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Os Cantos de Experiências Negras: consonâncias e dissonâncias no percurso entre Grotowski e o Workcenter

Les Chants des Expériences Noires: consonances et dissonances dans le parcours entre Grotowski et le Workcenter

RESUMO

Propõe-se no artigo observar o papel dos cantos africano-diaspóricos no trabalho de Jerzy Grotowski e no âmbito das pesquisas continuadas no Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards. Reflete-se sobre os cantos a partir de suas potências epistemológicas e políticas e como elementos fundamentais para uma discursividade étnico-racial nos estudos sobre essa importante obra no campo das artes performativas. A noção de cantos de experiências negras propõe a compreensão do termo cantos de tradição, central na obra grotowskiana, como meios de comunicação de vivências diaspóricas e afrodescendentes, contrária ao uso unicamente instrumental e acrítico dessas tecnologias performativas.

Palavras-chave:
Cantos de Tradição; Relações Étnico-Raciais; Interculturalidade; Poética Diaspórica; Performatividades Afrodescendentes

RÉSUMÉ

Il est propose dans l’article d’observer le rôle des chants afro-diasporiques dans le travail de Jerzy Grotowski et dans le cadre des recherches poursuivies au Workcenter de Jerzy Grotowski et Thomas Richards. Nous réfléchissons sur les chansons à partir de leurs puissances épistémologiques et politiques et en tant qu’éléments fondamentaux pour une discursivité ethnique-raciale dans les études de cette importante œuvre dans le domaine des arts performants. La notion de chants d’expériences noires propose d’appréhender le terme chants de tradition, central dans l’œuvre de Grotowski, comme moyen de communication d’expériences diasporiques et afrodescendantes, contrairement à l’utilisation uniquement instrumentale et non critique de ces technologies performatives.

Mots-clés:
Chants de la Tradition; Relations Ethnique-Raciales; Interculturalité; Poétique Diasporique; Performativités Afro-Descendantes

ABSTRACT

It is proposed in the paper to observe the role of African-diasporic songs in the work of Jerzy Grotowski and in the context of continued research at the Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards. We reflect on the songs from their epistemological and political potencies and as fundamental elements for an ethnic-racial discursivity in studies of this important work in the field of performing arts. The notion of songs of black experiences proposes the understanding of the term tradition songs, central in Grotowski’s work, as means of communication of diasporic and Afro-descendant experiences, contrary to the solely instrumental and uncritical use of these performative technologies.

Keywords:
Songs of Tradition; Ethnic-Racial Relations; Interculturality; Diasporic Poetics; Afro-Descendant Performativities

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Desde o início deste século, com o acesso cada vez maior aos meios de formação e de informação, e através de uma crítica aguda à historiografia, pensamento e produção teatral, artistas e pesquisadores cênicos negres têm conseguido identificar os epistemicídios provocados pela hegemonia do pensar-fazer eurocêntrico. Nesse exercício, analisam as sofisticações dos modos de operação que a colonialidade também colocou sobre as narrativas de pesquisa e criação teatral, sobretudo quando nos confrontamos com as poéticas construídas a partir das relações interculturais e de experiências transculturais.

É como parte desse fluxo reivindicatório de outras percepções sobre essas narrativas que trazemos uma problematização do uso dos cantos de tradição africano-diaspórica dentro do projeto artístico-humanístico da obra pós-teatral de Jerzy Grotowski, incluindo sua continuidade, ainda que transformada, nos caminhos autônomos de pesquisa e criação do Workcenter of Jerzy Grotowski and Thomas Richards.

Jerzy Grotowski (Rzeszów/Polônia, 1933 – Pontedera/Itália, 1999), diretor teatral e pesquisador das artes performativas, representou uma revolução no teatro ocidental, a partir das propostas que formulou no campo teórico-prático que denominou Teatro Pobre, centrado na figura do ator como fundamento da cena e no espetáculo como dispositivo especial para o encontro com o espectador. Assim, segundo um preciso método de trabalho, que visava a plenitude da organicidade psicofísica do/da atuante, alcançava-se a quebra total de máscaras de comportamento, o que reverberaria no público, tocando no inconsciente coletivo social. Seu trabalho como diretor no campo convencional do espetáculo, que durou entre 1957 e 1969, transformou a pedagogia teatral, os modos de criação e produção através da noção de teatro como laboratório de pesquisa, aprofundou a noção de ofício e ética no teatro de grupo e expandiu as possibilidades poéticas de encenação ao considerar a perspectiva do espectador no espaço da ação. A radicalidade do seu trabalho pode ser vista em espetáculos históricos, como Akropolis, Dr. Faustus, O Príncipe Constante e Apocalypsis cum Figuris, concebidos no âmbito artístico da equipe identificada genericamente como Teatro Laboratório, ao longo de suas diferentes fases, nomeações, localizações (inicialmente na cidade de Opole, depois em Wroclaw, ambas na Polônia) e formações.

Sua busca, que consistiu no estudo das formas performativas e do ser humano em situação de performance como caminhos de conhecimento de si e de transcendência pelas potências da vitalidade do ser e imanência de suas origens culturais, levou-o ao rompimento com a produção de espetáculos em 1972, ano que iniciou a segunda grande fase de sua obra, nomeada como pós-teatral, e que se seguiu até a sua morte. Nesse período é comum a seguinte divisão: Parateatro (1969-78); paralela e simultaneamente, o Teatro das Fontes (1976-82); em seguida, o Drama Objetivo (1983-86), e, por fim, a Arte como Veículo, iniciada com a fundação do Workcenter of Jerzy Grotowski em 1986, na pequena comuna italiana de Pontedera, província de Pisa, região da Toscana, e finalizada com o encerramento das atividades deste centro em janeiro de 2022.

Nessa segunda grande fase o diretor foi acompanhado por uma infinidade de parceiros de pesquisa, atores e não atores, estudiosos de áreas como Antropologia e Psiquiatria, praticantes de tradições performativas e religiosas de diversas partes do mundo, o que de fato consistiu no seu grande projeto intercultural (a colaboração entre indivíduos de distintas origens etnoculturais) e nos resultados de suas obras transculturais (onde se mesclam referenciais poiéticos e epistêmicos de diferentes saberes-fazeres). Deve-se sublinhar que o que nomeamos aqui de obra não deve ser entendido no sentido de encenação, mas de estruturas performativas voltadas à percepção daqueles que as realizam (Grotowski, 2012GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151.), não como espetáculos que visavam um público para validar sua existência.

É nesse ponto, especificamente a partir do Teatro das Fontes, que Grotowski (2012, p. 141)GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151. inicia a colaboração ativa com artistas e pesquisadores afrodescendentes, ao encontrar aquilo que nomeou como “cantos rituais da tradição antiga” ou “antigos cantos vibratórios” (Grotowski, 1996, p. 12GROTOWSKI, Jerzy. O que restará depois de mim. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL “A ARTE COMO VEÍCULO”, 1996, São Paulo, SESC-SP. Brochura [...]. São Paulo: SESC-SP, 1996.), sob a forma dos cancioneiros africanos e afrodiaspóricos (inicialmente haitianos, do domínio religioso do Vodou, e posteriormente da Santería cubana). Esse trabalho colaborativo interétnico e em torno desses específicos cantos foi orientado sobretudo pela parceria com a mestra haitiana Maud Robart e teve seu auge com a relação estreita que Grotowski estabeleceu com o afro-estadunidense Thomas Richards nas pesquisas e realizações performativas durante os anos iniciais do Workcenter.

Após a morte do diretor, Richards, ator e músico de formação, juntamente com Mario Biagini, também um herdeiro direto dessa obra intelectual e investigativa, avançaram nas propostas de pesquisa e criação, voltando ao contato com as lógicas da produção teatral, porém a partir da noção do trânsito da ação performativa sobre aquilo que Grotowski (2012)GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151. compreendeu como uma única corrente com dois polos: num extremo, a arte como apresentação (a obra realizada para atingir a percepção dos espectadores), no outro, a arte como veículo (a obra realizada para atingir a percepção dos/das atuantes).

Finalizando essa contextualização inicial, especificamente a partir de 2007, com a criação das duas equipes de trabalho que compuseram o Workcenter até o encerramento de suas atividades, o Focused Research Team in Art as Vehicle, dirigido por Richards, e o Open Program, dirigido por Biagini, o uso dos cantos de tradições afrodiaspóricas como ferramentas de investigação e criação do ator/performer foi diversificado, passando a envolver o extenso repertório dos cantos do Sul dos Estados Unidos (Southern Songs) e afro-latino-americanos (da ritualística do Palo e outras manifestações culturais/religiosas). Entretanto, é a partir de 2012 que, depois de um longo lapso, as ausências de outras performers negras/afrodescendentes para lidar com esses fundamentos criativos, tão caros ao projeto pós-teatral grotowskiano, começam a ser percebidas nesse centro de trabalho, começando assim uma efetivação de suas presenças, por meio de audições e convites para novos membros, especialmente na equipe do Open Program.

