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A Dramaturgia como Fonte para uma História da Iluminação Cênica: Pirandello capocomico iluminador 1 1 O presente artigo é resultado da pesquisa Capocomicato e metateatro: o fazer e o pensamento da iluminação na dramaturgia pirandelliana, desenvolvida como parte do estágio pós-doutoral, realizado junto à linha de pesquisa em História e Historiografia do Teatro e das Artes do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sob supervisão da professora doutora Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti) (agosto/2017 a julho/2018), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (dezembro/2017-julho/2018).

La Dramartugie comme Source pour une Histoire de l’Illumination Scénique: Pirandello capocomico l’illuminateur

Resumo:

O presente artigo, na proposta de uma história do pensamento sobre o fazer da iluminação cênica moderna, debruça-se sobre o contexto da cena moderna italiana do início do século XX, utilizando-se da dramaturgia metateatral de Luigi Pirandello como fonte documental para a história do teatro. Assim, trata inicialmente das questões metodológicas aí implicadas para, posteriormente, empreender análises das peças que compõem sua trilogia do teatro no teatro, tendo como foco a articulação entre as noções de visibilidade e visualidade, propondo-as como conceitos-chave para a compreensão da luz na cena moderna, para além da dicotomia luz para ver e luz narrativa ou de efeito.

Palavras-chave:
História e Historiografia do Teatro; Fontes Documentais; Iluminação Cênica; Micro-História; Teatro Moderno

Résumé:

Cet article, dans la proposition d’une histoire de la pensée sur le faire de l’illumination scénique moderne, se penche sur le contexte de la scène moderne italienne du début du siècle XX, en utilisant la dramarturgie du metathéâtre de Luigi Pirandello comme source documentale pour l’histoire du théâtre. Ainsi, il s’agit, d’abord, des questions méthodologiques impliquées ici pour, ultérieurement, entreprendre des analyses des pièces qui composent sa trilogie du théâtre dans le théâtre, en ayant comme centre l’articulation entre les notions de visibilité et visualisation, en les proposant comme des concepts clé pour la compréhension de la lumière dans la scène moderne, au-délà de la dichotomie la lumière pour voir et la lumière narrative ou d’effet.

Mots-clés:
Histoire et Historiographie du Théâtre; Sources Documentaires; Illumination Scénique; Micro Histoire; Théâtre Moderne

Abstract:

The present article, in the proposal of a history on the thought about the making of a modern stage lighting, focuses on the context of the early 20th century modern Italian scene, using the metatheatrical dramaturgy of Luigi Pirandello as documentary source for the history of theater. Thus, it deals initially with the methodological questions implied therein, to later undertake analyzes of the plays that form his Theater in the Theater trilogy, focusing on the articulation between the notions of visibility and visuality, proposing them as key concepts for understanding light in the modern scene, beyond the dichotomy light to see and narrative or effect light.

Keywords:
History and Historiography of Theater; Documentary Sources; Scenic Lighting; Micro-History; Modern Theater

O DIRETOR - Não, branco, não! Eu disse céu! Não faça nada, deixe − eu mesmo dou um jeito. (Chamando) − Hei, aí, eletricista, apague tudo e dê-me um pouco de atmosfera... atmosfera lunar... azul, azul nas gambiarras, e azul no pano, com o refletor... Assim! Basta! (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 232).

Introdução

Na proposta de uma história do pensamento sobre o fazer da iluminação cênica2 2 Na esfera da proposição de uma história do pensamento sobre o fazer da iluminação cênica, o presente artigo, sem ferir sua autonomia, compõe, na visão do autor, um conjunto com outros dois artigos produzidos no mesmo período de trabalho investigativo. A quem tiver interesse, ver Nosella (2018a; 2018b). no contexto da cena moderna italiana do início do século XX, o uso da dramaturgia metateatral de Luigi Pirandello como fonte documental para a história do teatro apresenta-se como questão central a ser tratada no presente artigo. Nesse sentido, tanto as proposições teóricas e de método, quanto exemplificações de resultados de análises, serão desenvolvidas, procurando, num movimento conjunto, problematizar e demonstrar a pertinência de tal universo investigativo, tendo como questão de fundo o que constitui fontes documentais para uma história do teatro ou quais podem ser elas.

O enfrentamento da questão implica definições fundamentais no campo historiográfico sobre a cena moderna. O desafio se configura em olhar para a história do teatro por um elemento da cena, procurando, assim, resolver questões metodológicas ainda pertinentes, mesmo que não novas, como a da efemeridade do objeto - a cena e sua luz -, articulando um olhar a outro objeto próprio do fazer teatral, porém de caráter duradouro, como a dramaturgia, ao ressignificá-la como fonte documental. Já de saída, nos parece, tal problemática, sem ser o objetivo central, lança alguma luz sobre uma questão que tem se apresentado como recorrente nos estudos históricos do teatro: a efemeridade do fenômeno espetacular; contrabalançando tal caráter fugidio com dimensões de permanência, seja do objeto textual - base de análise - seja de novas compreensões socioculturais do fenômeno teatral calcados na permanência: os saberes, ofícios e convenções transmitidas e transformadas na qualidade de tradição. Ao propor um olhar para história do teatro lançado para fora da cena, obviamente não a dispensando, mas não a tendo como objeto de análise, provoca-se uma compreensão histórica do fenômeno para além da cena (Fontana, 2017FONTANA, Fabiana S. O que existe de permanente no reino do efêmero - os arquivos pessoais e o patrimônio documental do teatro. Revista Sala Preta , São Paulo, v. 17, n. 2, p. 11-25, São Paulo, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/139513/137187 >. Acesso em: 16 mar. 2018.
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).

O contexto histórico escolhido como objeto de observação, a Itália de 1924 a 1930, apresenta-se como um momento particularmente propício. Trata-se do período em que Luigi Pirandello ocupou a função de capocomico3 3 Para referir rapidamente à questão do significado de capocomico, bastante importante nos estudos históricos gerais sobre o teatro e sobre a história da cena, em particular, cito apenas uma rápida definição, quase a título de verbete, em nota de tradutor: “Capocomico - cômico chefe - dirigente de uma companhia teatral para escrituração dos atores; figura que, no seio do teatro cômico popular, tende a acumular funções como diretor de companhia, primeiro ator, ensaiador. O capocomicado, experiência presente em diferentes momentos da história do teatro requer, justamente, estudos histórico-teatrais que o desvencilhem de adjetivos valorativos, de modo a recuperar a compreensão, histórica, de sua noção, a partir do contexto, teatral, de sua configuração” (Rabetti, 2013, p. 151-152). da Cia. Teatro d’Arte di Roma, sendo responsável pela encenação e reescrita de várias de suas obras dramatúrgicas, dentre as quais duas de suas peças da trilogia Teatro no Teatro: Sei personaggi in cerca d’autore e Ciascuno a suo modo; e encerra-o, já afastado da companhia, com a produção da peça Questa sera se recita a soggetto, numa espécie balanço da experiência daqueles anos. A dimensão ampla do trabalho que constitui o que chamamos de Teatro, no contexto acima, acreditamos, plasma a dramaturgia metateatral de Pirandello, promovendo um rico documento para pesquisa histórica dos fazeres, no caso, a iluminação cênica.

A História e suas Fontes: a ficção como documento histórico

Mas, afinal, qual o traço comum que permite chamar de fontes para o conhecimento histórico coisas tão díspares como uma estátua grega do século V a.C., uma máscara maia, uma carta do Marquês de Pombal, um concerto de Mozart, uma película cinematográfica, um artigo de jornal sobre os perigos do desmatamento, uma entrevista gravada de um trabalhador em greve, uma fotografia e uma telenovela? A resposta está no interesse do historiador em inquirir o que essas coisas revelam sobre as sociedades às quais elas pertencem e na criação de uma narrativa explicativa sobre o resultado de suas análises (Janotti, 2006JANOTTI, Maria de Lourdes. O livro Fontes históricas como fonte. In: PINSKY, Carla Bessanezi (Org.). Fontes Históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto , 2006. P. 9-22., p. 10).

Nessa passagem, a autora nos faz uma pergunta-chave diante da disparidade de materiais que foram e podem ser considerados fontes históricas. E responde: ser fonte não é em si uma especificidade do material; não é a descrição objetiva que qualifica o objeto (uma carta, uma moeda, um livro, etc.), que o define como fonte; é o interesse do historiador em inquirir tal objeto que o torna uma fonte. E, para que esse processo se complete, é preciso que, a partir do jogo de perguntas e respostas entre historiador e fonte - sujeito e objeto -, se desenvolva uma narrativa.

Ainda que a questão inicialmente proposta pareça de certa forma resolvida - pois, num jogo de articulação que poderíamos chamar de fazer histórico, todo objeto que provoque o interesse do historiador é potencialmente uma fonte e tornar-se-á efetivamente uma fonte na própria capacidade do historiador em inquiri-lo e demonstrar os resultados concretos daquilo que dali obteve -, o que nessa relação entre sujeito e objeto, no processo de construção do conhecimento histórico, poderia pôr em teste novos limites à própria relação? A resposta, nos parece, pode ser dada pela própria história da disciplina história: no método. O método seria o conjunto de regras referentes aos critérios e procedimentos para a observação; regras preestabelecidas (não imutáveis e fixas, mas constantemente testadas e reformuladas) para a relação sujeito/objeto que, como vimos, não define apenas as extremidades da relação, mas suas bases, ou seja, o próprio fazer da história.

