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Grotowski e a Política

Grotowski et la Politique

Resumo:

Discute-se a relação entre arte e política na trajetória de Grotowski e seu Teatro Laboratório, expondo como suas ações artísticas estavam imbuídas de resistência política que, em muitos momentos, determinaram as decisões e o destino do grupo. Após um breve panorama do contexto sócio-político-econômico polonês, apresentam-se determinadas ações de Grotowski que estavam conjugadas com estratégias de sobrevivência perante o regime comunista polonês. Diante dos fatos apresentados, é possível afirmar que Grotowski foi um verdadeiro mestre no jogo político, ganhando uma série de batalhas que garantiram não só a existência de seu grupo como também a realização de experiências artísticas.

Palavras-chave:
Arte e Política; Grotowski; Polônia; Comunismo; Teatro Laboratório

Résumé:

Cet article traite de la relation entre l’art et la politique dans la trajectoire de Grotowski et son Théâtre Laboratoire, exposant la façon dont ses actions artistiques ont été imprégnés de résistance politique qui, dans de nombreux cas, ont déterminé les décisions et le sort du groupe. Après un bref aperçu du contexte polonaise, nous présentons certaines actions de Grotowski qui ont été combinées avec des stratégies de survie vis-à-vis le régime communiste. Devant les faits présentés, nous pouvons dire que Grotowski était un vrai maître dans le jeu politique, remportant une série de batailles qui assuraient non seulement l’existence de son groupe aussi bien que l’accomplissement de ses expériences artistiques.

Mots-clés:
Art et Politique; Grotowski; La Pologne; Communisme; Théâtre Laboratoire

Abstract:

This article discusses the relationship between art and politics within Grotowski’s trajectory and his Laboratory Theatre by demonstrating how his artistic actions were imbued with a political resistance which often determined the group’s decisions and destiny. After a brief overview of the Polish sociopolitical-economic context, we point out certain actions performed by Grotowski concurring with strategies of survival before the Polish communist regime. In conclusion, it is possible to affirm that Grotowski was a real master in the political game, winning a series of battles that ensured not only the existence of his group but also the accomplishment of his artistic experiences.

Keywords:
Art and Politics; Grotowski; Poland; Communism; Laboratory Theatre.

Grotowski teve muito trabalho como político. Como ser uma instituição - existir desse modo num sentido legalizado e ter meios legais - e ainda assim permanecer um organismo verdadeiramente criativo, ou seja, ser minimamente institucionalizado? Como poderíamos ser subsidiados pelo Estado e ao mesmo tempo nos considerarmos rebeldes espirituais? Como permanecer um não conformista ou outsider sendo ao mesmo tempo subsidiado pelo Estado? (Flaszen, 2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 292).

Contexto Sócio-político-econômico: Polônia 1959-1984

O grupo polonês liderado por Grotowski surgiu em 1959, três anos depois de Gomułka assumir o comando político do país. Stálin, até sua morte em 1953, manteve por vários anos todos os países do leste europeu sob um regime ditatorial (partido único), econômica e politicamente subordinados à União Soviética (URSS), no qual toda diversidade ideológica ou crítica ao Estado era duramente atacada e reprimida - período do chamado stalinismo. Após a morte de Stálin, ocorreu uma transformação nessa configuração política que foi chamada degelo liberal, graças à qual houve uma maior separação entre as funções do Estado e do partido único comunista (o PZPR, Polska Zjednoczona Partia Robotnicza, Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia). Muitos prisioneiros políticos foram soltos, viagens acadêmicas e artísticas foram permitidas e até financiadas, estrangeiros se tornaram bem-vindos ao país e discussões políticas públicas começaram a ser mais toleradas pelo Estado-Partido, incluindo aí debates a respeito dos muitos crimes cometidos por Stálin (Prażmowska, 2010PRAŻMOWSKA, Anita. Poland: a Modern History. London; New York: I. B. Tauris, 2010.). Embora esse processo de des-stalinização tenha vindo do próprio Kremlin (URSS), promovendo um afrouxamento do forte controle político em todos os países do bloco soviético, no mesmo período, na Polônia, ocorreu uma forte estagnação econômica que levou milhares de trabalhadores a protestarem nas ruas e a declararem greve. Esses protestos foram violentamente reprimidos pelo governo polonês através do envio de tropas armadas, culminando na morte de mais de setenta trabalhadores poloneses.

Esse episódio sangrento aumentou a pressão social por reformas e por uma maior independência da Polônia em relação à União Soviética. Quem assumiu o poder no país, então, foi Gomułka, ex-prisioneiro político conhecido justamente por defender um caminho próprio da Polônia socialista rumo ao comunismo. Gomułka teve tanto o apoio da população polonesa, dos grupos de intelectuais e das associações de trabalhadores, como da Igreja Católica - instituição com grande poder político na Polônia1 1 Como explica Prażmowska, durante o período da Guerra Fria, a Polônia foi o único país em que o regime comunista não conseguiu efetivamente reduzir a interferência e a influência da Igreja Católica nas questões políticas. Segunda a autora, isso se deveu ao fato não só da grande maioria dos poloneses ser católica, mas de haver uma associação histórica entre a identidade polonesa com essa religião. “The distinctiveness of the Polish situation was that to Poles the fight to maintain the Catholic Church influence in all aspects of life, spiritual and secular, was no less than a battle to retain the Polish national identity, if not for survival of the nation” (Tradução: “A distinção da situação polonesa era que, para os polacos, a luta para manter a influência da Igreja Católica em todos os aspectos da vida, espiritual e secular, não era menos que uma batalha para preservar a identidade nacional polonesa, senão para a sobrevivência da nação”) (Prażmowska, 2010, p. 203). - pois se acreditava que ele iria implementar reformas políticas que não só reverteriam a difícil situação econômica vivenciada pelo país desde o fim da Segunda Guerra Mundial, mas também aumentariam o controle dos trabalhadores sobre os meios de produção (participação na administração das fábricas). Todavia, o plano econômico implementado pelo governo de Gomułka falhou em solucionar, de modo consistente, o grave problema econômico da nação e nenhuma grande alteração foi feita na estrutura política com que o PZPR conduzia o país, isto é, não houve a reforma política esperada.

Nos anos de 1967 e 1968, uma década depois, Gomułka continuava no comando quando uma nova crise político-econômica se instaura, principalmente devido ao agravamento do desempenho econômico e à consequente piora na qualidade de vida e no acesso aos bens de consumo básicos. E, somando-se a isso, outro aspecto relevante era a grande decepção da população polonesa, especialmente de certos segmentos sociais (trabalhadores urbanos e intelectuais), frente à não realização das reformas esperadas (uma maior democratização). O começo de uma nova crise política deu-se com a publicação de manifestos que criticavam o regime e com protestos de estudantes e intelectuais nas ruas em 1968. Esses novos protestos foram também violentamente reprimidos pelos serviços de segurança do regime comunista. Esse acontecimento teria dado a ‘desculpa’ que o grupo nacionalista, liderado pelo Ministro do Interior, Moczar, precisava para iniciar um ataque oficial contra os judeus poloneses, já que o antissemitismo jamais houvera sido totalmente abandonado na Polônia. Como relata Flaszen (2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 338-339):

O movimento oposicionista foi contido pelas provocações da polícia. Naturalmente, como sempre, os judeus foram culpados, dessa vez foram chamados de ‘Sionistas’ - um rótulo testado pelos laboratórios de propaganda soviéticos. Afinal de contas, os nacionais-comunistas poloneses usavam esse termo oficial - com uma piscadela - para mal encobrir o evidente antissemitismo e racismo semelhante à ideologia dos ultranacionalistas poloneses antes da Segunda Guerra Mundial. Todo mundo sabia que os ‘Sionistas’ eram os inimigos secretos da nação polonesa, burgueses cosmopolitas, lacaios do imperialismo americano, agentes de uma conspiração mundial contra o bloco socialista, envenenadores do espírito saudável da nação, portadores do miasma liberal, etc.

Assim, posteriormente aos protestos estudantis de 1968, o governo deflagrou uma terrível e massiva campanha antissemita, ação que pode ser interpretada como uma estratégia perversa para atrair a atenção pública e deslocar a culpa dos problemas econômicos e políticos do país para a população judaica. Essa vergonhosa campanha feita pelo regime não se declarava oficialmente como antissemita, mas sim como antissionista, ou seja, dizia perseguir aqueles que supostamente apoiavam Israel como um Estado judaico independente2 2 A União Soviética se opunha veementemente à formação do Estado de Israel, principalmente após o início dos conflitos entre árabes e judeus em 1967, na chamada Guerra dos Seis Dias, na qual o bloco soviético assumiu a posição e defesa dos árabes. . Como consequência dessa campanha antissemita mascarada, cerca de 13.000 cidadãos poloneses deixaram o país, sendo grande parte desse contingente formada por descendentes de judeus e também por pessoas que Flaszen ironicamente denominou como “elementos inconvenientes” (Flaszen, 2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 34), ou seja, intelectuais que de algum modo questionavam os valores culturais e sociais impostos pela ditadura soviética e que, por isso, eram rotulados de “revisionistas” (Flaszen, 2015, p. 34), ou, como ironiza Flaszen, “sionistas por nomeação” (Flaszen, 2015, p. 343).

