A quantificação da qualidade: algumas considerações sobre os índices de reprovação escolar no Brasil / The quantification of quality: some considerations on the school failure rates in Brazil

Autores

DOI:

https://doi.org/10.1590/15174522-109753

Palavras-chave:

educação, estatísticas, IDEB, qualidade da educação, avaliação do ensino

Resumo

Neste artigo, apresento análise acerca das relações, observáveis no caso brasileiro, entre os índices de reprovação escolar e a aferição da qualidade do ensino. A opção foi focalizar as discussões sobre a possibilidade de quantificação da qualidade do ensino desde o século XX. Inicialmente, foi preciso considerar a polissemia do termo qualidade e suas implicações para os processos de quantificação. O exame da documentação permitiu ver que coexistiram, no Brasil, por longo período a naturalização do fraco desempenho escolar dos alunos e críticas aos altos índices de reprovação repudiados como mecanismo de seletividade e exclusão. A articulação entre reprovação escolar e qualidade do ensino é, ainda hoje, perceptível no contexto educacional brasileiro, como se observou pela análise do modo de construção do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) que, desde 2007, busca quantificar a qualidade da escola no Brasil. Nesse índice, a aferição dos saberes escolares que os alunos dominam não é condição suficiente para considerar o ensino de qualidade. Tem-se assumido também como necessário garantir um fluxo escolar normalizado, com baixa incidência de reprovação e abandono.

***

Abstract

This article presents an analysis of the relations, observable in the Brazilian case, between school failure rates and the measurement of quality of teaching. The focus is put on discussions about the possibility of quantifying the quality of teaching as of the 20th century. Initially, the polysemy of the term quality and its implications for the quantification processes is discussed. The analysis of documentation allows to see that, in Brazil, the naturalization of the students’ poor school performance coexisted with criticism of high rates of grade repetition as a mechanism of selectivity and exclusion. The overlapping of school failure rates and the measurement of the quality of teaching is, still today, perceptible in the Brazilian educational context, as it was observed by the analysis of construction of the IDEB (Basic Educational Development Index) that, since 2007, seek to quantify school quality in Brazil. This index comprises not only the measurement of the knowledge acquired by students, considered not to be a sufficient condition to assess teaching quality, but also the occurrence of a standardised school progression, with a low incidence of failure and dropout.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Biografia do Autor

Natalia de Lacerda Gil, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Professora e pesquisadora na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Doutora em Educação (USP)

Referências

AFONSO, Almerindo J. Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável. Crítica à accountability baseada em testes estandardizados e rankings escolares. Revista Lusófona de Educação, n. 13, p. 13-29, 2009.

ALMEIDA, Luana C.; DALBEN, Adilson; FREITAS, Luiz Carlos de. O IDEB: limites e ilusões de uma política educacional. Educação & Sociedade, v. 34, n. 135, p. 1153-1174, 2013.

BISSERET, Noële. A ideologia das aptidões naturais. In: DURAND, José Carlos. (org.). Educação e hegemonia de classe. Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 30-67.

BONAMINO, Alicia; SOUSA, Sandra Z. Três gerações de avaliação da educação básica no Brasil: interfaces com o currículo da/na escola. Educação e Pesquisa, v. 38, n. 2, p. 373-388, abr.-jun. 2012.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas lingüísticas: o que falar quer dizer. São Paulo: EDUSP, 1998.

BOURDIEU, Pierre. A escola conservadora: as desigualdades frente à escola e à cultura. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Orgs.). Escritos de educação. 13. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. p. 39-64.

BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado: cursos no Collège de France (1989-92). São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC, 2018.

CARDOSO, Ofélia B. O problema da repetência na escola na escola primária. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 13, n. 35, p. 74-88, 1949.

DESROSIÈRES, Alain. La politique des grands nombres: histoire de la raison statistique. Paris: La Découverte, 2000.

DUBET, François; DURU-BELLAT, Marie; VÉRÉTOUT, Antoine. As desigualdades escolares antes e depois da escola: organização escolar e influência dos diplomas. Sociologias, v. 14, n. 29, p. 22-70, 2012.

ESTEBAN, Maria Teresa. Silenciar a polissemia e invisibilizar os sujeitos: indagações ao discurso sobre a qualidade da educação. Revista Portuguesa de Educação, v. 21, n. 1, p. 5-31, 2008.

FERNANDES, Claudia de O. A promoção automática na década de 50: uma revisão bibliográfica na RBEP. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 81, n. 197, p.76-88, 2000.