Uma reflexão final sobre a importância e o sentido do método em História não poderia começar sem remeter-se à história da própria disciplina, pois, de fato, foi só quando se desenvolveram os critérios e procedimentos de crítica e análise das fontes, entre o fim do século XVIII e o início do XIX, que a História ganhou autonomia diante da filosofia e das ciências humanas e, em relação a estas últimas, reivindicou semelhantes estatuto de cientificidade. Foi o método, portanto, que permitiu, a princípio, fixar e resguardar os limites do território do historiador, ao mesmo tempo em que o promovia à condição de cientista (Grespan, 2006GRESPAN, Jorge. Considerações sobre o método. In: PINSKY, Carla Bessanezi (Org.). Fontes históricas. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2006. P. 291-300., p. 291).

O que define um objeto como fonte histórica seria então a própria relação entre o potencial do objeto e o interesse do observador, mediada, porém, pelo método, ou seja, por um conjunto de critérios e procedimentos a propor e aplicar no ato de observação e questionamento do historiador para sua fonte. Temos, assim, uma via de mão dupla (ou de mão tripla), posto que tanto o tipo de fonte define seu método quanto o método confirma o estado de fonte atribuído a um dado objeto, pois, o método não é nada mais (ou tudo isto) do que a forma específica de inquirir cada diverso objeto para obter dele o conhecimento histórico que se almeja, ou seja, para fazer daquele objeto uma fonte.

O que vemos se formar é uma intrincada trama entre a potência presente no objeto, o interesse do historiador e as estratégias de observação e questionamento, que lhe permitirão construir, em narrativa, o conhecimento histórico. Nesse conjunto, há sempre um alinho preciso entre uma teoria histórica, o método que se propõe e o objeto que se inquire.

Retornando a nossa questão, a proposição do uso de obras dramatúrgicas como fonte primária para o exercício historiográfico não se apresenta como solução pronta. A questão em si suscita alguns aprofundamentos reflexivos quanto à(s) relação(ões) entre história e literatura no que concerne tanto a teorias quanto a metodologias do fazer histórico. No próprio embate com as obras indicadas como fonte, pudemos, de forma sintética, separar algumas reflexões que aqui apresentamos.

Carlo Ginzburg (2007GINZBURG, Carlo. Descrição e citação. In: GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. P. 17-40.), em seu texto Descrição e citação, tendo como eixo a relação entre história e literatura, desdobrado na relação entre o real e a ficção, aponta como o movimento de afastamento e posterior aproximação entre as noções de evidência, como base do pensar e fazer histórico, e de narração, se confunde com a própria busca de seu fazer.

De acordo com o autor, o cerne da questão estaria na noção de enargeia, que significa clareza, vividez. A busca do que, desde os gregos, deveria ser o fim último da história - a verdade - confundia-se com o exercício narrativo da retórica, ou seja, na historiografia antiga a verdade da história encontrava-se na clareza e vividez de sua narrativa - o que se oporia à moderna noção de evidence, referente a nossa atual compreensão do que é um documento.

A diferença entre o nosso conceito de história e o dos antigos se resumiria da seguinte forma: para gregos e romanos a verdade histórica se fundava na evidentia (o equivalente latino da enargeia proposta por Quintiliano); para nós, nos documentos (em inglês, evidence) (Ginzburg, 2007GINZBURG, Carlo. Descrição e citação. In: GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. P. 17-40., p. 24).

Ainda segundo Ginzburg, a mudança de paradigma ocorreu na segunda metade do século XVII e gestou a proposição de sistematizar princípios de análise com base em fontes que deixassem para trás uma noção de verdade a partir da persuasão para, então, trazer à centralidade do fazer histórico o controle objetivo dos fatos. Esse movimento, porém, se por um lado significou ganho metodológico para o fazer da história, por outro também significou, no momento em que surgiu, controle sobre o que se poderia chamar de verdade (Ginzburg, 2007).

A crítica à própria noção de fonte - que a partir do século XVII afasta a história da experiência narrativa - faz-se novamente necessária em finais do século XIX e nas primeiras décadas do XX, não por acaso em reação ao momento em que tal movimento atinge seu ápice, com a historiografia positivista. Poderíamos aferir que as renovações que o fazer historiográfico vivenciou ao longo do século XX − desde a fundação dos Annales d'histoire économique et sociale, por Lucien Febvre e Marc Bloch, em 1929, revendo a própria noção objetivista da fonte e do documento, suas relações com o trabalho analítico e narrativo, e o papel da interpretação, tudo isso sem abandonar os avanços que a historiografia da evidence trouxe ao método historiográfico − são uma espécie de meio do caminho que se busca na compreensão da própria definição de fonte e de nossa relação com ela.

Os textos, sem dúvida: mas todos os textos. E não só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio [...] Mas também, um poema, um quadro, um drama: documentos para nós, testemunhos de uma história viva e humana, saturadas de pensamento e de ação em potência (Febvre, s. dFEBVRE, Lucien. Combates pela História. v. I. Lisboa: Editorial Presença, s. d..., p. 31).

Assim, no que concerne à relação entre narrativa ficcional e narrativa histórica, também Ginzburg (2007GINZBURG, Carlo. Descrição e citação. In: GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. P. 17-40.) afirma ser essa relação mais de contenda que uma guerra de trincheiras, uma relação de desafios mútuos entre a dita objetividade da fonte e a subjetividade da narrativa, cujo objeto de disputa é a representação da realidade.

Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti) (2017RABETTI, Maria de Lourdes (Beti Rabetti). Em busca da tradução teatral: o trabalho do historiador em meio a miudezas da cena e precariedades documentais. Revista Sala Preta , São Paulo, v. 17, n. 2, p. 49-71, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/139972/137190 >. Acesso em: 16 fev. 2018.
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, p. 52) propõe o que chama de “escrita documentada”, na qual se deve proceder à escrita da história, sem negar o elemento narrativo, trazendo-o novamente ao cerne do fazer histórico, mas também sem esquecer os limites entre narrações ficcionais e narrações históricas, e diz que tal escrita “[...] faz emergir intensamente suas fontes para com elas dialogar diante do leitor. Navega, portanto, entre um tema e os dados que se procurou alcançar para enfrentá‑lo, num exercício de interpretação que os submete à análise, mas os tem sempre à vista, sob constante controle”.

Num olhar para a história do fazer historiográfico, Pesavento (2013PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autentica, 2013. (e-book).) afirma que a abertura proposta pela história cultural para o uso dos próprios objetos culturais como fontes foi importante dado na construção de novas leituras para o historiador. As obras de ficção, já em si representações da realidade, poderiam revelar no jogo de articulação entre historiador e objeto, tornado fonte no próprio jogo, conhecimentos únicos e específicos. E, nesse contexto, na segunda metade do século XX, a partir da década de 1970, deu-se o surgimento de uma nova teoria e metodologia fundamental no desenvolvimento e redefinição de rumos da história cultural: a micro-história italiana (Pesavento, 2013, p. 857).

Talvez se deva lembrar que o que a corrente da micro-história propõe é uma redução de escala da observação, sem perda da dimensão geral. A partir da percepção de elementos particulares, muitas vezes não perceptíveis a um olhar lançado ao geral, busca-se captar traços desse geral, o que nos parece de imediato interessante, pelo fato de uma possível unicidade documental da fonte poder ser relegada a segundo plano. O objeto em si, proposto como fonte, não deteria já de antemão, na sua totalidade, as respostas almejadas. À proposição do uso da dramaturgia como fonte, tal formulação nos pareceu particularmente propícia. Não é a dramaturgia em si como objeto que interessaria, no caso, mas sim o que ela pode revelar sobre algo que não se relaciona com sua função específica, a iluminação cênica. Seja em momentos em que o texto, por suas características próprias, dê indicações precisas de como proceder a iluminação - passagens geralmente presentes nas rubricas do autor - ou indícios no próprio corpo do texto - que podem variar desde informações sobre o tempo (se é dia ou noite), sobre a ambiência ou, ainda, sobre efeitos -, ou simplesmente passagens textuais que nos levem a leituras, indiretas, sobre a luz.

A dramaturgia, mesmo a metateatral, como é o caso, não é documento resultante direto da prática da iluminação, mas, sim, um objeto diante do qual, empreendendo-se uma observação de escala reduzida, seria possível apreender elementos fundamentais para a reconstrução de uma forma de pensar o fazer da iluminação cênica naquele momento. Retomando a relação entre história e ficção, em termos metodológicos, o que se evidenciou à historiografia do século XX é que a história de um objeto (até o momento considerado) trivial, em relação (ou até oposição) à história dos grandes acontecimentos, deve ser feita ou com novos documentos, que, como distintos objetos de análise, necessitam de distinta observação, ou, ao menos, com novo olhar para velhos documentos.

