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O Brincar da Criança Performer com Orixás: experienciações artísticas e afrorreferenciadas

Le Jeu de l’Enfant Performer avec des Orishas: expérienciations artistiques et afroréférencées

RESUMO

O Brincar da Criança Performer com Orixás: experienciações artísticas e afrorreferenciadas – Este artigo apresenta recortes de uma dissertação de mestrado em Artes Cênicas sobre performances dos corpos brincantes de crianças, na Educação Infantil, a partir do universo de orixás. Revela inicialmente as crianças participantes (NEI/Cap/UFRN), dialogando com autoras(es) como Marina Marcondes Machado (2010a; 2010b; 2015). Desenvolvem-se cruzamentos entre performance e infâncias, articulando uma metodologia afrobrincante com os protagonismos das crianças. Suas narrativas artísticas, afrorreferenciadas e performáticas suscitam reflexões contemporâneas, constituindo achados para esta discussão.

Palavras-chave:
Experiência; Arte; Criança Perfomer; Orixás; Educação Infantil

RÉSUMÉ

Le Jeu de l’Enfant Performer avec des Orishas: expérienciations artistiques et afroréférencées – Cet article présente des extraits d’un mémoire de Master en Arts scéniques sur les performances de corps d’enfants jouant, en Éducation des enfants, de l’univers des orishas. Il révèle au début des enfants participants (NEI/Cap/UFRN) qui dialoguent avec les auteur(e)s tel(le)s que Marina Marcondes Machado (2010a; 2010b; 2015). Il développe des croisements entre performance et enfances, articulant une méthodologie afro-ludique avec les protagonismes des enfants. Des narrations artistiques aux références afro dont les performances suscitent des refléxions contemporaines qui constituent des trouvailles pour cette discussion.

Mots-clés:
Expérience; Art; Enfant Performer; Orishas; Education des Enfants

ABSTRACT

The Playing of the Child Performer with Orixás: artistic and afro-referenced experimentations – This article presents excerpts from a master’s dissertation in Performing Arts about performances of children’s playing bodies, in Early Childhood Education, based on the Orixás universe. It initially reveals the participating children (NEI/Cap/UFRN), dialoguing with author(s) such as Marina Marcondes Machado (2010a; 2010b; 2015). It develops intersections between performance and childhoods, articulating an afro-playful methodology with the children’s protagonism. The artistic, afro-referenced and performative narratives of the authors raise contemporary considerations, providing findings for this discussion.

Keywords:
Experience; Art; Child-Performer; ‘Orixás’; Early Childhood Education

Introdução

Nesta escrita, estabelecemos diálogos com algumas experiências nos campos da arte e da educação com crianças, principalmente a partir de pesquisa desenvolvida por uma das autoras deste artigo, com orientação realizada pela coautora, no mestrado em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) (2018/2019).

A pesquisa empírica teve como objeto de estudo performances dos corpos brincantes de crianças em diálogo com elementos da cultura africana – a partir do universo de orixás da nação Yorubá1 1 Grupo étnico-linguístico do continente africano. Cultural e religiosamente, reverberaram no Brasil manifestações e cultos vinculados às divindades orixás, protetoras(es) da natureza. , na Educação Infantil – e ocorreu no Núcleo de Educação da Infância (NEI/Cap/UFRN), entre abril e junho de 2019.

A partir da pesquisa, revisitamos algumas reflexões teóricas e caminhos artísticos e metodológicos que foram desenvolvidos para, neste artigo, evidenciarmos o conceito de criança performer, de autoria de Marina Marcondes Machado (2010aMACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Perfomer. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115-137, 2010a. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11444. Acesso em: 1 mar. 2022.
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; 2010bMACHADO, Marina Marcondes. Dez passos adultos na direção da criança performer. In: CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 6., 2019, São Paulo. Anais [...]. Uberlândia: ABRACE, 2010b. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3729. Acesso em: 10 mar. 2022.
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; 2015MACHADO, Marina Marcondes. Só rodapés: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, 2015. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813/17060. Acesso em: 15 mar. 2022.
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). Assim, relacionamos esse conceito com algumas experienciações vivenciadas naquele contexto, partindo de uma questão-chave: como potencializar o encontro da criança performer com o universo de orixás?

Para tanto, apresentamos recortes de um dos capítulos da dissertação, focado no desenvolvimento da pesquisa de campo, na qual houve a participação de um grupo de 12 crianças, entre 5 e 6 anos, das quais 2 participantes eram crianças com deficiência: uma com Síndrome de Down e a outra com leve Transtorno do Espectro Autista (TEA). Também participaram diretamente do processo, junto com as crianças, duas professoras responsáveis pela turma.

Naquele contexto, propuseram-se oficinas ancoradas nas linguagens artísticas da dança, do teatro e da música, com desenvolvimento de metodologia afrobrincante: com os recursos lúdicos de afronarração de histórias (termo a ser explicitado posteriormente) e jogos/brincadeiras corporais.

Para articular no processo da pesquisa relações embebidas em pensamentos afrorreferenciados, foram criadas unidades circulares que trouxeram em sua essência as principais relações vivenciadas: Criança Artista, Criança Natureza, Criança Orixás e Criança Negritude. Para cada uma delas, afloraram reflexões a partir de suas características específicas e dos temas mais instigantes que emergiram durante o processo vivenciado.

Neste artigo, destacamos algumas vivências afrobrincantes referentes às três primeiras unidades: Criança Artista, expressa as experienciações das crianças com processos criativos a partir de elementos lúdicos e artísticos; Criança Natureza, visibiliza as experienciações das crianças com elementos e características vinculadas à natureza, tais como ar, terra, fogo, água e outros; Criança Orixás, refere-se às experienciações das crianças com as deusas e os deuses africanas(os), através da oralidade e da corporeidade, buscando estabelecer vínculos com a ancestralidade africana.

Na tessitura deste artigo as reflexões são embasadas em autores como Jorge Larrosa (2015)LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015., ao utilizar-se o conceito de experiência, Carolina Andrade e Kathya Godoy (2018)ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris Editora, 2018., ao gestarem-se possibilidades metodológicas em dança com crianças, Kiusam de Oliveira (2009OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Omo-oba: Histórias de princesas. Belo Horizonte: Mazza, 2009.; 2010OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Religiosidade de Matriz Africana: Desconstruindo Preconceitos. In: BRANDÃO, Ana; TRINDADE, Azoilda (Org.). Modos de brincar: caderno de atividades, saberes e fazeres. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010.), ao abordar-se ancestralidade e infâncias negras, dentre outros.

