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Documentário sobre o processo de criação em dança: história(s) e memória(s) do corpo em movimento

Documentaire sur le processus de création en danse: histoire(s) et mémoire(s) du corps en mouvement(s)

RESUMO

Este artigo pretende refletir sobre uma perspectiva singular de produção histórica de/sobre dança. É a partir de uma relação interdisciplinar, que envolve a dança e o cinema, que o documentário A Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b. é tomado como eixo e objeto empírico de investigação para analisar o processo de criação em uma companhia de dança como produção de uma narrativa memorial sobre o gesto e o corpo em movimento mediado por tecnologia digital. A ancoragem teórica se apoia em autores que tratam de crítica de processo, arquivo memorial, história, documentário e mise-en-scène, como base para se repensar e concluir que, aqui, as fontes documentais primárias são atravessadas pela ficção dançante.

Palavras-chave:
Dança; Documentário; História; Memória; Processo de criação

RÉSUMÉ

Cet article entend réfléchir sur une perspective unique de la production historique de / sur la danse. C'est à partir d'une relation interdisciplinaire, qui implique la danse et le cinéma, que le documentaire A Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b. est pris comme axe et objet empirique d'investigation pour analyser le processus de création dans une compagnie de danse comme la production d'un mémorial narratif sur le geste et le corps en mouvement médiatisés par la technologie numérique. L'ancre théorique est basée sur des auteurs qui traitent de la critique de processus, des archives mémorielles, de l'histoire, du documentaire et de la mise en scène, comme base pour repenser et conclure que, ici, les sources documentaires primaires sont traversées par la fiction de danse.

Mots-clés:
Danse; Documentaire; Histoire; Mémoire; Processus de création

ABSTRACT

This article intend to think on a singular perspective of historical production of/about dance. It is from an interdisciplinary relationship, which involves dance and cinema, that the documentary A Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b. is take as an axis and empirical object of investigation in order to analyze creation processes in a dance company as the production of a narrative memorial on gesture and body in motion mediated by digital technology. This study draws on authors who deal with process criticism, memorial archives, history, documentaries and mise-en-scène as a basis for rethinking and deduce that, here, primary documentary sources are crossed by dance fiction.

Keywords:
Dance; Documentary; History; Memory; Creation process

Introdução

“Vivemos a imagem em nosso cotidiano, em várias dimensões, usos e funções”.

Ulpiano Meneses

É possível observar o discurso polissêmico da imagem proclamada como presença informacional massiva em nosso cotidiano, conforme sugere Meneses:

O emprego de imagens como fonte de informação [histórica] é apenas um dentre tantos (inclusive simultaneamente a outros) e não altera a natureza da coisa, mas se realiza efetivamente em situações culturais específicas, entre várias outras. A mesma imagem, portanto, pode reciclar-se, assumir vários papéis, ressemantizar-se e produzir efeitos diversos… (Meneses, 2003, p. 29MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.23, nº 45, 2003 (p. 11-36). Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/16519.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/165...
).

O olhar da câmera e a filmagem documental de eventos, corpos e danças adquirem, na contemporaneidade, múltiplos papéis e se prestam a distintos efeitos que envolvem discussões sobre representação, presença, copresença, encenação, realidade e ficção. Acredito que propostas e modos variados de registro no campo da cultura audiovisual podem contribuir com a área da História e da Historiografia, sobretudo nas abordagens de histórias na e da dança.

Ainda segundo Meneses, é preciso entender as imagens como espécies de enunciados históricos advindos de interações sociais e alocados em função de um espaço e de um tempo contextual. O autor admite as imagens como coisas visuais com variadas funções, dentre as quais as possíveis funções documentais que interessam sobremaneira à presente proposta investigativa.

Ora, ver com restrições a proposta de desconsiderar as imagens como testemunho histórico, pois elas seriam a própria história, e em lugar de alternativa excludente propor a manutenção de ambas, mascara a necessidade de tomar as coisas visuais antes de mais nada como coisas, que podem prestar-se a diversíssimos usos – entre os quais os documentais, conforme as situações e não por essência ou programa original (Meneses, 2003, p. 29MENESES, Ulpiano Bezerra de. Fontes visuais, cultura visual, história visual: balanço provisório, propostas cautelares. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.23, nº 45, 2003 (p. 11-36). Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/16519.pdf>. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/165...
, grifo nosso).