Num breve olhar sobre a recente publicação do dossiê Histórias, memórias e acervos teatrais no Brasil, pela revista Sala Preta, da USP (v. 17, n. 2, 2017), percebe-se como programas, figurinos, desenhos e anotações realizadas no próprio fazer são entendidos hoje, pelos pesquisadores, como documentos essenciais à reflexão e construção histórica do nosso teatro. Cada um desses objetos carrega em si, localizados em determinado tempo e espaço, os traços do fazer que os gestou, pois, na condição de objetos podem ser problematizados como fonte de pesquisa e como elemento constituinte do fazer material do teatro, que possibilita um próprio fazer, histórico. Um programa, um cartaz, um figurino ou um roteiro de luz têm suas funções definidas, porque foram produzidos como objetivos específicos dentro da dinâmica da criação e produção cênica em determinada época e, nesse sentido, revelam muito sobre o próprio fazer, mas podem revelar também, sob o olhar atento do historiador, aspectos de outros fazeres além daquele que foi sua razão primeira. Isso significa que a ampliação do leque de objetos que podem (e devem) ser encarados como fontes históricas sobre o fazer cênico deve modificar o horizonte quanto à identificação desses objetos/fontes, mas deve também fazer voltar nosso olhar, com renovados interesses, para objetos já consagrados como fontes.

Ao propor uma história da iluminação como uma história do pensamento do fazer da iluminação, partimos da percepção de que há algo que se refere a certo aspecto histórico do fazer que poderíamos chamar de uma estrutura de sentimento da iluminação - resgatando um conceito analítico fundamental de Raymond Williams (2010WILLIAMS, Raymond. Drama em Cena. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.) para a história da cena - que poderia ser apreendida num objeto de características particulares, fluidas, como acreditamos ser a dramaturgia. Buscar, nos meandros das peças teatrais, o resgate histórico de um fazer da iluminação cênica do passado modifica a relação de leitura da que se efetiva numa análise de caráter literário, esperando que esta nos revele outras dimensões do referido fazer. As informações relativas ao fazer da iluminação deveriam advir dos próprios documentos desse ofício, enquanto a dramaturgia, na condição de narrativa ficcional, mesmo a metateatral, como é o caso, daria conta de outro nível de concretude. Tal percepção não inutiliza esta ou aquela fonte proposta - se pensarmos que o conhecimento histórico existe em constante processo de construção e movimento, uma vez que se faz no jogo entre sujeito e objeto e no cotejamento de fontes -, revela muito mais as potenciais possibilidades de trabalho com cada uma. Se a fonte não revela de imediato dados concretos e objetivos quanto a determinado fazer (no caso a iluminação), desvela, de outra forma, certo pensamento a seu respeito, que não apenas não exclui como, de fato, faz parte desse fazer, sendo dele elemento fundamental.

Em continuidade, podemos pensar no entendimento da importância que a historiografia do século XX, em suas renovações, atribuiu ao pensamento ou mentalidade, para compreensão do passado. Nesse sentido, no que nos interessa mais imediatamente, há duas frentes: a primeira considera que o pensamento abstrato, plasmado no campo do imaginário e com ele identificado, pode deter extrema contundência para compreensão de uma dada época; a outra entende que as obras de expressão humana, entre elas, a narrativa ficcional, constituem territórios privilegiados do decantar de tal imaginário abstrato. O imaginário, devemos compreender, funciona como um “[...] sistema de identificação, classificação e valorização do real pautando condutas e inspirando ações. É, podemos dizer, um real/mais real que o real concreto” (Pesavento, 2006PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & literatura: uma velha-nova história. In: DA COSTA, Cléria B.; MACHADO, Maria Clara T. (Org.). Literatura e História: identidades e fronteiras. Uberlândia: EDUFU, 2006. P. 11-27., p. 12).

Analisando a relação entre história e dramaturgia na obra de Joaquim Manoel de Macedo; João Cícero T. Bezerra (2018BEZERRA, João Cícero Teixeira. Joaquim Manoel de Macedo, historiador e dramaturgo. Revista Sala Preta, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 181-206, 2018. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/137602 >. Acesso em: 12 jul. 2018.
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) nos alerta para o fato de que, mesmo quando um quadro imaginativo não condiz exatamente com dados da sua realidade histórica, ele ainda carrega elementos de historicidade daquela realidade, uma vez que revela, se não o fato, certo desejo social daquele período. E, talvez, tal desejo, plasmando no imaginário de uma época, possa nos dizer sobre o que fomos e o que somos tanto quanto possíveis dados que o contradigam.

Há, porém, nítida diferença entre o imaginário que se tem hoje de outra época e o imaginário que se forma no bojo do conjunto de homens de uma dada época, promovendo, pelo exercício do pensamento, a configuração de um sistema de ideias que é próprio dessa época. Ambos os imaginários são construídos: um como representação de algo que está distante, em outra época; o outro como uma espécie de autorrepresentação. No caso, a narrativa ficcional detém o poder de concretizar ambos os imaginários, mas o que mais imediatamente interessa ao que aqui propomos, uma vez que ambas podem interessar à história, é a segunda forma − ou seja, o que do imaginário de uma época se inscreveu numa dada obra narrativa?

Nesse sentido, a obra ficcional se nos apresenta como fonte documental histórica pelo que possui de historicidade inscrita, a revelar algo da época em que foi gerada. Possuindo a literatura íntima relação com seu tempo de gestação, mesmo que autônoma em sua configuração última, dado ser uma forma de expressão, ela “[...] manifesta emoções e a visão de mundo dos indivíduos e dos grupos; ela é uma forma de conhecimento, inclusive como incorporação difusa e inconsciente” (Candido, 2004CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 4. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Duas Cidades; Ouro sobre Azul, 2004. P. 169-191., p. 176).

Sendo assim, o interesse não se dá especificamente pelo conteúdo da dramaturgia apenas - uma vez que nosso objetivo é o fazer e o pensamento da iluminação cênica, e as peças selecionadas, mesmo sendo obras metateatrais, não foram escritas com o fim de versar sobre esse tema -, mas pela característica do texto dramatúrgico como obra literária que detém em si o potencial de, além do assunto que desenvolve em primeiro plano, expressar em detalhes de sua organização o que podemos chamar de sentimento de uma época. Sentimento este que, retomando o conceito de estrutura de sentimento de Raymond Williams (2010WILLIAMS, Raymond. Drama em Cena. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.), se inscreve na obra dramatúrgica numa espécie de encenação imaginada, que seria sua própria carga de historicidade. Segundo o autor, uma vez que a imaginação da cena pelo dramaturgo está condicionada às condições técnicas e culturais de uma época, ela define formas de escritura para cena que poderiam revelar essas condições, que são históricas.

Tal configuração se potencializa se pensarmos na obra dramatúrgica metateatral, que se apresenta como representação ficcional de uma prática concreta, o próprio fazer teatral, carregado de historicidade tanto na limitação histórica do autor, que conhece tal prática em sua época, quanto para além de tal limitação, ao carregar-se de proposição do desejo (também histórico) de um possível fazer - como se faz e como se propõe fazer. A própria metateatralidade é uma espécie de sintoma da modernidade, uma estrutura de sentimento dramatúrgica a responder às questões e transformações técnicas radicais pelas quais passa o fazer teatral ao longo do século XIX e início do XX.

Nesse campo, a questão minimamente se desloca da história para o que estamos aqui elegendo como sua fonte - a narrativa ficcional - e se desenrola no que podemos chamar de estilo ou escola. Se, como dissemos, é na forma que tal elemento de historicidade presente no imaginário de uma época se inscreve, ele o fará diversamente conforme for diverso o estilo da narrativa. Nesse sentido, a maneira de se conceber a relação entre história e narração ficcional está também ligada ao estilo, ou escola, da narrativa, que não é mais do que a maneira como essa narração ficcional estabelece sua relação com o que Pesavento (2006PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & literatura: uma velha-nova história. In: DA COSTA, Cléria B.; MACHADO, Maria Clara T. (Org.). Literatura e História: identidades e fronteiras. Uberlândia: EDUFU, 2006. P. 11-27.) chamou de seu referente, a realidade. O que também significa dizer que esse estilo é essencialmente seu componente histórico.

Para desenvolver tal raciocínio, é preciso partir de uma premissa que sabemos não ser unânime: que toda obra ficcional tem sua relação de referência com a realidade, o que não significa afirmar que toda obra é realista, no sentido estilístico do termo, nem que apenas as obras realistas interessariam à história. Ao contrário do que se possa pensar, uma vez que a estruturação do real na obra ficcional se dá na forma, afirmamos que uma obra de estilo não realista possui tanto valor como fonte para análise do referido imaginário histórico quanto uma de estilo realista. Assim, Pirandello, autor de acirrada fantasia em sua narrativa, apresenta-se como objeto exemplar para tal exercício.

