbe. A partir da percepção da pluralidade de formas de expressão acionadas e da centralidade das ações diretas na prática dos manifestantes, relacionamos os atos à noção de performance, com atenção especial aos corpos que ocuparam o espaço urbano, com suas coreopolíticas, seus teatros de invasão, seus coros polifônicos, suas escritas múltiplas, e a criação de Zonas Autônomas Temporárias, sempre prontas a re(in)ssurgir.

Palavras-chave:
Manifestações de Rua; Performance; Cidades; Copa do Mundo; Olimpíada

Résumé:

Cette recherches, effectue de juin 2013 à juillet 2014, témoignant des actes qui ont eu lieux dans les rues de Rio de Janeiro, d'un point de vue à la fois esthétique et politique, perçus non seulement comme critiques àun modèle de ville destinée à de grands évenements, mais comme propositions pour un mode autre d'habiter la ville. Considérant la pluralité des formes d'expression mises en place et la centralité des actions directes exercées alors par les manifestants, nous relions de tels actes à la notion de performance, avec une attention particuliére aux corps qui ont occupé les rues avec leurs chorépolitiques, théâtres d'invasion, chœurs polyphoniques, les multiples écritures, et la création de Zones Autonomes Temporaires, toujours imminentes.

Mots-clés:
Manifestations de Rue; Performance; Villes; Coupe du Monde; Jeux Olympiques

Abstract:

This research focuses on the acts that took the streets of Rio de Janeiro between June 2013 and July 2014. They are observed from both an aesthetic and political perspective, not simply as a criticism toward the model of city developed for mega-events, but rather as a proposal for different ways of inhabiting the urban landscape. By perceiving the plurality of the activated forms of expression and the centrality of direct action in the practice of the protesters, I address these acts with reference to the notion of performance, considering especially the bodies which have occupied the urban space with their choreopolitics, theatres of invasion, polyphonic choirs, multiple writings, and the creation of Temporary Autonomous Zones always ready to re (in)ssurect.

Keywords:
Street Protests; Performance; Cities; FIFA World Cup; Olympic Games

O presente artigo aborda, em perspectiva ao mesmo tempo estética e política, os atos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro entre junho de 2013 e julho de 2014. Da luta pela revogação do aumento das passagens de ônibus às manifestações contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, os atos podem ser percebidos não apenas como crítica a um determinado modelo de cidade - justificado pela necessidade de adaptação para a realização de megaeventos esportivos como a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016 -, mas como proposição de outros modos de habitar a urbe. Seja pela multiplicidade de meios expressivos, seja pela centralidade das ações diretas na prática dos manifestantes, podemos perceber os atos como performance, com atenção especial aos corpos que ocuparam o espaço urbano, criando Zonas Autônomas Temporárias (Bey, 2013bBEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. 2013b. Disponível em: <Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf >. Acesso em: 14 set. 2013.
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). A partir de suas coreopolíticas (Lepecki, 2012LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Ilha (Revista de Antropologia), Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012.), seus teatros de invasão (Carreira, 2008CARREIRA, André. Teatro de Invasão: redefinindo a ordem da cidade. In. LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.). Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008. P. 67-78.), suas múltiplas cores, seus coros polifônicos, suas escritas intertextuais, e mais uma série de outros aspectos relacionados ao campo da experiência estética, observamos como esses atos assumem a cidade como bem comum e espaço de afirmação da diversidade, contra um discurso totalizante (Certeau, 1994CERTEAU, Michel de. Andando na cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, IPHAN, n. 23, p. 21-31, 1994.) e um ordenamento urbano excludente e de exceção (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.).

A que Modelo de Cidade esses Atos se Contrapõem?

Se lembrarmos os momentos que precederam a realização da Copa do Mundo no Brasil, o ano de 2016 se iniciou com um silêncio aterrador sobre as Olimpíadas. Com a passagem dos jogos olímpicos pelo Rio de Janeiro, vale lembrar que, por trás dos gritos Não vai ter Copa, o que estava em questão era a crítica ao modelo de cidade para os megaeventos, com a ordenação excludente do espaço urbano. Além disso, outros modos de habitar a cidade estavam sendo criados na própria ocupação das ruas, já desde os atos pela revogação do aumento das passagens de ônibus em junho de 2013. Ao observar a ação dos corpos que tomaram as ruas da cidade do Rio de Janeiro em 2013 e 2014, sob uma perspectiva ao mesmo tempo estética e política, talvez possamos perceber o que de todo aquele estrondo ainda ecoa, apesar das violentas e constantes tentativas de silenciamento, e mesmo em momentos de aparente silêncio (ver Figura 1).

Figura 1
Ato Grito da Liberdade, em 31 out. 2013, na Av. Rio Branco/RJ

Na análise de Michel de Certeau (1994CERTEAU, Michel de. Andando na cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, IPHAN, n. 23, p. 21-31, 1994.), há um discurso totalizante de cidade que ignora seus habitantes, promovendo uma separação entre os lugares e quem neles vive. Com base nisso, realiza-se uma política de restauração dos objetos, que promove ao mesmo tempo uma desapropriação dos sujeitos. Ao observar os movimentos da vida urbana, no entanto, o autor realoca a noção de patrimônio, deixando de relacioná-la aos objetos criados. Para Certeau (2011CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 2. morar, cozinhar. / Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Petrópolis: Vozes, 2011.), o patrimônio de uma cidade é feito das "capacidades criadoras", das "artes de fazer" (ver Figura 2). Há, portanto, uma tensão constante entre a ordenação imposta por um projeto urbanístico e os movimentos incontroláveis dos habitantes que constantemente reconfiguram a própria paisagem urbana, o entendimento de cidade e as práticas do espaço. O autor ainda observa que, "[...] se no discurso a cidade serve como marco totalizante e quase mítico para as estratégias socioeconômicas e políticas, a vida urbana permite cada vez mais a re-emergência do elemento que o projeto urbanístico excluía" (Certeau, 1994, p. 26).

Figura 2
Ato Fora Cabral, em 14 jul. 2013, Largo do Machado/RJ

Os elementos excluídos de um projeto urbanístico para os megaeventos são os próprios habitantes, que reemergem em 2013 ocupando as ruas em todo o Brasil para exercer diretamente seu direito à cidade. As faces dessa exclusão são muitas: políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais, de gênero, de sexualidade, de origem étnica, territoriais. Assim como são muitas as vozes que emergem, formando um coro polifônico contra todos os silenciamentos. Nesse sentido, é significativo que o mote principal dos atos tenha sido a questão da mobilidade urbana, pois a "[...] luta por transporte tem a dimensão da cidade e não desta ou daquela categoria" (MPL, 2013MPL, Movimento Passe Livre - São Paulo. Não começou em Salvador, não vai terminar em São Paulo. In: HARVEY, David; ZIZEK, Slavoj; DAVIS, Mike et al. Cidades Rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2013., p. 16).

Na avaliação do Movimento Passe Livre (MPL) de São Paulo (2013, p.16), a retomada do espaço urbano, que aparece como objetivo dos protestos contra a tarifa, "[...] também se realiza como método, na prática dos manifestantes, que ocupam as ruas determinando diretamente seus fluxos e usos".

Talvez uma das situações de exclusão mais emblemáticas, pois põe em prática de modo contundente aquela desapropriação dos sujeitos em prol dos objetos de que falava Certeau, seja nesse caso a remoção das populações pobres de áreas de interesse imobiliário, nas doze cidades-sede da Copa do Mundo 2014 e, para as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro.

Os casos de remoção em todo o Rio de Janeiro comprovam que o projeto de cidade que está em curso, associado aos grandes eventos esportivos, tem como base a elitização da cidade. A existência de classes populares se constitui numa barreira; para esse projeto dar certo é necessária a relocalização dos pobres na cidade (ANCOP, 2014ANCOP. Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil. Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, 2014., p. 36).

De acordo com estimativa da Articulação Nacional dos Comitês da Copa e das Olimpíadas (ANCOP, 2014, p. 21), cerca de 250 mil pessoas foram vítimas de remoção forçada de suas casas - e, só no Rio de Janeiro, foram mais de 20 mil famílias, na maior onda de remoções da história da cidade -, para "limpar o terreno para grandes projetos imobiliários com fins especulativos e comerciais", justificados pela necessidade de adaptação das cidades para receber os megaeventos. No dossiê da ANCOP, há um detalhamento de inúmeras violações de direitos humanos no Brasil sob esse pretexto.