As reflexões que aqui trazemos se originam da nossa própria experiência de atuação artística no Workcenter, entre os anos de 2012 e 2015, no novo contexto de pesquisa e criação e como integrante do Open Program, durante o período de maior presença negra naquele centro.

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Propomos reflexões que trazem como alicerce as identidades afrodescendentes, tanto de ordem política, uma vez que mesmo a obra pós-teatral de Grotowski possibilita discursividades étnico-raciais em seus resultados performativos, como de ordem cultural, uma vez que suas estéticas se fundam em formas expressivas africano-diaspóricas visíveis e audíveis.

Não se trata de uma observação sobre uma opção artística ocasional para um trabalho criativo pontual. Trata-se de pensar sobre um projeto de pesquisa artística de longo termo, que aqui nomeamos como continuum Grotowski-Workcenter, pois se trata da contínua elaboração de princípios descobertos como fundamentais para o estudo e realização das potências humanas dentro de uma situação performativa organizada, que pode trafegar entre o teatro (arte como apresentação) e o ritual (arte como veículo). Uma longa pesquisa que desenvolveu uma técnica performativa, uma poética discursiva e uma linguagem dramatúrgica que parametrizam todo o conjunto de uma obra que se movimentou por mais de quatro décadas (não estamos considerando aqui a fase teatral e os anos iniciais do Parateatro). Portanto, é a sua longa duração que torna este um exercício de pensamento crítico complexo, uma vez que o rigor ético do programa grotowskiano e sua continuação no Workcenter não permitem uma taxação/redução do uso dos cantos à categoria de apropriação cultural.

Para comprovar a consolidação dessa investigação no tempo, saibamos que a relação com cantos de tradição africano-diaspórica foi iniciada por Grotowski em 1977, com sua primeira visita ao Haiti, já no contexto das pesquisas do Teatro das Fontes, cujo programa buscava compreender os princípios comuns na construção da presença que antecediam as diferenças culturais ou de origem. Além dessa visita, o diretor e pesquisador polonês viajou para a Nigéria por duas ocasiões, entre 1978 e 1979, além de retornar ao Haiti em diferentes períodos, no ano de 1979, como informam dados do The Grotowski Institute (Instytut Im. Jerzego Grotowskiego, 2018INSTYTUT IM. JERZEGO GROTOWSKIEGO. Theatre of Sources. Wroclaw, 2018. Disponível em: https://grotowski.net/en/encyclopedia/theatre-sources. Acesso em: 24 jan. 2022.
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).

Atravessando a noção primária utilitarista que se depreende da conceituação de Grotowski (2012)GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151. dos cantos de tradição africana e afrodiaspórica como instrumentos de precisão, existe, quer seja ao redor, sobre ou desde dentro (Gilroy, 2012GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo; Rio de Janeiro: Editora 34; Universidade Candido Mendes; Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012.) da realização desses cantos, na qualidade de formas expressivas da negritude no complexo afro-atlântico, sua transformação em marca de uma identidade cultural e política construída como reação à experiência escravagista colonial e o subsequente desenvolvimento do racismo capitalista. Dessa forma, nos termos do aprofundamento das discussões contemporâneas das epistemologias do Sul (Santos; Meneses, 2010SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (Org.). Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.) surgem perguntas inevitáveis.

É possível considerar, conforme o estudo e uso sistemático no que concerne à produção prática e teórica desenvolvida pelo continuum Grotowski-Workcenter, que o canto africano-diaspórico na boca do europeu não negro está decolonizando-o na sua condição de sujeito oriundo de uma cultura que impôs um projeto de hegemonia mundial? Ou somente está servindo, como instrumento de precisão existencial, para preencher um vazio ontológico que está desde há muito presente no espírito de uma cultura baseada na fragmentação e destruição de outras?

Observando a experiência intercultural como uma ação movida pela sede da criação de algo novo e revigorante ao teatro do Ocidente a partir da década de 1970, menos como exercício técnico e estético e mais como construção de sentido existencial, confirmamos a constatação de Roger Bastide (1983)BASTIDE, Roger. Sociologia do Teatro Negro Brasileiro. In: QUEIROZ, Maria Isaura (Org.). Roger Bastide: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. P. 138-155. de que o teatro europeu estava em busca de uma espiritualidade diluída no seu processo iluminista-racionalista burguês, e que, nas formas negro-africanas, poder-se-ia reencontrar o encantamento perdido.

[...] Os europeus [...] esperavam encontrar nessas manifestações exóticas um modelo a partir do qual pudessem talvez construir um teatro mais válido. [...] Reencontrar um teatro essencial, que é festa de todos os sentidos, comunhão de todos os corações, fabricação de um outro mundo, diferente daquele em que vivemos (Bastide, 1983, p. 139-140BASTIDE, Roger. Sociologia do Teatro Negro Brasileiro. In: QUEIROZ, Maria Isaura (Org.). Roger Bastide: Sociologia. São Paulo: Ática, 1983. P. 138-155.).

Esse desamparo ontológico, especialmente nos países de história colonialista, é dado por uma desertificação simbólica, ou seja, a perda de uma relação potencializadora com cosmologias e cosmogonias fundantes e unificadoras de uma comunidade. Uma desertificação que se segue à deslegitimação dos valores civilizatórios das culturas nas quais a Europa colonialista interferiu, tornados fetiches ex-óticos, fora, distantes e apartados de seu campo de percepção, compreensão, contemplação e de conhecimento (Martins, 2003MARTINS, Leda Maria. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. Letras, língua e literatura: limites e fronteiras, Santa Maria, UFSM, n. 26, p. 63-81, jun. 2003.), delírios de ignorantes. Além, evidentemente, de incrementar-se com o empobrecimento do cristianismo contemporâneo como religiosidade capaz de gerar uma relação de encante com o mundo-vida, devido à sua massificação e reprodução, ainda como forma de poder institucional do Ocidente.

Por outro lado, o desamparo ontológico observado na pessoa afrodescendente, deslocada de um locus de referência original, a África, é relativizado, quando não totalmente suprimido, porque essa pessoa pode ainda localizá-la a partir de processos de identificação cultural e reivindicação epistemológica, mesmo na fragmentação social e identitária resultante da diáspora. Por isso é que vale olharmos o artista de teatro europeu contemporâneo, afeito às poéticas e políticas da interculturalidade, como o doente que busca a cura do abscesso de si mesmo gerado pelo aspecto nocivo do ethos ocidental, aquele que o instiga a um orgulho desmedido e ilusionista, levando-o a verse como regulador principal, ou mesmo único, da inteligência de uma civilização universal colocada em cena. E dessa maneira criamos um contraponto com a visão fanoniana aplicada ao sujeito negro, não sendo mais este, ao menos no contexto teatral intercultural e pluriétnico do continuum Grotowski-Workcenter, aquele “que sofre e que procura ser aliviado” (Fanon, 2015, p. 290FRANTZ FANON: o brilho do metal. Tricontinental, dossiê n. 26. Argentina, Brasil, Índia e África do Sul, 2020. Disponível em: https://thetricontinental.org/pt-pt/brasil/frantz-fanon-o-brilho-do-metal/. Acesso em: 22 maio 2022.
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apud Mbembe, 2017, p. 190MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.), mas sim o sujeito da branquidade eurocêntrica.

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Quando olhamos para esse elemento cultural a partir de uma perspectiva afrorreferenciada, ou seja, um modo de conectar experiência e reflexão que parte das epistemologias negro-africanas/diaspóricas e seus saberes-fazeres como base para pensar as teatralidades/performatividades, vemos que o canto de tradição é inerente às poéticas teatrais afrodescendentes, herdeiras que são de concepções performativas como sistemas integrados de linguagens em África, ou, segundo Balogun (1977)BALOGUN, Olá. Forma e expressão nas artes africanas. In: ALPHA, Sow. Introdução à cultura africana. Lisboa: UNESCO/Edições 70, 1977. P. 37-94., “artes de comunicação”. Dentro das distintas poéticas, os cantos podem ser compreendidos, a princípio e/ou somente, como parte do aspecto estético total da obra cênica (visualidades, sonoromusicalidades, textualidades). Isso quer dizer que os cantares de tradições africano-diaspóricas são elementos que compõem uma teatralidade negra, mas cujas presenças, mesmo nessas teatralidades, não são necessariamente entendidas como partes inextricáveis do funcionamento orgânico do conjunto atuação-encenação. Podem ser considerados tão somente como um elemento acoplável, com fins a favorecer somente a formalidade da obra, e não como condutores de experiências vitais da subjetividade do artista em cena manifesta em forma sonora. Ou podem ser percebidos como outra materialidade com a qual a palavra proferida revela seu poder, como sugere uma sentença proverbial iorubana: “É o canto que encanta a palavra. A decantação a torna tesouro” (Nogueira, 2020NOGUEIRA, Sidnei. Etaogundá Méjì – (Des)Potencialização dos saberes ancestrais negros: qual o lugar do terreiro na sociedade da branquitude. PowerPoint apresentado na Aula 3 da disciplina Giro Epistemológico para uma Educação Antirracista. Unicamp, Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, Campinas, 2020., informação pessoal).