A dramaturgia metateatral de Pirandello, fantástica em sentido primeiro, nos coloca no cerne da disputa teórica e estética mais contundente da modernidade, entre naturalistas e simbolistas; aqui, entretanto, não a enfrentaremos como se deve, mas antes apenas a chamaremos para ilustrar algumas questões. Se radicalmente opostas em alguns sentidos, concordamos que essas correntes, como estandartes da modernidade cênica, foram animadas pela descoberta dos recursos da iluminação elétrica (Roubine, 1998ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Trad. Yan Michalski. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.). Talvez o fato principal seja o que se denominou re-teatralização da cena (Sarrazac, 2013SARRAZAC, Jean-Pierre; FERNANDES, Sílvia. A invenção da teatralidade. Revista Sala Preta , São Paulo, v. 13, n. 1, p. 56-70, 2013. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/57531 >. Acesso em: 16 fev. 2018.
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) pelo processo, em grande parte propiciado pela iluminação, primeiro a gás e depois elétrica, de materialização tridimensional do palco. Espaço anteriormente privilegiado, pela ilusão visual, da perspectiva renascentista - que invoca a tridimensionalidade no bidimensional, pelos cenários pintados em telões e dispostos no espaço sincronicamente - o palco, a partir da possiblidade de livre distribuição das fontes de luz e com seu controle autônomo cada vez maior, se tornou materialmente tridimensional. Nesse contexto, a cena passou a ser efetivamente construída e não mais apenas um simulacro, seja de uma ambiência numa configuração naturalista, seja de uma abstração numa configuração simbolista, como os espaços rítmicos de Appia ou as screens de Craig (Nosella, 2018aNOSELLA, Berilo Luigi Deiró. Por uma história do pensamento sobre o fazer da iluminação cênica moderna: a cena além do humano. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, UDESC, v. 1, n. 31, p. 20-37, 2018a. Disponível em: <Disponível em: http://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101312018020 >. Acesso em: 07 maio 2018.
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).

Sendo a iluminação um dos componentes fundamentais para elaboração visual da cena no que tange ao desenho de sua espacialidade e especialmente dependente dos recursos tecnológicos disponíveis em seu momento histórico, acreditamos que haja aí um elemento fundamental para compreendermos, em conjunto interligado, a prática da cena e suas renovações entre o início do século XIX e o do XX. O “entusiasmo” com as novas possiblidades de espacialidade, pela luz, e de controle da própria luz, constitui um dos cernes do que chamamos de teatro moderno, propiciando, pelo controle extremo sobre a cena, a proposição de uma “cena além do humano”, como aponta Grazioli (2016GRAZIOLI, Cristina. Pontos críticos e equilíbrios dinâmicos: estudar a história do teatro de figura. Móin-Móin - Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas, Florianópolis, UDESC, ano 12, n. 16, p. 17-39, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.udesc.br/arquivos/ceart/id_cpmenu/2645/revista_moin_moin_ 16_15002287209367_2645.pdf >. Acesso em: 7 ago. 2017.
http://www.udesc.br/arquivos/ceart/id_cp...
) e tal como tratado especificamente em Nosella (2018bNOSELLA, Berilo Luigi Deiró. Apontamentos sobre a história da iluminação moderna: a parceria entre tecnologia e cena. Arte da Cena (Art on Stage), Goiânia, UFG, v. 4, n. 2, p. 65-89, jul./dez. 2018b. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/artce/article/view/54795/32608 >. Acesso em: 24 mar. 2019.
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). Assim, como o ator que se almeja que se torne um autômato, uma marionete, a cena moderna também se torna algo a ser manipulado para expressão do encenador a partir do controle tecnológico. E essas são questões que se encontram na configuração da dramaturgia/cena metateatral moderna, como componente de sua materialização, em último grau.

A metateatralidade de Pirandello, que se mostra para além dele como uma estrutura de sentimento da própria modernidade cênica, é uma das conformações dessa materialidade cênica (ou que poderíamos chamar de re-teatralização da cena), apresentando-se como uma espécie de materialização de ideias sobre o fazer, obviamente ficcionais, mas nem por isso isentas do que podemos chamar de uma cultura teatral da época, carregada de historicidade.

Isso se reforça pelo paralelismo de produção dessas ideias com o período de constituição e atuação da Cia. del Teatro d’Arte di Roma4 4 A Cia. del Teatro d’Arte di Roma foi criada em 1924, por Mussolini, e iniciou suas atividades, tendo Pirandello como Capocomico, em 1925 (D’Amico; Tinterri, 1987) , da qual Pirandello será o capocomico de 1924 a 1928. Sobre tal fato, nos parece extremamente relevante a informação de que a montagem de Sei personaggi in cerca d’autore, dirigida por Pirandello em 1925, possui claros ajustes cênicos realizados pelo autor/diretor em resposta a outras encenações importantes da época, com destaque às de Max Reinhardt, em Berlim em 1922, e a de Pitoëff, em Paris em 1923; e de que tais ajustes foram incorporados efetivamente à dramaturgia, constituindo a versão que conhecemos hoje. Da mesma forma, a versão que temos hoje de Ciascuno a suo modo, encenada por Pirandello em 1928, é a versão reeditada da peça em 1933, com modificações contundentes quanto ao uso do espaço cênico, provavelmente motivadas, por um lado, pelo inevitável amadurecimento de Pirandello como encenador, mas também pelo imenso fracasso que foi a encenação. E, por fim, pela percepção de que, dessa experiência de uma companhia estável encerrada em 1928 pelo desacordo crescente de Pirandello com o governo fascista italiano, Questa sera se recita a soggetto seria uma espécie de síntese e revisão de um conjunto de ideias do autor/diretor sobre seu próprio fazer (D’Amico; Tinterri, 1987D’AMICO, Alessandro; TINTERRI, Alessandro. Pirandello Capocomico: La Compagnia del Teatro d’Arte di Roma 1925-1928. Palermo: Sellerio, 1987.).

As Peças e seus Indícios de Iluminação

A partir daqui, apresentaremos algumas análises da dramaturgia metateatral como fonte histórica para definição de um possível quadro sobre o pensamento e a prática da iluminação por Luigi Pirandello, tendo, para tal, escolhido um recorte que, num possível conjunto analítico mais amplo sobre a questão, consideramos exemplar. Trata-se exatamente de pensar como se dá a relação das novas técnicas do fazer cênico, em especial a iluminação, como suporte ou efeito da própria configuração da cena. Essa questão, que elegemos como central no recorte analítico aqui apresentado, vincula-se diretamente às funções de visibilidade e visualidade da luz como eixo do pensamento sobre a iluminação na cena (Tudella, 2017TUDELLA, Eduardo A. da Silva. A Luz na Gênese do Espetáculo. Salvador: EDUFBA, 2017.). Em síntese, visibilidade seria a função em que a luz apenas serviria ao intuito de “fazer ver”, e visualidade diria respeito ao fato de a luz assumir papel narrativo mais contundente, intervindo, como efeito, na própria narrativa. Uma luz que ilumina (clareia) e uma luz que cria (Grazioli, 2015GRAZIOLI, Cristina. Luce e Ombra: storia, teorie e pratiche dell'illuminazione teatrale. Roma-Bari: Laterza, 2015. (e-book)., p. 155).

Para a leitura histórica do pensamento sobre o fazer da iluminação na obra de Pirandello, foram selecionados e transcritos trechos pontuais das três peças metateatrais - trilogia do Teatro no Teatro - que foram cotejados nas versões originais, em italiano, e nas traduções escolhidas5 5 As leituras e releituras das peças ocorreram sempre nas duas versões, o cotejamento preciso deu-se apenas nos trechos selecionados para análise. , e organizados de forma a tentar construir uma leitura sobre o pensamento do autor/diretor - capocomico/iluminador - quanto à questão. Vejamos então:

Enquanto isso, o Porteiro do teatro, com o boné agaloado na cabeça, entrará na plateia e, atravessando o corredor entre as poltronas, seguirá apressado até o palco para anunciar ao Diretor da Companhia a chegada das Seis Personagens que, tendo entrado também na sala, acompanharão o porteiro a uma certa distância; meio perdidas e perplexas, olharão em redor (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 187).

A entrada das seis personagens em cena, na peça Sei personaggi in cerca d’autore, é marcada por uma disputa cênica que consideramos exemplar do que podemos chamar de escrita cênica como materialidade de linguagem própria da modernidade. Sabemos que, na encenação proposta por Pirandello junto à Cia. d’Arte di Roma, estreada no teatro Odescalchi em 18 de maio de 1925 (D’Amico; Tinterri, 1987, p. 130) foi a primeira vez que se apresentou a versão atualmente conhecida dessa cena, com as seis personagens entrando pelo fundo da plateia e atravessando-a para atingir o palco. Provavelmente, tal proposição do diretor Pirandello consistiu em ajuste/resposta à primeira versão da peça, de 1920, após o autor assistir, em 1923, à encenação de Georges Pitoëff em Paris, na qual os personagens entravam em cena pelo elevador de carga do fundo do palco. Outro ajuste cênico que Pirandello propõe em sua encenação de 1925, segundo diversos críticos franceses e alemães que, tendo assistido às encenações de Pitoëff, em 1923, e de Max Reinhardt, em 1922, assistem à versão da Cia. d’Arte di Roma em excursão pela Europa6 6 Paris em 6 de julho e Berlim em 12 de outubro de 1925 (D’Amico; Tinterri, 1987, p. 130). , é uma radical diferenciação em cena entre as personagens e os atores, e aí aparece a primeira contribuição contundente da iluminação:

Quem quiser tentar uma transposição cênica desta peça precisa empenhar-se, com todos os meios, para conseguir o máximo efeito a fim de que estas Seis Personagens não se confundam com os Atores da Companhia. A disposição de uns e outros, indicada nas rubricas, quando os primeiros subirem ao palco, ajudará sem dúvida; assim como uma coloração diferente da luz, mediante refletores apropriados (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 187)7 7 No original em italiano: “Chi voglia tentare uma traduzione scenica di questa commedia bisognha che s’adoperi com ongi mezzo a ottenere sopra tutoo l’effetto che questi Sei Personaggi non si confondano com gli attori dela Compagnia. La disposizione degli uni e degli altri, indicata nelle didascalie, allorché quelli saliranno sul palcoscenico, gioverá senza dubbio; come uma diversa colorazione luminosa per mezzo d’appositi riflefletori” (Pirandello, 2015, p. 9). .

