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Um Diário de Gênese: L'Atelier Volant de Valère Novarina

A Diary of Genesis: L'Atelier Volant by Valère Novarina

Un Journal de Genèse: L'Atelier Volant de Valère Novarina

RESUMO

Este texto descreve e analisa o diário do escritor-dramaturgo Valère Novarina. Explora-se as anotações como registros do processo criativo que deu surgimento à peça L'Atelier Volant e descreve-se as inquietações e problematizações do autor em relação à primeira encenação. A partir da noção cunhada por Novarina de encenação, o texto mostra a inadequação das ideias do dramaturgo em relação ao teatro de seu tempo e como a encenação teve papel fundamental no trabalho dramatúrgico do autor.

Palavras-chave:
Teatro; Texto Teatral; Genética Teatral; Valère Novarina; Processos de Criação

ABSTRACT

This paper describes and analyses the diary of the writer and playwright Valère Novarina. It explores his notes as records of the creative process that originated the play L'Atelier Volant and describes the concerns and problematisations of the author with regard to the first staging the play. Based on Novarina's notion of staging, the text shows the inadequacy of the playwright's ideas in relation to the theatre of his time and the way this staging played a fundamental role in the author's dramaturgical work.

Keywords:
Theatre; Theatrical Text; Theatrical Genetics; Valère Novarina; Creative Processes

RÉSUMÉ

Ce texte propose une description et une analyse du journal de l'écrivain dramaturge Valère Novarina. Il explore ses annotations en tant que traces du processus de création qui a donné naissance à la pièce L'Atelier Volant, faisant ressortir les inquiétudes et les questionnements du dramaturge à propos de sa première mise en scène. Partant de la notion de mise en scène propre à Novarina, le texte montre l'inadéquation de ses idées par rapport au théâtre de son époque et le rôle fondamental de la mise en scène dans le travail dramaturgique de l'auteur.

Mots-clés:
Théâtre; Texte Théâtral; Génétique Théâtrale; Valère Novarina; Processus de Création