Grotowski conferiu um tratamento paracientífico ao cantar de tradições rituais africano-diaspóricas (especialmente os de origem nigeriana e caribenha), ou seja, estudou-os e aplicou-os em suas pesquisas como instrumentos de precisão para a transformação de energias psicofísicas densas em sutis dentro do processo inicial da Arte como Veículo. Porém, a eventual redução ou síntese desses cancioneiros somente a aspectos estéticos ou paracientíficos não significa a neutralização do seu sentido político, histórico, socio-identitário e existencial/subjetivo para o sujeito negro. Afinal, esses cantares fazem parte das expressões diaspóricas que contribuíram para o desenvolvimento das culturas da modernidade do Ocidente, sobretudo das culturas urbanas, por exemplo, por intermédio das diversíssimas transformações dos spirituals que levaram ao blues e depois ao rock, nos EUA, ou dos ritmos centro-africanos que levaram ao samba e depois à bossa-nova, no Brasil.

Considerando também o teatro como uma arte de comunicação que utiliza muitos canais expressivos simultaneamente para fundamentar a presença do cantar em um todo performativo que não o separa de outros elementos como a dança e a musicalidade instrumental, podemos recorrer à Bunseki Fu-Kiau, quando, segundo a leitura de Ligiéro (2011, p. 135)LIGIÉRO, Zeca. Batucar-cantar-dançar: desenho das performances africanas no Brasil. Aletria: Revista de Estudos de Literatura, v. 21, n. 1, p. 133-146, abr. 2011., propõe que observemos as performatividades africanas como

[...] um só objeto composto (‘amarrado’), o ‘batucar-cantar-dançar’, que seriam então um continuum. Em sua análise ele aponta que em quase todas as religiões africanas os espíritos dos principais ancestres, quando venerados através do transe, voltam à terra para dividir sua sabedoria com seu povo. Nessas culturas, os rituais acontecem em arenas, procissões ou de ambas as formas, complementarmente. Nesses espaços, devotos tocam tambores, dançam e cantam em honra aos deuses e ancestres: ‘A vida seria impossível em qualquer comunidade africana sem os invisíveis e reconciliadores poderes de cura gerados pelo poderoso trio de palavras-chave da música e do divertimento’ (Fu-Kiau, s.d.). Fu-Kiau afirma que, quando alguém está tocando um atabaque ou qualquer outro instrumento, uma linguagem espiritual está sendo articulada. O canto é percebido como a interpretação dessas linguagens para a comunidade presente no aqui e agora.

Sendo então interpretador das linguagens da ancestralidade, o cantar cumpre função central na transmissão de experiências, assim como anuncia uma ética de comportamentos e atitudes na realidade imediata e para as possibilidades do devir.

Os cantares, nas suas diversas modulações, são radiotransmissores de energia, idiomas estéticos dispersos na textualidade oral negra. Em sua rica e complexa enunciação, revitalizam vários gêneros, formas e composições dos repertórios africanos, assim como criam novas toadas. No canto e na fala são narrados, performados e recriados gestas, histórias, fábulas, contações, vissungos, provérbios, histórias das divindades, das famílias, da criação do cosmos e dos seres, histórias das travessias, dos trabalhos e dos dias, dos amores, dos terrores da escravidão, das lutas, das interdições, mas também das guerras pela liberdade; os ensinamentos, os bichos, plantas e ervas, as práticas tecnológicas, as plantas medicinais, a cura, as devoções, o sagrado, as inguiziras e quizumbas, as ladainhas e os corridinhos, as rezas, os desafios, rebentes, o fazer das coisas, e as técnicas do fazer, as misturas do barro, o desenho e o formato das casas, os lumes da lua e do sol, suas nascentes e seus poentes, as correntezas, as correntes, os deleites, os enfeites e os aromas (Martins, 2021, p. 98MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.).

Sendo assim, o cantar negro não é um ferramental genérico e sem direitos autorais. Ele é resultado de leituras encantadas e desencantamentos traumáticos de um mesmo mundo, ao mesmo tempo que comunica as experiências de corpos concretos envolvidos nessas leituras. Esses corpos são vibrados e reavivados como memórias em corpos outros. Mas o fato é que não vibram da mesma forma para uma pessoa negra que comunga o prazer e a dor por identificação, e para uma pessoa não negra que se aproxima da experiência pela compaixão, no sentido de uma disposição a sentir com. Para esta última, buscar a origem da potência de vida ou morte que o canto melancólico ou utópico lhe dita, e encontrar correspondências em sua própria relação com essas balizas da existência, é o que pode lhe fazer vivenciar um sentimento de comunhão de mundo diante das razões originais que moveram os cantos, que se dá pela percepção, liberta das amarras das categorizações raciais, dos seres humanos como uma comunidade factualmente limitada por esses mesmos marcos, ao mesmo tempo biológicos e ontológicos (viver e morrer). No entanto, os códigos mais secretos da experiência da dor, abertos pela chave do desterro, escravidão e racismo, não podem ser acessados, pois fazem parte de uma dada realidade trans-histórica vivida pelos povos africanos e seus descendentes diaspóricos, nos últimos cinco séculos.

É nesse viés que o cantar negro emitido pela boca da pessoa negra é uma luta contra a despotencialização de suas forças criativas, o desempoderamento da construção de outros futuros e a subalternização dos saberesfazeres africano-diaspóricos, que sempre a ameaça enquanto a sistemática racista continuar a ser reproduzida. Uma resposta aguerrida, mesmo quando suave, ao esvaziamento de sentido ontológico de si, presente naquilo que Mbembe (2017, p. 204)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. localizou como “[...] o signo do vazio ou do mutismo – o medo de um colapso, a dificuldade de habitar novamente a linguagem, de retomar a palavra, de ter voz e, desta maneira, vida”. Uma resistência que depende da percepção pessoal de que a tradição que sustenta o sentido de um cantar brotará primeiramente, a partir da condição diaspórica, de uma fonte íntima de identificação e sentido de pertencimento.

A cultura é formada de processos dialéticos, como a própria diáspora revela, quando, na desumanização/objetificação da pessoa africana ao longo do tráfico atlântico, por consequência gerou uma movimentação de conhecimentos e modos de ser e fazer no choque entre as diversidades étnicas de negros, ameríndios e brancos europeus, que reconfigurou a história humana dos últimos 500 anos, ainda que uma narrativa histórica falsa de vitórias e progressos tenha se estabelecido, pela imposição da violência colonial, pelos últimos dessa tríade. Por isso, quando nos detemos com uma escuta mais atenta e profunda sobre os cantares de tradições negro-africanas e diaspóricas – assim como para outras naturezas de manifestação artístico-estética dessas tradições –, é possível ver-se também que o sentido de cultura no em comum2 2 A noção de em comum é apresentada por Mbembe (2017, p. 68-9) como “uma relação de co-pertença e de partilha” do mundo, cuja existência duradoura vincula-se ao fato de que tal relação ocorra entre “o conjunto dos seus dependentes, juntamente com todas as espécies”, algo somente possível a partir da realização de “justiça e reparação”. do mundo também se depreende desses cantares, extrapolando o exótico instituído pela cosmovisão supremacista da branquidade, que gerou a própria racialização do mundo e suas derivações no racismo e na eugenia. Vemos ouvindo e/ou cantando uma extensa cultura negra de traços singulares – ainda que plurais em suas diversidades de formas e localizações – no em comum global, do qual as pessoas negras não devem estar mais apartadas e espoliadas de suas benesses, uma vez que são “[...] parte integrante da história do mundo [...] tão herdeiros desta história [...] como a restante espécie humana” (Mbembe, 2017, p. 211MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

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Du Bois (1999, p. 297)DU BOIS, William Edward Burghardt. As almas da gente negra. Tradução de Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999. nomeou os cantos do Sul dos Estados Unidos como Sorrow Songs, cantos de sofrimento. Gilroy (2012, p. 13)GILROY, Paul. O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo; Rio de Janeiro: Editora 34; Universidade Candido Mendes; Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2012. considera que “as culturas do Atlântico negro criaram veículos de consolação através da mediação do sofrimento”. Partindo dessas percepções podemos ter em conta que todo o conjunto dos cantos africano-diaspóricos que compuseram a obra grotowskiana e sua continuidade, de 1977 a 2022, são, antes de tudo, diversas comunicações do povo negro, de ordem cosmológica, afetiva e política, canções-missivas que em suas múltiplas transculturações na diáspora o escravizado “articulou para o mundo” (Du Bois, 1999, p. 301DU BOIS, William Edward Burghardt. As almas da gente negra. Tradução de Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999.).