Violações de direitos admitidas pela necessidade são, aliás, pressupostos do estado de exceção como paradigma de governo em todas as democracias ocidentais modernas, como podemos observar na análise de Giorgio Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.).Seja para conter crises (políticas, econômicas), seja para garantir a manutenção da ordem e da segurança, a suspensão da ordem jurídica que caracteriza o estado de exceção se justifica como necessária, paradoxalmente, para a manutenção da própria ordem constitucional, e se aplica então uma força de lei sem lei (em que a norma em vigor não tem força, e atos que não têm valor de lei adquirem sua força).

No entanto, como afirma Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 46), "[...] a necessidade, longe de apresentar-se como um dado objetivo, implica claramente um juízo subjetivo" e "[...] necessárias e excepcionais são, é evidente, apenas aquelas circunstâncias que são declaradas como tais". Além disso "[...] as medidas excepcionais, que se justificam como sendo para garantir a defesa da constituição democrática, são aquelas que levam à sua ruína" (Agamben, 2004, p. 20). Em outras palavras, uma democracia protegida não seria uma democracia. Essa face autoritária e totalitarista do estado de exceção - ilegal, mas perfeitamente jurídica e constitucional -, revelada sob a máscara da democracia, se mostra em diversos aspectos da vida social. Se, a partir do contexto de guerra em que ganham força, as medidas de exceção, com caráter provisório, eram a extensão em âmbito civil dos poderes da esfera da autoridade militar, ao conquistar permanência, são a própria militarização da vida.

Essa excepcionalidade tornada regra se faz especialmente visível em territórios ocupados pelas populações mais pobres, como as favelas. Sob o discurso da guerra contra o tráfico, justificam-se as maiores barbáries cometidas pelo poder policial investido da tal força de lei sem lei. A pena de morte, aplicada nas execuções sumárias de supostos traficantes, aberta pelo precedente dos autos de resistência1 1 Auto de resistência era o termo usado frequentemente para registro de ocorrência de homicídios cometidos por policiais militares, para isentá-los de responsabilização, na medida em que são justificados pela suposta resistência armada das vítimas. A prática de alterar a cena do crime para forjar autos de resistência chegou a ser flagrada em vídeo e ganhou os noticiários em setembro de 2015, com o caso do jovem Eduardo Felipe Santos Victor, no Morro da Providência, em que policiais colocaram uma arma nas mãos do menino morto e efetuaram disparos. Recentemente, foi aprovada uma resolução abolindo o termo, o que infelizmente não resulta em uma abolição da prática. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/imagens-mostram-pms-mexendo-em-cena-de-homicidio-na-providencia-rio.html>. Acesso em: 30 jan. 2016. , é a realidade inconstitucional que habita esses territórios de exceção. Até a morte de crianças passa a ser justificada pelo precedente jurídico de erro na execução2 2 Erro na execução foi a expressão que apareceu nos noticiários em 2015, a partir da conclusão do inquérito sobre a morte do menino Eduardo de Jesus, atingido por policiais na porta de sua casa, no Complexo do Alemão. A conclusão diz que os policiais agiram em legítima defesa ao trocarem tiros com traficantes, e Eduardo teria sido atingido por estar na linha de tiro, o que era classificado juridicamente como erro na execução. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/conclusao-sobre-morte-de-menino-no-alemao-e-rejeitada-pela-anistia>. Acesso em: 30 jan. 2016. , perfeitamente aceitável nesse cenário de guerra instituído.

A regularidade das medidas de exceção encontrou na instalação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) sua coroação e, ao mesmo tempo, explicitou o caráter permanente do atual estado de exceção. Nesse aspecto, foram bastante expressivos os gritos Cadê o Amarildo?, que se intensificaram a partir dos atos de 2013, chamando a atenção para a execução do pedreiro por policiais militares nas dependências da UPP da Rocinha, e pondo em evidência a realidade brutal da constante exceção em tais territórios, em que o direito que está suspenso é o mais essencial: o próprio direito à vida.

Os excessos da violência policial e as inúmeras detenções e prisões de ativistas observados nos atos, atingindo pessoas de diferentes origens socioeconômicas e territoriais, proporcionaram uma percepção mais ampla dessa excepcionalidade estendida em toda a teia social. Em todo caso, as medidas de exceção mais drásticas continuam sendo exercidas contra a população pobre. É sintomático que o único caso de condenação judicial no contexto das manifestações até o momento tenha sido o do morador de rua Rafael Braga Vieira, negro e pobre, detido após o ato de 20 de junho de 2013 nas imediações do Centro, com uma garrafa de desinfetante nas mãos, considerada pelo Judiciário como material explosivo.

Nesse aspecto, os megaeventos como pretexto para criar necessidades não só aceleram e aprofundam os processos de gentrificação3 3 O termo vem do inglês gentrification e nomeia uma série de transformações implementadas nos centros urbanos, valorizando um determinado território e elevando o custo de vida no local, forçando o deslocamento das populações pobres, seja pela expulsão direta, seja impossibilitando sua permanência nas áreas afetadas (Bataller, 2012). em curso na cidade, mas ainda agravam essas situações de exceção, como foi possível ver na ocupação da favela da Maré pelo Exército, em 2014, e se explicita agora na aprovação de uma Lei antiterrorismo. Esta poderá ser aplicada para conter desordens políticas, inscrevendo a exceção na própria ordem jurídica.

O que Criam os Corpos ao Ocuparem o Espaço Urbano?

Todas as questões levantadas até o momento têm, evidentemente, fortes implicações biopolíticas, em que opera uma ordenação dos corpos na cidade, através do que André Lepecki (2012LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Ilha (Revista de Antropologia), Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012.) chama de coreopolícia. Na perspectiva de um coreopoliciamento, não são admitidos corpos indisciplinados e indóceis, corpos desobedientes perturbando a ordem determinada para a circulação no espaço urbano. As técnicas disciplinares descritas por Michel Foucault (1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.) para garantir a docilidade e utilidade dos corpos não estão mais circunscritas a determinadas instituições (como escolas, presídios, quartéis), mas já plenamente incorporadas e disseminadas no tecido social, como a ordem natural das coisas. Há, por outro lado, também uma tendência à desobediência inscrita nos corpos, quando estes se sentem (e são constantemente) violados, como percebemos no célebre ensaio de Henry Thoreau (2013THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000019.pdf >. Acesso em: 13 nov. 2013.
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)4 4 A Desobediência Civil foi publicado originalmente em 1849, sob o título Resistência ao Governo Civil. O fato que culminou no ensaio foi a prisão de Henry Thoreau, por ele se negar a pagar impostos ao governo norte-americano, por ser contra a escravidão e a guerra que resultou na anexação de boa parte do território mexicano. Thoreau inicia o texto transgredindo a máxima liberal de que "o melhor governo é o que menos governa", para ele "o melhor governo é o que não governa de modo algum". Para o autor, o governo, ao representar a maioria, não se torna por isso mais justo. Pelo contrário, faz valer, pela força, a vontade dominante sobre a minoria. "Existem leis injustas; devemos submeter-nos a elas e cumpri-las, ou devemos tentar emendá-las e obedecer a elas até a sua reforma, ou devemos transgredi-las imediatamente? Numa sociedade com um governo como o nosso, os homens em geral pensam que devem esperar até que tenham convencido a maioria a alterar essas leis" (Thoreau, 2013, p. 6). Para o autor, no entanto, é necessário tomar medidas efetivas: "Ações baseadas em princípios - a percepção e a execução do que é certo - modificam coisas e relações; a ação deste gênero é essencialmente revolucionária e não se reduz integralmente a qualquer coisa preexistente. Ela cinde não apenas Estados e Igrejas; divide famílias; e também divide o indivíduo, separando nele o diabólico do divino" (Thoreau, 2013, p. 6). O que o autor defende (e faz ao não pagar impostos) é negar deliberadamente, na prática, a autoridade do governo, e recusar o direito do Estado sobre a sua vida. Essa atitude de negar lealdade ao governo e oferecer resistência a normas que se julgam injustas (no caso, os impostos financiavam a guerra e a escravidão) é considerada pelo autor como uma espécie de revolução pacífica, que se dá por recusa, por deserção. "Faça da sua vida um contra-atrito que pare a máquina" (Thoreau, 2013, p. 7), recomenda o autor. . São justamente esses corpos rebeldes que nos despertam interesse, a partir de suas performances nos atos, criando coreopolíticas que perturbam o uso considerado adequado dos espaços.