FERNANDES, Reynaldo. Índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb). Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2007.

FREITAS, Mário A.T. de. Novos objetivos para a educação no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 4, n. 12, p. 346-360, 1945.

FREITAS, Mário A. T. de. O ensino primário brasileiro no decênio 1932-1941. Rio de Janeiro: IBGE, 1946.

GIL, Natália de L. Reprovação escolar no Brasil: história da configuração de um problema político-educacional. Revista Brasileira de Educação, v. 23, p. 1-23, 2018.

GIL, Natália de L. Estatísticas e educação: considerações sobre a necessidade de um olhar atento. Pensar a Educação em Revista, v. 5, n. 2, p. 1-29, jun.-ago. 2019.

GOULD, Stephen J. A falsa medida do homem. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

HACKING, Ian. The taming of chance. Cambridge: Cambridge University, 1990.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Educação 2017. PNAD Contínua. Rio de Janeiro: IBGE - Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, 2018.

JARDIM, Germano. A coleta da estatística educacional IV. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos v. 7, n. 21, p. 452-463, 1946.

KLEIN, Delci H. IDEB e maquinarias: a produção, a quantificação e a expressão da qualidade da educação brasileira. 2017. Tese (Doutorado em Educação). Faculdade de Educação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2017.

LIMA, Ana Laura G. A “criança-problema” na escola brasileira. Curitiba: Appris, 2018.

MAINARDES, J. A promoção automática em questão: argumentos, implicações e possibilidades. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 79, n. 192, p. 16-29, 1998.

MATOS, Luiz A. de. A aprovação e a reprovação escolar. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 26, n. 63, p. 254-257, 1956.

OLIVEIRA, Romualdo P. de; ARAUJO, Gilda C. de. Qualidade do ensino: uma nova dimensão da luta pelo direito à educação. Revista Brasileira de Educação, n. 28, p. 5-23, 2005.

PATTO, Maria Helena S. A produção do fracasso escolar. São Paulo: T.A. Queiroz, 1993.

PEREIRA, Luiz. A promoção automática na escola primária. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 30, n. 2, p. 105-107, out./dez. 1958.

POPKEWITZ, Thomas. PISA: numbers, standardizing conduct, and the alchemy of school subjects. In: PEREYRA, Miguel A.; KOTTHOFF, Hans-Georg; COWEN, Robert (eds.). PISA under examination: changing knowledge, changing tests, and changing schools. Rotterdam: Sense Publishers, 2011. p. 31-46.

PORTER, Theodore M. Trust in numbers: The pursuit of objectivity in science and public life. Princeton: University of Princeton Press, 1995.

ROSE, Nikolas. Governing by numbers: figuring out democracy. Accounting Organizations and Society, v. 16, n. 7, p. 673-692, 1991.

ROSE, Nikolas. Powers of freedom: reframing political thought. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

SÃO PAULO. Secretaria da Educação e da Saúde Pública. Diretoria do Ensino. As reprovações na escola primária (O fenômeno das reprovações. Análise das causas. Medidas contra o mal. Dados estatísticos). Boletim n. 7, 1936.

SOARES, José Francisco. José Francisco Soares: IDEB na lei? Simon’s Site, 13 de julho de 2011. Disponível em https://www.schwartzman.org.br/sitesimon/?p=2352

SOARES, José Francisco; XAVIER, Flávia P. Pressupostos educacionais e estatísticos do IDEB. Educação & Sociedade, v. 34, n. 135, p. 903-923, 2013.

STROMQUIST, Nelly P. Educação latino-americana em tempos globalizados. Sociologias, v. 14, n. 29, p. 72-99, jan./abr. 2012.

TEIXEIRA, Anísio. Educação pública: administração e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Officina Graphica do Departamento de Educação, 1935.

UNESCO. Declaração Mundial sobre Educação para Todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jumtien: UNESCO, 1990.

VIRGINIO, Alexandre S. Educação e sociedade democrática: interpretações sociológicas e desafios à formação política do educador. Sociologias, v. 14, n. 29, p. 176-212, 2012.

Publicado

2021-04-28

Como Citar

GIL, N. de L. A quantificação da qualidade: algumas considerações sobre os índices de reprovação escolar no Brasil / The quantification of quality: some considerations on the school failure rates in Brazil. Sociologias, [S. l.], v. 23, n. 56, p. 184–209, 2021. DOI: 10.1590/15174522-109753. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/sociologias/article/view/109753. Acesso em: 19 abr. 2024.

Edição

Seção

Dossiê - Sociologia da Tradução