Como comunicações de experiências, de memórias, de saberes e leituras desse mesmo mundo, tais cantares agem também como formas terapêuticas para a reintegração de identidades fragmentadas, destituídas de um senso de origem e pertencimento, enfim, desterritorializadas, que poderiam ocupar somente um lugar estabelecido na modernidade racializada com seus locais fixos na “hierarquia cromática” (Scott, 2019SCOTT, Paulo. Marrom e amarelo. Rio de Janeiro: Alfaguara, 2019.). Isso não configura que estejamos lidando com essa questão por um discurso reificado, que parte da inconsciência de pertencimento étnico-racial de uma pessoa negra como um dado constante, mas sim que, observando nossa experiência no contexto do Workcenter, a partir de pesquisas e criações em torno de repertórios de cancioneiros africano-diaspóricos, compreendemos que tais cantares nos propiciaram reconexões com matrizes culturais dessas origens, bem como auxiliaram em nosso processo de construção de identidade afrodescendente.

Dessa forma, o sentido de trabalho sobre si3 3 Termo oriundo da obra de Constantin Stanislavski, de interpretação aberta e sem uma definição única, mas que se fundamenta na ideia de que o/a artista cênico/a pode desenvolver, em níveis objetivos e subjetivos, a partir de modos responsáveis de relação com a técnica, a ética e o sentido da atuação, um caminho de aprimoramento constante da sua própria percepção, intelecção e ação criativa como pessoa no mundo. , que acompanha o uso refinado que Grotowski descobriu, através desses cantos, para sua pesquisa sobre o humano em situação performativa, alimenta-se, como defendemos, de um sentido terapêutico a eles inerente. Podemos dizer mesmo atávico, uma vez que esses cantos são consolidações em formas sonoro-musicais das subjetividades negras buriladas nos impactos da diáspora (a desagregação de grupos étnicos e famílias, o regime escravocrata e a consolidação do racismo, a destituição de direitos e condições decentes de vida da população negra) e das mutações que ela instaurou nas culturas de matriz africana (as combinações de cosmopercepções distintas, os sincretismos, a criação de novas expressões artísticas e religiosas).

Essa terapêutica tem o potencial de disparar processos de cura, conforme a perspectiva fanoniana que Mbembe (2017)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. apresenta, ou seja, a possibilidade de ser um alívio ao sofrimento de alguém em condição de apartado do mundo compartilhado. Logo, dentro do projeto transcultural que permeou o percurso final de Grotowski e seguiu em continuidade no Workcenter, essa potência é que ajudou a sustentar o próprio sentido de experiência intercultural que moveu esse projeto. Isso porque os cantares afrodiaspóricos do Haiti, Cuba, Estados Unidos e Colômbia, por exemplo, sendo os ferramentais principais do trabalho e organizadores centrais das práticas cênico-performativas ali desenvolvidas, e também resultados de transformações de culturas africanas na diáspora, cumprem plenamente a função comunicativa e paliativa que Du Bois e Gilroy, respectivamente, notaram acima.

Certamente, o canto negro africano-diaspórico, considerado de acordo com sua potência transcultural nos ambientes de ação do continuum Grotowski-Workcenter (os muitos locais de realização da pesquisa, formação, discussão e apresentação artística), mas sem perder sua geo-historicidade (sua identificação local (África e Américas) e temporal através dos fluxos afroatlânticos) e sua simbólica para a cultura negra diaspórica, passa a agir também como uma linguagem de comunicação comum – arriscamos a dizer uma sui generis língua geral –, uma vez que é o principal veículo para se estabelecer um terreno compartilhado onde pessoas de diversas origens étnico-nacionais podem tocar em factíveis – ainda que raros e fugazes – momentos de efetiva vivência de uma alteridade e humanismo radicais, dentro de situações controladas e seguras, quer dizer, a sala de trabalho ou o evento performativo. Uma alteridade que “[...] só é possível se o Outro é realmente outro em relação a um termo cuja essência é permanecer no ponto de partida, servir de entrada na relação, ser o Mesmo não relativa, mas absolutamente” (Lévinas, 1980, p. 24LÉVINAS, Emmanuel. Totalidade e infinito. Tradução de José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1980.), alguém que não se reduz a uma expectativa branconcêntrica. Um humanismo que é uma “afirmação imediata, universal e militante da igualdade e do valor da vida humana” (Tricontinental, s.p., 2020).

Assim é que o canto de tradições negras age como linguagem, oralitura4 4 Martins define esse termo como aquilo que compreende o entrelace, através das performatividades corpóreo-vocais, do conjunto epistemológico de uma determinada tradição cultural, que são expressas no agenciamento espaciotemporal das diversidades de manifestações, que inscrevem o conjunto de saberes de um povo através de uma grafia realizada por danças, teatralidades, musicalidades e vocalidades poéticas. (Martins, 2003MARTINS, Leda Maria. Performances da oralitura: corpo, lugar da memória. Letras, língua e literatura: limites e fronteiras, Santa Maria, UFSM, n. 26, p. 63-81, jun. 2003.) e conversa ritualizada5 5 Lienhard (1998) utiliza esse termo para definir o conjunto de elementos performativos que os praticantes do Palo Monte, tradição religiosa afro-cubana de origem bantu, utilizam para estabelecer uma conexão com a África, como idealização da fonte ancestral e do pertencimento ontológico. (Lienhard, 1998LIENHARD, Martin. O Mar e o Mato: histórias da escravidão (Congo-Angola, Brasil, Caribe). Salvador: EDUFBA/CEAO, 1998.). Dessa forma realiza um dos principais, senão o principal pressuposto das concepções artístico-filosóficas de Grotowski, o encontro. Portanto, cumprindo uma função que, através do referencial advindo de Fanon e Mbembe, podemos nomear como de reconstituidor do comum:

A reconstituição do comum começa pela troca de palavras e com a ruptura do silêncio: ‘É a linguagem que rompe o silêncio e os silêncios. Então podese comunicar ou comungar. O próximo no sentido cristão é sempre um cúmplice [...]. Comungar é comungar perante qualquer coisa. [...] É a partir do comum que poderão surgir as intenções criadoras’ (Fanon, 2015, p. 234235 apud Mbembe, 2017, p. 190-191MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

Por mais humanistas que as intenções criadoras do continuum Grotowski-Workcenter venham a ser, elas nunca irão apagar uma memória de dor e violência que, como afetos que ainda vibram na subjetividade da pessoa negra, posto que são radiações de uma onda (Santos, 2019SANTOS, Tiganá Santana Neves. A cosmologia africana dos Bantu-Kongo por Bunseki Fu-Kiau: tradução negra, reflexões e diálogos a partir do Brasil. 2019. Tese (Doutorado em Estudos da Tradução) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.) disparada pela história de construção do Ocidente sob os alicerces do capitalismo racial do escravagismo colonial, sempre são ativadas pelo sentido político impresso na percepção do cantar negro dentro da sociedade ocidental. Uma sociedade que extrapola as paredes dos ideais constituídos dentro de uma sala de ensaio ou de uma casa compartilhada por pessoas de múltiplas origens nacionais e culturais.

Pois esses cantos estão impressos nas e reimprimem as “almas da pessoa negra”, lembrando novamente Du Bois (1999)DU BOIS, William Edward Burghardt. As almas da gente negra. Tradução de Heloísa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 1999.. Dessa forma compreendemos que são irredutíveis, ainda que não a priori, a uma categoria elementar de som-música desprovido de problemáticas em nível de sentido e contexto, uma vez que se constituem como respostas reivindicativas do status de humanidade dos sujeitos negros/afrodescendentes (com cosmogonias, cosmologias, tecnologias e subjetividades próprias) criadas diante dos revezes do exílio forçado e pela busca de frestas de fruição das potências vitais possíveis na situação inicialmente desagregadora da diáspora e do rigoroso sistema racista das sociedades onde foram colocados. Ao fazerem-se novamente audíveis pela performance, esses cantos acionam percepções que a um/a performer não alienado/a de uma historicidade a eles inerente, ou seja, alguém sensível à questão de que esses cantos também são carregados de informações sobre a experiência negra no mundo, reivindicarão posicionamentos sociopolíticos de acordo com uma expectativa progressista, emancipadora e antirracista.