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Referências

  • GRÉSILLON, Almuth; THOMASSEAU, Jean-Marie. Scènes de Genèse Théâtrale. Genesis, Imec/Jean-Michel Place, n. 26, p. 19-34, 2005.
  • HERSANT, Céline. L'Atelier volant ou le théâtre de l'origine. Entrevista com Jean-Pierre Sarrazac. Europe, n. 880-881, p. 117-125, ago./set. 2002.
  • HERSANT, Céline. Recyclage et Fabrique Continue du Texte: Valère Novarina, Noëlle Renaude, Daniel Lemahieu. 2006. Tese (Doutorado em Etudes Théâtrales) - Université de la Sorbonne Nouvelle, Paris III, 2006.
  • NOVARINA, Valère. L'Atelier Volant. Travail Thêatral, n. 5, p. 46-87, out./dez. 1971.
  • NOVARINA, Valère. La Fuite de Bouche. Marseille: Jeanne Laffitte, 1978. (coleção Approches Répertoire, n. 1).
  • NOVARINA, Valère. Lettre aux Acteurs de l'Atelier Volant. Marseille: Jeanne Laffitte , 1976.
  • NOVARINA, Valère. Lettre aux Acteurs. Argo, Lausanne, n. 26, jan. 1979.
  • THOMASSEAU, Jean-MarieLes Manuscrits du ThéâtreEssai de Typologie. Littérature, Paris, n. 138, p. 97-118, jun. 2005.
  • THOMASSEAU, Jean-Marie. Un Journal de Genèse, L'Atelier Volant de Valère Novarina. Revue d'Histoire du Théâtre, Paris, Société d'Histoire du Théâtre, n. 249, p. 93-104, 2011.
  • 1
    Este texto é uma versão revisada traduzida do original em francês publicado em THOMASSEAU, Jean-Marie. Un Journal de Genèse, L'Atelier Volant de Valère Novarina. Revue d'Histoire du Théâtre, Paris, Société d'Histoire du Théâtre, n. 249, p. 93-104, 2011.
  • 2
    Toda a minha gratidão vai para Valère Novarina que, muito generosamente, colocou à minha disposição este diário íntimo, além de diversos outros documentos (correspondências, versões sucessivas, documentos diversos, entre os quais um Caderno de anotações para a encenação de La Fuite de Bouche) que acompanharam a criação e os ensaios de retomada de L'Atelier Volant. O manuscrito sobre o qual se apoia este estudo é apresentado sob a forma de um registro, revestido de uma capa dura de cor preta, formato 18,5cm x 30cm, tal qual os cadernos utilizados por comerciantes antes do advento dos computadores. As páginas são quadriculadas e numeradas de 1 a 299. O texto do autor, escrito em caneta-tinteiro, com letras bem estreitas, mas legíveis, começa bem no alto da página 1, na data de janeiro de 1972 e termina com dias, às vezes semanas e, mais para o fim, longos anos de interrupção, na página 106, em 29 de setembro de 2000, com uma última anotação. As páginas que tratam explicitamente da escrita e da encenação de L'Atelier Volant estão, na maior parte, nas páginas 1 (17 de janeiro de 1972) a 48, que trata, em 4 de janeiro de 1978, da estreia de La Fuite de Bouche em Marselha. No texto e nas notas, as referências a esse documento serão assinaladas como Diário. Anotaremos, para cada citação, a data em que foi escrito: as mudanças de ano serão assinaladas na primeira citação do ano em questão.
  • 3
    O leitor poderá consultar o texto mencionado sob o título: Les manuscrits du théâtre na revista Littérature, n. 138, junho de 2005, p. 97-118. Sobre a questão mais geral da genética teatral e suas questões, ele poderá examinar em: Almuth Grésillon; Jean-Marie Thomasseau, "Scènes de genèse théâtrale", Genesis, n. 26, Imec / Jean-Michel Place, 2005, p. 19-34.
  • 4
    Em um rascunho de carta sem data (1968) a Jean-Marie (Villegier), no qual trata de uma visita aos médicos militares, Novarina diz ter pensado no seguinte título: Monsieur Budet montre ses employés sur le théâtre. A primeira versão de L'Atelier Volant tinha realmente esse título: um dossiê dos arquivos de Novarina é inteiramente consagrado a isso. Na capa, escritas à mão pelo autor, estão as seguintes datas: 1966-1968 M. Budet/1968-1970 L'Atelier Volant. Monsieur Budet {...} foi entregue para leitura a Bernard Dort, primeiro leitor histórico de Novarina.
  • 5
    A carta de Roland Barthes é datada de 3 de maio (1969): "{...} eu encontro com o maior remorso que você deve imaginar o texto que você me enviou em dezembro. {...} eu fiquei impressionado com a melhora extraordinária do seu texto: é duro, cheio de uma fantasia incisiva extremamente saborosa: inteiramente enxugado e muito engraçado. Parece-me que ele é possível de ser montado". Novarina tinha enviado seu texto também a Michel Deguy, Roger Blin, Jean-Marie Villegier. Uma carta de Malik Aissaoui, dramaturgo argelino, datada de 19 de novembro de 1969 e dirigida a Novarina confirma: "Monnaie de Bouc. Roland Barthes. Ele leu a peça, mas rapidamente como eu lhe havia dito, ele estava viajando. Isto é o que ele me disse: a linguagem e a forma são ousadas {...