Os imigrantes que haviam entrado no país naquela época também foram forçados a renunciar à cidadania polonesa. Nesse período de perseguições políticas, a Polônia também apoiou a invasão soviética à Tchecoslováquia, país no qual estava em andamento um conjunto de reformas políticas que promoveram uma maior democratização e independência política em relação à dominação soviética. Esse período ficou conhecido como a Primavera de Praga. E, como descreve Flaszen no trecho a seguir, essa conjuntura político-social-econômica afetou bastante a vida profissional do Teatro Laboratório, que naquele período já havia conquistado fama internacional:

Mas ao mesmo tempo, em setembro de 1968, na Cidade do México, deprimidos, depois das repressões sangrentas à revolta dos jovens, lembro-me de O Príncipe Constante apresentado como se em isolamento, em silêncio, sem nenhuma publicidade. [...] Depois do México, devíamos ir aos Estados Unidos, mas o Departamento de Estado, apesar de nossos esforços, finalmente recusou nossos vistos de entrada. Era a época da intervenção militar das Forças do Pacto de Varsóvia na Tchecoslováquia (inclusive do Exército Popular Polonês) abafando a Primavera de Praga - o período dos principais atentados à liberalização do regime. Negaram-nos entrada aos Estados Unidos, como se O Príncipe Constante fosse o Príncipe Constante, um mártir e rebelde, que tivesse invadido com tanques uma Praga liberada (Flaszen, 2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 323).

Além de comprometer a agenda profissional do grupo polonês, esse conturbado momento político que a Polônia atravessava também teria afetado pessoalmente Grotowski e seus companheiros. Como é relatado por Barba (1999BARBA, Eugenio. Land of Ashes and Diamonds. Wales: Black Mountain Press, 1999., p. 179), Slowiak e Cuesta (2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. , p. 47-49), e também Flaszen (2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 344), Grotowski temia ser preso como intelectual revisionista, e, por isso, teria chegado ao ponto de cogitar suicidar-se caso isso de fato acontecesse, chegando a pedir a Eugenio Barba que lhe enviasse veneno pelo correio. E Flaszen, por sua ascendência judaica, perseguido na imprensa por outros escritores, tinha receio de ser morto, preso ou expulso do país: “Então, com Kott e Kolakowski, encontrei-me numa lista de indivíduos a serem eliminados da vida pública polonesa. Ou talvez expulsos do país?” (Flaszen, 2015, p. 342).

Mas, apesar do enorme alarde e tensão gerados nesse momento histórico antes do início do Parateatro - especialmente no ano de 1968 -, Grotowski e Flaszen não foram presos ou expulsos da Polônia. Eles, por terem já adquirido relativa fama internacional, foram mantidos a salvo. Em 1969, puderam mesmo realizar uma temporada de sucesso de O Príncipe Constante em Nova Iorque, sendo esse um dos momentos-auge do reconhecimento internacional de Grotowski e do Teatro Laboratório. Lá, também em 1970, foi apresentado o espetáculo Apocalypsis cum Figuris e, em seguida, Grotowski fez o polêmico anúncio de sua saída do teatro (na New York University).

Gierek, em 1970, substitui Gomułka após a crise iniciada em 1968. Depois de governar por mais de uma década, Gierek enfrentará um dos mais fortes movimentos sociais de oposição ao regime: o Solidariedade. O nascimento e ascensão desse movimento são considerados acontecimentos sociopolíticos que marcaram o início do processo de derrocada do bloco soviético e, consequentemente, o término da Guerra Fria. De modo similar a Gomułka, Gierek assume o controle do Estado comunista polonês determinado a solucionar o problema econômico do país, gozando de uma grande credibilidade e apoio por parte da população polonesa. Sua figura gerou grande apelo nacional pelo fato de ter tido experiência concreta como mineiro (isso gerou uma grande empatia da classe operária) e por ter alcançado uma experiência administrativa de relativo sucesso na melhoria do acesso a bens de consumo da população de região de Katowice, província onde era líder local do Partido.

Na primeira metade da década de 1970, a Polônia, sob o comando de Gierek, vivencia um período de transformação da política externa (estreitamento das relações comerciais com os países da Europa ocidental) e um consequente crescimento da economia e do padrão de vida da população em geral. Entretanto, a partir de 1975-1976, a situação econômica muda, retornando para um cenário negativo, com grande crescimento da dívida externa da nação. Para solucionar a nova crise econômica, o regime anuncia um aumento considerável dos preços e a população reage com greves e protestos. O governo suspende o aumento, mas inicia uma perseguição aos líderes grevistas. No entanto, ao estreitar o contato do país com o Ocidente, Gierek passa a ter que responder às questões relacionadas aos Direitos Humanos, que passaram a fazer parte do pacto de colaboração internacional e, por isso, a serem alvo de supervisão dos países democráticos. A Polônia, inclusive, foi signatária dos Acordos de Helsinki (1975) que estabeleciam a garantia dos direitos civis.

Assim, confiantes de que uma repressão por parte do regime geraria uma repercussão internacional negativa, grupos sindicalistas e dissidentes começaram a articulação de um grande movimento nacional aberto de oposição, que foi chamado de Solidariedade. A grande diferença desse movimento grevista em relação aos protestos ocorridos no passado não estava na reação do regime. Como sempre, o Partido reagiu à irrupção dos protestos mandando tropas dispersivas e levando à prisão os principais líderes do movimento. Entretanto, dessa vez, a ofensiva governamental não conseguiu intimidar o movimento tão facilmente, devido ao grau de articulação nacional alcançado pelos trabalhadores, isto é, ao grande número de comitês grevistas e organizações de oposição de diversas partes do país atuando de forma coordenada. “As greves se espalharam por todo o país e paralisaram a economia e a vida diária. O regime não tinha alternativas senão tratar abertamente com os comitês de greve, dos quais o comitê de Gdansk era o mais importante”, sendo este último comitê o que iniciou o Solidariedade (Prażmowska, 2010PRAŻMOWSKA, Anita. Poland: a Modern History. London; New York: I. B. Tauris, 2010., p. 208)3 3 Na versão em inglês: “Strikes spread through the country and paralyzed the economy and daily life. The regime had no alternatives but open talks with strike committees, of which the Gdańsk committee was the most importante” (Prażmowska, 2010, p. 208). . Outra grande diferença desse movimento em relação aos outros, os de 1956 e de 1968-70, foi a cobertura dada pela mídia internacional. Dessa vez, os grupos dissidentes puderam fornecer uma grande quantidade de informações aos jornais de países do bloco democrático, consequentemente dando margem para um ataque internacional à ditadura comunista. Nesse sentido, o nível de articulação política entre os sindicatos dos trabalhadores e entre esses e a classe intelectual foi único, historicamente falando.

Os países do bloco ocidental não ofereceram apoio direto ao Solidariedade; no entanto, diversos sindicatos de países europeus o fizeram, levando as negociações entre o Solidariedade e o regime a se estenderem por vários meses, entre os anos de 1980 e 1981. Por outro lado, o movimento não apresentava nenhum caminho concreto para solucionar a crise econômica, nem mostrava interesse em se articular internacionalmente com os sindicatos de outros países soviéticos. Tampouco o regime se mostrava, de fato, aberto a permitir a participação concreta do Solidariedade nas decisões políticas. Essa situação se estendeu até dezembro de 1981, quando o então dirigente do país, general Jaruzelski, declarou a lei marcial, transferindo todo o poder para o Exército e suspendendo as leis civis. Todas as formas de organização civil de oposição foram massacradas e destruídas pelas forças armadas, não só o Solidariedade.

Com a imposição da lei marcial, sanções e boicotes econômicos foram impostos por países do bloco ocidental e corporações financeiras internacionais, dificultando ainda mais a situação econômica do país, embora a União Soviética tivesse apoiado o regime, aumentando as importações. Em 1982, a lei marcial foi oficialmente suspensa, mas, na prática, só foi revogada em 1983. Esse acontecimento histórico é considerado um dos fatos fundamentais para a consolidação do fim da Guerra Fria, uma vez que o fim do mito da neutralidade do Exército abalou irreversivelmente a autoridade política do Partido Comunista, o PZPR. Mesmo na ilegalidade, a oposição continuou a se articular politicamente e a ter apoio da população e da Igreja Católica (Papa João Paulo II), levando os dois lados a reabrirem as negociações em 1989.

