Quando o Estado mata: desafios para medir os crimes contra a vida de autoria de policiais / When the State kills: challenges to measure crimes against life by police

Autores

  • Samira Bueno Fórum Brasileiro de Segurança Pública
  • Renato Sergio de Lima Fórum Brasileiro de Segurança Pública http://orcid.org/0000-0002-0935-699X
  • Arthur Trindade M. Costa Universidade de Brasília

DOI:

https://doi.org/10.1590/15174522-109780

Palavras-chave:

Polícia, estatísticas, letalidade, homicídio, violência

Resumo

O artigo discute os processos e taxonomias utilizadas para classificar os episódios de homicídios praticados por policiais no Brasil, utilizando como estudo de caso o estado de São Paulo. Trata-se de um esforço de diálogo entre os campos da sociologia da segurança pública e o da sociologia da quantificação aliado ao estudo empírico da produção e uso de estatísticas criminais por parte das instituições que compõem o sistema de justiça criminal e segurança pública do Brasil. O objetivo, aqui, é relatar como a disputa em torno das mortes decorrentes de intervenções policiais está inserida em uma disputa maior sobre o sentido das políticas de segurança pública, e que as nomenclaturas adotadas consistem em táticas que buscam garantir a legitimidade do uso da força letal pelas polícias. A criação de múltiplas categorias para mensurar o resultado morte em decorrência da atividade policial e sua contabilização apartada dos homicídios dolosos constituem estratégia que turva a compreensão completa do significado dessas ocorrências e revela o quanto a opacidade ainda está presente, no país, na forma de governar e responder às demandas por mais eficiência no controle do crime e na manutenção da ordem pública.

***

Abstract

The article discusses the processes and taxonomies used to classify homicides practiced by police in Brazil, taking the state of São Paulo as a case study. Based on an empirical study about the production and use of criminal statistics by institutions that constitute the criminal justice and public security systems in Brazil, the article brings some reflections in dialogue between the fields of sociology public security and sociology of quantification. The objective here is to demonstrate how the dispute over deaths resulting from police interventions is part of a larger dispute over the meaning of public security policies, and that the adopted nomenclatures consist of tactics that seek to guarantee the legitimacy of the use of lethal force by the police. The creation of multiple categories to measure the result of deaths perpetrated by police officers and their registration apart from intentional homicides is a strategy that obscures the complete understanding of the meaning of these occurrences and it reveals how much opacity is still present, in the country, in the way of governing and responding to demands for more efficiency in controlling crime and maintaining public order.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Samira Bueno, Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Doutora em Administração Pública e Governo pela Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), diretora-executiva da ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Renato Sergio de Lima, Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Doutor em Sociologia, Professor do Departamento de Gestão Pública da FGV EAESP. Diretor Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Arthur Trindade M. Costa, Universidade de Brasília

Diretor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília, Coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança (NEVIS/UnB) e Conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Referências

ADORNO, Sergio. A gestão urbana do medo e da insegurança. São Paulo, 281 p. Tese (Livre-Docência). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 1996.

BECKER, Howard. Outsiders: studies in the sociology of deviance. Nova York: The Free Press, 1963.

BRETAS, Marcos Luiz. Observações sobre a falência dos modelos policiais. Tempo social, v. 9, n. 1, p. 79-94, 1997.

BRETAS, Marcos Luiz; PONCIONI, Paula. A cultura policial e o policial civil carioca. In: PANDOLFI, Dulce et al. (org.). Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.

BUENO, Samira. Bandido bom é bandido morto: a opção ideológico-institucional da política de segurança pública na manutenção de padrões de atuação violentos da polícia militar paulista. Dissertação. (Mestrado em Administração). Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Fundação Getúlio Vargas, 2014.

BUENO, Samira. Trabalho sujo ou missão de vida? Persistência, reprodução e legitimidade da letalidade na ação da PMESP. Tese. (Doutorado em Administração Pública e Governo). Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, 2018.

CANO, Ignacio. Letalidade da ação policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ISER, 1997.

COELHO, Edmundo C. A administração da justiça criminal no Rio de Janeiro: 1942-1967. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 61-81, 1986.

COSTA, Arthur T. M. Entre a lei e a ordem. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004.

DESROSIÈRE, Alain. How real are statistics? Four possible attitudes. Social Research, v. 68, n. 2, p. 339-356, 2001.

DESROSIÈRE, Alain. The politics of large numbers: a history of statistical reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 1998.

FBSP - FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURABÇA PÚBLICA. Estudo das classificações estatísticas e tipificações penais de mortes violentas nos compêndios internacionais e iniciativas federais. Projeto pesquisa e análise de dados vinculados ao campo da segurança pública e sistema penitenciário. São Paulo: FBSP, 2016.

HACKING, Ian. How should we do the history of statistics? In: BURCHELL, Graham; GORDON, Colin; MILLER, Peter (eds.). The Foucault effect: studies in governmentality. Chicago: The University of Chicago Press, 1991. p. 181-196.

HAGGERTY, Kevin D. Making crime count. Toronto: University of Toronto Press, 2001.

KAHN, Tulio. Medindo a criminalidade: métodos, fontes e indicadores. São Paulo, 2014.

LATOUR, Bruno. Scientific objects and legal objectivity. In: POTTAGE, Alain; MUNDY, Martha (eds.). Law, Anthropology and the constitution of the social. Making persons and things, Cambridge: Cambridge University Press, 2004. p. 73-113.

LATOUR, Bruno. A esperança de Pandora. Bauru: EDUSC, 2001.