Iniciamos, portanto, com algumas provocações: é possível considerar infâncias no plural quando a maior parte da sociedade brasileira e dos modelos educacionais ocidentais excluem as diferenças? Como nós adultas (es/os) lidamos com crianças que apresentam características sociais, culturais, financeiras, físicas e psicológicas distintas das tidas como um padrão normativo? Estamos abertas (es/os) aos dizeres, fazeres e às culturas infantis? Em que medida respeitamos, valorizamos e evidenciamos os protagonismos das crianças?

Nesta ambiência, é importante destacar que as culturas infantis são compreendidas a partir de estudos da sociologia da infância, ao estabelecerse o termo culturas da infância. Este se refere ao que é produzido para as crianças (brinquedos, filmes, desenhos animados, livros, etc.), bem como ao que as próprias crianças criam e produzem a partir de seus dizeres, fazeres e experienciações (brincadeiras, jogos, etc.) nas interações com seus pares (Sarmento, 2003SARMENTO, Manoel José. Imaginário e culturas da infância. Cadernos de Educação, Pelotas, v. 12, n. 21, p. 51-69, 2003.). A sociologia da infância concebe as crianças como atores sociais, que possuem seus modos de vida próprios, suas culturas e que instauram um saber a partir de seus próprios protagonismos (Machado, 2015MACHADO, Marina Marcondes. Só rodapés: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, 2015. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813/17060. Acesso em: 15 mar. 2022.
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). Portanto, esse campo do conhecimento rompe com visões anteriores e pejorativas sobre as crianças.

Neste artigo utilizamos o termo culturas infantis como uma atualização de culturas da infância, uma demarcação plural das diversas crianças e suas expressões culturais, a partir de suas distintas realidades sociais, raciais, financeiras, dentre outras. Assim, possibilitar ir ao encontro de teorias e práticas que dimensionam o ser criança, considerando suas pluralidades e protagonismos, é buscar abrir mão de um pensamento e postura adultocêntrica que engessam o processo artístico e criativo com e para crianças.

Nesse compartilhamento de saberes, as crianças aqui em foco são aquelas que criam e produzem suas culturas e protagonizam suas vivências, com recorte em aspectos da cultura africana Yorubá, destacando-se as experienciações afrobrincantes dessas crianças com as divindades orixás. Que comece então a brincadeira!

Aproximações brincantes da criança performer

Para chegarmos ao cerne da temática deste artigo, é importante sublinhar alguns aspectos referentes ao termo performance, sendo suas definições diversas e até divergentes entre si. Dentro das perspectivas que acreditamos relacionarem-se ao que propomos neste artigo, aproximamo-nos inicialmente de Leda Maria Martins (2021)MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpotela. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021. ao refletir que os estudos das performances se apresentam como um campo multidisciplinar. A partir do diálogo com outros estudiosos, a autora explicita que, “[...] o termo performance é inclusivo e abriga uma ampla gama de ações e de eventos que requerem a presença viva do sujeito para sua realização e ou fruição [...]” (Martins, 2021, p. 39MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: Poéticas do corpotela. Rio de Janeiro: Editora Cobogó, 2021.).

A partir das contribuições de Eleonora Fabião (2009)FABIÃO, Eleonora. Performance, Teatro e Ensino: Poéticas e Políticas da Interdisciplinaridade. In: TELLES, Narciso; FLORENTINO, Adilson (Org.). Cartografias do Ensino do Teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009. P. 61-72., refletimos que a tentativa de definir o que é performance ou qual a sua origem pode reduzir seu potencial de intervenção artístico, social e político. Para a autora, a interdisciplinaridade presente na performance, “[...] não é um modismo, mas um caminho contemporâneo de potencialização política e poética” (Fabião, 2009, p. 71FABIÃO, Eleonora. Performance, Teatro e Ensino: Poéticas e Políticas da Interdisciplinaridade. In: TELLES, Narciso; FLORENTINO, Adilson (Org.). Cartografias do Ensino do Teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009. P. 61-72.) e que “[...] o performer não pretende exatamente comunicar um determinado conteúdo ao espectador, mas, acima de tudo, promover uma experiência através da qual conteúdos serão elaborados [...]” (Fabião, 2009, p. 71FABIÃO, Eleonora. Performance, Teatro e Ensino: Poéticas e Políticas da Interdisciplinaridade. In: TELLES, Narciso; FLORENTINO, Adilson (Org.). Cartografias do Ensino do Teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009. P. 61-72.).

Nessa contextualização, a mesma autora ainda propõe uma reflexão sobre a performance ao potencializar diálogos com alguns interesses temáticos deste artigo,

[...] Trata-se de uma forma de expressão tão híbrida e flexível que dribla definições rígidas de ‘arte’, ‘artista’, ‘espectador’ ou ‘cena’. Neste sentido, proponho, ao invés de uma investigação sobre o que significa a performance, uma reflexão sobre o que move a performance e o que a performance é capaz de mover [...] (Fabião, 2009, p. 63FABIÃO, Eleonora. Performance, Teatro e Ensino: Poéticas e Políticas da Interdisciplinaridade. In: TELLES, Narciso; FLORENTINO, Adilson (Org.). Cartografias do Ensino do Teatro. Uberlândia: EDUFU, 2009. P. 61-72.).

Nessa direção, estímulos, provocações, metodologias, epistemologias artísticas e afrorreferenciadas, propostas e vivenciadas na pesquisa de mestrado em Artes Cênicas (Braga, 2019BRAGA, Lia Franco. Performances de corpos brincantes: cultura africana e artes cênicas na educação infantil. 2019. 214 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.), evidenciaram experiências brincantes e performáticas das crianças. A partir da temática e do universo proposto, à medida que as crianças moveram e protagonizaram suas próprias experiências, houve aproximação e identificação com esse sentido da performance.

Machado (2010aMACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Perfomer. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115-137, 2010a. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11444. Acesso em: 1 mar. 2022.
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; 2015MACHADO, Marina Marcondes. Só rodapés: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, 2015. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813/17060. Acesso em: 15 mar. 2022.
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) nos convida a perceber a criança como performer, pois concebe que ela assume a sua presença e estado no mundo a partir de suas próprias experienciações. Assim, a criança expressa ser uma personagem ou o seu corpo é a própria dança e ritmo. Ela não falseia, ela é, nos seus próprios modos de criar, agir e assumir suas culturas infantis.

A performatividade das crianças pode abrir para nós, adultas(es/os), leques de possibilidades para intervenção e interação com elas, por vezes não preestabelecidos. Essa desestruturação dos modos adultocêntricos – que muitas vezes imperam nas relações de ensino – pode gestar e impulsionar outras experiências e trocas afetivas, desencadeando descoberta, inovação, experienciação, improvisação, criação e construção de potências, rumo à assunção da criança como performer,

Nessa chave é possível afirmar que a vida infantil é repleta de momentos de teatralidade e dramaticidade; situações que envolvem-na de tal modo que seu corpo adere às situações: a experiência é vivida com vigor e intensidade, tal como propõem os performers de diversas linguagens artísticas. Surge assim a seguinte indagação: seria a criança passível de imitar a arte performática, ou é o artista que busca o modo de ser e estar da criança e brinca, joga com o corpo, age por motivação intrínseca? [...] (Machado, 2010a, p. 121-122MACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Perfomer. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115-137, 2010a. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11444. Acesso em: 1 mar. 2022.
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).