Grotowski decide se autoexilar da Polônia justamente após a imposição da lei marcial, dando início ao processo de fechamento do Teatro Laboratório, que só ocorrerá oficialmente em 1984. Vejamos os depoimentos de Grotowski e de Flaszen sobre esse momento histórico:

Deixei a Polônia porque a lei marcial havia sido proclamada lá. Para mim, pessoalmente, foi uma decisão inevitável, porque, em uma tal situação, há uma diferença enorme entre dirigir (como faziam os outros diretores de palco) um teatro que faz apresentações para uma grande plateia nacional - ainda que financiadas por um Estado considerado opressor - e dirigir (como eu fazia nesse período) um laboratório fechado, internacional, ainda por cima usando o dinheiro de um país no qual estava em vigor a lei marcial (Grotowski apud Wolford, 1997WOLFORD, Lisa. Introduction: Objective Drama, 1983-86. In: SCHECHNER, Richard; WOLFORD, Lisa (Org.). The Grotowski Sourcebook . London; New York: Routledge , 1997. P. 283-293., p. 283)4 4 Na versão em inglês: “I left Poland because of the martial law that was proclaimed there. For me personally, it was an inevitable decision, because in such a situation there is an enormous difference between directing (as the other stage directors were doing) a theatre that does performance for a large national audience – even if it is financed by a state considered as oppressive – and to direct (as I was doing in this period) an international, closed laboratory, still using money of a country where martial law is in effect” (Grotowski apud Wolford, 1997, p. 283). .

Em sua opinião, a situação na Polônia era desesperadora. Imaginava que o regime, temendo a queda, não teria outra solução a não ser o terror, inclusive o extermínio de seus inimigos. E mesmo se aquele roteiro não acontecesse, outras formas mais sutis de terror seriam introduzidas. O regime preservaria uma fachada de legalidade, enquanto que ‘esquadrões da morte’, grupos secretos de chantagistas e assassinos, espalhariam terror e caos (Flaszen, 2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 427).

A seguir, analisaremos como a trajetória do grupo polonês liderado por Grotowski, incluindo sua fundação e sua extinção, além de refletir uma série de questões de ordem mais puramente artística, também estava ligada aos acontecimentos políticos na Polônia.

Arte e Comunismo: o jogo político com o Olho antes da fama

Como explica Prażmowska (2010PRAŻMOWSKA, Anita. Poland: a Modern History. London; New York: I. B. Tauris, 2010., p. 169), mesmo após o degelo liberal nenhuma das formas de organização da sociedade civil - sindicatos, associações locais, corporações, instituições, clubes etc. - tinha independência, pois eram subordinadas ao Partido Comunista único polonês, o PZOR, que, por sua vez, era controlado pela União Soviética. Era através dessas organizações sociopolíticas oficialmente ligadas ao Partido que se davam as principais relações interpessoais da vida profissional dos artistas e críticos de arte, sendo todos camaradas de um mesmo segmento social. Como detalha Seth Baumrin, no artigo Jerzy Grotowski and the Price of Artistic Freedom (2009BAUMRIN, Seth. Jerzy Grotowski and The Price of Artistic Freedom. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 53, n. 4, p. 49-77, 2009., p. 49-77), as instituições culturais de pequeno porte como o Teatro Laboratório eram controladas diretamente por quatro agências: governo regional (região da Salésia), governo local (cidade de Opole e, depois, Wrocław), censura regional e a SB (sigla de Słuzba Bezpieczństwa, a polícia secreta). E, acima dessas instâncias de nível médio, havia também o Ministério do Interior, o Ministério da Cultura e Artes, o Comitê Central e a Agência de Censura. Afora essas instâncias governamentais de distintos níveis a exercer controle direto sobre as atividades, o grupo também era vigiado indiretamente pela comunidade polonesa local, principalmente por meio da imprensa e da milícia dos cidadãos, a MO (sigla de Milicja Obywatelska), e das autoridades religiosas.

Essa forma de organização sociopolítica impedia não só os artistas, mas todos os cidadãos de realizarem uma crítica muito feroz e aberta contra o governo, pois a própria sobrevivência do trabalho dependia diretamente da manutenção de um bom relacionamento com as autoridades locais e instâncias maiores do Estado, isto é, dependia da manutenção de um “jogo sutil e sofisticado com o regime” (Flaszen, 2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 292). Metaforicamente falando, descreve Flaszen: “A vida em tal regime é vivida na constante presença de um Olho específico” (Flaszen, 2015, p. 46).

Por outro lado, como também afirmam Flaszen (2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015.) e Baumrin (2009BAUMRIN, Seth. Jerzy Grotowski and The Price of Artistic Freedom. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 53, n. 4, p. 49-77, 2009.), os escritores, intelectuais e artistas não eram totalmente impedidos de manifestar opinião crítica e mostrar, em algum nível, sua insatisfação com a situação política, atacando, mesmo que indiretamente, o regime comunista polonês ou o controle soviético sobre o país. Uma atitude crítica perante a realidade e os acontecimentos culturais e políticos era, até certo ponto, uma postura esperada por parte dos próprios funcionários do governo, principalmente após 1956, período do chamado degelo liberal no governo de Gomułka. Por isso, algum grau de rebeldia era tolerado.

Assim, nesse relacionamento até certo ponto irônico e hipócrita com o regime, a crítica ocorria de um modo sutil, indireto, até mesmo velado, a fim de não provocar repressões por parte dos dirigentes do governo. Atos de repressão, como censuras, represálias e exílios, de fato foram impostos a muitos artistas e intelectuais poloneses importantes na época, como Kolakoswski. Nesse sentido, um regime totalitário, quer seja de esquerda (comunista), quer seja de direita (caso do Brasil após o Golpe Militar de 1964), tolhe de modo nefasto a liberdade de expressão e impõe aos artistas e intelectuais uma vida profissional permeada de tensão psicológica e imersa em um jogo constante com esse Olho específico, ao qual Flaszen se referiu. Por outro lado, é justamente a presença desse jogo com as garras do regime que, paradoxalmente, estimula formas criativas de burlar a censura através, por exemplo, de metáforas sofisticadas e símbolos menos explícitos. Como disse Flaszen: “O jogo com o Vislumbre do Olho, o jogo na presença do Vislumbre do Olho, exigia uma atenção específica, e resultava em interessantes obras artísticas e modos de pensar” (Flaszen, 2015, p. 41-42).

E a trajetória do Teatro Laboratório e de Grotowski fornecem vários exemplos dessa resistência política, pois, em muitos momentos, foram questões de ordem política que determinaram as decisões e, consequentemente, o destino do grupo. E esses momentos mostram como foi peremptória a presença desse Olho específico mencionado por Flaszen na citação acima.

Como relatam Slowiak e Cuesta (2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. , p. 25-27) e Baumrin (2009BAUMRIN, Seth. Jerzy Grotowski and The Price of Artistic Freedom. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 53, n. 4, p. 49-77, 2009., p. 49-77), Grotowski, em 1957, no início de sua carreira teatral e antes de fundar seu grupo em Opole, chegou a atuar diretamente como líder político através da ZMS (sigla da Związek Młodziezy Socjalistycznej, Associação da Juventude Socialista). Não se sabe exatamente a razão de sua atividade política stricto sensu ter durado pouco tempo, mas Baumrin defende a hipótese de que Grotowski fazia parte da delegação que, em 1957, foi ao encontro de Gomułka tentar propor uma série de reformas democráticas, às quais o Primeiro Ministro teria reagido negativamente. Segundo as palavras do irmão de Grotowski: “[...] embora o regime de Gomułka jamais tenha sido tão opressor quanto o regime anterior, era, ainda assim, opressor. Jerzy logo compreendeu que nada podia ser feito, que o sistema seria sempre opressor” (K. Grotowski apud Baumrin, 2009, p. 71)5 5 Na versão em inglês: “[...] although the Gomułka regime was never as oppressive as the previous regime, it was still oppressive. Jerzy learned quickly that nothing could be done, that the system would always be oppressive”. . O fato é que Grotowski, antes de fundar o Teatro Laboratório, se afastou da atuação em instituições políticas como a ZMS e passou a declarar seu teatro como propositalmente apolítico. No entanto, essa declaração pode ser considerada como, justamente, uma das muitas estratégias políticas que Grotowski teve que utilizar para manter o subsídio e o aval estatal sem perder, contudo, o teor crítico do trabalho realizado. Nas palavras de Grotowski: “Tive que dizer que não era político para ser político” (Grotowski apud Findlay, 1997FINDLAY, Robert. Grotowski’s Laboratory Theatre dissolution and diaspora. In: SCHECHNER, Richards; WOLFORD, Lisa. The Grotowski Sourcebook. London; New York: Routledge, 1997. P. 172-188., p. 180)6 6 Na versão em inglês: “I had to say I was not political in order to be political” (Grotowski apud Findlay, 1997, p. 180). .