Pirandello propõe que se ilumine de forma diversa os grupos formados pelos personagens e pelos atores da companhia que ensaiam no palco, e sugere que tal diferença de iluminação se dê pela cor, através de refletores apropriados. Mesmo para os dias atuais, pensar em iluminar com cores diversas grupos diversos de atores em cena, que se movem pelo espaço - haja vista já sua entrada atravessando toda a plateia - e em alguns momentos até interagem, não é tecnicamente tão simples. Em todo caso, isso revela um princípio importante de controle e autonomia do potencial técnico de iluminação, pois, para tal ocorrer, é preciso que as fontes de luz sejam independentes, passíveis de posicionamento em locais diversos e que se detenha controle sobre seu acender e apagar. Além dessas características técnicas do aparato luminoso, é imprescindível marcação muito precisa e ensaiada, quase uma espécie de coreografia espacial previamente combinada, para que o acender e apagar das luzes específicas ilumine toda a movimentação do conjunto de atores em cena.

Tais apuro e precisão técnica na constituição do que chamamos de efeito de luz em conjunto com as demais competências, principalmente dos atores, nos parece, serão traços contundentes do debate proposto pelo teatro pirandelliano nesse momento de seu fazer como diretor e dramaturgo junto à Cia. Teatro d’Arte di Roma, entre 1925 e 1928, e nos ateremos a essa questão que, aliás, não é apenas de Pirandello, mas da modernidade cênica, possibilitada, entre outros aspectos, pelo desenvolvimento dos potenciais da iluminação elétrica, tão impactantes que, em alguns casos, se sobrepuseram aos demais elementos do fazer cênico, até mesmo ao ator.

Ao final da peça, outro efeito de luz é proposto pelo diretor/autor Pirandello: os personagens reaparecem como sombras, atrás de um pano, iluminados por uma luz verde espectral, dessa vez sem interferência do diretor (personagem) em cena.

De pronto, por trás do pano de fundo branco, como por erro de ligação, acender-se-á um refletor verde, que projetará, grandes e destacadas, as sombras das Personagens, menos a do Rapazinho e a da Menina. O Diretor, ao vê-las, saltará fora do palco, aterrorizado. Ao mesmo tempo, apagar-se-á o refletor atrás do fundo, e no palco voltará o azul noturno de antes (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 239)8 8 No original em italiano: “Subito, dietro il fondalino, como per um sbaglio d’attacco, s’acenderà um riflettore verde, che proiettarà, grandi e spiccate, le ombre dei personaggi, meno il Giovinetto e la Bambina. Il capocomico, vedendole, schizzerà via dal pacoscenico, aterrito. Contemporaneamente, si spegnerà il riflettore dietro il fondalino, e si rifarà sul palcoscenico il noturno azzurro di prima” (Pirandello, 2015, p. 69). .

Evidencia-se a importância que os efeitos de iluminação, precisos e calculados, passam a ter na proposição cênica da versão que conhecemos hoje de Sei personaggi in cerca d’autore, que é fruto das reflexões de Pirandello como capocomico da Cia. del Teatro d’Arte di Roma, entre 1924 e 1928, e, portanto, concretizadas em sua encenação da peça em 1925. Além dos efeitos, a função de visibilidade se mostra presente em vários momentos, em que o Diretor, em processo de ensaio, solicita o acendimento ou o apagamento das luzes para que possa enxergar ou encerrar o trabalho.

No conjunto da peça, percebe-se que a dualidade ficção e realidade, proposta como questão central da obra, também se bifurca na iluminação: como iluminação de efeitos, que tem como característica propor leituras ligadas ao universo ficcional das personagens; e como a luz que se faz presente no cotidiano do trabalho cênico da companhia, com função de tornar visível desde o ensaio até uma ou outra ambientação cênica para o enredo do ensaio. Dessas duas funções da luz em cena, um dado fundamental, nos parece, é o fato de a luz do primeiro tipo ocorrer alheia ao controle do Diretor, enquanto a do segundo tipo estar sempre sob sua batuta. É como se a proposição de luzes de efeito, novidade que Pirandello incorpora à sua prática tanto cênica quanto dramatúrgica - já vimos que as modificações propostas em cena em 1925 são incorporadas ao texto em relação a uma primeira versão da peça de 1921 -, na ficção metateatral de Pirandello ainda estivesse longe do controle do encenador e se manifestasse como propriedade do próprio acontecimento cênico.

No caso da segunda peça da trilogia, Ciacuno a suo modo, de 1924, ao mostrar agora sua metateatralidade numa proposição de peça à clef9 9 Baseada em fatos. , Pirandello é bem mais comedido no uso da iluminação, tendo se eximido do uso de grandes efeitos de luz no desenvolver da peça. É interessante notar que, também em termos espaciais, o autor parece recuar em relação a proposições mais ousadas já experimentadas em Sei personaggi. Na primeira peça, como vimos, as Personagens entram pelo fundo da plateia, atravessando-a, assim como o Diretor sai do palco em direção à plateia, permanecendo ali, aliás, em vários momentos da encenação − isso não apenas possibilitado em termos de visibilidade pela flexibilização de distribuição das fontes luminosas e de seu controle, mas também com forte intenção de visualidade, uma vez que, entre Personagens e Diretor, há nítida demarcação das diferenças propostas pela luz (cor e tipo de luz). Já em Ciascuno, embora apresentando a proposição de intermezzos que deveriam ocorrer fora do palco cênico, nos espaços comuns da plateia, de circulação do público nos intervalos das cenas, o que já vimos ser possível tecnicamente pelas novas potencialidades da iluminação, ela toda ocorre dentro do palco cênico, sem quebra da divisão espacial entre palco e plateia. Parece-nos, porém, que, exatamente ao realizar um aparente recuo, Pirandello propõe como experiência uma radicalização do uso da iluminação como construção espacial de sentidos na cena, utilizando-se exatamente dos potenciais de distribuição e controle das fontes luminosas como forma de, aparentemente apenas pela visibilidade, criar um efeito cênico inovador em termos de proposição metateatral.

Vejamos e pensemos um dos únicos momentos em que Pirandello propõe seu uso na peça, logo no primeiro ato:

Primeiro Ato Estamos no antigo palácio da nobre senhora Dona Livia Palegári, na hora da recepção, que está para terminar. Ver-se-á, ao fundo, através de três arcadas e duas colunas, um riquíssimo salão profusamente iluminado e com muitos convidados, damas e cavalheiros. Na frente, menos iluminada, veremos uma sala de visitas, um tanto escura, toda adamascada, adornada com telas valiosíssimas, a maioria de tema sacro; de modo que se terá a impressão de estar na capela de uma igreja, da qual aquele Salão ao fundo, para além das colunas, seja a nave: sacra capela de uma igreja profana. Esta sala de visitas terá apenas um banco e algumas cadeiras para a comodidade de quem queira admirar as telas pendentes das paredes. Nenhuma porta. Ver-se-ão, vindos do salão, alguns dos convidados, em rodinhas de dois ou três, afastadas para trocar confidências. E ao erguer-se o pano, encontraremos um Velho Amigo da casa e um Jovem Espirituoso conversando (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 325)10 10 No original em italiano: “Atto Primo: Siamo nell'antico palazzo della nobile signora Donna Livia Palegari nell'ora del ricevimento, che sta per finire. Si vedrà in fondo, attraverso tre arcate e due colonne, un ricchissimo salone molto illuminato e con molti invitati, signori e signore. Sul davanti, meno illuminato, vedremo un salotto, piuttosto cupo, tutto damascato, adorno di pregiatissime tele, la maggior parte di soggetto sacro; cosicché ci sembrerà di trovarcì nella cappella d'una chiesa, di cui quel salone infondo, oltre le colonne, sia la navata: cappella sacra d'una chiesa profana. Questo salotto avrà appena una panca e qualche scranna per comodità di chi voglia ammirar le tele alle pareti. Nessun uscio. Ci verranno dal salone alcuni degli invitati, a due, a tre alla volta, per farsi, appartati, qualche confidenza, e, al levarsi della tela, ci troveremo un Vecchio Amico di casa e un Giovine sottile, che discorreranno tra loro” (Pirandello, 2015, p. 11). .