Tendo em vista a possibilidade de uma “coisa/objeto audiovisual” prestar-se a variadas funções – éticas, estéticas e documentais –, pergunto-me: um documentário cinematográfico poderia ser considerado como um singular registro de processo na criação em dança e produtor de um discurso narrativo – histórico e memorial – sobre o corpo em movimento dançante? Um documentário poderia se constituir em uma fonte primária sobre estratégias indiciais acerca do cotidiano de uma companhia de dança – aulas, ensaios, espetáculos, corpos, espaço de criação, métodos e estéticas coreográficas? O texto/documento que narra – o real atravessado pelo ficcional da mise-en-scène documentária – a história da dança, do movimento e do gesto icônico impressos nos corpos do elenco de uma companhia de dança, poderia ser considerado uma espécie particular de escrita histórico-corpo-gráfica constituída na/pela linguagem cinematográfica?

A partir destas questões norteadoras, tenho por objetivo empreender um percurso investigativo de caráter reflexivo e analítico sobre a encenação de um relato histórico: a concepção da coisa/objeto fílmico documentalA Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b., de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu Nogueira –, detendo-me sobre excertos do documentário que, hipoteticamente, constrói uma perspectiva memorial sobre a Téssera Companhia de Dança, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a partir do registro do processo de criação do espetáculo Black Dog (2016), do diretor e coreógrafo Rafael Pacheco. Os trabalhos e proposições teóricas de Cecília Almeida Salles (2000SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: uma (nova) introdução; fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2000.; 2006; 2010; 2013), além dos conceitos de Jean-Louis Comolli (2008)COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008., Bill Nichols (2005NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 47-68).; 2012) e Fernão Pessoa Ramos (2005RAMOS, Fernão Pessoa. A cicatriz da tomada: documentário, ética e imagem-intensa. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 159-226).; 2008; 2018) serão essenciais para traçar uma linha de raciocínio que se apoia no protagonismo do documentário como um registro privilegiado sobre história(s) na dança.

Parto da constatação de que os diferentes registros “[...] não são feitos necessariamente no código no qual a obra se concretizará” (Salles, 2000, p. 39SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: uma (nova) introdução; fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2000.) e os apontamentos “[...] quando necessário passam por traduções ou passagens para outros códigos” (Salles, 2006, p. 95SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006.). Dessa forma, o filme documental recortado para esta investigação, tecido pelas matrizes de linguagem sonora e visual, registra e relata a dança, mas não lhe traduz no sentido da reconfiguração espontânea do gesto. Ao conter/fazer história, acredito que o documentário pode gerar e encenar “[...] um passado, organizar o material heterogêneo dos fatos para construir no presente uma razão [...] fabricar um objeto e encenar um relato” (Certeau, 1982 p.13-16CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. apud Cunha, 2008, p. 30CUNHA, Maria Teresa Santos. Memória, história, biografia: escritas do eu e do outro, escritas da vida. In: PEREIRA, Roberto; MEYER, Sandra; NORA, Sigrid (org.). Seminários de dança - história em movimento: biografias e registros em dança. Caxias do Sul, RS: Lorigraf, 2008 (p. 27-37).). Os desafios da produção da história e historiografias da e na dança, atualmente, não deixam de estar atravessados por questões postuladas por historiadores que, há muito tempo, perceberam que narrar a história não é equivalente a reproduzir o fenômeno acontecido, mas sim “[...] representar [o fenômeno] de um ponto de vista particular” (Burke, 1992, p. 337BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: EDUSP, 1992 (p. 327-348).).

Assim, na esteira da representação, da encenação, ou seja, o ponto de vista particular – mise-en-scène documentária – também será aqui examinado como ponto crucial para se entender como uma narração sobre processo de criação em dança – em uma companhia que possui 40 anos de percurso investigativo, formativo e artístico – pode organizar e transmitir um tipo particular de ambiente/espaço/tempo de re[a]presentação histórica sobre si a partir do olhar da câmera: uma “câmera ao alcance daqueles que ela filma, objeto perto de seus corpos, presença tátil [...]” (Comolli, 2008, p. 55COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.).