Como analisou amplamente Ferreira (2010FERREIRA, Melissa da Silva. Grotowski e a Memória Social da Polônia. Urdimento - Revista do Departamento de Artes Cênicas da UNESP, Florianópolis, UNESP, n. 14, p. 117-130, 2010. ), o intenso diálogo das produções teatrais do Teatro Laboratório com a tradição romântica - uso de textos de autores do romantismo polonês, como Slowacki, Wyspianski e Mickiewicz - e com a tradição cristã - referências evidentes ao catolicismo nas peças - “[...] revela o envolvimento de Grotowski com a resistência cultural ao massacre do imaginário simbólico polonês ao longo da História da Polônia” (Ferreira, 2010, p. 119). Nos séculos XVIII e XIX, período em que viveram os autores mais renomados da dramaturgia romântica polonesa, partes do território polonês foram invadidas pelos países vizinhos (Rússia, Prússia e Áustria). E, como consequência dessas invasões e desmembramentos da nação, muitos intelectuais e artistas foram exilados, como os autores acima citados, Chopin e outros. Com isso, o teor nacionalista já presente no movimento romântico em vários países, torna-se ainda mais ululante no caso específico do romantismo polonês, uma vez que, através da arte, a identidade cultural nacional era reafirmada. E os artistas do período foram transformados em heróis ou mártires da resistência político-cultural contra a dominação estrangeira. Nesse sentido, a escolha da dramaturgia romântica polaca para os espetáculos da fase teatral evidentemente não foi um mero acaso. Como descreve Barba (2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006.), Grotowski era obcecado por esses autores justamente por causa da semelhança entre os dois contextos históricos em relação à dominação estrangeira (período romântico e pós Segunda Guerra), semelhança que proporcionava, por analogia, uma forma de resistir à manipulação da memória social polonesa pela URSS.

Também como aponta Prażmowska (2010PRAŻMOWSKA, Anita. Poland: a Modern History. London; New York: I. B. Tauris, 2010., p. 203), não só a grande maioria dos cidadãos poloneses era católica, como havia uma singular e forte identificação do percurso penoso da nação com os símbolos católicos (imagens do calvário e da crucificação). Nos espetáculos dirigidos por Grotowski, a dramaturgia romântica era recorrente, assim como as alusões explícitas ou implícitas à cultura cristã como um todo7 7 Por exemplo, nas montagens de Kordian, Akropolis, Dr. Faustus, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris, abordam-se temas diretamente relacionados aos principais mitos e arquétipos da cosmogonia cristã. , especialmente às passagens e histórias da Bíblia e dos Evangelhos. Tratava-se de um diálogo crítico e, às vezes, paródico com a mítica cristã como parte intrínseca da cultura polonesa. Esse diálogo crítico com os mitos da cultura nacional foi, muitas vezes, visto como uma blasfêmia, um sacrilégio e/ou desrespeito com a pátria. Nesse sentido, a escolha das obras utilizadas e a intervenção que Grotowski fazia nos textos originais por meio dos recursos de encenação gerava um “novo avatar do texto” (Barba, 2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006., p. 32), pois, ao mesmo tempo que mantinha as falas e o conteúdo temático originais, atualizava o texto em relação ao momento histórico e adicionava uma dimensão evidentemente crítico-política. Como exemplos mais evidentes, pode-se citar a escolha, na peça Os Antepassados (Dziady), de colocar uma vassoura nas costas do protagonista fazendo alusão à cruz de Cristo. Ou, na peça Akropolis, migrar o espaço cênico da montagem para um campo de concentração nazista, ao invés do Castelo de Cracóvia, onde a peça se passaria segundo a obra dramatúrgica utilizada. Também o figurino da peça O Príncipe Constante, no caso do protagonista, remetia evidentemente à figura de Cristo e, no caso dos demais atores, à vestimenta usada pelo júri militar socialista daquele período. Como explica Barba (2006, p. 32):

Grotowski, ao contrário, afrontou os clássicos com teimosa convicção de que eles contêm um arquétipo, uma situação fundamental da condição humana. Para que o espectador fosse consciente disso, Grotowski construía equivalentes cênicos que derivavam coerentemente do texto, mas que literalmente o alteravam com um extremismo que a história do teatro desconhecia e que, naquele tempo era considerado sacrílego. Com Grotowski começa a tradição do diretor que disseca e mexe drasticamente na estrutura literária. Seu desejo não era somente o de atualizar textos, mas sobretudo o de recriar, através deles, a experiência de situações históricas extremas e de obsessões individuais e coletivas. Ele tinha atração pelos clássicos e também uma sincera fé em seu valor, que manifestou através da blasfêmia e da profanação.

Essa “desconstrução” operada pelas montagens do Teatro Laboratório, denominada “dialética da Derrisão e da Apoteose ou da adoração e da profanação” (Kudliński apud Grotowski, 2007GROTOWSKI, Jerzy. A Possibilidade do Teatro. In: FLASZEN, Ludwik; POLLASTRELLI, Carla (Org.). O Teatro Laboratório de Jerzy Grotowski (1959-1969). São Paulo: Perspectiva, 2007. P. 48-74., p. 52), provocou reações negativas tanto da comunidade como de autoridades da Igreja e do Estado, como foi comentado pelo próprio Grotowski (última palestra do Collège de France 1997-1998), por Flaszen (2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 169 e 292), Tymicki (1986TYMICKI, Jerzy. The Polish Theatre 1970-1985. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 30, n. 3, p. 13-46, Autumn 1986. , p. 19-22) e Attisani (2008ATTISANI, Antonio. “Acta Gnosis”. TDR: The Drama Review, New York, New York University, v. 52, n. 2, p. 75-105, 2008., p. 82-83).

Desse modo, as montagens representavam um modo concreto de resistência político-cultural ao controle soviético. “Todos [os espetáculos] com um subtexto explicitamente político, todos vinculados com a história da Polônia” (Barba, 2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006., p. 52).

Falando especialmente dos primeiros anos do Teatro Laboratório, Kerela define a atuação política de Grotowski como “ketmanship”8 8 O termo ketman vem do árabe kitman, significando encobrimento para autoproteção, isto é, apoiar os poderosos verbalmente enquanto se é secretamente de oposição. (Kerela apud Baumrin, 2009BAUMRIN, Seth. Jerzy Grotowski and The Price of Artistic Freedom. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 53, n. 4, p. 49-77, 2009., p. 61), referindo-se a sua enorme habilidade política ao lidar com as autoridades para garantir a continuidade de seu próprio trabalho artístico e, consequentemente, da resistência político-cultural que ele articulava.

Grotowski me explicava com todos os detalhes como pensava em se comportar, quais seriam as prováveis e diversas reações, com quem e até que ponto recorrer ao patriotismo polaco para ser ‘ideologicamente incorreto’ sem criar problemas de alto nível com os russos. Eu era testemunha do nascimento e do desenvolvimento de seus processos mentais, que se transformavam em jogadas estratégicas para defender o ‘essencial’ (Barba, 2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006., p. 51).

Podemos entender esse ‘essencial’, mencionado por Barba, como sendo tanto a liberdade criativa, como a resistência político-cultural através da arte, e também a própria sobrevivência do grupo, sem a qual nem a liberdade artística nem a resistência política poderiam existir. Ao longo do percurso como diretor artístico do Teatro Laboratório, e também posteriormente, fora da Polônia, Grotowski teve que elaborar inúmeras táticas para driblar tanto os poderes institucionalizados (funcionários do governo locais, de instâncias superiores, críticos especializados), como problemas internos com/entre os demais membros do seu grupo. Dessa forma, para dirigir suas pesquisas, foi necessária uma habilidade de estrategista a fim de arquitetar diferentes soluções para questões políticas tanto externas (relação com o governo polonês ou com a comunidade artística e intelectual), como internas (gerenciamento das pessoas que trabalhavam diretamente no instituto).