A partir de movimentos como avançar, quando a ordem é reter-se, permanecer (ocupar), quando a ordem é circular, retornar e retornar e retornar de novo, quando a ordem é dispersar e recolher-se, e até mesmo perambular, quando é preciso ao menos ter um rumo objetivo, os atos podem ser percebidos sob essa perspectiva da coreopolítica. Esses atos criaram danças que não estavam previstas no roteiro dos coreopoliciamentos oficiais, e músicas que escancaram essa audácia, escarnecendo das violentas tentativas de ordenar a dispersão dos corpos, como nos gritos Olha eu aqui de novo. A manchete do jornal O Globo de 30 de agosto de 2013 anunciou o curioso subtítulo: Black Blocs fizeram passeata sem rumo5 5 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/manifestantes-saem-pelas-ruas-do-centro-complicam-transito-9764169>. Acesso em: 30 jan. 2016. , evidenciando o espanto causado por esses movimentos imprevistos (e a tentativa evidente de desqualificá-los). O fato é que a performance black bloc botou a polícia para dançar. E todas essas coreografias de ocupação das ruas desorganizaram a ordenação imposta à circulação dos corpos e criaram novos fluxos e usos do espaço urbano.

Se a cidade, em Lepecki (2012LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Ilha (Revista de Antropologia), Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012.), estava sendo pensada como coreografia, encontramos ainda outra categoria a partir da qual pensar as movimentações dos corpos no espaço urbano: a cidade como dramaturgia, no trabalho de André Carreira (2008CARREIRA, André. Teatro de Invasão: redefinindo a ordem da cidade. In. LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.). Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008. P. 67-78.). Enquanto Lepecki propõe o termo coreopolítica, em Carreira a estratégia proposta leva o nome de teatro de invasão, como performances teatrais "[...] que não se contentam em estar na rua, mas procuram incorporar no funcionamento da cena os fluxos da rua, ou por outro lado, subverter estes fluxos fabricando rupturas dos ritmos cotidianos" (Carreira, 2008, p. 69). Ambos os autores aliam estética e política e, observando as ordenações da cidade e seus fluxos habituais, ditados pelas demandas de circulação de mercadorias (Carreira, 2008) ou pelas imposições da ordem policial (Lepecki, 2012), analisam ações que irrompem nas ruas e inserem "[...] na lógica funcional da cidade deslizamentos momentâneos" (Carreira, 2008, p. 69), provocando estranhamentos e subvertendo os usos cotidianos dos espaços.

Esses deslizamentos momentâneos também podem ser associados à proposta de criação de Zonas Autônomas Temporárias (TAZ), de Hakim Bey (2013bBEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. 2013b. Disponível em: <Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf >. Acesso em: 14 set. 2013.
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). Ao responder negativamente à questão "Devemos esperar até que o mundo inteiro esteja livre do controle político para que pelo menos um de nós possa afirmar que sabe o que é ser livre?" (Bey, 2013b, p. 2), o autor busca alternativas de libertação que possam ser vivenciadas aqui e agora, mesmo que de forma temporária. A impermanência, aliás, seria justamente o que possibilita o exercício da autonomia, movendo-se no tempo e no espaço para escapar em toda a parte. Em oposição à ideia de revolução, que busca conquistar permanência, mas está sempre apontando para um futuro que não chega, ou para um passado que fundou Estados ainda mais fortes e opressivos, Bey sugere a imagem do levante para ajudar a delinear os contornos da TAZ. Na análise do autor, os levantes são experiências de pico em relação ao padrão normal de consciência e experiência, que não seriam extraordinários caso acontecessem todos os dias. "Mas tais momentos de intensidade moldam e dão sentido a toda uma vida" (Bey, 2013b, p.3). Apesar de sua curta duração "[...] algo mudou, trocas e integrações ocorreram - foi feita uma diferença".

A TAZ é uma espécie de rebelião que não confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la (Bey, 2013bBEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. 2013b. Disponível em: <Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf >. Acesso em: 14 set. 2013.
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, p. 4).

Apesar de serem temporárias, essas zonas não se esgotam em si mesmas, mas, pelo contrário, se movem constantemente em várias direções, desaparecendo aqui para ressurgir logo ali, com uma estratégia nômade em relação ao espaço e intempestiva em relação ao tempo, liberando sempre novas áreas. Na avaliação de Bey, as Zonas Autônomas Temporárias seriam o cenário de nossa autonomia presente, em que a libertação é percebida durante o esforço. São "[...] as sementes - ervas daninhas brotando entre as rachaduras das nossas calçadas - desse outro mundo para o nosso mundo" (Bey, 2013b, p. 27).

Impossível não relacionar as ocupações que pipocaram em todo o mundo nos últimos anos, desde o Occupy Wall Street (2011) até a ocupação em Hong Kong (2014), passando pela Praça Catalunya, na Espanha (2011), e pela Praça da Cinelândia, no Brasil (2013), com as Zonas Autônomas Temporárias propostas por Hakim Bey. Embora iniciadas sem prazos pré-estabelecidos de encerramento, nenhuma dessas ocupações visava conquistar permanência, nem seus participantes tinham o objetivo de se mudarem para as ruas e lá morar em definitivo. No entanto, essas ocupações interferiram decisivamente nos fluxos urbanos e nas percepções dos espaços; deixaram um rastro, fizeram uma diferença.

Ocupando a pólis, recusando a circulação, um ato parado toma aspectos políticos, cinéticos, estéticos, pois a ocupação e o permanecer demonstram e revelam como o ímpeto e o imperativo de circulação e de agitação são coreografias que policiam, bloqueiam e impedem uma outra visão da vida (Lepecki, 2012LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Ilha (Revista de Antropologia), Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012., p. 57).

Além disso, mais do que as questões locais que as mobilizaram e as reivindicações específicas que detonaram cada ocupação, todas se aproximam, na forma como ativaram modos de vida comunitários e desierarquizados, com experiências de organização autogestionada. Como afirmou Peter Pál Pelbart (2013PÁL PELBART, Peter. "Anota aí: eu sou ninguém". Folha de São Paulo, Opinião, São Paulo, 19 jul. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/07/1313378-peter-pal-pelbart-anota-ai-eu-sou-ninguem.shtml >. Acesso em: 20 jul. 2013.
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, p. 2), "[...] quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram". E esses desejos têm a ver com a questão levantada por Bey. Afinal, por que deveríamos esperar até que o mundo inteiro estivesse livre para que pudéssemos vivenciar o que é ser livre? Essas ocupações fizeram com que a libertação fosse percebida durante o esforço, como prática coletiva e exercício cotidiano de construção, com as diferenças, de um espaço comum.

No Rio de Janeiro, foram 67 dias de ocupação na Cinelândia, iniciada em 9 de agosto de 2013 com a tomada da Câmara Municipal, se estendendo para a praça, onde foram montadas diversas barracas (ver Figura 3).Muitas outras cidades brasileiras também tiveram suas Câmaras Municipais ocupadas. No Rio de Janeiro, especificamente, o Ocupa Câmara Rio foi motivado pela indignação popular com a forma de instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) proposta para investigar o setor de transportes, composta quase integralmente por vereadores da base do governo, contrários à investigação. Mas o que logo se revelou foi que, enquanto do lado de dentro da casa do povo se encenava uma farsa democrática, do lado de fora, os ativistas davam lições de democracia direta.

Figura 3
Ocupação Ocupa Câmara Rio, de 09 ago. a 15 out. 2013, na Cinelândia/RJ

Em junho de 2013, muito se alardeou na mídia: Afinal, o que quer a multidão?, e as tentativas de listar (e direcionar) pautas não cessaram. O que esses corpos propõem ao ocuparem as ruas não pode estar contido em nenhuma pauta de reivindicações, pois é a própria ocupação das ruas que está sendo realizada em suas ações. Peter Pál Pelbart (2013, p. 1) fala "de desejos e não de reivindicações". Tatiana Roque (2015ROQUE, Tatiana. Os Novos Movimentos se Constituem a partir de Diagramas (e não de programas). Revista DR, Rio de Janeiro, n. 1, online, mar. 2015. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistadr.com.br/posts/os-novos-movimentos-se-constituem-a-partir-de-diagramas-e-nao-de-programas >. Acesso em: 02 abr. 2015.
http://www.revistadr.com.br/posts/os-nov...
) se refere a diagramas, e não programas, como chave possível para ensaiar uma compreensão, não do que esses movimentos querem, mas do que eles fazem, conectando as expressões e os corpos. O que acontece nos atos é uma reapropriação do espaço urbano como bem comum, no qual cabem todos os corpos e todas as vozes - inclusive os desobedientes, inclusive as dissonantes.