Numa primeira leitura, pode parecer uma indicação muito simples, que apenas informa sobre a disposição espacial da cena; acreditamos, entretanto, que o que está sendo construído cenicamente como proposta é uma espécie de conjunção, em termos de elaboração de uma escrita cênica, dos dois potencias da luz visto em Sei personaggi, ou seja, uma luz de efeito e uma luz funcional de cena. Tal se dá pela simples percepção de que Pirandello propõe que o espaço do salão ao fundo, que poderíamos considerar secundário, seja mais iluminado que a sala da frente. Não fosse essa informação, poderíamos supor que o salão ao fundo só existiria para criar certa ambientação, que poderia ser ilusória, uma vez que 1) se encontra no fundo; e 2) todas as cenas desse ato, com exceção da última, ocorrerão na saleta da frente, ficando, assim, o ambiente do fundo reservado à circulação indiscriminada de personagens - possivelmente, figurantes. O fato de esse espaço estar propositadamente citado como mais bem iluminado que o da frente informa, contudo, que ele não poderia servir apenas de figuração ilusória ao fundo, uma vez que sabemos que, na percepção do público, essa configuração luminotécnica tende a trazer o espaço mais bem iluminado para a frente. Esse espaço, a partir daí, não poderia mais ser apenas um telão pintado, por exemplo, o que já daria conta em termos de ambientação. Há algo mais ali, uma espécie de segundo plano que avança e se lança sobre o primeiro, modificando, em algum nível, seu significado. As conversas ocorridas no primeiro plano, um constante verso e reverso de opiniões que se vão modificando sobre o próprio tema da peça, têm seu sentido pontuado, numa espécie de frivolidade do real ali representada, pelos convidados da festa que, displicente e continuamente, passeiam, riem, bebem e comem.

No desenvolvimento do ato, essa intenção se torna mais evidente quando o salão do fundo se esvazia, mas, ao contrário do que poderia parecer mais óbvio em termos de movimento de luz, permanece iluminado, com luz mais intensa, em evidência. Pirandello faz ainda uma referência direta a esse fato e, mais do que apenas indicar uma marcação de luz, indica sua intenção: “Dona Lívia sairá com os dois velhos amigos. Doro e Diego permanecerão por um bom tempo em silêncio. O salão vazio e iluminado, às suas costas, causará uma estranha impressão” (Pirandello, 1999, p. 336)11 11 No original em italiano: “Via Donna Livia coi due vecchi amici. Doro e Diego resteranno per um buon pezzo in silenzio. Il salone vuoto e illuminato fará, alle loro spalle, uma strana impressione” (Pirandello, 2015, p. 27). .

Na sequência, pela primeira vez entrará em cena a personagem de Délia Morello, que representaria Amélia Moreno e, ao contrário do que ocorreu em todo o ato, avançará pelo salão do fundo, detendo-se antes de adentrar a saleta no primeiro plano, permanecendo no limiar dos espaços, trazendo a cena para trás, quebrando a distinção entre os planos. A cena que se segue, de diálogo entre Diogo Cinci e Délia Morello, também quebrará o movimento de verso e reverso das opiniões, ao se evidenciar a paixão crescente de Diogo por Délia e, ao longo da cena, de Délia por Diogo.

Tal uso da iluminação configura uma escrita cênica que deverá atuar na leitura da peça sem grandes efeitos técnicos, propondo-se, sua indicação, apenas no campo da visibilidade. Tecnicamente, o que podemos perceber pelo uso da luz proposto é a possibilidade de uma cena em profundidade e que tenha sua materialidade conservada nessa profundidade. Como dissemos, ainda que aparentando um recuo à radicalidade de ocupação do espaço de Sei personaggi, aqui, tomando essa configuração de proposição de leitura, a cena deixa o eixo do proscênio, próprio do espaço ilusório da perspectiva, iluminado pela ribalta, e avança ao fundo do palco, não apenas orientando outra relação espacial, mas criando um efeito que propõe a leitura numa espécie de distorção visual. Isso só é possível pelo quadro técnico já descrito, de fontes de luz pontuais e autônomas, que podem ser dispostas ao longo do palco, até seu fundo, posicionadas ao alto, sobre a cena, tendo ainda, para proporcionar a diferença de intensidade entre fundo e frente, controle individual de seu acender e apagar.

Em termos de uma escrita cênica, a configuração espacial desenhada pela luz - pela sua maior e menor intensidade - evidencia uma proposição de íntima articulação entre a proposta dramatúrgica e o desenho da luz. Sendo uma peça à clef, Pirandello a propõe em planos de percepção e significação, planos que se comporiam e entrelaçariam em níveis de relação entre realidade e ficção, por exemplo, relativos às personagens reais da história (Amélia Moreno e o Barão Nuti - Délia Morello e Michele Rocca). Tal proposição se repetirá, como espelhos posicionados frente a frente, gerando sucessivas sobrerreflexões na cena, em planos cenográficos e de luz, num movimento em que a visibilidade gerada pela luz passará a atuar como visualidade da cena.

Já em Questa sera si recita a soggetto, escrita em 1930, a questão sobre a dualidade luz de efeito e luz para iluminar a cena ganha o palco como eixo da própria peça, como se, nela, o autor procurasse uma síntese das questões levantadas nas anteriores. Como nas outras, é possível perceber os planos narrativos na peça, de um lado seu enredo metateatral (uma companhia tentando ensaiar uma peça quando é interrompida por seis personagens ou uma noite de estreia no teatro em que se procura representar uma peça à clef tendo as pessoas representadas na obra sentadas na plateia) e, de outro, a peça dentro da peça (melodramas que seriam o enredo a ser encenado). Nesse caso, o Diretor, voltando à cena, propõe uma peça de improviso, tendo o texto apenas como roteiro; dessa forma, ele permanece presente, na plateia, intervindo quando necessário na condução da trama. A presença do Diretor, grosso modo, conduz o conjunto técnico da encenação a fim de proporcionar efeitos cênicos, e estes têm a luz como protagonista. Ao contrário do que vimos em Sei personaggi, agora quem tem o domínio total sobre a criação dos efeitos de luz é o Diretor acompanhado de sua equipe técnica (maquinistas, eletricistas, etc.). Citemos como exemplo o início da peça dentro da peça, logo que o diretor, O Doutor Hinkfuss, anuncia: “Peço desculpas, senhoras e senhores. O espetáculo agora começa de verdade” (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 259).

No palco, entrementes, ver-se-á uma rua da cidade com um muro branco, rústico, de uma casa, que corre da esquerda para a direita por mais de três quartos do palco, onde fará ângulo em profundidade. Na esquina, uma luminária com seu braço. Depois da esquina, no outro muro da casa no ângulo obtuso, ver-se-á a porta de um Cabaré, iluminada por pequenas lâmpadas coloridas; e, quase em frente, um pouco mais ao fundo e de lado, o portal de uma antiga igreja, sobre três degraus. Um pouco antes que a cortina se levante e que a procissão entre na sala, ouvir-se-á no palco o som dos sinos da igreja e, apenas perceptível, o estrondo de um órgão tocado no interior desta. Ao levantar-se a cortina e à entrada da procissão, serão vistos ajoelhando-se no palco, ao longo do muro e à direita, homens e mulheres (não mais de oito ou nove) que estão passando na rua; as mulheres fazendo o sinal-da-cruz; os homens, tirando o chapéu. Quando a procissão, tendo subido ao palco, entrar na Igreja, estes homens e mulheres juntar-se-ão ao cortejo e entrarão também. À entrada do último, cessará o som dos sinos; perdurará ainda, no silêncio, mais distinto, o do órgão, para depois ir baixando lenta, lentamente, com o gradual escurecimento do palco. De repente, apenas extinto este som sacro, irromperá com um violento contraste o som de jazz no cabaré, e, ao mesmo tempo, o muro branco que percorre mais de três quartos do palco se fará transparente. Ver-se-á no interior do cabaré um fulgor de várias luzes coloridas (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 261)12 12 No original em italiano: “Sul palcoscenico, intanto, si vedrà una strada della città col muro bianco, grezzo, d’una casa, che correrà da sinistra a destra per piú di tre quarti della scena, dove farà angolo in profondità. Allo spigolo, un fanale col suo braccio. Dopo lo spigolo, nell’altro muro della casa ad angolo ottuso, si vedrà la porta d’un Cabaret, illuminata da lampadine colorate; e, quasi dirimpetto, un po’ piú in fondo e di taglio, il portale d’un’antica chiesa, su tre scalini. Un poco prima che si levi il sipario e che la processione entri nella sala s’udrà sul palcoscenico il suono delle campane della chiesa e, appena percettibile, il rombo d’un organo sonato nell’interno di essa. Al levarsi del sipario e all’entrata della processione, si vedranno sul palcoscenico inginocchiarsi, lungo il muro e a destra, uomini e donne (non piú di otto o nove) che si troveranno a passare per la strada: le donne, facendosi il segno della croce, gli uomini scoprendosi il capo. Allorché la processione, salita sul palcoscenico, entrerà nella chiesa, questi uomini e queste donne s’aggiungeranno al codazzo ed entreranno anche loro. Entrato l’ultimo, cesserà il suono delle campane; durerà ancora, nel silenzio, piú distinto, quello dell’organo per poi venir meno pian piano col graduale mancar della luce sulla scena. Subito, appena estinto questo suono sacro, scatterà con violento contrasto il suono d’un jazz nel Cabaret e, nello stesso tempo, il muro bianco che corre per piú di tre quarti della scena si farà trasparente. Si vedrà l’interno del Cabaret sfolgorante di varie luci colorate” (Pirandello, 2015, p. 126-127). .

Tal efeito, em que uma superfície sólida, como um muro, no caso, torna-se transparente, possibilitando que vejamos o que ocorre atrás dele, é um truque de iluminação muito conhecido entre nós, e que necessita preciso posicionamento das fontes em relação ao objeto (geralmente tecido) que representaria a superfície sólida, assim como controle absoluto e autônomo sobre o acender e apagar dessas fontes, uma vez que tal efeito se faz pelo apagar das fontes que lançam luz sobre o tecido, fazendo-o parecer sólido, e o acender simultâneo de outra luz que ilumine a cena que existe por trás desse pano.