O primeiro exemplo de estratégia política é o modo como se deu o reconhecimento internacional do grupo nos anos 1960. Como relatado por Eugenio Barba de forma detalhada no livro A terra de cinzas e diamantes (2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006.), a fama internacional de Grotowski e do seu Teatro Laboratório foi conquistada através de uma série de estratégias de autopromoção, muitas das quais levadas a cabo pelo próprio Barba, na época assistente de Grotowski e estudante de intercâmbio na Polônia com bolsa do governo italiano. Barba, por não ser polonês, podia sair da Polônia sem autorização e, por isso, fez uma série de viagens9 9 Como relata no livro A terra de cinzas e diamantes, Barba viajou para: Viena, Roma, Zurique, Basileia, Genebra, Paris, Estocolmo, Copenhague e Oslo (Barba, 2006). internacionais para visitar artistas, críticos e pessoas influentes no meio teatral10 10 Dentre as pessoas visitadas por Barba estavam James Hillman, Richard Schechner, Fernando Arrabal, Mircea Eliade e Raymonde Temkine (Barba, 2006). com o intuito de divulgar as ideias de Grotowski e atrair a atenção internacional para as pesquisas teatrais realizadas, então, na pequena cidade polonesa de Opole (onde ficava a primeira sede do grupo). Em 1963, Barba chegou a roubar um ônibus para levar um grupo de críticos, jornalistas e diretores de vários países11 11 As pessoas que embarcaram no ônibus para Lódz para assistir à apresentação de Dr. Fausto foram: Eduardo Manet (diretor do Festival del Teatro de las Naciones - Havana), Hubert Gignoux (diretor do Centre Dramatique de l’Est - Strasbourg), Kasja Krook (crítica teatral finlandesa), Raul Radice (crítico teatral italiano), Henry Popkin (jornalista americano), Kristin Olsoni (diretora finlandesa), Tone Brulin e Jan Christiaens (dramaturgos flamengos), Alan Seymour (dramaturgo australiano), Ingrid Luterkort e Palle Burnius (diretores suecos), Sveinn Eirnarsoon (diretor islandês), Jean Louis Roux (diretor canadense), René Hainaux (diretor belga) e Ossia Trilling (crítico inglês de origem polonesa). que estavam em Varsóvia para um congresso internacional - o X Congresso do ITI, International Theatre Institute - para que assistissem a uma apresentação de Dr. Faustus, do Teatro Laboratório, na cidade de Lódz, justamente porque o grupo não havia sido convidado para esse evento internacional. Alguns desses críticos levados até Lódz por Barba - R. Temkine, M. Denis, M. Julien e outros -, impressionados com a apresentação, começaram a escrever críticas e matérias de jornal12 12 Jornais como o The New York Times e revistas como Plays and Players e Encore. sobre o trabalho de Grotowski e seus atores (Barba, 1999 e Seymour, 1963SEYMOUR, Alan. Revelations in Poland. Plays and Players, Philadelphia, v. 11, p. 33-34, october 1963. ). A partir dessa divulgação em âmbito internacional, conquistada graças a essas iniciativas astuciosas da dupla Barba-Grotowski, mas também evidentemente por mérito artístico, o grupo recebeu, posteriormente, muitos convites para temporadas em vários países do mundo13 13 Por exemplo, em 1966, houve uma apresentação de O Príncipe Constante no Théâtre des Nations, em Paris e, em 1968, uma apresentação de Akrópolis no Théâtre de l’Epée de Bois, também em Paris. , ganhando inclusive prêmios14 14 Em 1969, Apocalypsis cum Figuris recebeu o prêmio de melhor espetáculo Drama Desk e Ryszard Cieślak recebeu dois prêmios Obie, o de melhor ator e revelação mais promissora da década. Também nesse ano, os espetáculos do Teatro Laboratório foram ovacionados pela revista Times como os mais importantes da década (Slowiak; Cuesta, 2013, p. 54). .

E, graças a essas estratégias - e também a outras, como a publicação do livro Em busca de um Teatro Pobre15 15 Towards a Poor Theatre foi publicado em 1968 pelo Odin Teatret e o livro reúne textos produzidos por diferentes autores (Jerzy Grotowski, Eugenio Barba e Ludwik Flaszen). São artigos publicados em jornais e revistas, transcrições de entrevistas concedidas por Grotowski na década de 1960 e textos que descrevem e analisam os espetáculos ou os treinamentos desenvolvidos pelo Teatro Laboratório. Como relata Osiński (1979, p. 87), nas décadas de 1960 e 1970, o livro, traduzido em diversas línguas (no Brasil, como Em busca de um Teatro Pobre), transformou-se em uma espécie de bíblia do teatro moderno, uma vez que influenciou artistas e companhias em muitos países. - os espetáculos do Teatro Laboratório - principalmente Akropolis, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris - tiveram longas temporadas e grande circulação internacional, e Grotowski e seus atores começaram a ser convidados com certa frequência para dar palestras, seminários e cursos em vários lugares. Como descrevem James Slowiak e Jairo Cuesta (2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. , p. 44), em 1969, antes da estreia de Apocalypsis cum Figuris, o grupo já tinha se apresentado em quase todos os países da Europa e no México.

Só que essas frutíferas táticas de divulgação do grupo polonês não foram traçadas e postas em prática somente porque se ambicionava o reconhecimento internacional. Tratavam-se também de ações necessárias para a garantia de sobrevivência do trabalho, frequentemente rejeitado pela população local e constantemente ameaçado pelas autoridades e imprensa locais. A visibilidade internacional tinha como uma de suas consequências diretas o fortalecimento da imagem do grupo perante as instâncias governamentais de controle, garantindo sua manutenção na condição de instituição financiada pelo Estado, bem como o aumento dos subsídios e, principalmente, uma diminuição concreta da possibilidade de fechamento do Teatro Laboratório pelas autoridades do regime comunista. Antes desse reconhecimento, conquistado principalmente após 1965, o grupo vivia sob a ameaça de dissolução, tendo que periodicamente convencer funcionários do governo polonês a dar validade às pesquisas que vinham sendo realizadas e às produções artísticas resultantes. Nesse sentido, afirma Flaszen (2015FLASZEN, Ludwik. Grotowski & Companhia: origens e legado. São Paulo: É Realizações, 2015., p. 386): “A aclamação internacional serviu de escudo protetor contra inimigos e gozadores locais do nosso Teatro Laboratório e desarmou a suspeita, a distância e - nos momentos mais difíceis - o diabólico propósito do patrocínio estatal comunista”.

Outro exemplo de tática política, como discute Ferreira no artigo Grotowski e a memória social da Polônia (2010FERREIRA, Melissa da Silva. Grotowski e a Memória Social da Polônia. Urdimento - Revista do Departamento de Artes Cênicas da UNESP, Florianópolis, UNESP, n. 14, p. 117-130, 2010. ), foi a mudança de nome do grupo de Teatro das Treze Fileiras para Teatro Laboratório das Treze Fileiras, que ocorreu em 1962, para justificar aos inspetores do governo a longa duração dos ensaios entre cada estreia de uma nova montagem do grupo e o pequeno número de espectadores que era permitido nas apresentações16 16 De 1959 a 1962, o grupo chamava-se Teatro das Treze Fileiras, passando, em 1962, para Teatro Laboratório das Treze Fileiras; depois, em 1964, passa a se chamar apenas Teatro Laboratório e, em seguida, Instituto de Pesquisa dos Métodos de Atuação – Teatro Laboratório, em 1967. . O termo laboratório, nesse sentido, teria sido propositalmente escolhido para explicitar aos fiscais do regime a ênfase do trabalho na pesquisa, seu caráter experimental, investigativo, metodológico. Em um breve comentário, Barba descreve que a denominação laboratório era uma das opções de um formulário enviado pelo Ministério da Cultura que tinha que ser preenchido pelos grupos subsidiados pelo Estado. A existência dessa nomenclatura muito provavelmente deve-se à referência dos Laboratórios de Stanislávski no Teatro de Moscou. Barba aponta como o termo foi logo valorizado e acrescentado ao nome do grupo, com o objetivo de “[...] justificar a busca, no sentido artesanal, daquilo que era ‘essencial’ no teatro” (Barba, 2006, p. 38-39), além de sugerir, enfatizar o diálogo do grupo com a escola russa (não só Stanislávski, como também Meierhold).

Em 1966 e 1970, mudanças de nome novamente ocorrem: primeiramente passou-se para Teatro Laboratório e, depois, para Instituto de Pesquisa dos Métodos de Atuação - Teatro Laboratório (Slowiak; Cuesta, 2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. , p. 46). Como discute Kolankiewicz (2009KOLANKIEWICZ, Leszek. Grotowski and Flaszen: Why a Theatre Laboratory?. In: ALLAIN, Paul. Grotowski’s Empty Room . London; New York: Seagull, 2009. P. 55-74., p. 55-74), o termo Instituto, por também pertencer à terminologia científica comumente utilizada no âmbito acadêmico, foi acrescentado para reforçar a analogia entre as pesquisas artísticas empreendidas sob a liderança de Grotowski com pesquisas científicas mais stricto sensu. Grotowski, para explicitar a investigação metodológica feita sob sua direção, chegou a dar como exemplo comparativo e modelo o Instituto Bohr17 17 No texto Investigação Metódica, um dos capítulos do livro Em busca de um Teatro Pobre, Grotowski, para explicar os objetivos de seu instituto (mais conhecido como Teatro Laboratório), o compara com o Instituto Bohr. “O Instituto Bohr me fascinou durante muito tempo, como um modelo que ilustra um certo tipo de atividade. Claro, o teatro não é uma disciplina científica, muito menos a arte do ator, na qual minha atenção está centralizada” (Grotowski 1987[1968], p. 102). . Nesse sentido, reforçava tratarem-se de pesquisas metodológicas voltadas para o trabalho do ator, que não obedeciam ao tempo usual para produzir resultados, o que também explicava o fato de muitas atividades serem fechadas e restritas a poucos participantes previamente selecionados.

Todas essas mudanças de nome do grupo buscavam enfatizar ainda mais o caráter laboratorial do trabalho realizado e, consequentemente, justificar a escassez de produtos artísticos resultantes e a restrição do número de espectadores/participantes ou pessoas diretamente beneficiadas (alunos-atores) pelo trabalho financiado pelo Estado. Assim sendo, essas mudanças de nomes podem ser vistas como estratégias políticas que, antes de tudo, visavam à sobrevivência do grupo e da pesquisa artística que estava sendo realizada.