} há uma faceta de teatro de marionetes {...}. Eu compreendo a sua vontade de montar a peça". Nessa correspondência em torno de L'Atelier Volant figura, ainda, uma breve, mas pertinente análise, não datada, de François Regnault, da qual poderíamos retirar as seguintes linhas: "peça, salvo o leitor (eu), que se inquieta com dois Caríbdis em uma navegação tão rabelaisiana. Uma delas de caráter cômico, na qual - raramente é verdade - mais de um ator sucumbirá durante a encenação, partindo mais de um espectador, no momento em que, capturado por uma réplica claramente alusiva, reconhecerá, sem a complacência do riso, sua íntima TV, seu sabonete, seu chapéu de praia. A outra, da própria escrita, mais Sula do que Caríbdis, me faz preferir as implacáveis dialéticas das primeiras cenas (da primeira parte), em que o alerta se adéqua ao demonstrado, aos foguetes que, sobretudo, se multiplicam, se contagiando, se explodindo uns aos outros quando o esplendor das girândolas e as peças pirotécnicas cai em confetes obscuros, confunde a língua e a linguagem e substitui o desvio pelo delírio, o casal protetor pelo louco, e no que diz respeito ao autor, o analista precioso pelo talentoso intempestivo".
  • 6
    N. T.: essa expressão francesa refere-se ao trabalho e exercício da voz no âmbito do espetáculo.
  • 7
    Nessa data, uma pré-publicação do texto de L'Atelier Volant havia saído no Travail thêatral, n. 5, outono de 1971, p. 46-87.
  • 8
    A estreia de L'Atelier Volant aconteceu na sexta-feira, 25 de janeiro de 1974, no teatro Jean Vilar de Suresnes, a última apresentação, após dez exibições, foi no domingo, 10 de fevereiro (Diário, 25 de janeiro - 10 de fevereiro). Os atores, nove no total, foram escolhidos conjuntamente por Valère Novarina e Jean-Pierre Sarrazac; tratava-se de Françoise Beliard, Monette Berthommier, Michel Berto, Arlette Bonnard, Sylvie Curtenaz, Stéphane Kosiak, François Kuki, Bernard Meulien e Alain Ollivier. O pintor Gauvin, que deveria colaborar mais tarde como cenógrafo em Drame de la vie e em Vous qui habitez le temps, era responsável pelo cenário e pelo figurino. Com o título - La Fuite de Bouche - em uma encenação de Bernard Ballet (cenário e figurino de Jacques Angeniol) e com algumas modificações, a obra é encenada no Teatro Nacional de Marselha, em 1978 (a estreia foi em 4 de janeiro) e depois publicada com esse título pela editora Jeanne Laffitte (coleção Approches "Répertoire", n. 1, 1º trimestre de 1978). Na edição do Théâtre, da editora P.O.L., em 1989, a peça retoma o seu título original: L'Atelier Volant. O Diário ainda faz referência a uma apresentação na Maison des Arts de Thonon, em 5 de março de 1974 e no Grenier de Toulouse. Após uma apresentação da obra diante dos "representantes do público", a direção decide anular as apresentações seguintes sem advertir Novarina (16 de março de 1974).
  • 9
    Lettre aux Acteurs teve duas pré-publicações parciais, em 1976, sob o título de Lettre aux Acteurs de l'Atelier Volant, em Approches, Marselha, fevereiro de 1976, p. 5 e em Ça, cinéma , Ed. Albatros, n. 9, p. 88-96. A primeira versão definitiva foi publicada em Argo, n. 26, Lausanne, 10 de janeiro de 1979. Essa mesma versão seria publicada em março do mesmo ano nas edições Énergumène.
  • 10
    Essas anotações acompanham um projeto com uma gravação de quarenta minutos, intitulado Action du trou de science, que deveria se desenrolar nas ruínas de Ris Orangis, mas não pode ser apresentado por conta da proibição oficial da representação nas ruínas. A performance foi proposta ao museu de ciências de Milão, em 25 de novembro de 1978, durante um colóquio, em péssimas condições técnicas. Novarina realizaria parcialmente esse desejo em 2007, em Avignon, em sua exposição na Capela do Milagre.
  • 11
    Grifo nosso.
  • 12
    Uma carta de Novarina a Christian (Prigent), de 25 de setembro de 1980, cujo rascunho está inserido no Diário esclarece em parte a função da leitura no desenrolar da obra: "{...} as leituras públicas só fazem sentido para mim se forem esgotantes. Que elas sejam realmente desgastantes, uma doação {...}. Eu decidi há muito tempo só fazê-las quando eu sentir necessidade".
  • 13
    A distribuição definitivamente fixada em 25 de janeiro de 1972 incluía, segundo o Diário: "Maréchal, Ts(illa) Chelton, Bolo {...} Jean Martin, (René-Jean) Chauffard, Denis Manuel et {...} Bérangère Dautun, Colette Berger, Rosy Varte".
  • 14