Não se trata, portanto, de narrar a história da Téssera Companhia de Dança da UFPR, em seus 40 anos de existência, destacando obras de seu repertório, a biografia de seus dirigentes e coreógrafos residentes, inserindo-a num contexto institucional a partir de uma “[...] previsibilidade de trajetórias e efeitos da informação estética incompatível com o sentido multidirecional e simultâneo do fluxo de continuidade histórica” (Britto, 2006, p. 130BRITTO, Fabiana Dultra. Evolução da dança é outra história. In: PEREIRA, Roberto; SOTTER, Sílvia. Lições de dança 1. 2ª. ed. Rio de Janeiro: UniverCidade Ed., 2006 (p. 127-134).). O intento, ao contrário, é deter-se sobre uma assimétrica história na dança: a história da companhia focalizada pelas lentes do gesto e do movimento do corpo que dança uma obra coreográfica, que é tanto ícone cinético quanto índice historiográfico, visto que o gesto carregado de dramaticidade e ritual ressoa modos operativos, processo de criação e estética que reverberam no acervo de sua história e vice-versa.

Sob essa perspectiva, pode-se admitir que há uma similaridade com as inferências de Marques e Britto ao se distanciarem de uma concepção historiográfica imbuída de um apego à temporalidade simétrica, contínua e de ordem causal-linear. Marques e Britto (2018)MARQUES, Roberta Ramos; BRITTO, Fabiana Dultra. Reagências do/no presente: propostas para o ensino de uma historiografia da dança corporificada e afetiva. PÓS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, [S,l], v. 8, n. 16, 2018. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15593/pdf_1>. Acesso em: 17 fev. 2021.
https://periodicos.ufmg.br/index.php/rev...
asseveram que:

[...] sob esta concepção de temporalidade assimétrica, a passagem do tempo se expressa pela variação no estado circunstancial das coisas (pessoas, ideias, objetos, lugares, situações), resultante da coafetação a que são submetidas ao longo dos seus processos interativos. Historiografá-las é, então, compreendêlas sob o enfoque da ressonância de suas ações no tempo, para além de suas respectivas durações. Quando se entende a dança como algo que inscreve no corpo, esse comprometimento tácito (que toda criação humana expressa) entre as explicações de mundo e o modo de viver nele, então o corpo passa a ser compreendido como uma narrativa cultural que se constrói coevolutivamente (Marques; Britto, 2018, p. 5-6MARQUES, Roberta Ramos; BRITTO, Fabiana Dultra. Reagências do/no presente: propostas para o ensino de uma historiografia da dança corporificada e afetiva. PÓS: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, [S,l], v. 8, n. 16, 2018. Disponível em: <https://periodicos.ufmg.br/index.php/revistapos/article/view/15593/pdf_1>. Acesso em: 17 fev. 2021.
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).

Historiografar processos interativos que ressoam no tempo para além de suas respectivas durações – como, por exemplo, a construção do gesto que tematiza uma composição coreográfica, trazendo em sua matriz a [identific]ação performática e historiográfica de um coletivo dançante – parece ressoar aqui, também, em uníssono com o pensamento proposto por Britto (2008)BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em dança: parâmetros para uma história contemporânea. Belo Horizonte: Fabiana Dultra Britto/FID, 2008. ao afirmar que a narrativa histórica e memorial do gesto e da dança não tem começo, dado que é processo – “[...] tem eixos de ocorrência. Não tem direção, dado que se processa em rede –, ela tem sentido de continuidade. Não tem etapas, dado que é ininterrupta – tem estágios transitórios. Não tem progresso [...] tem gradualidade de especialização” (Britto, 2008, p. 17BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em dança: parâmetros para uma história contemporânea. Belo Horizonte: Fabiana Dultra Britto/FID, 2008.).