A partir dessa provocação, refletimos que as crianças não estão preocupadas em imitar a arte performática, pois já a vivenciam intensamente em suas realidades. Acreditamos que, na relação criança-adulto, todos se beneficiam quando nós nos abrimos a aprender e compartilhar junto às crianças e, assim, experienciamos tempos, ritmos, estados brincantes e performáticos.

Buscando outras aproximações com o conceito de criança performer, também podemos nos relacionar e experienciar a compreensão de adulto performer, pois,

A criança performer é seu corpo total, sua corporalidade; ela é móvel, plástica, modelável: polimorfa; seu repertório é rico em teatralidade e musicalidade, nos sentidos contemporâneos dos termos: ela improvisa, ela encarna emoções em seu corpo, ela é capaz de fazer-se partitura enquanto usufrui a paisagem sonora dos lugares em que está [...] No campo da arte e educação, corresponde à criança performer: o adulto performer–par complementar de um novo modo de trabalhar com crianças, em que o foco é a criança mesma e o papel do adulto será de um propositor e observador de situações e ambientações, em nome da descoberta da criança de suas potencialidades, em contato com os âmbitos artístico-existenciais (Machado, 2015, p. 59MACHADO, Marina Marcondes. Só rodapés: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, 2015. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813/17060. Acesso em: 15 mar. 2022.
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).

No desenvolvimento da pesquisa de mestrado, foram vivenciados pela autora deste artigo momentos nos quais ela se disponibilizou a brincar e a jogar, com seu corpo-voz, com as crianças, ao dançar, teatralizar e performar com elas, e, ainda, evidenciando os seus protagonismos infantis.

Por exemplo, no jogo/brincadeira corporal Dançando com as(os) orixás, experienciado no contexto da unidade circular Criança Orixás, vivenciaramse seis danças: Iemanjá, Ogum, Oxum, Oxóssi, Oiá-Iansã e Xangô. E, antes de explicitar algumas dessas dinâmicas, destacaremos expressões que vão ao encontro da compreensão de que a criança é performer ao assumir/ser/vivenciar a própria personagem.

Inicialmente, no momento da dinâmica, as crianças foram indagadas sobre quem eram aquelas(es) orixás, baseadas nas afronarrações de histórias, anteriormente realizadas. Houve algumas expressões curiosas, como da menina Cachoeira2 2 Na pesquisa, as crianças escolheram seus nomes fictícios, com aproximações/características da natureza ou das próprias divindades. , ao identificar-se como Oxum – rainha e deusa das águas doces, dos rios, da cachoeira, da beleza, do amor e protetora das crianças –: “Eu sou ela!”. Ao ser reforçada a origem da deusa com as águas doces, o menino Oceano Tubarão Tigre disse para o menino Leão Fogo: “Então, agora eu sou Oxum, tá?”.

Essa introdução foi importante para o envolvimento das crianças com a posterior experimentação corporal, na qual primeiramente foram mostradas as danças das divindades, destacando-se alguns de seus elementos e símbolos. Como acompanhamento, músicas lúdicas abordavam cada orixá3 3 Algumas das músicas podem ser encontradas no CD Tempo de Brincar: Ciranda dos Orixás. Sorocaba: Tratore, 2017. 1 CD (51 min.). Outra canção, como Oiá, é do grupo Palavra Cantada, e outras, como São João, Xangô Menino, são letras de autoria de Caetano Veloso e Gilberto Gil. , de modo que as crianças foram estimuladas a brincar e dançar com as músicas ou como determinada divindade.

A partir de exemplos mediados pela autora/pesquisadora, as crianças imitavam algumas movimentações, como ao mirarem-se no espelho imaginário de Oxum e girarem. Também foram estimuladas a sentirem-se à vontade para experimentar e recriar as suas próprias maneiras de brincar dançando, como quando se introduziu o elemento do animal cavalo4 4 Em algumas vertentes religiosas, esse animal é associado ao orixá. para o orixá Ogum – guerreiro, ferreiro, valente, senhor do ferro, tecnologia e caminhos.

Naquele momento, o menino Leão Fogo fez uma movimentação de cavalgada e, depois, Oceano Tubarão Tigre sentou em cima do amigo. Os dois brincaram pelo espaço a partir daquela interação, como se o primeiro menino fosse o cavalo e, o segundo, um cavaleiro. Já em outros momentos desse orixá, eles e outras crianças brincaram dançando e representando esse guerreiro, a partir de sua dança vigorosa, com pulos, saltos e mãos de corte, que remetiam a um facão imaginário. Ao correrem, os meninos demonstraram uma espécie de luta, não entre si, mas com inimigos imaginários, e enquanto Leão Fogo soltou sons fortes, Oceano Tubarão Tigre, ao final, girou um pouco.

Já nas danças de Oiá-Iansã e Xangô, quando houve a narração e demonstração de suas danças e alguns símbolos, as crianças naturalmente experienciaram aquele momento. Por exemplo, na dança de Oiá-Iansã, a autora/pesquisadora expressou: “Ela é a menina dos ventos, dos raios… e também, ela se transforma no búfalo… Olha aqui como é que ela dança, ela dança muito rápido, com as mãos como se fossem os ventos, olha aqui... Lá vem Iansã muito forte... e ela roda no vento, muito linda!”.

A autora/pesquisadora, no momento de Xangô, demonstrou essa dança levantando as mãos para o alto, como se estivesse a segurar objetos imaginários – os machados da divindade. Depois, cruzou os braços em frente ao peito, e instigou o menino Leão Fogo a também realizar esse movimento, expressando: “Aí ele dança assim, ó, em volta do fogo, girando com as suas machadinhas [ela girou e as crianças giraram em volta dela], ele usa seu machado para atacar e defender”.

Para uma visualização mais brincante, a Figura 1 evidencia momentos experienciados e aqui relatados do jogo/brincadeira corporal Dançando com as(os) orixás, e, respectivamente, das danças de Oxum, Ogum, Oiá-Iansã e Xangô:

Figura 1
Dançando com as(os) orixás.