Os Atos-Performances em Questão

A proposta, portanto, de pensar os atos como performance, parte desta atenção dedicada ao corpo que, na mesma ação, produz-se estética e politicamente, conectando a um só tempo maneiras de fazer e formas de visibilidade (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A Partilha do Sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005.). A performance, como forma artística híbrida que pode se valer de inúmeros meios de expressão e como modo singular de produção de presença, realizando-se sobretudo como acontecimento a partir da ação do performer, numa zona de indeterminação entre arte e vida, nos parece um conceito (móvel) interessante a partir do qual pensar os atos. A própria escolha do termo ato para nos referirmos aos acontecimentos analisados não é isenta, pois ele pode ser adjetivado concomitantemente como político e como artístico, com ênfase na ação, enquanto jornadas, manifestações, protestos, passeatas, revoltas e demais nomenclaturas usadas não evidenciam essa acepção.

A abordagem dos atos como performance também remete à noção de política como ação "sem relação com um objetivo", ou seja, "uma ação como puro meio que mostra só a si mesma", em vez de limitar-se a um "poder constituinte (isto é, violência que põe o direito), quando não se reduz simplesmente a poder de negociar com o direito" (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 133). Essa noção de Agamben (2004, p. 133) recoloca no centro da política "[...] o uso e a práxis humana que os poderes do direito e do mito haviam procurado capturar no estado de exceção". O que significa dizer que uma luta por direitos apenas no plano reivindicatório seria em vão, quando percebemos que o direito perdeu sua aplicabilidade no terreno de excepcionalidade permanente em que vivemos, e que somente na ação concreta se pode exercer o pleno direito à vida, negado pela ordem jurídica. É nesse sentido que a bandeira Não é só por 20 centavos, levantada nos atos contra a tarifa, assume um sentido distinto do da ampliação de pautas, que foi, em geral, a interpretação conferida. Não são apenas as múltiplas reivindicações, mas toda uma gama de ações humanas praticadas que conferem o sentido mais efetivo dos atos: sua presença.

É também essa dimensão da presença que liga os atos a uma determinada noção de estética. Hans Ulrich Gumbrecht (2010GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010.) associa "experiência estética" a "momentos de intensidade", relacionando-a não apenas a objetos artísticos, como também a situações diversas em que tais intensidades irrompem no cotidiano. A experiência estética, como um modo de "produção de presença", afeta nossos corpos, e nos devolve "[...] a sensação de estarmos-no-mundo, no sentido de fazermos parte de um mundo físico de coisas" (Gumbrecht, 2010, p. 146). Nesse sentido, podemos vivenciar os atos como experiências estéticas, do mesmo modo que um determinado lance em uma competição esportiva também pode nos atingir como tal.

Já os eventos esportivos, como a Copa e as Olimpíadas, estariam mais próximos da ideia de espetáculo. São a espetacularização do esporte, na perspectiva d'A sociedade do espetáculo de Guy Debord (1997DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997., p. 13), em que "o que era vivido diretamente tornou-se uma representação". Viver diretamente nos é interditado, pois devemos apenas, como bons espectadores, consumir o espetáculo ofertado.

A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. Em relação ao homem que age, a exterioridade do espetáculo aparece no fato de seus próprios gestos já não serem seus, mas de um outro que os representa por ele (Debord, 1997DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997., p. 24).

É bastante significativo, por exemplo, que as peladas de rua realizadas pela Assembleia Popular na Cinelândia às vésperas da Copa do Mundo tenham sido reprimidas pela Guarda Municipal do Rio de Janeiro, porque jogar futebol na rua já era um ato suficientemente político, não apenas de crítica ao megaevento da FIFA, mas de proposição ativa de outros modos de vivenciar o esporte e de habitar a cidade, sem mediações espetaculares(ver Figura 4).Os jogadores dessas peladas são pessoas que recusaram para si o papel de espectadores, e se afirmaram como performers.

Figura 4
Jogo Peladas contra a Copa, em 19 maio 2014, na Cinelândia/RJ

Na performance, a vida do performer está em jogo, tanto no sentido de se fazer presente, como no de se pôr em risco. O mais importante a se destacar, entretanto, é que seus atos são uma afirmação viva da vida, ali, enquanto ela acontece. Já o espetáculo, segundo Debord (1997DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997., p. 16), "[...] é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana - isto é, social - como simples aparência", se apresentando também como "[...] a negação visível da vida; como negação da vida que se tornou visível".

As multidões que desceram às ruas em 2013, cada pessoa com suas singularidades, abandonaram naquele momento a condição de espectadores, e vivenciaram a ação de performers, com todos os riscos, mas com toda a prazerosa afirmação de vida, pois "[...] o desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um 'comum'" (Pál Pelbart, 2013PÁL PELBART, Peter. "Anota aí: eu sou ninguém". Folha de São Paulo, Opinião, São Paulo, 19 jul. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/07/1313378-peter-pal-pelbart-anota-ai-eu-sou-ninguem.shtml >. Acesso em: 20 jul. 2013.
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/201...
, p. 1). O que torna esses atos tão singulares, no entanto, é que não só a condição de espectadores foi recusada, mas ainda a de representantes e representados, o que pode ser compreendido como uma recusa da representação em duas vias: a política e a artística, em prol da produção de presença. Nem espectadores nem representadores, são todos performers atuando numa performance de enormes proporções, em que cada um se presentifica em seus atos. Essa foi a condição essencial que fez os atos emergirem em sua pluralidade, contra uma homogeneização solapante de corpos, de gestos, de desejos, de existências, afirmando a diferença como potência na construção do comum.

Multicoloridos e Polifônicos

Ao observarmos manifestações ocorridas logo após as eleições presidenciais de 2014, podemos ver diferenças estéticas que representam igualmente uma diferença política em relação aos atos aqui mencionados. As ondas vermelhas de defesa do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) versus as ondas verde-e-amarelas pela sua derrubada - em uma polarização fictícia que não perturba a ordem do sistema nem instaura nada em seus atos - nada têm em comum (exceto pelo fato de serem uma resposta reacionária) com aqueles atos multicoloridos, dos quais os blocos negros eram uma parte, junto a uma infinidade de outras cores (inclusive vermelhas e verde-e-amarelas), como as tropas de rosa choque e as reluzentes purpurinas multicores dos glittervandalismos (ver Figura 5).

Figura 5
Ato Nossa Copa é na Rua, em 12 jun. 2014, na Av. Rio Branco/RJ

As cores são apenas um aspecto visual, índice das multiplicidades que ocuparam as ruas, e que podem ser percebidas também em diversas outras experiências estéticas, como as sonoras. A gestão horizontalizada dos atos, com a ausência de carros de som com discursos de lideranças unificando o coro, proporcionou atos polifônicos, em que puderam emergir os mais variados gritos, inclusive com coros contradizendo-se uns aos outros. Aos gritos de Ei, Cabral, vai tomar no cu, por exemplo, respondia-se frequentemente Ei, Cabral, toma da polícia, porque tomar no cu, eu te garanto, é uma delícia, problematizando a homofobia no campo da linguagem. Essas tensões sonoras possibilitadas pela abertura a múltiplas vozes certamente provocaram ruídos em muitos corpos, afetados uns pelos outros.

Outra experiência sonora ligada ao atravessamento de corpos por outros corpos se deu na amplificação das vozes pelo que ficou conhecido como microfone humano, em que uma mensagem emitida por uma pessoa precisava chegar a um maior número de pessoas, e era reproduzida em coro pelo círculo que se formava imediatamente em torno dela, até chegar aos círculos maiores e se propagar como voz coletiva até os espaços mais afastados.