As palavras escondidas por trás das palavras desses cantares tradicionais das negritudes – o “um dizer e dois entender” jongueiro, segundo Mestre Gil do Jongo de Piquete (IPHAN, 2007IPHAN. Dossiê IPHAN 5: Jongo no Sudeste. Brasília, DF: Iphan, 2007.) – não são poesia insípida, ainda quando falam de simples prazeres cotidianos ou contemplações da natureza. Estão impregnados de vozes que foram, de fato, interrompidas, e que em tais cantos esconderam as próprias leituras críticas do ambiente de opressão a que corpos e subjetividades foram submetidos sob a condição das plantations e suas derivações – lembrando também que os ritos e seus espaços de realização foram extensões da resistência ao desaparecimento de um mínimo de ontologia.

O discurso contido nos cantares negros que permeiam quase que exclusivamente o repertório pesquisado/experimentado/performado pela investigação criativa continuada de Grotowski e/do/no Workcenter não deve ser escutado e lido somente no viés de uma expectativa de transcendência – ainda que pautado sobre o rigor do trabalho materialista sobre a artesania do ofício – a quem os realiza e/ou capta, mas como um reviver dessas pessoas segredadas, escondidas em forma de memórias vibratórias e que, no cantar, voltam a falar e podem ser ouvidas como sujeitos de experiências de um sistema-mundo nada amigável.

Na sua performance, um artista ou espectador afrodescendentes com uma mínima criticidade não irá entoar ou ouvir tal natureza de canto como simplesmente uma belle-art constituída somente de estética, o que de forma nenhuma significa que uma fruição pura e simples do objeto artístico seja refutada, afinal, forma, conteúdo e sentido se imbricam no fazer artístico de qualquer natureza. Mas essa fruição não é alienada, uma vez que a escuta capta e compreende os meandros da comunicação de dores, aflições, prazeres e expectativas que podem ser acessados somente a partir do partilhamento de um campo de experiências comuns. Segundo a perspectiva do povo Bakongo “existe uma relação fundamental entre ouvir, ver e sentir/reagir [...]. Sentir é entender. Os Bantu não ‘sentem’ uma dor a menos que a ‘vejam’” (Fu-Kiau, 2001 apud Santos, 2020, p. 87). Quem sempre morou em um bairro de classe média ou alta bem infraestruturado, sendo negro ou não, não tem a mesma experiência carnal de quem viveu toda a vida sob a precariedade de uma extrema periferia desassistida. Ainda que possa ter alteridade, não tem uma memória experiencial do ambiente. Quem nunca foi vítima de racismo, sendo branco ou não, ainda que possa ter alteridade, não tem a vivência psicofísica do trauma que se imprime nos nervos de quem isso viveu, por mais breve e discreta que tenha sido a violência. Por isso tantos relatos de africanos negros que dizem descobrir o racismo somente ao chegar em países como o Brasil. Descobrem pela pele, um fato.

Os artistas afrodescendentes, na re-escuta que os anima na busca das vozes e palavras escondidas, percebem que um modo de ser africanodiaspórico, constrito na condição do sujeito diasporizado e escravizado do passado, vaza e revela muitas presenças memoriais de ancestralidades negras. Essa re-escuta é atravessada, na situação da performance dos cantos e sua recepção pelos espectadores-ouvintes, por novas formas de agência sobre o mesmo processo que se moveu anteriormente no contexto do ambiente fechado e privilegiado da pesquisa, em sala de trabalho ou nos ensaios.

É nessa forma pública de ativação de sentidos que os cantos africanodiaspóricos, atingem sua potência máxima de espiralização (Martins, 2021MARTINS, Leda Maria. Performances do tempo espiralar: poéticas do corpo-tela. Rio de Janeiro: Cobogó, 2021.) mito-histórica e poética, quando a memória ancestral retorna e se atualiza na qualidade de afeto psicofísico nos sujeitos negros livres da contemporaneidade, que interpretam e ressignificam os conteúdos de suas mensagens cifradas ou explícitas. Tal fato induz que naquele “[...] palco apenas aparentemente inabitado, uma língua, uma voz e palavras que nos fazem sentir que se calaram, reduzidas ao silêncio” (Mbembe, 2017, p. 225MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.) ocupem o mesmo espaço-tempo. Constituem, em realidade, visagens de uma herança maldita a ser descarregada (Rufino, 2019RUFINO, Luiz. Pedagogia das encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula Editorial, 2019.) de tanto ser lembrada, assim como atualizações e revitalizações das lutas negras por emancipação, provocando como um todo aquelas e aqueles que atuam no interior do microcosmo de uma cena-teatro intercultural, atores também no macrocosmo de uma cena-mundo com relações étnico-raciais dinâmicas e intensas, injustas e destrutivas, transfiguradoras e criadoras.

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Uma sombra do discurso de patrimonialização global dos cantares de tradição negro-diaspórica permeou o continuum Grotowski-Workcenter, gerando uma prática com tendência a uma destituição da noção de propriedade cultural a favor de uma universalização acrítica. Isso traz o principal perigo – que sempre ronda, sempre retorna – da museificação e arquivização do mundo dos Outros, prática comum das políticas colonial-imperialistas, que subjazem ainda hoje, mesmo em meio aos avanços decoloniais. Isso porque tal perspectiva de patrimonialização global dos bens imateriais tem a potencialidade para aquilo que Mbembe (2017, p. 227)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. percebeu como uma ação de “neutralização e de domesticação de forças que estavam vivas antes”, em relação ao agenciamento museológico das forças criadoras (culturais, políticas, sociais) da pessoa negra. Em um tal museu tudo é de todos, mas os herdeiros das obras principais pagam os ingressos mais caros, enquanto certos privilegiados de uma elite intelectual e artística do eixo euro-estadunidense nem sequer pagam – mesmo pegando fila para entrar –, pois os museus têm sede em seus próprios países.

Consideramos que o canto de tradição africano-diaspórico contém uma potência antimuseológica – conforme a imagem sugestiva de Mbembe (2017)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. – até então não percebida (ou, se percebida, não assumida, considerada, problematizada) dentro do percurso histórico de Grotowski ao Workcenter. Ou seja, uma pulsão de vida própria e de tal potência que supera a instituição Grotowski-Workcenter, atravessa as diferenças identitárias e os limites do humanismo pretendido, construindo uma fissura nessa mesma instituição, tendo em si – como referente geossimbólico de africanias – e vertendo na própria instituição a qualidade de um

[...] lugar-outro, o da hospitalidade radical. Lugar de refúgio, o anti-museu é também concebido como lugar de descanso e de asilo, sem condições para todo o refugo da humanidade e para os ‘condenados da Terra’, aqueles que testemunham o sistema sacrificial que tem sido a história da nossa modernidade – história que o conceito de arquivo dificilmente abarca (Mbembe, 2017, p. 228MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

Assim, sendo limitada a arquivização da diáspora e seus fenômenos transnacionais, com suas agências e agentes, a noção de um antimuseu nos serve para entender a força dinâmica que tira qualquer possibilidade de universalismo neutro que venha a ter sido colocado sobre essas tecnologias de presença, uma vez que se dá, na prática do cantar, uma conversa ritualizada de ativação de memórias e intenções comunicacionais na situação do encontro inter-humano.

Quando Grotowski (1993)GROTOWSKI, Jerzy. Tú eres hijo de alguien. Máscara, Ixtapalapa, Ed. Escenologia A.C., ano 3, n. 11-12, p. 69-75, out. 1993. fala do canto de tradição como obra de autoria anônima está reproduzindo um modo de operação de uso do material africano-diaspórico como arquivo do mundo, que, ainda que pleno de potência para a construção de vitalidades em qualquer circunstância cultural no tempo presente – vide suas influências sobre as músicas negras urbanas na cultura de massa do século XX aos dias de hoje, do soul, no Movimento pelos Direitos Civis nos EUA, ao rap como denúncia da violência policial e do racismo estrutural na sociedade brasileira da democracia racial –, simultaneamente é mantido nas sombras do indiferenciável. Sua colocação não aponta para essa plenitude de potência que os cantos africano-diaspóricos trazem como contêineres imateriais de experiências negras no mundo moderno, que significa justamente a capacidade simultânea ou sequencial de acordar memórias que fortalecem identidades e criam noções de pertencimento, de instigar engajamentos em ações de luta por direitos, de fabular alternativas para modelos de democracia e sociedade mais justos e plurais.