Há uma série de outras estratégias que vale a pena ser mencionada aqui. Segundo Slowiak e Cuesta (2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. ), Grotowski, ainda nos primeiros anos em Opole, teria dado férias coletivas a seus atores para impedir que as autoridades desfizessem o grupo, pois, naquele período na Polônia, era proibido por lei despedir qualquer pessoa que estivesse em férias. Também a transformação do grupo em uma POP (Podstawowa Organizacja Partyjna, isto é, uma célula básica do Partido) e o episódio da mudança de Opole para Wrocław foram grandes façanhas políticas feitas para garantir a sobrevivência do grupo no combate às autoridades, artistas e críticos de Opole. Segundo as pesquisas historiográficas feitas por Osiński (1997OSIŃSKI, Zbigniew. Grotowski Blazes the Trails: From Objective Drama to Art as Vehicle. In: SCHECHNER, Richard; WOLFORD, Lisa (Org.). The Grotowski Sourcebook . New York: Routledge, 1997. P. 381-403.) e Baumrin (2009BAUMRIN, Seth. Jerzy Grotowski and The Price of Artistic Freedom. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 53, n. 4, p. 49-77, 2009.), quando a administração da WRN mudou - Kosicki foi nomeado no lugar de Buziński - o grupo, que antes era apoiado pelos representantes do governo e da imprensa, passou a ser alvo de críticas sistemáticas nos jornais locais, principalmente porque, segundo dizem, o diretor da principal companhia da cidade, Teatr Ziemi Opolskiej, queria que o Teatro das Treze Fileiras (primeiro nome do Teatro Laboratório) fosse dissolvido, simplesmente para acabar com a competição local. Como primeira estratégia defensiva, Grotowski transformou o grupo numa célula do Partido, POP, o que protegeu o trabalho por um tempo. Depois, com outra alternância de cargos, o grupo volta a ser ameaçado quando Galiński assume o lugar de Tejchma - este último amigo de Grotowski - como membro do plenário do Partido. Ofendido com a montagem de Kordian, Galiński articula a formação de uma comissão do Ministerstwo Kultury i Sztuki (Ministério da Cultura e Arte, sigla MKiS) para investigar as atividades do Teatro Laboratório.

Mas Grotowski e Flaszen, através do contato com pessoas aliadas e influentes no SB (polícia secreta) e no MKiS, conseguiram reverter completamente essa situação desfavorável, transformando a comissão investigativa numa espécie de conferência artística. Nessa conferência, o grupo mostrou alguns dos exercícios e espetáculos e, no final, não só conseguiu garantir sua manutenção como também sua transferência para Wrocław. Frente ao vanguardismo das pesquisas demonstrado nessa inspeção transformada em conferência, Grotowski convenceu as autoridades e alguns críticos da imprensa sobre a importância do trabalho artístico empreendido pelo Teatro Laboratório e sobre a necessidade de transferir o grupo para Wrocław, uma cidade maior e mais cosmopolita e, por isso, mais adequada como sede.

Também como relata Cynkutis (2015CYNKUTIS, Zbigniew. Acting With Grotowski. New York; London: Routledge, 2015., p. 49-63) em seu diário pessoal, mesmo em 1968, quando o grupo já havia conquistado certo reconhecimento internacional, a subvenção e o consequente controle estatal das atividades continuavam a ser motivo de grande preocupação, influenciando diretamente o direcionamento dos ensaios. A seguir, citamos um trecho:

[...] está claro que Grotowski, pessoalmente, não liga para essa estreia [Apocalypsis cum Figuris] e que o trabalho que levou a ela não é nem um pouco convincente para ele. De certa forma, ele está sendo vencido pelo cansaço. Mas ele precisa fazer alguma coisa, pois a situação de três anos sem uma única estreia desperta a desconfiança dos de fora - as autoridades - e, agora, eles estão exigindo categoricamente que se apresentem os dividendos de suas doações (Cynkutis, 2015CYNKUTIS, Zbigniew. Acting With Grotowski. New York; London: Routledge, 2015., p. 53, grifos nossos)18 18 Na versão em inglês: “[...] it is clear that Grotowski does not personally care about this premiere [Apocalypsis cum Figuris] and that the work leading up to it is not in the least compelling for him. Rather, it is wearing him down. But he has to do something, for the situation of three years without a single premiere arouses the suspicion of outsiders – the authorities – and they are now categorically demanding to see some dividends from their donations” (Cynkutis, 2015, p. 53). .

Este trecho mostra como o grupo foi pressionado, ao longo dos três anos que levou para produzir um novo espetáculo após o sucesso de O Príncipe Constante. A condição de companhia financiada pelo Estado gerava essa demanda por parte das autoridades que monitoravam o grupo. E, como comentou Grotowski nas últimas aulas que deu no Collège de France em 1998, a estreia de Apocalypsis cum Figuris causou um grande escândalo, provocando reações negativas tanto de autoridades do regime, quanto de autoridades da Igreja Católica, dividindo os espectadores em dois grupos bem opostos: os fãs, geralmente jovens, que “criaram um tipo de culto em torno do espetáculo” (Grotowski apud Sodré, 2014SODRÉ, Celina. Jerzy Grotowski : artesão dos comportamentos humanos metacotidianos. 2014. Tese (Doutorado em Teatro) - Rio de Janeiro, Programa de Pós-Graduação em Teatro, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), 2014., p. 250) e a comunidade polonesa católica escandalizada e ofendida com a montagem.

Esses são alguns exemplos concretos - quase todos ocorridos ainda na década de 1960 - de como o contexto político interferiu diretamente na trajetória do grupo e de como não foi fácil lidar com o Olho específico, com a censura e com o forte controle governamental direto ou indireto no ambiente de um regime ditatorial.

Arte e Comunismo: o jogo político com o Olho após a fama

E, após a mudança para Wrocław - a partir de 1965 - e durante a década de 1970 (período parateatral), embora a situação estivesse relativamente mais estável graças à fama internacional alcançada pelo grupo, os problemas e as ameaças não deixaram de existir, nem as consequentes estratégias de sobrevivência e os cuidados exigidos pelo contexto político-econômico. Como é analisado por Jerzy Tymicki no artigo The Polish Theatre 1970-1985 (Tymicki, 1986, p. 13-46), no início dos anos 1970, apesar da forte censura do regime, grande parte da classe artística, incluindo a teatral, vivia um período de ‘boas relações’ com o governo comandado por Gierek. Nas suas palavras, tratava-se de “um caso de amor com o comunismo” (Tymicki, 1986, p. 13)19 19 Na versão em inglês: “a love affair with communism”. , falando metaforicamente. Segundo esse autor, muitos atores e diretores de destaque no panorama teatral polaco daquele período ocupavam cargos oficiais importantes no Partido e tinham uma série de privilégios concedidos também aos líderes políticos, tais como: receber supersalários e ter acesso a bens e moradias de maior luxo, ir a eventos e festas exclusivas para a elite e permissão para fazer viagens ao exterior. Somente a elite política e artística recebia tais regalias e concessões especiais, enquanto que a população comum sofria com a falta de acesso a bens de consumo (de primeira necessidade ou não), o racionamento de comida, moradias ruins, proibição de deixar o país etc. Na visão de Tymicki, esses privilégios compartilhados entre a elite do Partido (PZPR) e a elite teatral funcionavam como uma justificativa para a desigualdade entre as figuras públicas (líderes políticos e da cultura) e o resto da população. Nas suas palavras: “Essas pessoas eram criaturas públicas. Seus estilos de vida justificavam o estilo de vida dos dirigentes do Partido” (Tymicki, 1986, p. 15)20 20 Na versão em inglês: “These people were public creatures. Their lifestyle justified the lifestyle of Party officials” (Tymicki, 1986, p. 15). .

Tymicki também descreve que, durante os primeiros anos do governo Gierek (início dos anos 1970), a produção teatral polonesa viveu um período de grande internacionalização e consequente reconhecimento internacional, isto é, muitos artistas e grupos passaram a se apresentar em outros países, seja em festivais ou em temporadas maiores. Dentre os artistas que tiveram maior circulação internacional com o aval e apoio do regime estavam: Grzegorzewski, Tomaszewski e Grotowski. Entretanto, na visão do autor, essa internacionalização tinha “duas faces” (Tymicki, 1986, p. 22): por um lado, divulgava a cultura polonesa, mas, por outro, funcionava como uma forma de propaganda positiva para o regime comunista em âmbito mundial.

Vale mencionar que, não por acaso, a produção artística desses artistas não tematizava - pelo menos não de forma explícita - a realidade político-econômica do país, e sim exploravam questões mais puramente artísticas, tais como questões metodológicas ou formais. Nesse sentido, eram “exportações seguras” (Tymicki, 1986TYMICKI, Jerzy. The Polish Theatre 1970-1985. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 30, n. 3, p. 13-46, Autumn 1986. , p. 19). E, por conta dessa alienação política da produção teatral em relação aos problemas nacionais, como um contraponto à considerável expansão do reconhecimento mundial do teatro polonês, houve, internamente, um esvaziamento de público, um desinteresse pela produção nacional de exportação desconectada da vida na Polônia naquele momento. A grande exceção a esse desinteresse público seria justamente o espetáculo Apocalypsis cum Figuris que, durante a década de 1970, continuou a atrair a audiência interna, especialmente de poloneses jovens. Mas, de modo geral, segundo Tymicki, os espectadores poloneses passaram a se interessar mais pelo trabalho artístico de grupos ainda amadores - dentre eles o Teatr 8 Dnia - ou profissionais mais independentes, isto é, sem o suporte financeiro do regime, pois criavam espetáculos mais obviamente politizados e diretamente associados ao movimento de oposição ao regime. Esses coletivos dissidentes foram violentamente reprimidos por agentes do Estado (censores e polícia) por meio de prisões, espancamentos, suspensão das apresentações com o confisco de cenários, figurinos e adereços.