Ressalta-se, ainda, a presença de músicos que formavam bandas no meio dos atos, e em certos momentos nos faziam lembrar a orquestra do Titanic com o barco afundando, ou bandas circenses fazendo graça dos trágicos deslizes dos palhaços, ao responderem com música aos estrondos das bombas da polícia (ver Figura 6). Foi com banda que as escadarias do Palácio Guanabara (sede do governo estadual) foram tomadas, em um cortejo carnavalesco, na madrugada de 22 de setembro de 2013, após um Baile de Máscaras realizado na Praça São Salvador, em Laranjeiras. Foi com música que também o carnaval foi ocupado pelo clima dos atos, com marchinhas parodiadas pelo movimento Ocupa Carnaval, e com o bloco Cabralhada, em 27 de fevereiro de 2014, parodiando também as músicas de protesto, ao transformar Poder para o povo em Poder para o polvo, com os foliões-ativistas erguendo um polvo gigante à frente do bloco.

Figura 6
Ato Grito da Liberdade, em 31 out. 2013, na Av. Rio Branco/RJ

Uma das experiências sonoras de maior impacto, entretanto, não veio de músicas nem de gritos. Foi o silêncio. No ato Grito da Liberdade, em 31 de outubro de 2013, os manifestantes cruzaram silenciosamente toda a extensão da Avenida Rio Branco, muitos amordaçados, ao som de uma batida grave, emergindo do silêncio eventualmente uma voz ou outra chamando nomes emblemáticos de vítimas da violência do Estado (ver Figura 7). Após cinco meses gritando desejos nas ruas sob violentas tentativas de silenciamento (a última das quais havia levado 64 manifestantes para o Complexo Penitenciário de Bangu, deixando um rastro de 200 detidos e uma ocupação destruída), essa performance coletiva, concentrada, silenciosa, firme, causou enorme estranhamento entre os transeuntes, que paravam às portas dos prédios para observar o acontecimento. Seria, talvez, "[...] o som de um Estado desmoronando, de um novo mundo ressurgindo das mãos do povo. O silêncio grave, incômodo, fazendo ecoar tudo o que já foi dito, todos os nossos gritos, que há quase cinco meses estrondam nas ruas sem serem ouvidos", como na descrição do Ocupa Câmara Rio6 6 Disponível em: <https://www.facebook.com/ocupacamarario/photos/a.561812373877687.1073741826.561611337231124/600164610042463/?type=3&theater>. Acesso em: 30 jan. 2016. . Talvez, essa misteriosa conexão que levou uma multidão a ficar em silêncio, e esse silêncio a soar tão forte, não comporte nenhuma resposta além dela mesma. Entre a ação política e a performance artística, esse silêncio perturbador permanece em suspenso, ecoando indecifrável.

Figura 7
Ato Grito da Liberdade, em 31 out. 2013, na Av. Rio Branco/RJ

Com Escracho e com Ocupação

Entre os muitos atos concebidos de modo totalmente diverso das passeatas tradicionais, destacamos ainda O casamento da Dona Baratinha, do qual o título já denuncia o tom de escracho. Na noite de sábado, 13 de julho de 2013, algumas dezenas de pessoas se reuniram em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, onde se realizava o casamento de Beatriz Barata, neta do empresário do setor de transportes do Rio de Janeiro, Jacob Barata. Enquanto os convidados acompanhavam a cerimônia religiosa, ouvia-se o coro das ruas: a, e, i, o, u, todo mundo pra Bangu. Muitos batiam panelas, alguns sopravam cornetas, e a cantoria não parava, embalando o sermão do padre. As vaias e a cantoria dos manifestantes acompanharam os convidados na saída até seus carros de luxo. Uma jovem, vestida de noiva, distribuía baratas de plástico. Um cartaz recomendava: Dona Baratinha, vá de ônibus para o Copacabana Palace (ver Figura 8). E para lá seguiram os manifestantes, dançando quadrilha do lado de fora enquanto se desenrolava a festa nas dependências do hotel. Em uma adaptação sarcástica dos gritos Não vai ter Copa, manifestantes agouravam a noite de núpcias do casal, praguejando Não vai ter foda, e ornando a recepção com cartazes como: Pego ônibus lotado e quero um bem casado!, Eu estou pagando este casamento! e Baratas, voltem pro esgoto!. O ato seguiu madrugada adentro com ironia e bom-humor, bagunçando o roteiro tradicional de manifestações e constrangendo uma elite empresarial acostumada a ser poupada, e se manter protegida a certa distância dos distúrbios políticos. Convidados mais exaltados atiraram aviõezinhos de dinheiro da varanda do hotel sobre os manifestantes, e um chegou a lançar um cinzeiro que atingiu a cabeça de um rapaz, porém, foram todos afetados por ardência nos olhos e falta de ar para sair do local, quando a polícia lançou spray de pimenta e bombas de gás para abrir caminho entre os manifestantes (estes, por sinal, já prevenidos com máscaras de proteção anti-gás).

Figura 8
Ato O Casamento da Dona Baratinha, em 13 jul. 2013, na Igreja Nossa Senhora do Carmo/RJ

Em um sistema em que o público e o privado se embaralham, com a máquina pública sendo utilizada para atender interesses particulares de políticos e empresários, parece que as manifestações em ruas do Centro da cidade e diante de prédios do poder público já não bastam. Seja nas concessões de transporte público para empresas e de obras públicas para empreiteiras que financiam campanhas políticas e/ou oferecem outros benefícios escusos, seja no uso de recursos públicos para interesses próprios (como no escândalo que envolveu o então governador Sérgio Cabral, flagrado usando helicópteros do Estado para ir com a família à sua casa de praia em Mangaratiba), essa confusão entre o público e o privado está em toda a parte. Só faltava ganhar as ruas. O ano de 2013 chegou para embaralhar essas cartas a favor da população, incomodando empresários e políticos em seu sossego particular, em seus eventos familiares, em seus lares. O Ocupa Cabral, ocupação que se instalou na esquina do prédio residencial do governador, iniciada em 21 de junho de 2013, foi outro ato inusitado que convergiu nessa direção. Mais do que isso, os ativistas tiveram a audácia de se aboletar no Leblon, bairro de elite na Zona Sul carioca (ver Figura 9).

Figura 9
Ocupação Ocupa Cabral, iniciada em 21 jun. 2013, na Av. Delfim Moreira, Leblon/RJ

O bairro entrou em foco no momento em que a luta contra as tarifas de ônibus (então reduzidas) deu lugar ao movimento Fora Cabral, e também foi palco de grandes atos, como o que culminou com a depredação da loja da Toulon, em 17 de julho de 2013. No dia seguinte, moradores, perplexos com tamanha violência, depositaram flores na porta da loja, e o governo, em reação imediata, convocou uma reunião de emergência mobilizando todas as forças de segurança do Estado. Se rememorarmos o tratamento dispensado à chacina na Maré, que terminou com 10 mortos, ocorrida poucas semanas antes (em 24 de junho), e para a qual o poder estatal ainda não havia oferecido nenhuma resposta satisfatória, toda essa comoção e reação desproporcional à depredação de patrimônios torna ainda mais claro o projeto de cidade empreendido, com seus territórios de exceção e sua lógica de restauração dos objetos e desapropriação dos sujeitos.

No dia 25 de julho de 2013, os manifestantes realizaram mais um ato em que a ironia e o humor foram empregados como provocação crítica, realizando no Leblon a Missa de 7º dia dos manequins da Toulon, e lembrando ainda a falta de mobilização do Estado para apurar o desaparecimento, havia mais de 10 dias, do pedreiro Amarildo, após ser detido por policiais e levado de sua casa para prestar depoimento na sede da UPP da Rocinha.