O desejo de travessia dessa situação obtusa justifica o movimento que hoje, na intensidade das novas perspectivas com que se discutem as questões étnico-raciais (afrocentrismo, interseccionalidades, decolonialidade, identidade) e suas manifestações no mundo contemporâneo, faz-nos, como artistas negros que se defrontam com a obra da linha grotowskiana, buscar onde estão as presenças históricas das negritudes que animam esses cantares. Ou, transversalizando com as palavras de Mbembe (2017, p. 229)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., buscarmos os corpos e memórias que estão nas sombras, de tal forma que, prospectando, “[...] sobre traços preexistentes, a nossa própria silhueta; captarmos os contornos das sombras, e tentarmos ver-nos a nós mesmos, a partir da sombra”. Mas não como novas sombras, e sim como presenças densas e contundentes em todos os espaços de criação artística. Em outras palavras, como herdeiros que trazem esse conjunto de oralituras às claras para nos iluminar a nós próprios em nossas ações criativas por vários lugares e contextos do mundo, mas sem abrir mão do jogo de luz e sombras que deve compor a prática criativa de uma poética diaspórica que opera valorizando o direito à opacidade, “a subsistência em uma singularidade não redutível [...] que é a mais viva das garantias de participação e confluência” (Glissant, 2021, p. 220-221GLISSANT, Édouard. Poética da relação. Tradução de Marcela Vieira e Eduardo Jorge de Oliveira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.) e não a total rendição a uma idealização de uma forma instaurada no imaginário comum, a partir do colonialismo epistemológico, sobre África e suas africanidades.

Nesse sentido é importante então ressaltar, ainda que não entremos em detalhes maiores devido aos limites deste artigo, a presença dos principais colaboradores afrodescendentes no continuum Grotowski-Workcenter, desde o Teatro das Fontes até o encerramento das atividades do Workcenter em janeiro de 2022. Pessoas como as artistas Maud Robart e Tiga Garoute; os sacerdotes do vodou Eliezer Cadet e Amon Frémon; o psiquiatra Louis Mars; as performers Chrystèle Saint Louis Augustin, Graziele Sena, Suellen Serrat, Ophélie Maxo, Eduardo Landim, Sambou Diarra e Denise Graham; sem falar do próprio Thomas Richards. Este último, sendo uma pessoa afroestadunidense, é figura central para aprofundar reflexões sobre questões étnico-raciais no âmbito da trajetória Grotowski-Workcenter, como herdeiro legítimo da obra investigativa do diretor polonês, cujo nome passou a figurar na nomeação do Workcenter desde 1996. Esse tema buscamos abordar na pesquisa que realizamos em nível de doutoramento sobre africanidades, construção de identidade afrodescendente e relações étnico-raciais consoante a experiência profissional nesse extinto centro de pesquisa, criação e formação artística.

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O autor inglês do Romantismo, William Blake (2005)BLAKE, William. Canções da inocência e canções da experiência. Tradução de Gilberto Sorbini e Weimar de Carvalho. São Paulo: Disal Editora, 2005., publicou em 1789 o livro de poemas Songs of Innocence and of Experience (Canções da Inocência e da Experiência). Nesse livro, por meio da ideia bíblica do Paraíso e da Queda, ele relaciona a noção de experiência ao momento da vida humana depois que se finda a infância, que corresponderia a um estado de pureza essencial.

O historiador americano Martin Jay (2009)JAY, Martin. Cantos de experiencia: variaciones modernas sobre um tema universal. Buenos Aires: Paidós, 2009., para falar sobre as noções de experiência ao longo da história da filosofia euro-estadunidense, traz a ideia original de Blake e escreve, em 2005, Cantos de Experiência: Variações Modernas sobre um Tema Universal.

Já o filósofo da educação espanhol Jorge Larrosa, com base em Jay, propõe novas reflexões em torno do sentido de experiência, dentro de uma perspectiva existencialista, e diz:

Não existe, na tradição, uma ideia de experiência, ou uma série reconhecível de ideias de experiência, mas o que temos é a aparição sincopada de uma série de cantos apaixonados, intensos, prementes, emocionados e emocionantes, que tem a experiência como tema ou como motivo principal, se entendemos os termos ‘motivo’ e ‘tema’ em seu sentido musical. [...] A experiência é algo que (nos) acontece e que às vezes treme, ou vibra, algo que nos faz pensar, algo que nos faz sofrer ou gozar, algo que luta pela expressão, e às vezes, algumas vezes, quando cai em mãos de alguém capaz de dar forma a este tremor, então, somente então, se converte em canto. E esse canto atravessa o tempo e o espaço. E ressoa em outras experiências e em outros tremores e em outros cantos. Em algumas experiências esses cantos são cantos de protesto, de rebeldia, cantos de guerra ou de luta contra as formas dominantes de linguagem, de pensamento e de subjetividade. Outras vezes são cantos de dor, de lamento, cantos que expressam a queixa de uma vida subjugada, violentada, de uma potência de vida enjaulada, de uma possibilidade presa ou acorrentada. Outras são cantos elegíacos, fúnebres, cantos de despedida, de ausência ou de perda. E às vezes são cantos épicos, aventureiros, cantos de viajantes e de exploradores, desses que vão sempre mais além do conhecido, mais além do seguro e do garantido, ainda que não saibam muito bem aonde (Larrosa, 2015, p. 10LARROSA, Jorge Bondía. Tremores: escritos sobre experiência. Tradução de Cristina Antunes e João Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.).

Para os três autores ocidentais a noção de canto de experiência não é necessariamente musical ou sequer sonora. Refere-se a uma organização de um discurso poético, para Blake, e intelectual, para Jay e Larrosa.

Mas, para nós, o uso que fazemos do termo canto de experiência é literal, uma vez que o tratamos como elemento poiético do ator/performer no fazer teatral/performativo, e não no sentido de um discurso literário. Isso não deve conotar nenhuma forma de hierarquia, pois não se trata da comparação de semânticas do termo canto, mas apenas de adequação ao uso preciso de cada sentido em seu próprio campo epistêmico. Aqui, canto de experiência se refere ao ato do cantar, da emissão musicalmente articulada da voz, e suas subjetividades. E especificamente do cantar da pessoa negra, diaspórica, afrodescendente. O que não se configura etnocentrismo, mas, lembrando o que já dissemos acima, uma afrorreferenciação. É uma ideia do cantar traduzindo experiências existenciais negras como acúmulo, organização e transmissão de uma vivência sensível e um pensar indagador do/no mundo, tanto de forma objetiva (construção de um repertório) quanto de forma subjetiva (coleção de informações) agenciados por epistemologias africano-diaspóricas.

Assim, pensamos que a experiência é essa vivência sensível e pensar indagador divididos na forma de muitos segredos. Segredos que são, ao mesmo tempo que guardam, múltiplas percepções do mundo, em relação aos fenômenos visíveis e invisíveis, da ancestralidade à historicidade negra, que falam da preservação da tradição em movimento e da resistência à morte trazida pelo racismo. E no canto, em particular nas canções afrodiaspóricas das quais falamos, esses segredos estão convertidos em formas vibratórias sonoras radiantes, ou seja, são as próprias vozes dos ancestrais (humanos ou não humanos) que falam desde um espaço-tempo ontológico anterior e posterior ao ser cantante (concepção, vivência e morte), e que nele se atualizam, atualizando-o enquanto portador da palavra viva de uma tradição. Vibrações e radiações (Jesus; Pereira, 2021JESUS, Luciano Mendes de; PEREIRA, Sayonara Sousa. Ressonâncias/vibrações e ondas/radiações: os cantos africano-diaspóricos na obra de Jerzy Grotowski através da cosmopercepção Bantu-Kongo. Revista Voz e Cena, Brasília, UnB, v. 2, n. 1, p. 88-117, jan./jun. 2021.) que foram, são e ainda serão geradas por afetos e que foram, são e serão provocadoras de afetos. Vibrações e radiações que advêm do impacto histórico de traumas e pulsões desejantes de vida e de morte, assim como também revelam e transmitem as éticas sociais, as devoções aos ancestrais e as mais variadas cosmologias e mitopoéticas dos povos. Sendo então esses segredos, que escondem revelando e revelam escondendo (Oliveira, 2020OLIVEIRA, Eduardo. Filosofia da Ancestralidade: diálogo entre a Filosofia da Libertação e a filosofia africana. Revista Ideação, Feira de Santana, UEFS, n. 41, p. 219-253, jan./jun. 2020.), os fundamentos dos cantares afrodiaspóricos nascidos da grande experiência da travessia do Atlântico Negro.