É do gesto performático que se traduz em dança e se reveste de uma matriz histórica no seu eixo de ocorrência processual e temporalmente assimétrico – uma companhia de dança que atua em um espaço institucional – que este estudo se compõe. Admito que é o gesto que alimenta o sentido no/do movimento, na/da coreografia, no/do espetáculo e na/da dança. É por esse motivo, portanto, que a Crítica Genética é trazida como abordagem metodológica na possível elucidação de alguns aspectos formais, estéticos e conceituais do gesto performático no processo de criação em dança. Além de produzir significados, os gestos produzem, historicamente, uma consistência reiterada que pode estar relacionada aos modos particulares de organização de um determinado pensamento.

A abordagem da crítica de processo de criação envolve a história porque se reveste de gesto impregnado de pensar-fazer dança em um coletivo caracteristicamente reconhecido pela performance carregada de dramaticidade em suas práticas presentificadas no espaço performático/palco/cena. Historiografar ou documentar de forma audiovisual o momento de criação de uma obra, nesse coletivo dançante, é revestir a sua prática, atravessada por uma temporalidade cronológica de 40 anos, na descrição, análise e interpretação de seus possíveis discursos estéticos e historicamente situados. Esse projeto historiográfico certamente gera tensões entre os modos de pensar-fazer-enunciar dança, a partir de uma instituição de ensino superior pública e gratuita que alberga a referida companhia.

Nesse sentido, Roger Chartier (1994)CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos históricos. Rio de Janeiro, v.7, n.13, 1994. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ reh/article/view/1973>. Acesso em: 18 fev. 2021.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/inde...
, assevera que:

[…] o objeto fundamental de uma história cujo projeto é reconhecer a maneira como os atores sociais investem de sentido suas práticas e seus discursos parece-me residir na tensão entre as capacidades inventivas dos indivíduos ou das comunidades e os constrangimentos, as normas, as convenções que limitam - mais ou menos fortemente, dependendo de sua posição nas relações de dominação – o que lhes é possível pensar, enunciar e fazer. A constatação vale para uma história das obras letradas e das produções estéticas, sempre inscritas no campo dos possíveis que as tornam pensáveis, comunicáveis e compreensíveis (Chartier, 1994, p. 106CHARTIER, Roger. A história hoje: dúvidas, desafios, propostas. Estudos históricos. Rio de Janeiro, v.7, n.13, 1994. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/ reh/article/view/1973>. Acesso em: 18 fev. 2021.
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/inde...
, grifo nosso).

Se Chartier destaca que a história das obras e das produções estéticas – leia-se uma obra de dança – encontram-se no campo dos possíveis e, por se revestirem de uma intencionalidade comunicativa, podem se tornar compreensíveis, admito, aqui, que estamos a encenar figurações histórico-corpo-gráficas sobre processos de criação em dança como molas propulsoras para se repensar a própria dança.

Cabe mencionar ainda que, ao se admitir que a dança só tem sentido se dançada (Katz, 2005KATZ, Helena. Um, dois, três. A dança é o pensamento do corpo. Belo Horizonte: Helena Katz/FID, 2005.) e que o corpo que dança ocupa um papel fundamental na elaboração de um discurso histórico-corpo-gráfico sobre um determinado conjunto – leia-se Téssera Companhia de Dança da UFPR –, trago novamente o raciocínio de Brito ao destacar que “[...] o relacionamento entre o mundo, o corpo que nele vive e a dança que este corpo faz, está baseado em mecanismo de comunicação [...] cujos efeitos se propagam ao longo do tempo, resultando em níveis variados de organização do conjunto” (Britto, 2008, p. 22BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em dança: parâmetros para uma história contemporânea. Belo Horizonte: Fabiana Dultra Britto/FID, 2008.).