Nesse contexto, cabe dialogar com Oliveira (2010)OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Religiosidade de Matriz Africana: Desconstruindo Preconceitos. In: BRANDÃO, Ana; TRINDADE, Azoilda (Org.). Modos de brincar: caderno de atividades, saberes e fazeres. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010., quando a autora tece possibilidades de intervenção com crianças embasadas em elementos e pedagogias afrorreferenciadas,

A Dança Mítica dos Orixás traz, em seu bojo, a história do protagonismo feminino e negro na criação e manutenção do planeta Terra, as guerras vencidas, as conquistas de terras, a nobreza de mulheres e homens negros. É preciso que se tenha a noção de que, antes de se tornarem orixás, em solos africanos, tiveram uma história social para além da mitológica, que ficou mais conhecida. Nesse sentido, levar à escola uma professora [...] com esse conhecimento específico [...] capaz de mostrar o movimento da dança [...] feito por Oxum nas águas dos rios, se olhando no espelho enquanto penteava seus cabelos crespos; ou o movimento do rei Ogum quando, com um facão na mão, abria clareias nas florestas, pode ser uma brincadeira bem interessante: a professora faz os movimentos e os demais repetem. Além das explicações dos movimentos e seus significados associados aos elementos da natureza, o/a educador/a poderá contar algumas histórias, mitos afro-brasileiros para ilustrar a oficina de dança [...]. Será um momento pedagógico inesquecível (Oliveira, 2010, p. 63OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Religiosidade de Matriz Africana: Desconstruindo Preconceitos. In: BRANDÃO, Ana; TRINDADE, Azoilda (Org.). Modos de brincar: caderno de atividades, saberes e fazeres. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010.).

Esse, assim como outros momentos vivenciados na pesquisa, e alguns que ainda serão explicitados na tessitura desta escrita, apresentaram-se como ricas trocas afroafetuosas e poéticas, possibilitando que a autora/pesquisadora estivesse sempre atenta às culturas infantis e aos protagonismos daquelas crianças.

Quando nós professoras(es), educadoras(es) e pesquisadoras(es) compreendemos que as crianças manifestam um potencial de experienciação e criação brincante, podemos pensar e intervir de modo a mediar/facilitar seus processos de descobertas. Assim, apresentando-lhes caminhos artísticos e estéticos que mobilizam seus estados performáticos, através de linguagens como o teatro, a dança, entre outras, “No campo da linguagem teatral, podemos dizer que reconhecer a criança como ‘performer’ é dar a ela oportunidades de diferentes materiais e composições é o caminho para iniciá-la no fazer artístico e na apreciação estética [...]” (Machado, 2010b, p. 03MACHADO, Marina Marcondes. Dez passos adultos na direção da criança performer. In: CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 6., 2019, São Paulo. Anais [...]. Uberlândia: ABRACE, 2010b. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3729. Acesso em: 10 mar. 2022.
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).

Portanto, o fazer artístico e a apreciação estética podem abranger mundos plurais que dialogarão com as diversas realidades das crianças. Um processo mais democrático, inclusivo e aberto aos diálogos e às práticas com e para as crianças brincantes e performers, desbravadoras de suas próprias aventuras e potências lúdicas.

Potencializando as performances de crianças com metodologia afrobrincante

A autora deste artigo iniciou sua trajetória com crianças na época da graduação e de forma mais aprofundada na pesquisa de monografia, propondo estudos sobre os corpos brincantes de crianças na Educação Infantil, a partir da possibilidade de o corpo se tornar jogo, em contexto de mediação lúdica (jogos/brincadeiras corporais, entrelaçando teatro e dança) e das próprias experiências das crianças (Braga, 2017BRAGA, Lia Franco. Onde o corpo é jogo: uma mediação lúdica na Educação Infantil. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.).

A partir daquele momento, aproximou-se do autor Larrosa (2015)LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015., que traz à baila a relação experiência/sentido, muito pertinente, ao considerarmos os dizeres, fazeres, criações e experienciações de um determinado grupo. Em se tratando de pesquisas nas áreas de humanas e com crianças, um olhar mais sensível e uma postura atenta a essas especificidades se fazem necessários.

Para o autor, a relação experiência/sentido se configura como um campo fecundo para vivências instigantes. Em sua etimologia, a palavra experiência significa travessia e perigo, sendo necessário dar-se tempo/espaço para que ela ocorra e, assim, para que nos deixemos ser afetados por ela. O sentido é enfocado a partir do sujeito da experiência, considerando a abertura para a sua transformação e para o desconhecido: “É experiência aquilo que ‘nos passa’, ou que nos toca, ou que nos acontece, e, ao nos passar, nos forma e nos transforma. Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação” (Larrosa, 2015, p. 28LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.). Nesse ínterim, revisitamos:

Deixar que a intenção lúdica do jogador flua [...] segundo o tempo de cada criança e no seu espaço de entendimento, de identificação ou de vontade. Possibilitar que ela se sensibilize que seja afetada, que seja tocada a partir de sua própria interrupção. Que ela se desprenda da sua não vontade, sem forçá-la, sem ditar-lhe o momento nem muito menos como deve fazer. Deixar que o barco (jogos/brincadeiras corporais) siga o fluxo das águas (experimentações), e que seus marinheiros (crianças) possam vislumbrar um horizonte (criações), uma ‘terra à vista’ fértil para seus desbravamentos lúdicos (Braga, 2017, p. 93BRAGA, Lia Franco. Onde o corpo é jogo: uma mediação lúdica na Educação Infantil. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.).

As transformações, que podem ocorrer ao longo de pesquisas, apontam-nos possibilidades por vezes sutis ou intensas, flexíveis, porosas, sensíveis e instigantes. Estudos, pesquisas e vivências que envolvam crianças podem despertar em nós, adultas(es/os), uma necessidade de adaptação constante, pois a imprevisibilidade muitas vezes se faz presente. Dificilmente realizamos um planejamento tal qual o havíamos imaginado sem ressignificar ou mudar um detalhe que seja. É um desafio que nos tira da zona de conforto e nos convida a brincar performativamente a partir dos desafios propostos pelas crianças e seus protagonismos, muitas vezes inusitados,

[...] na medida em que os alunos são parte intrínseca de toda e qualquer performance vivida e/ou proposta por seu professor: momentos da convivência e da continuidade dos processos de conhecimento, nos quais o professor faz e comunica algo aos alunos, seja por meio de diferentes tipos de narrativas ou brincadeiras teatrais a serem experienciadas pelas crianças [...]; a criança que cria seu faz de conta e que o organiza durante uma aula de teatro, não exige de si nem do companheiro uma lógica formal; seja em termos de tempo, seja em termos de espaço, a criança modifica, quase, o tempo todo, seus roteiros de improviso, e aproxima, recorrentemente, suas narrativas teatrais da sua vida cotidiana (Machado, 2010a, p. 117-118MACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Perfomer. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115-137, 2010a. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11444. Acesso em: 1 mar. 2022.
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).