É assim, num entendimento da vibração como registro memorial de pessoas que viveram e transcreveram essas vivências em sons, e radiação como o processo contínuo de transmissão dessas vivências anteriores que afetam as vivências de pessoas contemporâneas (Jesus; Pereira, 2021JESUS, Luciano Mendes de; PEREIRA, Sayonara Sousa. Ressonâncias/vibrações e ondas/radiações: os cantos africano-diaspóricos na obra de Jerzy Grotowski através da cosmopercepção Bantu-Kongo. Revista Voz e Cena, Brasília, UnB, v. 2, n. 1, p. 88-117, jan./jun. 2021.), negras e não negras, que também dialogamos com a concepção grotowskiana, aprendida durante nosso período de atuação no Workcenter: a de que cantar é uma outra forma de falar, e que não há uma diferença essencial, apenas formal entre as duas ações. Quer dizer, o cantar, como um discurso objetivo da subjetividade de uma pessoa, é a articulação e expressão de pensamentos e afetos através de uma estrutura musical. Devemos atentar que estar de acordo com essa concepção não representa qualquer contradição quando nos referimos à noção de canto de forma literal e não literária, isso porque unimos a ideia de fala à de canto, pois ambas compõem o que Martins (2009)MARTINS, José Batista (Zebba) Dal Farra. Palavras Invisíveis. Revista Sala Preta, São Paulo, USP, n. 9, p. 183-189, nov. 2009. nomeia vocalidades poéticas, representando polos de uma mesma corrente onde a palavra enunciada ocorre no teatro. Sobre essa corrente, as vocalidades poéticas transitam, de tal forma que o falar (ou o dizer) também carrega aspectos de musicalidade, como ritmo, melodia, timbre e vibração.

O canto como meio e o cantar coletivo como experiência de encontro cumprem uma função na conversa ritualizada, dessa forma correspondendo ao que grotowskianamente se entende como uma outra maneira de falar. É, portanto, também um outro local de existência e cultivo da potência de encante da palavra e da sua decantação, tendo sido sua realização no Workcenter – nos tempos pré-Covid-19 – encontrada no exercício de criação de uma possibilidade de sociabilidade regida pelo que aqui entendemos como o espaço do em-comum (Mbembe, 2017MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.), sobretudo a partir das ações que o Open Program desenvolveu com comunidades afrodiaspóricas nas Américas (EUA e Brasil) e imigrantes africanos na Itália e em outros países europeus. Tais ações foram importantes canais para se praticar o encontro multicultural e pluriétnico na perspectiva da alteridade e do humanismo radical aos quais nos referimos – onde também negros e brancos exercitam a superação das categorizações coloniais como desejava Fanon. Isso porque são encontros construídos pela valorização das presenças diversas, com suas singularidades e politicidades inerentes aos corpos, pela via das relações estabelecidas entre artistas e não-artistas, mediadas pelo cantar e suas diferentes performatividades, com os afetos que provocam (as experiências de gozo e melancolia), plenamente compartilhadas entre as pessoas envolvidas.

A economia de afetos positivados em tais situações, dada pela primazia de uma comunicação avozeada na coralidade, a ação coletiva organizada e sincrônica de corpovozes, ratifica uma atitude própria de uma política de amizade6 6 Temos usado esse termo para propor uma fricção com o termo antônimo políticas de inimizade, proposto por Achille Mbembe, através do qual o autor elabora suas reflexões sobre a necropolítica praticada no mundo desde o século XX. Por meio da noção de políticas de amizade, em nossos estudos atuais, buscamos compreender as formas de associação e cooperação fundadas em práticas artísticas radicalmente humanistas e alteritivas. sustentada na dialogia, articulada pelas componentes técnicopoéticas que organizavam o evento performativo comunitário conduzido pelas atuantes negras e não-negras do Open Program. Um evento, como o Open Choir7 7 Esse evento faz parte de uma série de ações que o Open Program realizou entre os anos de 2013 e 2019, que envolvia formas de integração de um número grande de participantes, profissionais das Artes Cênicas ou não, em estruturas de espetáculos ou em ações performativas espontâneas criadas em torno do ato do canto em coralidade. (Coro Aberto), por exemplo, usando por referência novamente o pensar mbembiano, configura-se em uma ação de evocação da “[...] palavra e da linguagem, não só devido ao poder de revelação e da sua função simbólica, mas principalmente por causa da sua materialidade” (Mbembe, 2017, p. 241MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

O que estamos então defendendo como cantos de experiências negras são uma totalidade comunicacional e oralitural expressa em um cancioneiro que tem identificação precisa num local de origem e nos novos locais de cultura constituídos na diáspora, cultivados em torno de territórios geossimbólicos como lavouras, lavras, senzalas, terreiros, igrejas, prisões e ruas.

São os espaços onde a palavra, sob a forma musical dos cantos, revela escondendo e esconde revelando clamores, esperanças, paixões e acolhimento do mistério insondável, onde a razão, adestrada sob as luzes brancoocidentais, em sua generalidade, não aceita como um limite intransponível da cognição da existência. E ainda, como fenômeno concreto de criação de existência objetiva e subjetiva, individual e coletiva, “[...] sobretudo, dentro dessa instância comunitária, dentro dessa instância de enunciação e de resposta, cantar é sonhar. Cantar é sonhar as frequências. Cantar é sonhar o corpo que canta. Cantar é sonhar para o que se canta” (Santos, 2021SANTOS, Tiganá Santana Neves. Canjica Histórica: Vissungos e Afrobrasilidades. São Paulo: SESC Campo Limpo, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4tL-jd0MJj0&list=PLhKtAoSeBhZuzEceoXGacUwKIdhR1-YB9&index=6. Acesso em: 27 jan. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=4tL-jd0M...
, depoimento pessoal).

A palavra, portanto, como uma articulação do pensar-sentir-dizer manifesto na vocalidade poética do canto, faz parte do todo do gesto que expressa o espírito da experiência que a carnalidade negra provou antes, por dor, banzo, fé, euforia e gozo. Ela irrompe de um silêncio (Mbembe, 2017MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.), mas não de um silêncio nirvânico, mas aquele que antecede uma explosão de vitalidade. Tal irrupção provém sob a forma de vocábulos que se articulam em ideias, fabulações, sensações e imagens de mundo ou, ainda, no lugar de uma articulação semântica, que pode vir como sonoridades ruidosas, ásperas, como no blues não polido dos primeiros tempos do século XX, ondas e radiações de “gritos roucos e uivos – a alucinação” (Mbembe, 2017, p. 233MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.). Uma alucinação como resposta lúcida às violências impostas sobre o ser de uma negritude tornada “inimiga pública número 1” da humanidade do humano ideal, o branco com suas brancuras, branquices e branquificações do mundo.

Os cantos das experiências negras são imagens sonoras dos sujeitos que os corporificaram e incorporaram ao longo dos séculos de movências no Atlântico Negro (diásporas, retornos, trocas culturais compulsórias ou escolhidas) e as exprimiram na saliva de suas línguas. Sendo tecnologias ritoperformativas, desde os contextos das culturas locais de onde advêm (seja em África ou nas Américas), operam sobre a psicofísica dos indivíduos e coletividades das comunidades que os entoam, cientes das forças que eles movem e intenções que os demandam.

Pensando sobre seus afetos no fazer teatral, como apontamos acima, tais cantos propiciam poderosa via objetiva de trabalho sobre si mesmo que o artista cênico pode empreender, o que Grotowski captou e compreendeu ao longo dos seus trabalhos pós-teatrais, nos quais eram parte dos elementos “para trabalhar sobre o corpo, o coração e a cabeça dosatuantes’” (Grotowski, 2012, p. 137GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151., grifo do autor). Tais cantares ofereciam base ao processo de investigação criativa, por meio de suas efetivas qualidades vibratórias e impulsos psicofísicos a eles ligados, que conduziam a um comportamento orgânico do corpo extracotidiano e da realização das ações físicas.

Os cantos tradicionais (como aqueles da linha afro-caribenha), [...] tem suas raízes na organicidade. É sempre o canto-corpo, nunca é o canto dissociado dos impulsos da vida que passam através do corpo; no canto da tradição, não é mais uma questão da posição do corpo ou da manipulação da respiração, e sim dos impulsos e das pequenas ações. Porque os impulsos que atravessam o corpo são exatamente aqueles que carregam o canto (Grotowski, 2012, p. 144GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151.).