Esse quadro dura até mais ou menos 1976, quando a classe artística aos poucos começa a se unir ao movimento do Solidariedade, assumindo uma posição mais claramente de oposição ao regime comunista. Essa politização da classe artística culminará com o que foi chamado de o Boicote, ocorrido após 1982 como reação à lei marcial. Com a lei marcial promulgada em dezembro de 1981, não só os direitos civis foram suspensos e as ruas ocupadas pelo Exército, como também toda a produção artística foi paralisada, todos os teatros foram fechados e foram presos muitos jornalistas, escritores e artistas. Depois de alguns meses de sua promulgação, as autoridades do regime decidiram autorizar o retorno das atividades artísticas, especialmente a televisão. Muitos artistas foram convidados para trabalhar, mas quase todos recusaram. Segundo Tymicki, em 1982 a adesão ao boicote foi de 95% (Tymicki, 1986).

No caso do Teatro Laboratório, é possível dizer que o início da fase parateatral tenha sido de certo modo beneficiado por esse momento de internacionalização do teatro polonês. Todavia, nenhum indício leva a crer que Grotowski ou seus companheiros tenham feito parte do grupo de favoritos do Partido, aqueles que no início dos anos 1970 recebiam supersalários e participavam de grandes eventos luxuosos promovidos por Gierek ou outros líderes do regime, como os diretores Hanuszkiewicz e Cywinska. Por outro lado, o grande e crescente reconhecimento internacional do Teatro Laboratório garantiu que as atividades parateatrais fossem permitidas sem represálias, apesar da grande polêmica gerada pela saída do teatro (decisão de não mais produzir espetáculos). Nesse período, década de 1970, Grotowski e seus atores ganharam permissão e suporte financeiro para realizar uma série de viagens para fora do país, tanto para temporadas teatrais/parateatrais e workshops, como para expedições de pesquisa. Também graças a esse momento de boas relações com o regime, o grupo pôde adquirir uma nova sede campestre para as imersões investigativas parateatrais, um celeiro reformado no povoado de Brzezinka. Vale ressaltar que, se por um lado, a decisão de iniciar o Parateatro gerou muitas críticas, por outro, apaziguou as frequentes polêmicas internas geradas pelos espetáculos da década de 1960, considerados por muitos poloneses como blasfemos e ofensivos, tanto em seu diálogo crítico com os mitos e as crenças do catolicismo, como pela intervenção feita nos cânones da literatura dramática polonesa utilizados para as encenações. Segundo Tymicki, a saída do teatro foi, para muitos, um alívio, o fim das provocações políticas dos espetáculos (Tymicki, 1986).

Nesse sentido, comparando os anos 1960 com os anos 1970, pode-se dizer que o Parateatro coincidiu com um momento de maior calmaria relativa. Pelo menos em relação aos conflitos políticos externos e às garras diretas e indiretas do regime comunista. Entretanto, isso não significa supor que Grotowski e seus companheiros tenham ficado totalmente livres, ou deixado de precisar de estratégias para garantir a continuidade do financiamento estatal do grupo.

Conforme analisou Motta-Lima (2012MOTTA-LIMA, Tatiana. Palavras Praticadas: o percurso artístico de Jerzy Grotowski. São Paulo: Perspectiva , 2012., p. 185), a manutenção das apresentações do espetáculo Apocalypsis ao longo de toda a década de 1970, como atividade paralela e complementar aos projetos parateatrais, ajudava a manter a produção teatral do grupo como ativa publicamente e, nesse sentido, pode ser vista como uma estratégia política para manter o suporte financeiro do grupo, mesmo com as frequentes críticas à validade artística do Parateatro, apaziguando “o escândalo do ‘teatro sem apresentações’” (De Marinis, 2009, p. 173)21 21 Na versão em inglês: “the scandal of theatre without performances” (De Marinis, 2009, p. 173). . Do mesmo modo, a recorrente participação do grupo em festivais internacionais importantes dentro e fora do país - especialmente o grande evento internacional University of Research - e as frequentes entrevistas concedidas por Grotowski e seus companheiros ao longo da década de 1970 podem ser encaradas como decisões que certamente colaboraram para manter o destaque do grupo polonês e seu diretor no panorama artístico mundial, garantindo o subsídio governamental para as atividades promovidas, mesmo quando estas eram muito restritas e questionáveis. Também pode ser interpretado como outra estratégia política frente ao contexto histórico daquele momento o enorme cuidado na seleção dos participantes para os projetos parateatrais, pois, a partir de 1974, as atividades passaram a ser ‘abertas’ ao público e a abarcar um número significativamente maior de participantes (Kolankiewicz, 1978KOLANKIEWICZ, Leszek. On the Road to Active Culture: The Activities of Grotowski’s Theatre Laboratory Institute in the Years 1970-1977. Wrocław: Instytut Aktora-Teatr Laboratorium, 1978. (Brochura não publicada)., p. 16). Ao se procurar garantir que as pessoas selecionadas fossem irmãos, quer dizer, pessoas com uma visão de mundo parecida, que comungavam dos mesmos valores, da mesma busca filosófico-existencial que os membros do Teatro Laboratório, muito provavelmente se buscava não somente garantir que os participantes embarcariam nas propostas com maior empenho e integridade psicofísica, mas também evitava-se que pessoas perigosas, não gratas, tivessem acesso ao trabalho, como funcionários e autoridades do Partido ou críticos mais reacionários.

Em outra dimensão, as atividades parateatrais em si representaram um modo de oposição e resistência política ao regime comunista, pois criavam um espaço isolado e seguro, e também condições psíquicas para que cidadãos poloneses (especialmente jovens) pudessem vivenciar um grau maior de liberdade que lhes era suprimido na sociedade totalitária em que viviam naquele período, na década de 1970 (Slowiak; Cuesta, 2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. ). Ao propor atividades fechadas e que não resultavam em espetáculos públicos, evitava-se por completo o acesso dos “texugos”22 22 Nome dado às autoridades representativas do regime (Flaszen, 2015). do regime, bem como a censura ou qualquer tipo de controle externo que, como Grotowski mesmo confessou (Ahrne, 2009AHRNE, Marianne. The Man in Her Dream. In: ALLAIN, Paul. Grotowski’s Empty Room. London; New York: Seagull, 2009. P. 7-18., p. 219-220), era muito forte nas décadas de 1960 e 1970. Nas suas palavras: “[...] minha atenção se voltou para o fato de que podiam censurar peças, mas não ensaios. E os ensaios sempre foram a coisa mais importante para mim” (Grotowski apud Ahrne, 2009, p. 219-220)23 23 Na versão em inglês: “[...] my whole attention focused on the fact that you can censor a play but not rehearsals. And rehearsals have always been the most important thing for me”. . Entretanto, como apontou Taviani, não se tratava exatamente de transformar o teatro em refúgio ou de achar um refúgio no teatro, mas sim de adaptar suas necessidades como pesquisador às possibilidades oferecidas pelo contexto histórico no qual se estava inserido (Taviani, 2009TAVIANI, Ferdinando. Grotowski’s Double Vision. In: ALLAIN, Paul (Org.). Grotowski’s Empty Room . London; New York: Seagull, 2009. P. 116-148.). Nesse aspecto, não se tratava apenas de uma mera tática política, embora o fosse, e sim de necessidades artísticas concretas conjugadas com estratégias de sobrevivência. Corroborando com essa perspectiva, Flaszen afirma: “É uma ironia peculiar do destino que as pessoas de teatro, de instintos anarquistas inatos contra o poder, a ordem e os governantes, utilizem o apoio financeiro e a proteção dos poderosos... E eles têm de fazê-lo; esse é seu carma” (Flaszen, 2015, p. 321).

Também as múltiplas e paralelas atividades promovidas pelo Teatro Laboratório a partir de 1976 podem ser vistas como uma espécie de estratégia de blindagem para o novo projeto de pesquisa, o Teatro das Fontes. Da mesma forma que as apresentações de Apocalypsis cum Figuris mantinham a produção teatral do grupo publicamente ativa, a proliferação de atividades distintas e concomitantes organizadas pelo Teatro Laboratório sem um envolvimento muito direto de Grotowski - oficinas conduzidas individualmente ou em duplas pelos outros membros, novos projetos parateatrais e a nova peça Tânatos Polonês - garantiam legitimidade social ao trabalho do grupo como instituição financiada pelo Estado, enquanto Grotowski conduzia as expedições e investigações fechadas e restritas (Teatro das Fontes).