A gana por efeitos do diretor Doutor Hinkfuss fica evidente no entreato em que ele monta uma cena elaborada com “[...] um belo cenário que representasse um campo de aviação, disposto com admirável efeito” (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 275), e, ao final, manda desmanchar tudo, pois não fará diferença para o andamento da peça e, com certeza, se conseguirão novos e melhores efeitos em outro momento.

Tal quadro de aspiração pelo efeito técnico, preparado ao longo do enredo que propõe essa encenação improvisada a partir apenas de um roteiro e das orientações do diretor quanto aos efeitos cuidadosamente elaborados, apresenta seu limite ao fim da peça, quando os atores, se sentindo oprimidos - no choque entre a liberdade criativa que a prática da improvisação possibilita ao exercício da atuação e as amarras da marcação precisa, exigida pelos efeitos propostos pelo Diretor, lhes impõe - resolvem expulsá-lo. Isso significará assumir o controle da atuação e realizá-la, a partir dali, sem os aparatos, considerados supérfluos, de cenário, de luz, etc., que poderiam ser substituídos pela força da própria interpretação e verdade dos personagens, em jogo com a imaginação do público. De alguma forma, os elementos técnicos seriam reconduzidos a suas funções estritas, no caso da luz, à visibilidade, como vimos aparentar a proposta em Ciascuno. Nesse momento, sozinhos no palco - uma vez que maquinistas, cenotécnicos, eletricistas, etc., com a saída do diretor, saem também de seus postos para assistir à cena -, os atores retomam a encenação. Apenas iniciam a representação e o jogo cênico, como que por magia, retoma seu curso.

Cada uma, dizendo a sua última fala, retirar-se-á para o escuro, à direita. A Primeira atriz, que ficou só, entre as três paredes nuas de seu cárcere, as quais, durante a maquilagem e a troca de roupa, terão sido erguidas no escuro do palco, virá bater com a cabeça primeiro na parede da direita, depois na do fundo e em seguida na da esquerda. Ao toque da fronte, a parede se fará visível por um instante devido a um cortante golpe de luz vindo do alto, como uma fria cintilação de relâmpago, e tornará a desaparecer no escuro.

[...]

Na parede do fundo faz-se transparente uma pequena janela, como que velada e distante, da qual transparece um brando clarão de luar.

NENÊ (do escuro, em voz baixa, contente, com tom de maravilhamento infantil, enquanto de longe, longe ouvir-se-á um som débil, como de uma serenata remota) -Oh, a janela, olha, é mesmo a janela...

O PRIMEIRO CÔMICO (em voz baixa, também ele do escuro) - Já estava lá, mas quem a iluminou?

DORINA - Silêncio! (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 302-303).

Aparentemente, pela própria força da interpretação, cenário e luz os acompanham, com sutileza, propondo efeitos significativos que passam a compor a narrativa em conjunto com o todo da cena. E, no ápice dramático da cena, que transcorre toda ela de maneira fluida, como até então não havia sido possível, retorna O Doutor Hinkfuss.

Da porta de entrada da sala, aparece entusiasmado, correndo pelo corredor, o Doutor Hinkfuss, que vai direto para o palco.

O DOUTOR HINKFUSS - Magnífico! Magnífico quadro! Fizeram como eu disse! Isto, na novela, não existe!

A ATRIZ CARACTERÍSTICA - Ei-lo de novo!

O PRIMEIRO CÔMICO (vindo da esquerda) - Mas esteve sempre aqui, com os iluminadores, comandando às escondidas todos os efeitos de luz!

NENÊ - Ah, por isso ficaram tão bonitos... (Pirandello, 1999PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens em busca de um autor (Trad. Roberta Barni e J. Guinsburg); Esta noite se representa de improviso (Trad. Sérgio Coelho e J Guinsburg); Cada um a seu modo (Trad. Pérola de Carvalho e J. Guinsburg). In: GUINSBURG, Jacó. Pirandello: do teatro no teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999. P. 179-384., p. 315).

Assim, a dualidade instaurada na peça entre o efeito técnico e a força pulsante da interpretação improvisada, que atravessa o pensamento de Pirandello sobre o próprio fazer cênico de forma particular em sua trilogia, tem um desfecho conciliador, quando todo o conjunto encontra uma espécie de apagamento dos elementos individuais do mecanismo do fazer cênico em prol da construção de algo maior, nascido do conjunto, que é a própria cena. O efeito, como elemento frio e tecnológico, conduzido pelo diretor, que exigiria dos atores e da poesia a dureza da marcação precisa, de um lado, e a verdade do ator embebido de seu personagem, que se move apenas pela verdade da poesia, de outro, aparentemente inconciliáveis, tornam-se essenciais ao comporem um conjunto para além de si mesmos, na cena.

A iluminação, que concordamos ter-se tornado essencial para o fazer cênico, e não apenas por sua função de deixá-lo visível, tornar-se-ia cada vez mais essencial quanto mais não o fizesse, ou seja, quanto mais permanecesse como elemento constitutivo da proposição cênica em ato; e, para tal, o potencial de controle, de se domá-la, caracterizar-se-ia como a grande conquista do homem no seu fazer representacional, desde Prometeu. O pensamento de Pirandello sobre o fazer da iluminação na cena coincide, portanto, com seu pensamento sobre o fazer da cena, uma cena que tivesse em sua unidade equilíbrio entre seus elementos, conseguido a partir de controle que nasce de si própria. A cena, quanto maior nosso potencial de controle sobre ela, precisaria assumir o papel de uma espécie de organismo, um autômato, uma marionete que ganha vida e se move por si, iluminada pela luz do avanço tecnológico que tanto inspirou a época.

A Ficção: desejo e expressão d(n)a história

O que se percebe no recorte de análise aqui apresentado, que perpassa o conjunto das três peças, é o modo como os recursos e potencialidades da iluminação cênica, possibilitados pelos avanços tecnológicos do século XIX e início do XX, tanto se tornam questão para Pirandello como dramaturgo - de forma aparentemente mais contundente em sua fase como capocomico de uma companhia estável - quanto possibilitam à sua obra a construção de estruturas cênico-narrativas particulares. De alguma forma, como dissemos, o que se percebe é o fato de a estrutura metateatral ser uma expressão manifesta daquele momento histórico, no qual as condições materiais do trabalho cênico se plasmam na obra do autor italiano, deixando rico material para conhecimento dos modos de pensar o fazer (e do próprio fazer) do passado. De materialidade a materialidade - condições técnicas históricas e estrutura narrativa -, o que se fixa é uma forma de pensar o fazer.

A dramaturgia, como vimos, incorporando de forma difusa a potencialidade real do presente e o desejo impulsionando ao futuro, realiza seu testemunho histórico de um momento de importantes transformações e aspirações. No campo da iluminação, as novidades tecnológicas da iluminação, a gás e elétrica, trazem a questão de seu papel na cena com radical contundência. De acessório a protagonista histórica, à iluminação não pode mais caber apenas o papel de clarear a cena, sendo-lhe, portanto, imputada uma responsabilidade de fazer-se sempre presente como algo a mais. Sua função de visibilidade passa a ser pouco nas aspirações de criadores e espectadores, que almejam sempre novas formas de visualidade. Tal contexto nos fez - criadores, espectadores, críticos e teóricos - esquecer que, sem visibilidade, não há visualidade; assim como não há visibilidade sem visualidade. E o amalgama está da dimensão histórica da tecnologia e do trabalho (Nosella, 2018bNOSELLA, Berilo Luigi Deiró. Apontamentos sobre a história da iluminação moderna: a parceria entre tecnologia e cena. Arte da Cena (Art on Stage), Goiânia, UFG, v. 4, n. 2, p. 65-89, jul./dez. 2018b. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/artce/article/view/54795/32608 >. Acesso em: 24 mar. 2019.
https://www.revistas.ufg.br/artce/articl...
, p. 75).

A iluminação cênica imaginada por Pirandello nas páginas de suas peças metateatrais, ao se colocar entre tradição e renovação, revela um teatro que, das barricadas da história, se levanta em direção a um novo século que se inicia, um século que, como vimos já em seu palco, se baterá entre a necessidade de resguardo de nossa humanidade e o maravilhoso mundo da tecnologia. E, exatamente, entre tradição e renovação, nos demonstrará que, naquilo que muitas vezes se apresenta apenas como dualidade, há mais de conjunto (se não de fato, por necessidade) do que enxergamos.