Para os esclarecimentos sobre as escolhas aqui delineadas – treino de percepção e raciocínio lógico/analítico, sem prescindir das tecnologias de captura de movimento –, destaco que a crítica de processos adequa-se aos objetivos da investigação, visto que, segundo Salles, “[...] na medida em que lidamos com os registros que o artista faz ao longo do percurso de construção de sua obra [...] estamos acompanhando o trabalho contínuo do artista e, assim, observando que o ato criador é resultado de um processo” (Salles, 2000, p. 21SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: uma (nova) introdução; fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2000.). Saliento que, nesse sentido, o interesse crescente pelo processo e pela artesania que ronda a criação de um espetáculo/cena, seja na dança ou no teatro, fomentou, em 2013, uma iniciativa pioneira da Revista Brasileira de Estudos da Presença ao publicar um dossiê denominado Genética Teatral inteiramente dedicado ao assunto.1 1 O dossiê Genética Teatral da Revista Brasileira de Estudos da Presença [v. 3, n. 2, jun. 2013] pode ser consultado em: <https://www.seer.ufrgs.br/presenca/issue/view/1770>. Acesso em: 03 ago. 2021.

Para encerrar esta seção introdutória, a referida Companhia será perscrutada de forma histórico-corpo-gráfica e pelo viés de uma fonte primária que, por sua vez, se detém sobre a mise-en-scène documentária que registra o percurso de construção de um gesto impregnado de nexos relacionais, como em uma rede que compreende a história, a estética e a identidade da referida companhia. Para esse intento, apresento, a seguir, uma breve contextualização da companhia de dança.

Sobre História da/na Dança – Téssera Companhia de Dança da UFPR como um sistema organizativo espaço-temporal

A companhia paranaense, criada em 1981 e dirigida por Rafael Pacheco, atua no cenário da dança moderna há 40 anos (1981-2021). Ela está inserida em uma estrutura institucional de ensino superior pública e gratuita e é vinculada à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura e à Coordenadoria de Cultura da Universidade Federal do Paraná.

Em uma consulta ao site institucional2 2 A referida companhia mantém um site específico narrando sua trajetória histórica cronológica, além de destacar obras de seu repertório coreográfico, os recursos humanos filiados ao coletivo, além de manter uma galeria fotográfica disponível para consulta em: <http://www.tessera.ufpr.br/>. Acesso em: 05 mar 2021. , percebe-se, pelos excertos de textos destacados no campo sobre, que o trabalho coreográfico ali desenvolvido opera a partir de uma matriz de pensamento corporalizado técnica e esteticamente e que provém de uma dança de raiz germânica “[...] atualizada pelos elementos de teatro que a contaminam, fazendo com que a sua identidade cênica seja (re)conhecida pelo padrão coreográfico simbólico, ritualista e com alta carga dramática acentuada pelo gesto performático” (Wosniak, 2020, p. 88WOSNIAK, Cristiane. Corpo, dança e alma do gesto: a criação de um ícone cinético pelo viés da crítica genética In: SANTAELLA, Lucia; MOTTA, Everson (org.). Dança sob o signo do múltiplo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2020 (p. 85-106).). Nessa estrutura histórica e organizativa de um pensamento teórico e estético que se traduz na dança aqui professada, convém mencionar Rudolf von Laban (1879-1958), Mary Wigman (1886-1973) e Hanya Holm (1893-1992) como importantes sínteses informacionais com as quais a companhia negociou adaptações que envolveram sua própria interação com o contexto local, regional e nacional.

A dança em Curitiba, segundo a autora (2008) tem uma forte herança de sua inevitável colonização. “Cerca de doze etnias compõem a cultura e a identidade do Paraná: alemães, ucranianos, poloneses [...]”, (Wosniak, 2008, p. 228WOSNIAK, Cristiane. Um olhar institucional sobre a história da dança em Curitiba. In: PEREIRA, Roberto; MEYER, Sandra; NORA, Sigrid (org.). Seminários de dança – histórias em movimento: biografias e registros em dança. Caxias do Sul: Lorigraf, 2008 (p. 227-234)., grifo nosso), adquirindo especificidades provenientes dessa suposta hereditariedade. Nesse sentido, como afirma Britto “[...] cada corpo, com suas heranças, oferece condições particulares para processarem-se as aquisições que o modificam, cumprindo ajustes adequatórios [...] para fins de inteligibilidade da informação processada” (2008, p. 29).