Com o desejo de continuar criando produções que visam envolver infâncias plurais e performáticas, a partir de 2016 a primeira autora deste artigo começou a desenvolver o projeto artístico-educacional Brincando com Africanidades. Nesse projeto, a partir da hibridização das linguagens artísticas do teatro, da dança e da música, trabalha-se a relação entre corpos brincantes e africanidades, com recorte no universo de orixás da nação Yorubá, principalmente para e com crianças, mas também em diálogos com o público adulto. Desde então ela intervém ou apresenta-se com oficinas, afronarrações de histórias e espetáculos cênicos, em espaços culturais e educacionais. Em 2018, criou o coletivo artístico Lia e os Erês, e, em 2020, seu canal no YouTube e perfil profissional no Instagram, com o mesmo nome5 5 Facebook e Instagram profissional: Lia e os Erês e @liaeoseres. YouTube: Lia e os Erês - YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCneMMAoo-0XgM85Sv-Z0t8g. .

A partir da pesquisa desenvolvida no mestrado, compreendemos que as vivências e sistematizações do projeto supracitado indicavam, processualmente, a criação e o desenvolvimento de uma metodologia que a primeira autora nomeia afrobrincante. Propõe esta um diálogo com perspectivas lúdicas e afrorreferenciadas e está em processo de construção. Caracteriza-se como uma ação socioeducativa e cultural no chão da escola e em outros espaços. Percorre-se, assim, um caminho que visa abordar negritudes e africanidades não de maneira isolada, descontextualizada ou apenas em datas comemorativas. Assim, constroem-se formas de intervenção a partir de epistemes lúdicas e negras, evidenciando-se a Arte como terreno fértil de sensibilização e mudança. Trata-se, principalmente, de uma ação decolonial6 6 Em síntese, pensamento teórico e metodologias que visam romper com a colonialidade, o que é posto como o belo, o certo, o valorizado histórica, social e culturalmente, no caso, o branco europeu. Propõe valorizar, visibilizar, enaltecer povos e epistemologias outras, marginalizados ao longo da história, como negros, indígenas, mulheres, dentre outros. , antirracista e que visa enaltecer nossas heranças negras e o protagonismo das infâncias. Com essa metodologia, crianças e adultas(es/os) poderão ampliar seus olhares, escutas, vivências, conhecimentos e saberes sobre essas temáticas.

Vale ressaltar que a metodologia afrobrincante se baseia na mandala dos valores civilizatórios afro-brasileiros, de autoria de Azoilda Loretto da Trindade, presente no material Modos de Brincar (Brandão; Trindade, 2010BRANDÃO, Ana; TRINDADE, Azoilda (Org.). Saberes e Fazeres. V. 5: Modos de Brincar. Rio de Janeiro: Fundação Roberto Marinho, 2010.), e que são: circularidade, religiosidade, corporeidade, musicalidade, cooperativismo/comunitarismo, ancestralidade, memória, ludicidade, energia vital (axé) e oralidade.

A partir das experienciações na pesquisa de mestrado, identificamos que tal metodologia intensificou e evidenciou os processos de protagonismo das crianças performers, na medida em que elas também foram corroborando com o desenho dessa proposta metodológica. As expressões, inquietações, desejos, envolvimento, encantamento e criações das crianças participantes da pesquisa tiveram importância para que a metodologia de fato se tornasse aberta, viva, pulsante, circular e não apenas um método fixo e fechado.

Revisitamos, por exemplo, alguns achados no jogo/brincadeira corporal Dançando com as(os) orixás, ao destacarem-se os movimentos suaves e ao mesmo tempo intensos das crianças quando, na dança de Oxum, a menina Cachoeira parecia nadar nas águas doces, e os meninos Oceano Tubarão Tigre e Leão Fogo embelezavam-se nos seus giros com espelhos imaginários. O menino Oceano Tubarão Tigre abriu os seus próprios caminhos com o facão imaginário do seu guerreiro Ogum, e até mesmo cavalgou com o seu cavalinho, performado pelo menino Leão Fogo. A menina Raposa parecia uma ventarola, com seus rápidos manejos de mãos, chicoteando o ar, fazendo intensos giros e pulinhos na sua dança de Oiá-Iansã (a “menina do vento”, nas palavras da própria Raposa). Já Leão Fogo, imageticamente lançou o fogo de Xangô pela boca, e as pedras e raios pelas mãos, às vezes até mesmo afirmando que ele era o próprio fogo; além disso, majestosamente guerreou como o rápido e intempestivo rei de Oyó – antiga cidade africana.

Em outro jogo/brincadeira corporal, Caminhando com diversas sensações, experienciado no contexto da unidade circular Criança Natureza, houve a experienciação de corporificar elementos da natureza. As crianças caminhavam a partir de uma música que era cantada pela autora/pesquisadora e respondiam corporalmente a vários estímulos; por exemplo, quando foi proposto que o sol estava muito quente, e que fazia muito calor: “Como é sentir calor sendo o sol?”. A maioria delas, ao aproximar-se da autora/pesquisadora, tremia e vibrava as mãos, e algumas faziam sons (de modo que a autora chegou a exclamar “Eita!”).

Continuando: “Agora… vocês estão muito, muito quentes e se transformaram no fogo!”, e elas correram, gritavam, algumas pulavam, e os meninos Gato Ninja do Fogo, Leão Fogo e Onça Preta simularam uma luta, em que o primeiro menino caiu no chão – passando a ideia de que tinha sido derrotado –, e ainda assim, antes da queda, lançou a energia de fogo com os braços e as mãos para cima. Onça Preta se agachou para ver o menino, assim como Leão Fogo. Este último tocou o menino deitado e disse: “Meu amigo!”, e depois se levantou, expressou algo e finalizou com sons e movimentos de luta.

As experienciações dos meninos remeteram ao orixá Xangô, não apenas por esta divindade manejar e controlar o elemento fogo, da natureza, mas também pela proposição das crianças, que lutaram umas com as outras. Ao lançar para cima essa energia, o menino Gato Ninja do Fogo aproximouse da imagem do rei, e vale ressaltar que Xangô é considerado também um grande guerreiro.