Assim, ao longo de sua trajetória, Grotowski adotou uma série de estratégias políticas que possibilitaram a continuidade e propagação das atividades de seu Teatro Laboratório, dentro e fora da Polônia. Por isso, pode-se afirmar que Grotowski foi um mestre no jogo político com o Olho específico do regime comunista, ganhando - e também perdendo - uma série de batalhas em prol de garantir não só a existência de seu grupo/instituto por mais de vinte e cinco anos, como também a realização de experiências artísticas - teatrais e parateatrais - que representavam um modo sofisticado e não óbvio de oposição/resistência cultural, num cenário sócio-político-econômico particularmente difícil, delicado e até perigoso.

Referências

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  • 1
    Como explica Prażmowska, durante o período da Guerra Fria, a Polônia foi o único país em que o regime comunista não conseguiu efetivamente reduzir a interferência e a influência da Igreja Católica nas questões políticas. Segunda a autora, isso se deveu ao fato não só da grande maioria dos poloneses ser católica, mas de haver uma associação histórica entre a identidade polonesa com essa religião. “The distinctiveness of the Polish situation was that to Poles the fight to maintain the Catholic Church influence in all aspects of life, spiritual and secular, was no less than a battle to retain the Polish national identity, if not for survival of the nation” (Tradução: “A distinção da situação polonesa era que, para os polacos, a luta para manter a influência da Igreja Católica em todos os aspectos da vida, espiritual e secular, não era menos que uma batalha para preservar a identidade nacional polonesa, senão para a sobrevivência da nação”) (Prażmowska, 2010, p. 203).
  • 2
    A União Soviética se opunha veementemente à formação do Estado de Israel, principalmente após o início dos conflitos entre árabes e judeus em 1967, na chamada Guerra dos Seis Dias, na qual o bloco soviético assumiu a posição e defesa dos árabes.
  • 3
    Na versão em inglês: “Strikes spread through the country and paralyzed the economy and daily life. The regime had no alternatives but open talks with strike committees, of which the Gdańsk committee was the most importante” (Prażmowska, 2010PRAŻMOWSKA, Anita. Poland: a Modern History. London; New York: I. B. Tauris, 2010., p. 208).
  • 4
    Na versão em inglês: “I left Poland because of the martial law that was proclaimed there. For me personally, it was an inevitable decision, because in such a situation there is an enormous difference between directing (as the other stage directors were doing) a theatre that does performance for a large national audience – even if it is financed by a state considered as oppressive – and to direct (as I was doing in this period) an international, closed laboratory, still using money of a country where martial law is in effect” (Grotowski apud Wolford, 1997WOLFORD, Lisa. Introduction: Objective Drama, 1983-86. In: SCHECHNER, Richard; WOLFORD, Lisa (Org.). The Grotowski Sourcebook . London; New York: Routledge , 1997. P. 283-293., p. 283).
  • 5
    Na versão em inglês: “[...] although the Gomułka regime was never as oppressive as the previous regime, it was still oppressive. Jerzy learned quickly that nothing could be done, that the system would always be oppressive”.
  • 6
    Na versão em inglês: “I had to say I was not political in order to be political” (Grotowski apud Findlay, 1997FINDLAY, Robert. Grotowski’s Laboratory Theatre dissolution and diaspora. In: SCHECHNER, Richards; WOLFORD, Lisa. The Grotowski Sourcebook. London; New York: Routledge, 1997. P. 172-188., p. 180).
  • 7
    Por exemplo, nas montagens de Kordian, Akropolis, Dr. Faustus, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris, abordam-se temas diretamente relacionados aos principais mitos e arquétipos da cosmogonia cristã.
  • 8
    O termo ketman vem do árabe kitman, significando encobrimento para autoproteção, isto é, apoiar os poderosos verbalmente enquanto se é secretamente de oposição.
  • 9
    Como relata no livro A terra de cinzas e diamantes, Barba viajou para: Viena, Roma, Zurique, Basileia, Genebra, Paris, Estocolmo, Copenhague e Oslo (Barba, 2006BARBA, Eugenio. A Terra de Cinzas e Diamantes. São Paulo: Perspectiva, 2006.).
  • 10
    Dentre as pessoas visitadas por Barba estavam James Hillman, Richard Schechner, Fernando Arrabal, Mircea Eliade e Raymonde Temkine (Barba, 2006).
  • 11
    As pessoas que embarcaram no ônibus para Lódz para assistir à apresentação de Dr. Fausto foram: Eduardo Manet (diretor do Festival del Teatro de las Naciones - Havana), Hubert Gignoux (diretor do Centre Dramatique de l’Est - Strasbourg), Kasja Krook (crítica teatral finlandesa), Raul Radice (crítico teatral italiano), Henry Popkin (jornalista americano), Kristin Olsoni (diretora finlandesa), Tone Brulin e Jan Christiaens (dramaturgos flamengos), Alan Seymour (dramaturgo australiano), Ingrid Luterkort e Palle Burnius (diretores suecos), Sveinn Eirnarsoon (diretor islandês), Jean Louis Roux (diretor canadense), René Hainaux (diretor belga) e Ossia Trilling (crítico inglês de origem polonesa).
  • 12
    Jornais como o The New York Times e revistas como Plays and Players e Encore.
  • 13
    Por exemplo, em 1966, houve uma apresentação de O Príncipe Constante no Théâtre des Nations, em Paris e, em 1968, uma apresentação de Akrópolis no Théâtre de l’Epée de Bois, também em Paris.
  • 14
    Em 1969, Apocalypsis cum Figuris recebeu o prêmio de melhor espetáculo Drama Desk e Ryszard Cieślak recebeu dois prêmios Obie, o de melhor ator e revelação mais promissora da década. Também nesse ano, os espetáculos do Teatro Laboratório foram ovacionados pela revista Times como os mais importantes da década (Slowiak; Cuesta, 2013SLOWIAK, James; CUESTA, Jairo. Jerzy Grotowski. São Paulo: É Realizações , 2013. , p. 54).
  • 15
    Towards a Poor Theatre foi publicado em 1968 pelo Odin Teatret e o livro reúne textos produzidos por diferentes autores (Jerzy Grotowski, Eugenio Barba e Ludwik Flaszen). São artigos publicados em jornais e revistas, transcrições de entrevistas concedidas por Grotowski na década de 1960 e textos que descrevem e analisam os espetáculos ou os treinamentos desenvolvidos pelo Teatro Laboratório. Como relata Osiński (1979OSIŃSKI, Zbigniew; BURZYNSKI, Tadeusz. Grotowski’s Laboratory. Warsaw: Interpress Publishers, 1979., p. 87), nas décadas de 1960 e 1970, o livro, traduzido em diversas línguas (no Brasil, como Em busca de um Teatro Pobre), transformou-se em uma espécie de bíblia do teatro moderno, uma vez que influenciou artistas e companhias em muitos países.
  • 16
    De 1959 a 1962, o grupo chamava-se Teatro das Treze Fileiras, passando, em 1962, para Teatro Laboratório das Treze Fileiras; depois, em 1964, passa a se chamar apenas Teatro Laboratório e, em seguida, Instituto de Pesquisa dos Métodos de Atuação – Teatro Laboratório, em 1967.
  • 17
    No texto Investigação Metódica, um dos capítulos do livro Em busca de um Teatro Pobre, Grotowski, para explicar os objetivos de seu instituto (mais conhecido como Teatro Laboratório), o compara com o Instituto Bohr. “O Instituto Bohr me fascinou durante muito tempo, como um modelo que ilustra um certo tipo de atividade. Claro, o teatro não é uma disciplina científica, muito menos a arte do ator, na qual minha atenção está centralizada” (Grotowski 1987GROTOWSKI, Jerzy. Em busca de um Teatro Pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.[1968], p. 102).
  • 18
    Na versão em inglês: “[...] it is clear that Grotowski does not personally care about this premiere [Apocalypsis cum Figuris] and that the work leading up to it is not in the least compelling for him. Rather, it is wearing him down. But he has to do something, for the situation of three years without a single premiere arouses the suspicion of outsiders – the authorities – and they are now categorically demanding to see some dividends from their donations” (Cynkutis, 2015, p. 53).
  • 19
    Na versão em inglês: “a love affair with communism”.
  • 20
    Na versão em inglês: “These people were public creatures. Their lifestyle justified the lifestyle of Party officials” (Tymicki, 1986TYMICKI, Jerzy. The Polish Theatre 1970-1985. TDR: The Drama Review , New York, New York University Press, v. 30, n. 3, p. 13-46, Autumn 1986. , p. 15).
  • 21
    Na versão em inglês: “the scandal of theatre without performances” (De Marinis, 2009DE MARINIS, Marco. The Theatrologist, The Spectator and The ‘Performing Arts’: Grotowski’’s and The Workcenter Challenge. In: ALLAIN, Paul (Org.). Grotowski’s Empty Room . London; New York: Seagull, 2009. P. 173-194., p. 173).
  • 22
    Nome dado às autoridades representativas do regime (Flaszen, 2015).
  • 23
    Na versão em inglês: “[...] my whole attention focused on the fact that you can censor a play but not rehearsals. And rehearsals have always been the most important thing for me”.
  • 40
    Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2018

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2017
  • Aceito
    01 Out 2017
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