A dança, construída historicamente no âmbito da companhia, modificou-se ao longo de 40 anos, influenciada pelos aparatos – contaminantes – com o entorno e com a ação do próprio tempo nos resíduos das matrizes que influenciaram a proposta estética em seus primórdios. Os efeitos e traços coevolutivos não deixam de se reportar às matrizes geradoras da dança, fortemente impregnada do gesto significativo proposto por Laban, ou da interpretação carregada de um tom expressionista observada nas obras de Wigman, mas o faz, ao longo do tempo, dialogando com complexas redes de interação interdisciplinares ao seu alcance.

Os elementos do teatro, por exemplo, também são trazidos na constituição do gesto dançado no seio da companhia. Desde 1984, observa-se, no referido site, informações que dão conta de fortes influências advindas de teorias e dramaturgias postuladas por Constantin Stanislavski (1863-1938) e Jerzy Grotowski (1933-1999) na confluência de um pensamento de dança contaminado pelo teatro. Não se trata aqui de professar uma história calcada em heranças técnicas e estéticas consanguíneas ou genéticas, visto que, como atesta Britto (2008)BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em dança: parâmetros para uma história contemporânea. Belo Horizonte: Fabiana Dultra Britto/FID, 2008., esse raciocínio não seria capaz de explicar as variações de formulação e os padrões divergentes de dança para corpos e/ou companhias que explicitam raízes em comum.

A dança é, portanto, um produto histórico da ação humana: cada corpo constrói uma dança própria que, no entanto, é relativa ao conjunto de conhecimentos disponibilizados em cada circunstância histórica e aos padrões associativos que o corpo desenvolve para estabelecer as suas correlações com o mundo – outros corpos, outras danças, outros conhecimentos. E a história da dança é uma narrativa das coerências instauradas através dessas suas correlações (Britto, 2008, p. 30BRITTO, Fabiana Dultra. Temporalidade em dança: parâmetros para uma história contemporânea. Belo Horizonte: Fabiana Dultra Britto/FID, 2008.).

A narrativa das coerências instauradas no coletivo dançante é um produto historiográfico que se dá a ver – em seus registros em obras impressas e audiovisuais, mas, acima de tudo, no site institucional – a partir de uma multiplicidade de informações sobre a sua trajetória artística e criativa estabelecida em cada uma das quatro décadas/circunstâncias em suas correlações determinadas pelo espaço e pelo tempo de permanências e desdobramentos dos conhecimentos ali gerados.

Em um desses desdobramentos multidirecionais e simultâneos que irrompem do fluxo indicial de continuidade histórica da companhia, destaco o ano de 2016, em que mais um processo de pesquisa, roteirização e criação coreográfica foi concluído e teve sua estreia no mês de novembro no Teatro da Reitoria da UFPR. No material impresso do espetáculo e em consulta ao referido site, é possível ter acesso às informações sobre a obra coreográfica Black Dog, construída a partir de metáforas sintomáticas pautadas em uma questão premente da contemporaneidade: a depressão. O coreógrafo, Rafael Pacheco, construiu uma narrativa de 60 minutos baseando-se em seis sintomas do transtorno psicossocial, revelando em cena, além do gesto, da dança e da interpretação teatral, os pressupostos históricos contidos na [identific]ação performática do grupo.

Em um trecho de entrevista concedida ao/à autor/a, Pacheco explicita seus anseios na construção de um gesto que carregue não apenas intencionalidade emocional, mas também, caso isso seja possível, a história/identidade de uma companhia que tem no corpo movente a mídia primária de complexos registros corporais que albergam a alma do gesto:

[...] Eu me embasei nos estudos sobre depressão, muitas leituras, depoimentos, documentários sobre o tema, mas este foi apenas o primeiro estágio. No processo de criação dos personagens que dariam abrigo às ideias em jogo eu precisava acessar o gesto pela sensação, pela entrega ao exercício de composição do sintoma. Eu precisava acessar a alma do gesto. Não tinha outro jeito... (Pacheco, 2017PACHECO, Rafael. Entrevista concedida ao/à autora. Curitiba, PR, 30 de março de 2017. [transcrita; não publicada]., grifo nosso).