A partir das vivências dos jogos/brincadeiras corporais anteriormente explicitados, dialogamos com Andrade e Godoy (2018)ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris Editora, 2018., ao considerarem a importância de uma construção metodológica como abordagem da linguagem da dança com e para crianças. Construção esta que dialoga com uma proposição lúdica, como jogos e brincadeiras, dentre outros recursos, para as experiências dançadas nas infâncias. As autoras destacam que “O lúdico é um instrumento de desenvolvimento da linguagem da dança e do imaginário, e a criança, por meio do equilíbrio entre o real e a fantasia, pode aprender conceitos de maneira significativa [...]” (Andrade; Godoy, 2018, p. 62ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris Editora, 2018.). Nessa direção, refletem:

O resgate da imaginação facilita o processo de criação, e, por meio dele, a criança vivencia e experimenta muitos movimentos que podem modificar-se e adquirir características da linguagem da dança. Ou seja, podem transformar-se em dança dependendo da condução do professor. As brincadeiras, brinquedos e outros materiais de apoio também podem auxiliar nesse aprendizado, pois a criança descobre outras maneiras de movimentar o corpo, por meio de imitação de personagens e animais com seus gestos, posturas e expressões (Andrade; Godoy, 2018, p. 63ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris Editora, 2018.).

À medida que as crianças vivenciaram a metodologia afrobrincante performaram, teatralizaram e dançaram com o universo de orixás. Estas(es) pequenas(os) brincantes performers blindaram-se com escudos de guerreiras e guerreiros, embelezaram-se com espelhos de princesas e príncipes, coroaram-se como rainhas e reis, protagonizando jornadas lúdicas de heroínas e heróis negras e negros, de seus próprios destinos.

Afronarrações de histórias e as performances brincantes com crianças

Em 2021, a autora deste artigo tomou conhecimento do termo afronarração de histórias, ao participar de um curso ministrado pela multiartista e escritora Kiusam de Oliveira. Em linhas gerais, é uma forma de narrar histórias ancoradas em princípios afrorreferenciados, tais como: compreensão de África como berço da humanidade; rompimento com o ‘era uma vez’; uso de musicalidade e corporeidade; afronarrar histórias com valorização e protagonismo negro; aproximação de estéticas negras no cenário, figurino e objetos cênicos, dentre outros. Apesar de não ter tido contato com o termo na época da pesquisa de dissertação, compreendemos que algo similar já vinha sendo desenvolvido nas contações de histórias nessa perspectiva.

Outra fonte de inspiração, também aliada à perspectiva das afronarrações, é a figura dos griôs e das griotes africanos(as). Vale ressaltar que este é um termo advindo do processo de colonização francês em alguns territórios do continente africano. Para algumas etnias, esses(as) exímios(as) contadores(as) de histórias são chamados de diéli, para os Mali, e gewalos, para os Bambara. Também medeiam conflitos, perpassam e retroalimentam toda uma tradição de histórias de suas dinastias e povos, ressaltando suas culturas, visões de mundo e expressões próprias, ao preservar seus legados. Artistas, que cantam, dançam, tocam instrumentos musicais. Possuem uma sagrada e profunda relação com a palavra, carregada de força, ancestralidade e espiritualidade (Lima; Hernandez, 2010LIMA, Heloisa Pires; HERNANDEZ, Leila Leite. Toques de Griô: memórias sobre contadores de histórias africanos. São Paulo: Melhoramentos, 2010.).

Compreendemos que, ao narrar os mitos escolhidos, nesta pulsação afrobrincante, há uma movimentação em direção ao rememoramento do que está inscrito nas histórias corporais individuais e coletivas, abrindo-nos para possibilidades imaginativas e criativas. Assim, na qualidade de contadoras(es) de histórias, podemos criar ou possivelmente dar formas ao invisível, ao soprarmos ou desenharmos palavras no ar, para tornar críveis as histórias que queremos contar. Nesse sentido, revisitamos aspectos da dissertação de mestrado:

No momento frenético em que me descobri como contadora de histórias fui engolindo e sendo engolida pelas histórias. Tenho a necessidade de abocanhar as palavras e deixar que se vistam de meu corpo, pintem-no e enfeitem-no de maneira versátil. A palavra-corpo para mim é como a correnteza dos rios ou as ondas do mar, pois, ondulando, cria movimentos, ora sutis, ora intensos, um mergulhar interno e externo de múltiplas palavras e sensações. Quando encarno a palavra, não sou somente eu que recrio as histórias: os meus ancestrais africanos também falam, brincam e dançam comigo, através de mim (Braga, 2019, p. 124BRAGA, Lia Franco. Performances de corpos brincantes: cultura africana e artes cênicas na educação infantil. 2019. 214 f. Dissertação (Mestrado em Artes Cênicas) – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2019.).

A partir desse contexto, evidenciaremos alguns momentos a partir das afronarrações de histórias e também de um processo de aproximação, experienciação, encantamento e identificação das crianças com algumas(uns) orixás.

Em uma das oficinas, na afronarração da história Os Ibejis são transformados numa estatueta (Prandi, 2001PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.), apresentada no contexto da unidade circular Criança Artista, um dos irmãos gêmeos Ibejis caiu em uma cachoeira, foi levado pela correnteza e morreu; houve demonstração da cena com a movimentação de um dos dois bonecos que foi utilizado para representar esse orixá.

A menina Gatinha Folha se aproximou devagar e, decidida, pegou o boneco que estava no chão, levou-o para trás de uma bolsa de palha – que integrava os materiais e o cenário – e, ao retornar, disse: “Tá lá enterrado!”. Uma das professoras responsáveis pela turma acompanhava a pesquisa naquele dia e chamou a atenção da menina, para que ela voltasse ao seu lugar; Gatinha Folha correu para verificar se o boneco estava no mesmo lugar que ela o havia deixado, e só depois voltou para perto das outras crianças.

Ao verificar que o boneco estava seguro atrás da bolsa, é possível estabelecer um elo entre a situação do enterro do boneco, performada pela menina, com a reflexão de Machado (2010a)MACHADO, Marina Marcondes. A Criança é Perfomer. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 35, n. 2, p. 115-137, 2010a. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/11444. Acesso em: 1 mar. 2022.
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sobre a “aderência às situações” das crianças, que as impedem de representar o mundo, e que as leva, por consequência, a vivenciá-lo em sua integralidade e totalidade.

Em outra oficina, a autora/pesquisadora utilizou experienciação corporal dentro do contexto da afronarração de histórias Iemanjá e o poder da criação do mundo (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Omo-oba: Histórias de princesas. Belo Horizonte: Mazza, 2009.), apresentada no contexto da unidade circular Criança Natureza. Resumidamente, essa história demonstra os desafios que Iemanjá – rainha dos mares, considerada a mãe de todos –, quando criança, enfrentou e vivenciou, como alguns sentimentos como a solidão. Ela encontrou o poder de superação dentro de si, e também o poder de criar e dar vida a elementos da natureza e outras(os) orixás com a ajuda do deus criador para o povo Yorubá.

Em uma determinada situação da história, Olodumare/Olorum – deus supremo e criador –, vendo a tristeza da menina, coloca as mãos em sua barriga, que cresce muito, e lhe diz para ela não falar nada, apenas abrir a sua boca. E “da boca encantada da menina Iemanjá... surgiram muitas estrelinhas [...]”.