LIMA, Renato Sergio. Contando crimes e criminosos em São Paulo: uma sociologia das estatísticas produzidas e utilizadas entre 1871 e 2000. Tese. (Doutorado em Sociologia). Universidade de São Paulo, 2005.

LIMA, Renato Sergio. Segurança pública como simulacro de democracia no Brasil. Estudos Avançados, v. 33, n. 96, p. 53-68, 2019.

LIMA, Renato Sergio; BUENO, Samira. A tropa de choque de Bolsonaro. Piauí [online], 8 ago. 2020. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/tropa-de-choque-de-bolsonaro/

MACHADO, Eduardo P.; NORONHA, Ceci V. A polícia dos pobres: violência policial em classes populares urbanas. Sociologias, v. 4, n. 7, p. 188-221, 2002.

MINGARDI, Guaracy. Tiras, gansos e trutas: cotidiano e reforma na Polícia Civil. São Paulo: Editora Página Aberta, 1992.

MISSE, Michel; GRILLO, Carolina C.; TEIXEIRA, César P.; NÉRI, Natasha E. Quando a polícia mata: homicídios por “autos de resistência” no Rio de Janeiro (2001-2011). Rio de Janeiro: Booklink, 2013.

MUNIZ, Jacqueline; PROENÇA JÚNIOR, Domício; DINIZ, Eugênio. Uso de força e ostensividade na ação policial. Conjuntura Política – Boletim de análise. Belo Horizonte: Departamento de Ciência Política/UFMG, n. 6, abr. 1999. p. 22-26.

NEME, Cristina. Nota sobre as estatísticas criminais do Estado de São Paulo. São Paulo, 14/11/2015. Lista de discussão Associados FBSP. Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Brasil.

OLIVEIRA, Antonio. Os policiais podem ser controlados? Sociologias, v. 12, n. 23, p. 142-175, 2010.

PAIXÃO, Antônio Luiz. O problema da polícia. In: Violência e participação política no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IUPERJ (Série Estudos, 91), 1995. p. 5-21,

PAIXÃO, Antonio L. Relatório de Indicadores Criminais. Relatório de Pesquisa. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1987.

RAMOS, Sílvia (coord.). A cor da violência policial: a bala não erra o alvo. Relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: Rede de Observatórios de Segurança/CESeC, 2020.

RATTON JR., José Luiz. Violência e crime no Brasil contemporâneo: homicídios e políticas de segurança pública nas décadas de 80 e 90. Brasília: MNDH, 1996.

SÃO PAULO. Lei 9.155 de 1995. Dispõe sobre a obrigatoriedade da publicação trimestral das informações que especifica. Diário Oficial, Executivo, p. 1, 25 maio 1995.

SÃO PAULO. Resolução SSP 516/00. Secretaria de Segurança Pública, 15 dezembro 2000.

SÃO PAULO. Resolução 143 da Secretaria de Segurança Pública. São Paulo: Secretaria de Segurança Pública, 26 set. 2013.

SENRA, Nelson. (2000). Informação estatística: demanda e oferta, uma questão de ordem. DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, v. 1, n. 3, jun. 2000.

SHERMAN Lawrence W; LANGWORTHY, Robert H. Measuring homicide by police officers. Journal of Criminal Law and Criminology, v. 70, n. 4, p. 546-560, 1979.

SCHLITTLER, Maria Carolina. “Matar muito, prender mal”. A produção da desigualdade racial como efeito do policiamento ostensivo militarizado em SP. Tese. (Doutorado em Sociologia). Universidade Federal de São Carlos, 2016.

SINHORETTO, Jacqueline; SILVESTRE, Giane; SCHLITTLER, Maria Carolina. Desigualdade racial e segurança pública em São Paulo: letalidade policial e prisões em flagrante. Sumário Executivo. São Carlos: Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, 2014. Disponível em: http://www.ufscar.br/gevac/wp-content/uploads/Sum%C3%A1rio-Executivo_FINAL_01.04.2014.pdf

SINHORETO, Jacqueline; SCHLITTLER, Maria Carolina; SILVESTRE, Giane. Juventude e violência policial no município de São Paulo. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 10, n. 1, p. 10-35, 2016.

SOARES, Luís Eduardo. Meu casaco de general. Quinhentos dias no front da segurança pública. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000.

UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. International classification of crime for statistical purposes, Version 1.0. Março, 2015.

VERANI, Sergio. Assassinatos em nome da lei: uma prática ideológica em nome do direito penal. Rio de Janeiro: Aldebarã, 1996.

WILLIS, Graham D. The killing consensus: homicide detectives, police that kill and organized crime in São Paulo, Brazil. 2013. Tese (Doutorado em Urban and Regional Studies). Massachusetts Institute of Technology, Dept. of Urban Studies and Planning, 2013.

ZACCONE, Orlando. Indignos de vida: a forma jurídica da política de extermínio de inimigos na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2015.

ZALUAR, Alba. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. São Paulo em Perspectiva, v. 13, n. 3, p. 3-17, 1999.

ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta. São Paulo: Brasiliense, 1985.

ZILLI, Luís Felipe. Letalidade e vitimização policial: características gerais do fenômeno em três estados brasileiros. Repositório do Conhecimento do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2018.

Downloads

Publicado

2021-04-28

Como Citar

BUENO, S.; LIMA, R. S. de; COSTA, A. T. M. Quando o Estado mata: desafios para medir os crimes contra a vida de autoria de policiais / When the State kills: challenges to measure crimes against life by police. Sociologias, [S. l.], v. 23, n. 56, p. 154–183, 2021. DOI: 10.1590/15174522-109780. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/109780. Acesso em: 16 abr. 2024.

Edição

Seção

Dossiê - Sociologia da Tradução