Com Vandalismo

Diante da violência do Estado e das medidas de exceção aplicadas contra manifestantes e contra a população pobre, a depredação de patrimônios públicos e privados parecia aos ativistas uma resposta viável, pela via da ação direta. Também é possível pensar as ações da tática black bloc, de destruição de símbolos do capitalismo global e do poder estatal, como ação ao mesmo tempo direta e simbólica, a partir de sua dimensão estética. Além do conceito de performance, colaboram nesse entendimento duas proposições de Hakim Bey: o Terrorismo Poético (TP) e a Arte Sabotagem (AS). Na primeira, o autor propõe uma série de ações poético-terroristas que deveriam provocar choque-estético, e cujo objetivo seria ativar outras possibilidades de existência a partir da experiência estética, afastando-se "[...] de forma categórica de todas as estruturas tradicionais para o consumo de arte (galerias, publicações, mídia)" (Bey, 2013aBEY, Hakim. CAOS: terrorismo poético e outros crimes exemplares. 2013a. Disponível em: <Disponível em: http://www.imagomundi.com.br/cultura/caos.pdf >. Acesso em: 08 ago. 2013.
http://www.imagomundi.com.br/cultura/cao...
, p. 7). Para serem eficazes, tais ações não deveriam ser percebidas como arte, aparecendo como irrupções na ordem cotidiana, e muito menos se limitar às permissões da lei. O autor sugere arte como crime: crime como arte. Já a Arte Sabotagem aliaria "ação-como-metáfora" e "criação-através-da-destruição", sendo "aterradoramente direta, mas ainda assim sutilmente transversal" (Bey, 2013a, p. 11). Desse modo, Bey tensiona limites e expande fronteiras, movendo-se não apenas entre arte e não-arte, mas entre criação e destruição, e no limiar entre arte e crime. O autor exemplifica:

Jogar dinheiro para o alto no meio da bolsa de valores seria um Terrorismo Poético bastante razoável - mas destruir o dinheiro seria uma excelente Arte-Sabotagem. Interferir numa transmissão de TV e colocar no ar alguns minutos de arte incendiária caótica seria um grande feito de TP - mas simplesmente explodir a torre de transmissão seria um ato de Arte-Sabotagem perfeitamente adequado (Bey, 2013aBEY, Hakim. CAOS: terrorismo poético e outros crimes exemplares. 2013a. Disponível em: <Disponível em: http://www.imagomundi.com.br/cultura/caos.pdf >. Acesso em: 08 ago. 2013.
http://www.imagomundi.com.br/cultura/cao...
, p. 12).

Além disso, Bey menciona explicitamente uma das instituições frequentemente vandalizadas pelas ações da tática black bloc: os bancos. "Se certas galerias e museus merecem, de vez em quando, receber uma tijolada pela janela - não a destruição, mas sim uma sacudida na sua complacência -, então o que dizer dos BANCOS?" (Bey, 2013a, p. 12). O vandalismo, na obra de Bey, se apresenta claramente como proposta estética. E, como ação sem objetivo (ação política), "não pode nunca procurar o poder - apenas renunciar a ele" (Bey, 2013a, p. 11). É nesse sentido que o autor propõe: "Esmague os símbolos do Império, mas não o faça em nome de nada que não seja a busca do coração pela graça" (Bey, 2013a, p. 12).

Intertextuais

Entre ações consideradas vândalas, encontram-se também os escritos com tinta spray nas superfícies da cidade. Julien Besançon (1968BESANÇON, Julien. Les Murs ont la Parole. Paris: Tchou éditeur, 1968., p.8-9, tradução nossa), na introdução do livro Les murs ont la parole, que reúne inúmeras frases pichadas nos muros de Paris em maio de 1968, identifica nesses gestos, que escrevem a cidade, o impulso de, "colorindo o muro, querer fazer tombar os muros" e a "celebração de um anonimato que participa". De fato, importa menos o conteúdo do que é escrito do que a própria ação de escrever, que traz para o primeiro plano um gesto do corpo que se inscreve, ele mesmo, no espaço escrito. Essas escritas são também performances. No contexto dos atos de 2013 e 2014, a proliferação de escritas na cidade se deu não apenas com tinta spray, usada em estêncil, pichações e grafites, como também através de outros suportes, como carimbos em notas de dinheiro e projeções, criando redes intertextuais. Escreveu-se até mesmo com a disposição dos corpos no asfalto, como um SOS denunciando o cárcere em massa a céu aberto promovido pela polícia militar, ao cercar todo o entorno da Praça Saens Peña, na Tijuca, impedindo a saída tanto de manifestantes como de moradores da região, no dia da final da Copa do Mundo (ver Figura 10).

Figura 10
Ato na final da Copa do Mundo, em 13 jul. 2014, na Praça Saens Peña, Tijuca/RJ

A final da Copa, a propósito, é bastante emblemática no que diz respeito a medidas de exceção, tanto as exercidas pela força de lei sem lei da autoridade policial, bloqueando a circulação e cerceando o direito constitucional de ir e vir, como as decretadas pela ordem judicial, que já na véspera havia emitido mandados de prisão, como medida preventiva, para 26 ativistas (dos quais 17 foram encarcerados em Bangu e 9 considerados foragidos), e apreensão de dois menores. Com a Lei antiterrorismo aprovada para as Olimpíadas, já podemos, inclusive, imaginar o que nos espera.

Entretanto, há atos que conseguem, com criatividade, se apropriar da própria linguagem do espetáculo para subvertê-lo, escapando da repressão pela tangente. Foi assim que ativistas se utilizaram da tradição de decorações de ruas para a Copa que, de modo geral, visam incentivar a seleção brasileira de futebol e expressar a torcida popular pela vitória do Brasil, como espaço de produção crítica. Formou-se em rede um movimento de decoração anti-Copa, com ações se propagando em diversos pontos da cidade. Em locais estratégicos, como o Alzirão, que tradicionalmente concentra festas de comemoração dos jogos do Brasil na Copa do Mundo, na esquina das ruas Conde de Bonfim e Alzira Brandão, na Tijuca, e a principal via do Méier, a Rua Dias da Cruz, foram realizadas intervenções que alcançaram grande repercussão. No primeiro, o asfalto amanheceu pintado com um gigantesco SOS Saúde, no dia 16 de maio de 2014. Já o asfalto do Méier, no dia 18, recebeu diversas pinturas, como um menino segurando um prato de comida com uma bola de futebol dentro, e uma bandeira do Brasil preenchida por frases de protesto e a inscrição TÁ TUDO ERRADO substituindo o slogan Ordem e Progresso. Em diversas ruas, surgiram camisas da seleção brasileira de futebol, em que os nomes e números dos jogadores foram substituídos por nomes e números (com sinal de subtração) de mortos pela violência policial, tais como Amarildo -1(ver Figura 11). Além dessas, diversas outras inscrições e pinturas com mensagens críticas ao megaevento se espalharam por toda a cidade.

Figura 11
Movimento de decoração anti-Copa, em maio/jun. 2014, no Rio de Janeiro.

Surpreendentes

Entre junho de 2013 e julho de 2014, não faltaram soluções criativas, algumas planejadas, outras espontâneas, pegando de surpresa os poderes repressivos do Estado e confundindo o espetáculo midiático com gestos imprevistos, reinventando a política a cada passo (de dança). Foi assim que, em 16 de dezembro de 2013, em mais uma ação da polícia para desocupar a Aldeia Maracanã (a primeira desocupação havia sido realizada em março, mas em agosto os índios voltaram a ocupar o prédio), o indígena Zé Guajajara subiu em uma árvore e lá permaneceu por mais de 26 horas resistindo, sem que os policiais conseguissem dissuadi-lo ou retirá-lo à força. Foi necessário chamar o corpo de bombeiros, e quatro homens tiveram que subir na árvore para removê-lo (ver Figura 12). A resistência indígena para manter o prédio do antigo Museu do Índio como espaço de suas manifestações culturais bateu de frente com o interesse imobiliário nas imediações do estádio do Maracanã, onde está situado. E os índios mais uma vez foram expulsos de seu território, como vêm sendo há mais de 500 anos. Entretanto, instalados no centro urbano, e articulados aos demais movimentos urbanos, se fazendo presentes em todos os atos, com vestimentas típicas, roda em torno da fogueira e cantos, os índios não podem mais ser invisibilizados. Conforme descrito em um poema, "[...] batendo firme o pé no chão / enquanto o pelotão bate continência / o índio dança / dançar é a mais bela forma de resistência" (Provasi, 2014PROVASI, Beatriz. As Guerras nos Porta-retratos. Rio de Janeiro: Edição da autora, 2014., p. 43).

Figura 12
Resistência indígena Aldeia Maracanã, em 17 dez. 2013, no antigo Museu do Índio/RJ

Como já mencionamos, todos esses gestos inscrevem nessa cidade uma outra cidade, que se concretiza na prática dos manifestantes. Se não conseguiram frear o avanço do projeto urbano excludente justificado pelos megaeventos, certamente produziram uma diferença. Esses performers exerceram, política e esteticamente, seu direito à cidade, não a esta em que hoje vivemos, mas a dos seus desejos, do desejo coletivo, das redes de cooperação, das estruturas desierarquizadas, das zonas autônomas, dos corpos indóceis. Na ocupação do espaço urbano, mais do que questionar um modelo de cidade, os manifestantes criaram outros, e puderam vivenciá-los aqui e agora, mesmo que de forma temporária. E, como Zonas Autônomas Temporárias, quem sabe onde isso vai parar? Não começou em 2013, e não vai acabar em 2016.