Referências

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    » https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/137602
  • CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários Escritos. 4. ed. São Paulo; Rio de Janeiro: Duas Cidades; Ouro sobre Azul, 2004. P. 169-191.
  • D’AMICO, Alessandro; TINTERRI, Alessandro. Pirandello Capocomico: La Compagnia del Teatro d’Arte di Roma 1925-1928. Palermo: Sellerio, 1987.
  • FEBVRE, Lucien. Combates pela História. v. I. Lisboa: Editorial Presença, s. d..
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  • GINZBURG, Carlo. Descrição e citação. In: GINZBURG, Carlo. O Fio e os Rastros: verdadeiro, falso, fictício. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. P. 17-40.
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  • GRAZIOLI, Cristina. Pontos críticos e equilíbrios dinâmicos: estudar a história do teatro de figura. Móin-Móin - Revista de Estudos sobre Teatro de Formas Animadas, Florianópolis, UDESC, ano 12, n. 16, p. 17-39, 2016. Disponível em: <Disponível em: http://www.udesc.br/arquivos/ceart/id_cpmenu/2645/revista_moin_moin_ 16_15002287209367_2645.pdf >. Acesso em: 7 ago. 2017.
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  • NOSELLA, Berilo Luigi Deiró. Apontamentos sobre a história da iluminação moderna: a parceria entre tecnologia e cena. Arte da Cena (Art on Stage), Goiânia, UFG, v. 4, n. 2, p. 65-89, jul./dez. 2018b. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/artce/article/view/54795/32608 >. Acesso em: 24 mar. 2019.
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  • RABETTI, Maria de Lourdes (Beti Rabetti). Em busca da tradução teatral: o trabalho do historiador em meio a miudezas da cena e precariedades documentais. Revista Sala Preta , São Paulo, v. 17, n. 2, p. 49-71, 2017. Disponível em: <Disponível em: https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/139972/137190 >. Acesso em: 16 fev. 2018.
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  • ROUBINE, Jean-Jacques. A Linguagem da Encenação Teatral, 1880-1980. Trad. Yan Michalski. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
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  • TUDELLA, Eduardo A. da Silva. A Luz na Gênese do Espetáculo. Salvador: EDUFBA, 2017.
  • WILLIAMS, Raymond. Drama em Cena. Trad. Rogério Bettoni. São Paulo: Cosac & Naify, 2010.
  • 1
    O presente artigo é resultado da pesquisa Capocomicato e metateatro: o fazer e o pensamento da iluminação na dramaturgia pirandelliana, desenvolvida como parte do estágio pós-doutoral, realizado junto à linha de pesquisa em História e Historiografia do Teatro e das Artes do Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), sob supervisão da professora doutora Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti) (agosto/2017 a julho/2018), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES (dezembro/2017-julho/2018).
  • 2
    Na esfera da proposição de uma história do pensamento sobre o fazer da iluminação cênica, o presente artigo, sem ferir sua autonomia, compõe, na visão do autor, um conjunto com outros dois artigos produzidos no mesmo período de trabalho investigativo. A quem tiver interesse, ver Nosella (2018a; 2018b).
  • 3
    Para referir rapidamente à questão do significado de capocomico, bastante importante nos estudos históricos gerais sobre o teatro e sobre a história da cena, em particular, cito apenas uma rápida definição, quase a título de verbete, em nota de tradutor: “Capocomico - cômico chefe - dirigente de uma companhia teatral para escrituração dos atores; figura que, no seio do teatro cômico popular, tende a acumular funções como diretor de companhia, primeiro ator, ensaiador. O capocomicado, experiência presente em diferentes momentos da história do teatro requer, justamente, estudos histórico-teatrais que o desvencilhem de adjetivos valorativos, de modo a recuperar a compreensão, histórica, de sua noção, a partir do contexto, teatral, de sua configuração” (Rabetti, 2013RABETTI, Maria de Lourdes (Beti Rabetti). Nota de tradutor referente a: De Bosio, Gianfranco. Máscara espelho da vida. In: ALBERTI, Carmelo; PIIZI, Paola (Org.). Museu Internacional da Máscara: a arte mágica de Amleto e Donato Sartori. Trad. Maria de Lourdes Rabetti (Beti Rabetti). São Paulo: É Realizações, 2013. P. 151-152 (nota 4)., p. 151-152).
  • 4
    A Cia. del Teatro d’Arte di Roma foi criada em 1924, por Mussolini, e iniciou suas atividades, tendo Pirandello como Capocomico, em 1925 (D’Amico; Tinterri, 1987)
  • 5
    As leituras e releituras das peças ocorreram sempre nas duas versões, o cotejamento preciso deu-se apenas nos trechos selecionados para análise.
  • 6
    Paris em 6 de julho e Berlim em 12 de outubro de 1925 (D’Amico; Tinterri, 1987, p. 130).
  • 7
    No original em italiano: “Chi voglia tentare uma traduzione scenica di questa commedia bisognha che s’adoperi com ongi mezzo a ottenere sopra tutoo l’effetto che questi Sei Personaggi non si confondano com gli attori dela Compagnia. La disposizione degli uni e degli altri, indicata nelle didascalie, allorché quelli saliranno sul palcoscenico, gioverá senza dubbio; come uma diversa colorazione luminosa per mezzo d’appositi riflefletori” (Pirandello, 2015, p. 9).
  • 8
    No original em italiano: “Subito, dietro il fondalino, como per um sbaglio d’attacco, s’acenderà um riflettore verde, che proiettarà, grandi e spiccate, le ombre dei personaggi, meno il Giovinetto e la Bambina. Il capocomico, vedendole, schizzerà via dal pacoscenico, aterrito. Contemporaneamente, si spegnerà il riflettore dietro il fondalino, e si rifarà sul palcoscenico il noturno azzurro di prima” (Pirandello, 2015PIRANDELLO, Luigi. Sei personaggi in cerca d’autore, Ciascuno a suo modo e Questa sera si recita a soggetto. Maschere nude. v. III. 7. ed. a cura di Alessandro D’Amico. Milano: Garzanti Libri, 2015. (e-book)., p. 69).
  • 9
    Baseada em fatos.
  • 10
    No original em italiano: “Atto Primo: Siamo nell'antico palazzo della nobile signora Donna Livia Palegari nell'ora del ricevimento, che sta per finire. Si vedrà in fondo, attraverso tre arcate e due colonne, un ricchissimo salone molto illuminato e con molti invitati, signori e signore. Sul davanti, meno illuminato, vedremo un salotto, piuttosto cupo, tutto damascato, adorno di pregiatissime tele, la maggior parte di soggetto sacro; cosicché ci sembrerà di trovarcì nella cappella d'una chiesa, di cui quel salone infondo, oltre le colonne, sia la navata: cappella sacra d'una chiesa profana. Questo salotto avrà appena una panca e qualche scranna per comodità di chi voglia ammirar le tele alle pareti. Nessun uscio. Ci verranno dal salone alcuni degli invitati, a due, a tre alla volta, per farsi, appartati, qualche confidenza, e, al levarsi della tela, ci troveremo un Vecchio Amico di casa e un Giovine sottile, che discorreranno tra loro” (Pirandello, 2015PIRANDELLO, Luigi. Sei personaggi in cerca d’autore, Ciascuno a suo modo e Questa sera si recita a soggetto. Maschere nude. v. III. 7. ed. a cura di Alessandro D’Amico. Milano: Garzanti Libri, 2015. (e-book)., p. 11).
  • 11
    No original em italiano: “Via Donna Livia coi due vecchi amici. Doro e Diego resteranno per um buon pezzo in silenzio. Il salone vuoto e illuminato fará, alle loro spalle, uma strana impressione” (Pirandello, 2015PIRANDELLO, Luigi. Sei personaggi in cerca d’autore, Ciascuno a suo modo e Questa sera si recita a soggetto. Maschere nude. v. III. 7. ed. a cura di Alessandro D’Amico. Milano: Garzanti Libri, 2015. (e-book)., p. 27).
  • 12
    No original em italiano: “Sul palcoscenico, intanto, si vedrà una strada della città col muro bianco, grezzo, d’una casa, che correrà da sinistra a destra per piú di tre quarti della scena, dove farà angolo in profondità. Allo spigolo, un fanale col suo braccio. Dopo lo spigolo, nell’altro muro della casa ad angolo ottuso, si vedrà la porta d’un Cabaret, illuminata da lampadine colorate; e, quasi dirimpetto, un po’ piú in fondo e di taglio, il portale d’un’antica chiesa, su tre scalini. Un poco prima che si levi il sipario e che la processione entri nella sala s’udrà sul palcoscenico il suono delle campane della chiesa e, appena percettibile, il rombo d’un organo sonato nell’interno di essa. Al levarsi del sipario e all’entrata della processione, si vedranno sul palcoscenico inginocchiarsi, lungo il muro e a destra, uomini e donne (non piú di otto o nove) che si troveranno a passare per la strada: le donne, facendosi il segno della croce, gli uomini scoprendosi il capo. Allorché la processione, salita sul palcoscenico, entrerà nella chiesa, questi uomini e queste donne s’aggiungeranno al codazzo ed entreranno anche loro. Entrato l’ultimo, cesserà il suono delle campane; durerà ancora, nel silenzio, piú distinto, quello dell’organo per poi venir meno pian piano col graduale mancar della luce sulla scena. Subito, appena estinto questo suono sacro, scatterà con violento contrasto il suono d’un jazz nel Cabaret e, nello stesso tempo, il muro bianco che corre per piú di tre quarti della scena si farà trasparente. Si vedrà l’interno del Cabaret sfolgorante di varie luci colorate” (Pirandello, 2015PIRANDELLO, Luigi. Sei personaggi in cerca d’autore, Ciascuno a suo modo e Questa sera si recita a soggetto. Maschere nude. v. III. 7. ed. a cura di Alessandro D’Amico. Milano: Garzanti Libri, 2015. (e-book)., p. 126-127).
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    15 Jul 2018
  • Aceito
    02 Abr 2019
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