Enquanto a autora/pesquisadora representava Iemanjá, a personagem menina interagia com as crianças, perguntando quem gostava de girar; várias responderam “eu”, e o menino Onça Preta girou em seu próprio eixo, em cima de uma almofada, e depois caiu em cima dela dizendo “Gira, gira, gira!”. A personagem convidou então as crianças para irem a outro lugar da sala, por conta do espaço. Ao perguntar se as crianças poderiam brincar com ela (a personagem), todas afirmaram que sim, e ela passou a explicar-lhes como ocorreria a brincadeira: a personagem cantaria uma música e, na hora que falasse as palavras “Brilha, brilha”, as crianças iriam girar, devagar, para que ninguém se machucasse. “E... brilha, brilha, brilha, estrelinha. Brilha, brilha, brilha, estrelinha. Brilha, brilha, brilha, estrelinha assim como um raio de sol [ritmo devagar]. E... brilha, brilha, brilha, estrelinha. Brilha, brilha, brilha, estrelinha. Brilha, brilha, brilha, estrelinha... e parou! [ritmo rápido]”.

A personagem e as crianças giraram, algumas mais devagar, outras mais rápido, de maneira muito divertida; a maioria em seu próprio eixo, mas o menino Leão Fogo saiu um pouco do seu centro girando com os braços abertos e de forma lateral, bem como o menino Onça Preta, que girou bem rápido quando a música aumentou a velocidade. Ao final, todas as crianças pararam prontamente e ficaram firmes em seus locais, já os meninos Onça Preta e Leão Fogo continuaram girando por um tempo e expressaram que estavam tontos, então lhes foi solicitado que se sentassem.

Em outra oficina, após um primeiro momento com música, iniciou-se a afronarração da história Oxum e seu mistério (Oliveira, 2009OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Omo-oba: Histórias de princesas. Belo Horizonte: Mazza, 2009.), apresentada no contexto da unidade circular Criança Orixá. Naquele momento, houve acompanhamento do livro, apresentando inicialmente as personagens principais da história, Oxum e Ogum.

No decorrer das oficinas, as crianças em vários momentos pediam para representarem as personagens das histórias. Nesse dia foi combinado que isso ocorreria e, enquanto houvesse a narração, elas entrariam em ação. Após um momento inicial de indecisão das crianças, acerca de quem iria representar a deusa Oxum, como a menina Cachoeira desde o princípio expressou com muita animação que ela queria ser a deusa, ela foi chamada.

No começo, quando Cachoeira entrou em ação, a autora/pesquisadora segurou na mão dela, para centralizá-la, e a menina fez um pouco a voz da personagem e as ações de mexer os dedos. Na hora que houve a narração e indicação das ações à menina – “Oxum vestiu uma saia com cinco lenços pendurados e perfumados que, com o vento, esvoaçavam. Tirou seu adê, sua coroa, soltou seus lindos cabelos negros e crespos e colocou os pés em contato com a terra [...]” (Oliveira, 2009, p. 20OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Omo-oba: Histórias de princesas. Belo Horizonte: Mazza, 2009.) –, ela propôs uma dança.

Ela soltou um som que lembrou o vento, ao tomar impulso com os pés e as pernas, que primeiramente tocavam o chão, o que fez com que suas pernas ficassem flexionadas e depois uma delas fosse para o alto, enquanto a outra dava-lhe apoio ao tocar o chão, momento observado na Figura 2:

Figura 2
Menina Cachoeira dança como Oxum.

Os seus cabelos esvoaçavam e ela dava giros, várias vezes, a partir dos impulsos que se repetiam, e demonstrava uma dança com movimentos livres e circulares, em volta de si mesma e também se deslocando pelo espaço, com braços para o lado e às vezes para cima, em um desenho redondo.

Dando continuidade à história, em um determinando momento Oxum avista a cabana de Ogum e, fingindo não o ver, põe-se a dançar. A menina Cachoeira propôs uma movimentação próxima à da sua primeira dança, com a diferença de que ela dançou mais para a lateral; e, como o próprio texto propõe, “começou a dançar com a graça das águas calmas, delicada... suave... num leve vai e vem” (Oliveira, 2009, p. 21OLIVEIRA, Kiusam Regina de. Omo-oba: Histórias de princesas. Belo Horizonte: Mazza, 2009.). Então ela fez movimentos mais suaves e lentos, e, por vezes, os braços iam para cima e agarravam a sua barriga, cintura e pernas, e seus pés acompanhavam a inclinação de seu corpo, para um lado e depois para o outro.

Com os estímulos das afronarrações de histórias e contextualização metodológica com brincadeiras dançadas para as crianças, especialmente na vivência da menina Cachoeira com a dança de Oxum, revisitamos as considerações de Andrade e Godoy (2018, p. 56)ANDRADE, Carolina Romano de; GODOY, Kathya Maria Ayres de. Dança com crianças: propostas, ensino e possibilidades. Curitiba: Appris Editora, 2018., que explicitam que “A brincadeira como recurso pedagógico na dança permite que a criança seja produtora e protagonista de diferentes formas de execuções do movimento com a função de experienciar, criar e traçar relações artísticas e estéticas com o mundo”.

Ao analisarmos algumas características da dança de Oxum, é possível observar que a menina Cachoeira improvisou, experienciou e criou uma dança com alguns elementos característicos da dança dessa orixá. Com a graça e a beleza dos giros e movimentos circulares, dentre outros, a menina Cachoeira dançava livremente como em um balançar suave das águas doces das cachoeiras ou dos rios. Portanto, ela performou estados aquáticos da divindade Oxum, sendo a própria menina, naquele momento, um corpo-riocachoeira-natureza em estado de encantamento e sintonia com a deusa.

A partir desses momentos vivenciados e explicitados, dialogamos com Machado (2010b)MACHADO, Marina Marcondes. Dez passos adultos na direção da criança performer. In: CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 6., 2019, São Paulo. Anais [...]. Uberlândia: ABRACE, 2010b. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3729. Acesso em: 10 mar. 2022.
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, quando sugere passos adultos na direção da criança performer:

[...] Esclareço que ‘atos performativos’ constituem toda e qualquer ação da criança que se mostre repleta de expressividade: seja um grito, um pulo, um dizer, um desenho, um bocejo... Terceiro passo: Positivar os atos performativos. Cabe ao adulto ‘ler’ a corporalidade da criança de maneira sensível, inteligente e ‘total’. Essa leitura positiva seus modos de ser e estar, ou seja, dá aval e importância à comunicação da criança nesta linguagem, e não procura o que ali não está (conduta que negativa a maneira de ser das crianças, ao esperar dela outra coisa). Quarto passo: Inventariar os modos de ser e estar das crianças. Inventariar significa perceber, listar, registrar em palavra. Esta inventariação possibilita ao adulto colecionar atitudes, comportamentos, reações, performances da criança de maneira a enriquecer o significado dado pelo adulto a cada modo de ser (Machado, 2010b, p. 03MACHADO, Marina Marcondes. Dez passos adultos na direção da criança performer. In: CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 6., 2019, São Paulo. Anais [...]. Uberlândia: ABRACE, 2010b. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3729. Acesso em: 10 mar. 2022.
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).