Acabou?

A surpreendente multidão que tomou as ruas em 2013, a partir do movimento contra o aumento das tarifas de ônibus, em diversas cidades brasileiras, e contra a Copa das Confederações, nas cidades em que se realizavam os jogos, anunciando um estrondoso Não vai ter Copa em uníssono, bradando contra a desproporcionalidade da violência policial utilizada para conter as manifestações, e trazendo uma multiplicidade de vozes junto à multiplicidade de corpos, já nos parece distante em 2016. Mesmo que por vezes de forma conflituosa, o que compunha aquelas manifestações era o convívio com a diversidade. Atualmente, nos parece que muitas pessoas passaram por uma regressão coletiva, como nessas terapias de vidas passadas, dando um salto no tempo, sem considerar anos e experiências do nosso passado recente, e resgatando dicotomias, práticas e discursos que permearam o golpe militar de 1964 e os anos subsequentes, e anunciando um golpe - agora institucional - contra comunistas corruptos em nome de Deus, da pátria e da família. Até nossos ídolos ainda são os mesmos, como dizia aquela música de Belchior. Perseguições políticas, ações violentas para conter pensamentos divergentes e intolerância com as diferenças são sem dúvida movimentos reacionários, no sentido mesmo de uma reação a ações instauradoras de novas práticas sociopolíticas e culturais, como as que observamos nos atos aqui estudados.

O avanço de discursos de ódio e de práticas de intolerância fascistas a partir das manifestações pró-impeachment da presidenta Dilma Rousseff é, sem dúvida, bastante assustador e preocupante. A fé cega de algumas manifestações em favor do governo petista, não menos. A mídia promove não apenas um clima de crise e instabilidade, mas também de hostilidade crescente entre diferentes setores da população. O veículo de propaganda do impeachment, mascarado de jornalismo das organizações Globo, aponta mocinhos e vilões, como se o telejornal fosse mais uma de suas telenovelas, com pitadas de um reality show bem editado para determinar a próxima eliminação. Nas redes sociais, a infantilização das agressões mútuas chega a ser escandalosa. E, em meio a isso tudo, são os mais jovens que vêm dando as maiores lições de maturidade política, nas ocupações de suas escolas7 7 Em novembro de 2015, 210 escolas foram ocupadas em São Paulo por estudantes contrários ao projeto de reorganização do governo do Estado, feito sem nenhum diálogo com a comunidade escolar, que previa o fechamento de 94 escolas. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/11/veja-lista-das-escolas-ocupadas-no-estado-de-sao-paulo.html>. Acesso em:02 dez. 2015. Em abril de 2016, os estudantes do Rio de Janeiro ocuparam 73 escolas, por melhorias nas condições de ensino e em apoio à greve de profissionais de educação no Estado. Disponível em: <https://www.facebook.com/EscolasRJemLuta/photos/a.1513974618909027.1073741828.1513766855596470/1532565140383308/?type=3&theater>. Acesso em: 11 abr. 2016. Eram todos muito jovens, gerindo coletivamente os espaços ocupados, sem lideranças, articulados em rede, resistindo com coragem e determinação às intimidações policiais. São alunos dando lições a pais e mestres, a políticos e a toda a sociedade, questionando na prática o modelo de ensino atual, hierarquizado e desconectado da vida. São jovens produzindo cotidianamente a escola que desejam, com debates abertos e horizontais, conversas em roda, saraus, ações na cidade, e assumindo também coletivamente todas as tarefas necessárias à sua manutenção no local ocupado, como limpeza e alimentação. Essa experiência de autonomia nas ocupações será com certeza um dos maiores aprendizados que esses alunos vão levar de suas vivências na escola; uma das maiores lições que nos deixam. .

A defesa da democracia reuniu setores mais amplos da sociedade, mesmo assim em torno de uma batalha no campo legal, ressaltando o aspecto inconstitucional do impeachment, o que evidencia ainda dois problemas: primeiro, a fragilidade da ideia de democracia no já mencionado terreno de excepcionalidade em que vivemos e, segundo, que o exercício dessa excepcionalidade não cabe exclusivamente ao poder executivo, mas, antes, é no próprio âmbito dos poderes legislativo e judiciário que vem se exercendo uma força de lei sem lei (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.), já que não importa se há ou não base legal para o impeachment, cujos argumentos de defesa se sustentam nos campos moral, político e econômico. Então, de modo geral, essas manifestações contra o golpe acabam se revelando bem frágeis, como ações que se limitam a negociar com o direito (Agamben, 2004), sem potência de ação política, nesse estado de exceção em que o direito perdeu sua aplicabilidade.

O que, neste contexto, nos parece ainda fazer ecoar as vozes de 2013 são as ações sem relação com um objetivo (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.),como os escrachos do Levante Popular da Juventude nas portas das residências de políticos como o vice-presidente Michel Temer e o deputado Jair Bolsonaro (ver Figura 13).Ou as organizações em rede de movimentos feministas que protagonizaram as marchas contra o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, nas quais se via uma diversidade de experiências estéticas compondo os atos, e ainda em suas campanhas, que viralizaram nas redes sociais, como, por exemplo, as postagens com as hashtags #primeiroassédio, #meuamigosecreto e #belarecatadaedolar, afirmando subjetividades e fortalecendo laços de sororidade.

Figura 13
Escracho em frente à casa de Michel Temer, em 21 abr. 2016, em São Paulo

Ao mencionar brevemente, no decorrer do texto, o aspecto (mono)cromático das manifestações mais recentes, vermelhas versus verde-e-amarelas, era, sobretudo, a respeito de formas diferentes de lidar com a diversidade que desejávamos falar. Contudo, evidentemente, não é apenas nas cores que essas ocupações das ruas se diferenciam dos atos de 2013 e 2014. Junto às cores únicas, estão os coros monológicos e repetitivos, pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff. Além disso, são manifestações que não interferem efetivamente nos fluxos da cidade, ocupando brevemente apenas os espaços previamente liberados, sejam avenidas fechadas aos domingos para atividades de lazer, como a Av. Paulista (em São Paulo) e a Praia de Copacabana (no Rio de Janeiro), sejam amplas praças ou largos passeios onde é possível se aglomerar sem causar transtornos, como a Praça XV, o Largo da Carioca e os Arcos da Lapa (Rio de Janeiro).

No entanto, um movimento que tomou fôlego após a aceitação no Senado Federal, em 12 de maio de 2016, do processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, vem também se somar aos atos analisados: as ocupações de sedes do Ministério da Cultura por artistas nos 27 estados brasileiros. Ao recusar reconhecimento ao governo ilegítimo de Michel Temer, recusando a pauta setorial - encampada por alguns artistas - de reabertura do Ministério extinto em um dos primeiros atos do governo Temer, e se negando a negociar com o governo interino considerado golpista, o Ocupa MinC passa a construir, na prática, a democracia que deseja. Com organização horizontalizada e composição plural, os ocupantes transformam as suas diferenças em sua maior potência na construção cotidiana do espaço comum, agregando e estimulando uma pluralidade de movimentos artísticos e culturais autônomos (ver Figura 14).

Figura 14
Ocupa MinC RJ, iniciado em 16 mai. 2016, no Palácio Gustavo Capanema/RJ

Esses movimentos, que se deram em torno do impeachment, uns com a mesma pauta - a defesa da democracia -, mas formas de ação absolutamente distintas, ilustram bem as diferenças que desejamos destacar. Neste artigo, nos interessam as coreopolíticas (Lepecki, 2012LEPECKI, André. Coreopolítica e Coreopolícia. Ilha (Revista de Antropologia), Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 41-60, jan./jun. (2011) 2012.) e os teatros de invasão (Carreira, 2008CARREIRA, André. Teatro de Invasão: redefinindo a ordem da cidade. In. LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.). Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008. P. 67-78.), a forma como ações de ocupação da cidade interferem nos fluxos habituais e criam novos fluxos urbanos, retomando, na prática, a cidade, política e esteticamente, como bem comum e como espaço da multiplicidade. Todos os aspectos mais propriamente estéticos relacionados aos atos - as múltiplas cores e formas, os coros polifônicos e demais experiências sonoras, as coreografias de ocupação das ruas e as performances urbanas, as escritas e pinturas dos muros e asfaltos, assim como os vandalismos, os escrachos e as ocupações, e mais uma variedade de ações que não cabem nos limites deste texto - atuam contra um ordenamento de cidade excludente e de exceção (Agamben, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.), criando outras cidades possíveis, das quais o patrimônio é feito de sujeitos, ou, retomando Certeau (2011CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 2. morar, cozinhar. / Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Petrópolis: Vozes, 2011.), de suas capacidades criadoras, das artes de fazer. Cidades móveis, temporárias (zonas autônomas), mas constantemente se reconstruindo e reinsurgindo em toda parte, porque não podem ser inteiramente demolidas, porque não há líderes a serem depostos, porque se compõem de múltiplos corpos, porque ecoam até no silêncio (ver Figura 15).