Mas os cantos não são meramente forjados de material de trabalho objetivo, finalizado no trabalho subjetivo do/da atuante. Resultam também de um trabalho do e no corpo que canta para o surgimento de uma presença substancial feita de potência de mudança, de afirmação da memória e que reinscreve constantemente a experiência negra no mundo, agindo no tempo-espaço da realidade imediata e nos possíveis do devir. Dessa forma, tais cantos-imagens revelam as forças históricas (as civilizações, os ancestrais e a ancestralidade, a dispersão no além-África), políticas (as defesas da própria existência e agência autônoma na construção de si e de conhecimento) e mitopoéticas (o sagrado, o encantamento do/no mundo, suas formas culturais) com as quais são constituídas. Ou seja, os cantos de experiências negras são arquivos viventes em si e (re)vivificadores da totalidade psicofísica da pessoa, e, além disso, reivindicação e reflexão de/sobre um estatuto existencial, epistemológico e civilizatório das matrizes africanas e suas continuações na diáspora. Assim, tais cantos-imagens ratificam essas mesmas forças, mesmo se opacas, com as quais são constituídas, agindo, sobre as leituras praticadas sobre o corpo negro, como formas de

[...] fotografia, imagens especulares, efígies e até reflexos. Mas são, sobretudo, ícones indiciais, cuja relação com o sujeito é simultaneamente física (no sentido em que estas imagens são fiéis à aparência objetiva do seu autor) e analógica (no sentido em que elas não passam de vestígios indiciais do sujeito). São feitas para capturar quem as olha [ou/e escuta], obrigando-o a baixar as armas (Mbembe, 2017, p. 231MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017., grifo nosso).

O desarme deverá ser da branquitude, quando não-negros atuam com tais cantos, mas também pode ser da negritude, quando negros/afrodescendentes observam a existência de uma ética dessas outridades que agem em relação a esses patrimônios culturais e, nesse momento, o encontro radical no em-comum criado pela situação teatral/performativa se torna realmente possível.

7

Os cantos de experiências negras não são ingênuos, como o discurso folclorista eurocentrado narrava até meados do século XX, quando a construção do campo dos Estudos Culturais trouxe parâmetros críticos para se pensar o fazer cultural em relação às influências sociológicas. Se são tratados por ingênuos, são esvaziados e neutralizados como formas de comunicação e críticas de sentidos de mundo, e assim são colocados como passíveis de terem somente efeitos psicofísicos e valores estéticos absolutos, sendo desqualificados e despotencializados em suas agências políticas.

Sair desse caminho nos leva a compreender que um canto que atua como um relicário de memória ancestral e motriz de devires é uma expressão singular de uma humanidade afro-originária e diaspórica, uma forma efetiva das negritudes se comunicarem no tempo e entre as geografias. Em outras palavras, os cantos como formas continentes de diferentes vozes que agem nas subjetividades dos cantantes e ouvintes, e linguagem específica que temos, como pessoas negras afrodescendentes, “para nos dizer a nós mesmos, para dizer o mundo e agir sobre ele” (Mbembe, 2017, p. 241MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

Por isso esses cantos de experiências negras não podem ser reduzidos a meros produtos de uma ontologia do anonimato, patrimônio imaterial cujo destino é só o domínio público, instrumentos de precisão que poucos cirurgiões negros operam. São bisturis que cortam almas de todas as humanidades no presente – se utilizados com competência espiritual e performativa – e que nasceram porque antes corpos negros foram cortados de suas raízes territoriais e cortados literalmente na própria carne a chicote, ferro, faca ou bala. A “prece carnal” (Grotowski, 2015, p. 24GROTOWSKI, Jerzy. O Príncipe Constante de Riszard Cieslak. Riszard Cieslak: ator-símbolo dos anos sessenta. Tradução de Roberto Mallet. São Paulo: É Realizações, 2015. P. 19-28.) que os gerou, nesse caso, foi mais doída desde o início, mesmo se a aparência do que ouvimos é um júbilo. Não é um júbilo pelo júbilo. É pelo livramento da dor originária causada pela escravitude que inaugurou a larga, longa e profunda estrada líquida do Atlântico Negro.

O cantar das experiências negras no mundo, carregando palavras terapêuticas a serem utilizadas na renovada missão civilizatória da alma humana coberta dos estilhaços das guerras promovidas pelas políticas de inimizade do último século e do atual, faz parte desse complexo discursivo da presença e da representatividade que a voz política da negritude integra e reclama. É mesmo um cantar que diz, um dito em forma musical.

Na era da Terra, precisamos mesmo de uma língua que constantemente fure, perfure e escave como uma broca, saiba ser projétil, uma espécie de direito absoluto, de vontade que, incessantemente, atormente a realidade. A sua função já não é apenas a de fazer soltar os cadeados, mas também de salvar a vida do desastre que assoma (Mbembe, 2017, p. 250MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017.).

Sim, esses tantos cantos ensinam com encante porque são as ferramentas primeiras, antes de para qualquer outra pessoa, dos espíritos criativos negro-africanos e afrodescendentes, que seguem vivos e/ou podem (re)viver (n)aqueles que os cantam.

Grotowski (2012, p. 143)GROTOWSKI, Jerzy. Da companhia teatral à arte como veículo. In: RICHARDS, Thomas. Trabalhar com Grotowski sobre as ações físicas. São Paulo: Perspectiva, 2012. P. 127-151., desde o começo do trabalho com esses cancioneiros, notou que existe o perigo de o cantante ser, repentinamente, cantado, havendo nisso uma perda de si, um tornar-se “propriedade do canto”, em outras palavras, uma submersão na pura ressonância, logo sendo necessário que a pessoa se colocasse vigilante para “ficar de pé”.

Parafraseando, contrariando e nos despedindo do mestre polonês e do Workcenter, por outro ponto de escuta dizemos que os atuantes-cantantes, de qualquer origem étnico-racial, que com eles trabalharam, ficaram de pé, do começo ao fim do ato performativo, justamente porque foram pelas potências dos cantos de experiências negras (re)(en)cantados, e, ao mesmo tempo, mantiveram de pé os próprios cantos, que, através de vozes encarnadas, atravessam os tempos.

Notas

  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • 2
    A noção de em comum é apresentada por Mbembe (2017, p. 68-9)MBEMBE, Achille. Políticas da inimizade. Tradução de Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. como “uma relação de co-pertença e de partilha” do mundo, cuja existência duradoura vincula-se ao fato de que tal relação ocorra entre “o conjunto dos seus dependentes, juntamente com todas as espécies”, algo somente possível a partir da realização de “justiça e reparação”.
  • 3
    Termo oriundo da obra de Constantin Stanislavski, de interpretação aberta e sem uma definição única, mas que se fundamenta na ideia de que o/a artista cênico/a pode desenvolver, em níveis objetivos e subjetivos, a partir de modos responsáveis de relação com a técnica, a ética e o sentido da atuação, um caminho de aprimoramento constante da sua própria percepção, intelecção e ação criativa como pessoa no mundo.
  • 4
    Martins define esse termo como aquilo que compreende o entrelace, através das performatividades corpóreo-vocais, do conjunto epistemológico de uma determinada tradição cultural, que são expressas no agenciamento espaciotemporal das diversidades de manifestações, que inscrevem o conjunto de saberes de um povo através de uma grafia realizada por danças, teatralidades, musicalidades e vocalidades poéticas.
  • 5
    Lienhard (1998)LIENHARD, Martin. O Mar e o Mato: histórias da escravidão (Congo-Angola, Brasil, Caribe). Salvador: EDUFBA/CEAO, 1998. utiliza esse termo para definir o conjunto de elementos performativos que os praticantes do Palo Monte, tradição religiosa afro-cubana de origem bantu, utilizam para estabelecer uma conexão com a África, como idealização da fonte ancestral e do pertencimento ontológico.
  • 6
    Temos usado esse termo para propor uma fricção com o termo antônimo políticas de inimizade, proposto por Achille Mbembe, através do qual o autor elabora suas reflexões sobre a necropolítica praticada no mundo desde o século XX. Por meio da noção de políticas de amizade, em nossos estudos atuais, buscamos compreender as formas de associação e cooperação fundadas em práticas artísticas radicalmente humanistas e alteritivas.
  • 7
    Esse evento faz parte de uma série de ações que o Open Program realizou entre os anos de 2013 e 2019, que envolvia formas de integração de um número grande de participantes, profissionais das Artes Cênicas ou não, em estruturas de espetáculos ou em ações performativas espontâneas criadas em torno do ato do canto em coralidade.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

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Editado por

Editora responsável: Celina Nunes de Alcântara

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    06 Jun 2022
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