    As páginas 4 a 8 do Diário, que vão de 8 de fevereiro 1972 à 3 de junho de 1972 tratam, entre outros assuntos, dos detalhes desses episódios sem que tenha sido possível ao leitor desemaranhar todos os fios. Carta de Marcel Maréchal à Valère Novarina, de 17 de setembro de 1971: "me pediram para apresentar à France-Culture 3 textos que eu goste particularmente. Eu pensei na sua peça, é claro, para uma das três noites" (correspondência sobre L'Atelier Volant).
  • 15
    Uma carta de Malik Aissaoui em resposta à Novarina, o qual tinha lhe enviado seus textos, nos fala sobre a natureza das duas primeiras versões de L'Atelier Volant, ambas intituladas Monnaie de Bouc (um primeiro título, Monnaie de Singe, parece ter sido cogitado por Novarina em uma carta do mesmo correspondente em 18 de abril de 1969) para as quais ele sugere alterações (carta de 25 de junho de 1969). Malik Aissaoui propõe, ainda, a Novarina, em uma carta de 24 de fevereiro de 1970, incluída em uma correspondência intensa, um projeto detalhado de encenação para apresentações em Paris, projeto no qual, como na carta anterior, ele insiste no ritmo. Uma carta de 15 de abril sugere uma mudança de título; outra, de 6 de outubro, fala sobre L'Atelier Volant. O título foi claramente mudado entre essas duas datas (correspondência sobre L'Atelier Volant). Hoje, Novarina fala de uma verdadeira "crise do título" e de um título escolhido em extrema urgência.
  • 16
    "L'Atelier Volant ou le théâtre de l'origine", in Europe, "Valère Novarina", agosto-setembro de 2002, n. 880-881, p. 118. Sobre as tensões entre o autor e o diretor, Jean-Pierre Sarrazac escreve ainda: "{...} houve conflitos, tensões, nove atores para dirigir, e eu era um diretor muito novo; mas eu tinha fé absoluta, um entendimento sobre muitas coisas com Valère, especialmente no gestual" (Hersant, 2002). O fato da originalidade teatral de Novarina não ser percebida é evidenciado na resposta feita pelo punho de Luc de Goustine pela editora Seuil no envio do texto de L'Atelier Volant: "{...} o seu Atelier Volant nos interessou bastante. Talento e gosto na invenção verbal, um senso musical real e algumas situações dramáticas fortes, pertinentes nas suas sátiras, libertadoras na profusão dos grotescos. Nossas objeções: a linguagem e seus prazeres transbordam e sufocam muitas vezes a ação dramática sobre a qual deveria se articular à história? {...} eu sugiro que você defina melhor o enredo e torne a economia de linguagem mais eficaz" (correspondência sobre L'Atelier Volant - Carta de 6 de agosto de 1971).
  • 17
    O primeiro rastro da Lettre aux Acteurs aparece no Diário na data do 2 de dezembro de 1973: "eu datilografo espontaneamente algumas anotações para os atores sobre a 'respiração'{...}. Primeira experiência de escrita 'no fluxo' para esse tipo de texto {...}". No Caderno de anotações para a encenação de La Fuite de Bouche, em 1978, nós encontramos esta insólita anotação: "Lettre aux Acteurs - intitulá-la La feuille de Rose /La Fuite de Bouche seguida de La Feuille de Rose, aos atores". Em outro dossiê de título: "anotações para a encenação de L'Atelier Volant" (dezembro de 1973) composto alternadamente de textos datilografados e manuscritos, encontramos as seguintes reflexões: "{...} o que podemos dizer ao ator além de vá lá? {...} que os atores contem os seus corpos, todos eles escrevem os seus sonhos, é preciso que eles contem, nada avançará na teoria teatral a não ser através dos relatos dos atores (as assembleias do teatro deveriam ter sido dedicadas apenas a isso, ao invés do que fizeram os diretores, que vieram nos falar de corpo não-presente, do não-público".
  • 18
    Essas representações lionesas deram espaço à única crítica positiva e visionária, graças às palavras de Jean-Jacques Lerrant em Le Progès, de 22 de fevereiro de 1974: "{...} ouçamos este verbo suculento com suas extravagâncias excêntricas, suas tiradas que libertam fontes, tiradas estranhas porque nelas a lógica perde suas pedras brancas, mas nas quais adivinhamos, por vezes repentinamente, arquiteturas subterrâneas. Aí está realmente um autor. Jean-Pierre Sarrazac, diretor, o exibe e o serve, através de movimentos e piadas muito bem elaborados que questionam constantemente o próprio jogo, forçando-o a se inventar em uma irrealidade que é a realidade teatral mais colorida".
  • 19
    Hersant, 2002 in Europe, p. 122-123.
  • 20
    A tentativa foi feita por Céline Hersant, que utiliza na sua tese a noção de "reciclagem": Recyclage et fabrique continue du texte, Valère Novarina, Noëlle Renaude, Daniel Lemahieu, Thèse, Paris III (org. J.-P; Sarrazac), 2006.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2013

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2012
  • Aceito
    17 Mar 2013
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