As afronarrações de histórias, como um dos recursos lúdicos utilizados na metodologia afrobrincante, proposta na pesquisa, impulsionaram processos híbridos das crianças performers com seus corpos mergulhados no universo das divindades orixás. Esse encantamento proporcionou que a autora/pesquisadora e as crianças fossem atravessadas pela experiência da pesquisa, a partir de tempos outros de olhar, observar, pausar, contemplar, sentir, jogar, brincar, dançar, teatralizar, performar, cultivando a arte do encontro e nos dando tempo e espaço (Larrosa, 2015LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In: LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.).

Com as proposições lúdicas e corporais, as crianças imergiram em cheiros e cores e nas florestas afroancestrais, nas quais deusas e deuses dominam e manejam as águas, o fogo e outros elementos da natureza. Nessa ambiência, as pequenas e os pequenos brincantes, como estrelas, brilharam no céu, e sorriram, correram, giraram e rodopiaram, além de dançarem e moverem-se como águas doces de encantamento.

Considerações finais

As temáticas contextualizadas neste artigo, a partir das revisitações de experiências e pesquisas desenvolvidas com e para crianças, procuraram tecer um horizonte plural, artístico, afrorreferenciado e decolonial. Esse horizonte versa com propostas e caminhos teórico-metodológicos que evidenciam o conceito de criança performer entrecruzado com experiências brincantes a partir do encantamento de orixás na Educação Infantil.

As proposições aqui destacadas valorizam os protagonismos e as culturas infantis, caminhando na direção de concepções contemporâneas, como a de criança performer, potencializando outras formas de experienciar o ensino e a aprendizagem. Formas que nos levam a repensar o nosso fazer artísticopedagógico como professoras-performers. Assim, propomos, descobrimos, construímos, criamos, deixamo-nos ser atravessadas(es/os), além de movermos experiências com as crianças e principalmente sermos por elas provocadas(es/os).

No contexto da pesquisa de mestrado, as crianças, ao brincarem, teatralizarem, dançarem e performarem, também criaram seus próprios modos e dinâmicas de se relacionarem com orixás, muitas vezes afirmando serem/performando determinada divindade ou personificando-se como determinado animal de um orixá.

Uma pulsante e latente imbricação entre vida, arte e brincadeira impulsionou a imersão nas experiências das crianças, a partir de uma metodologia afrobrincante. Evidenciou-se que epistemologias artísticas e afrorreferenciadas proporcionam estados de interação, descoberta e trocas entre as crianças performers e o tema abordado na pesquisa.

Compreendemos, portanto, que essa metodologia potencializou o encontro da criança performer com o universo de orixás, destacando-se nesta escrita algumas experienciações destas(es) pequenas(os) brincantes. A hibridização entre dança, teatro e música, através dos jogos/brincadeiras corporais e das afronarrações de histórias, estimularam descobertas lúdicas e performances afrobrincantes, com a criação de repertórios artísticos das crianças junto aos orixás e também com a pesquisadora-performer.

Nesse sentido, revelaram-se alguns achados imbricados a partir de algumas unidades circulares criadas como uma forma de sistematização deste estudo. A relação entre as experienciações e os achados, por meio da riqueza vivenciada no contexto das unidades circulares, provoca em nós questionamentos acerca de um pensamento e uma prática adultocêntrica com crianças. Assim, proporcionam-nos aberturas para encontros que abraçam experiências com infâncias plurais, evidenciando os protagonismos, os dizeres, os fazeres e as culturas infantis.

A escrita deste artigo nos fez reviver todo o processo de elaboração da dissertação de mestrado e ao mesmo tempo foi uma oportunidade de agregar novos conhecimentos e experiências, revisitando alguns autores e enlaçando outros. Esse movimento nos faz despertar que o processo de conhecimento é marcado por idas e vindas, imbricando teoria e empiria a partir de aberturas e construções conjuntas.

Por fim, trilhar caminhos junto às crianças nos oportuniza aprender com elas e com seus saberes, dizeres, fazeres, expressões e culturas. Compreender que existem diversas infâncias em nossa sociedade nos estimula a um olhar e postura crítica e respeitosa frente aos inúmeros processos de invisibilização e de temáticas ainda consideradas como temas tabus: infâncias plurais vinculadas às performatividades artísticas, ancestralidades e culturas africanas.

Notas

  • 1
    Grupo étnico-linguístico do continente africano. Cultural e religiosamente, reverberaram no Brasil manifestações e cultos vinculados às divindades orixás, protetoras(es) da natureza.
  • 2
    Na pesquisa, as crianças escolheram seus nomes fictícios, com aproximações/características da natureza ou das próprias divindades.
  • 3
    Algumas das músicas podem ser encontradas no CD Tempo de Brincar: Ciranda dos Orixás. Sorocaba: Tratore, 2017. 1 CD (51 min.). Outra canção, como Oiá, é do grupo Palavra Cantada, e outras, como São João, Xangô Menino, são letras de autoria de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
  • 4
    Em algumas vertentes religiosas, esse animal é associado ao orixá.
  • 5
    Facebook e Instagram profissional: Lia e os Erês e @liaeoseres. YouTube: Lia e os Erês - YouTube: https://www.youtube.com/channel/UCneMMAoo-0XgM85Sv-Z0t8g.
  • 6
    Em síntese, pensamento teórico e metodologias que visam romper com a colonialidade, o que é posto como o belo, o certo, o valorizado histórica, social e culturalmente, no caso, o branco europeu. Propõe valorizar, visibilizar, enaltecer povos e epistemologias outras, marginalizados ao longo da história, como negros, indígenas, mulheres, dentre outros.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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  • MACHADO, Marina Marcondes. Dez passos adultos na direção da criança performer. In: CONGRESSO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS, 6., 2019, São Paulo. Anais [...] Uberlândia: ABRACE, 2010b. Disponível em: https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/abrace/article/view/3729 Acesso em: 10 mar. 2022.
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  • MACHADO, Marina Marcondes. Só rodapés: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Rascunhos, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 53-67, 2015. Disponível em: http://www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813/17060 Acesso em: 15 mar. 2022.
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Editado por

Editoras responsáveis: Taís Ferreira; Melissa Ferreira; Fabiana de Amorim Marcello

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2022
  • Aceito
    13 Set 2022
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