Figura 15
Pichação Não acabou feita em tapume após repressão a ato da educação, em 07 out. 2013, na Cinelândia/RJ

Referências

  • AGAMBEN, Giorgio. Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
  • ANCOP. Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil. Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa, 2014.
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  • BESANÇON, Julien. Les Murs ont la Parole. Paris: Tchou éditeur, 1968.
  • BEY, Hakim. CAOS: terrorismo poético e outros crimes exemplares. 2013a. Disponível em: <Disponível em: http://www.imagomundi.com.br/cultura/caos.pdf >. Acesso em: 08 ago. 2013.
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  • BEY, Hakim. TAZ: zona autônoma temporária. 2013b. Disponível em: <Disponível em: http://www.mom.arq.ufmg.br/mom/arq_interface/4a_aula/Hakim_Bey_TAZ.pdf >. Acesso em: 14 set. 2013.
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  • CARREIRA, André. Teatro de Invasão: redefinindo a ordem da cidade. In. LIMA, Evelyn Furquim Werneck (Org.). Espaço e Teatro: do edifício teatral à cidade como palco. Rio de Janeiro: 7 letras, 2008. P. 67-78.
  • CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano: 2. morar, cozinhar. / Michel de Certeau, Luce Giard, Pierre Mayol. Petrópolis: Vozes, 2011.
  • CERTEAU, Michel de. Andando na cidade. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Brasília, IPHAN, n. 23, p. 21-31, 1994.
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  • PROVASI, Beatriz. As Guerras nos Porta-retratos. Rio de Janeiro: Edição da autora, 2014.
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  • THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000019.pdf >. Acesso em: 13 nov. 2013.
    » http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000019.pdf
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.
  • 1
    Auto de resistência era o termo usado frequentemente para registro de ocorrência de homicídios cometidos por policiais militares, para isentá-los de responsabilização, na medida em que são justificados pela suposta resistência armada das vítimas. A prática de alterar a cena do crime para forjar autos de resistência chegou a ser flagrada em vídeo e ganhou os noticiários em setembro de 2015, com o caso do jovem Eduardo Felipe Santos Victor, no Morro da Providência, em que policiais colocaram uma arma nas mãos do menino morto e efetuaram disparos. Recentemente, foi aprovada uma resolução abolindo o termo, o que infelizmente não resulta em uma abolição da prática. Disponível em: <http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/imagens-mostram-pms-mexendo-em-cena-de-homicidio-na-providencia-rio.html>. Acesso em: 30 jan. 2016.
  • 2
    Erro na execução foi a expressão que apareceu nos noticiários em 2015, a partir da conclusão do inquérito sobre a morte do menino Eduardo de Jesus, atingido por policiais na porta de sua casa, no Complexo do Alemão. A conclusão diz que os policiais agiram em legítima defesa ao trocarem tiros com traficantes, e Eduardo teria sido atingido por estar na linha de tiro, o que era classificado juridicamente como erro na execução. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/conclusao-sobre-morte-de-menino-no-alemao-e-rejeitada-pela-anistia>. Acesso em: 30 jan. 2016.
  • 3
    O termo vem do inglês gentrification e nomeia uma série de transformações implementadas nos centros urbanos, valorizando um determinado território e elevando o custo de vida no local, forçando o deslocamento das populações pobres, seja pela expulsão direta, seja impossibilitando sua permanência nas áreas afetadas (Bataller, 2012BATALLER, Maria Alba Sargatal. O Estudo da Gentrificação. Revista Continentes, Rio de Janeiro, UFRRJ, ano 1, n. 1, p. 9-37, jul./dez. 2012.).
  • 4
    A Desobediência Civil foi publicado originalmente em 1849, sob o título Resistência ao Governo Civil. O fato que culminou no ensaio foi a prisão de Henry Thoreau, por ele se negar a pagar impostos ao governo norte-americano, por ser contra a escravidão e a guerra que resultou na anexação de boa parte do território mexicano. Thoreau inicia o texto transgredindo a máxima liberal de que "o melhor governo é o que menos governa", para ele "o melhor governo é o que não governa de modo algum". Para o autor, o governo, ao representar a maioria, não se torna por isso mais justo. Pelo contrário, faz valer, pela força, a vontade dominante sobre a minoria. "Existem leis injustas; devemos submeter-nos a elas e cumpri-las, ou devemos tentar emendá-las e obedecer a elas até a sua reforma, ou devemos transgredi-las imediatamente? Numa sociedade com um governo como o nosso, os homens em geral pensam que devem esperar até que tenham convencido a maioria a alterar essas leis" (Thoreau, 2013THOREAU, Henry David. A Desobediência Civil. 2013. Disponível em: <Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cv000019.pdf >. Acesso em: 13 nov. 2013.
    http://www.dominiopublico.gov.br/downloa...
    , p. 6). Para o autor, no entanto, é necessário tomar medidas efetivas: "Ações baseadas em princípios - a percepção e a execução do que é certo - modificam coisas e relações; a ação deste gênero é essencialmente revolucionária e não se reduz integralmente a qualquer coisa preexistente. Ela cinde não apenas Estados e Igrejas; divide famílias; e também divide o indivíduo, separando nele o diabólico do divino" (Thoreau, 2013, p. 6). O que o autor defende (e faz ao não pagar impostos) é negar deliberadamente, na prática, a autoridade do governo, e recusar o direito do Estado sobre a sua vida. Essa atitude de negar lealdade ao governo e oferecer resistência a normas que se julgam injustas (no caso, os impostos financiavam a guerra e a escravidão) é considerada pelo autor como uma espécie de revolução pacífica, que se dá por recusa, por deserção. "Faça da sua vida um contra-atrito que pare a máquina" (Thoreau, 2013, p. 7), recomenda o autor.
  • 5
    Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/manifestantes-saem-pelas-ruas-do-centro-complicam-transito-9764169>. Acesso em: 30 jan. 2016.
  • 6
    Disponível em: <https://www.facebook.com/ocupacamarario/photos/a.561812373877687.1073741826.561611337231124/600164610042463/?type=3&theater>. Acesso em: 30 jan. 2016.
  • 7
    Em novembro de 2015, 210 escolas foram ocupadas em São Paulo por estudantes contrários ao projeto de reorganização do governo do Estado, feito sem nenhum diálogo com a comunidade escolar, que previa o fechamento de 94 escolas. Disponível em: <http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/11/veja-lista-das-escolas-ocupadas-no-estado-de-sao-paulo.html>. Acesso em:02 dez. 2015. Em abril de 2016, os estudantes do Rio de Janeiro ocuparam 73 escolas, por melhorias nas condições de ensino e em apoio à greve de profissionais de educação no Estado. Disponível em: <https://www.facebook.com/EscolasRJemLuta/photos/a.1513974618909027.1073741828.1513766855596470/1532565140383308/?type=3&theater>. Acesso em: 11 abr. 2016. Eram todos muito jovens, gerindo coletivamente os espaços ocupados, sem lideranças, articulados em rede, resistindo com coragem e determinação às intimidações policiais. São alunos dando lições a pais e mestres, a políticos e a toda a sociedade, questionando na prática o modelo de ensino atual, hierarquizado e desconectado da vida. São jovens produzindo cotidianamente a escola que desejam, com debates abertos e horizontais, conversas em roda, saraus, ações na cidade, e assumindo também coletivamente todas as tarefas necessárias à sua manutenção no local ocupado, como limpeza e alimentação. Essa experiência de autonomia nas ocupações será com certeza um dos maiores aprendizados que esses alunos vão levar de suas vivências na escola; uma das maiores lições que nos deixam.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2016

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2016
  • Aceito
    08 Maio 2016
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