A questão da identidade da companhia, reforçada em cada obra, em cada projeto levado à cena, não deixa de impregnar o gesto icônico de matizes históricas. Em um trecho de uma matéria jornalística concedida ao Portal UFPR Notícias, o coreógrafo destaca: “[...] a Téssera trabalha com emoção, temas fortes e polêmicos. Através dessa emoção, a companhia conseguiu ter uma identidade própria. As pessoas identificam o trabalho da companhia. O filme é importante para mostrar essa identidade” (Murakami, 2020MURAKAMI, Lais. Documentário com Téssera Companhia de Dança é selecionado para festival internacional de cinema. Portal UFPR Notícias. 27 ago. 2020. Disponível em: <https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/documentario-com-tes-sera-companhia-de-danca-e-selecionado-para-festival-internacional-de-cinema/>. Acesso em: 23 mar. 2021.
https://www.ufpr.br/portalufpr/noticias/...
, grifo nosso). A partir desse depoimento, é possível admitir que o gesto pensado/dançado na companhia também se reporta ao público; a recepção da carga emocional do gesto deve estar equilibrada à recepção dos desenhos de movimento no espaço. A composição coreográfica é gerada a partir da relação entre emoção, alma, sentimento, interpretação e movimento.

O próximo passo para se repensar parâmetros metodológicos de estudo sobre a assimétrica história na/da dança da referida companhia será pelas lentes do gesto e do movimento dos corpos que dançam Black Dog e que serão explicitados, aqui, tanto como ícones cinéticos quanto como índices histórico-corpo-gráficos, visto que o gesto, carregado de dramaticidade e de ritual, ressoa modos operativos, processo de criação e estética que reverberam em sua história e vice-versa.

É, portanto, com a observação, a descrição e a análise do documento audiovisual A Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b. que irei me defrontar, procurando retirar de determinados excertos possíveis generalizações histórico-corpo-gráficas. É nesse sentido que Salles nos adverte para manter um olhar interpretativo relacional – para este singular documento audiovisual – “[...] que seja capaz de superar nossas tendências para a segmentação das análises e que se habilite a estabelecer nexos e nomeá-los [...] abrir espaço para interpretações das relações que os conectam” (Salles, 2010, p. 16SALLES, Cecília de Almeida. Arquivos de criação: arte e curadoria. Vinhedo: Horizonte, 2010.).

Uma importante interconexão a ser levada a termo no presente estudo envolve a relação espacial da companhia em seu ambiente de criação e que admite também parâmetros temporais, o trato com a memória institucional e que atravessa os corpos/mídias primárias em reconstituição cíclica e assimétrica, traduzidas por um pensamento em constante processo de criação. Isso porque a história é também um constante processo de criação e reelaboração.

O documentário A Alma do Gesto como um sistema de registro memorial: mise-en-scène histórico-corpo-gráfica?

A Alma do Gesto é um longa-metragem documental [65 minutos] com registro cromático em preto e branco (p/b), nascido no âmbito de investigações comuns aos integrantes – artistas/docentes/pesquisadores – de dois grupos de pesquisa vinculados ao Programa de Pós-Graduação – Mestrado Acadêmico em Cinema e Artes do Vídeo (PPG-CINEAV) da Universidade Estadual do Paraná (Unespar). Os diretores e roteiristas, interessados no processo de criação nas artes do corpo, reúnem uma equipe multidisciplinar, formada prioritariamente por acadêmicos do curso de Bacharelado em Cinema e Audiovisual e da pós-graduação, para participarem do processo de realização fílmica em diversas funções técnicas.3 3 O filme foi produzido no âmbito do Laboratório de Investigações de Cinema e Audiovisual (LICA/Unespar) como atividade investigativa vinculada aos grupos de pesquisa CineCriare (Cinema: criação e reflexão – PPG-CINEAV/Unespar/CNPq) e Kinedária – Arte, Poética, Cinema, Vídeo (PPG-CINEAV/Unespar/CNPq) a partir do interesse nos processos de criação da Téssera Companhia de Dança da UFPR. A realização do filme foi possível a partir da parceria firmada entre a Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio de sua Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) e da Coordenadoria de Cultura (COC). A estreia pública do filme aconteceu em outubro de 2020, na 9ª edição do Mirada Paranaense, que faz parte do Olhar de Cinema – Curitiba Int’l Film Festival. A Alma do Gesto foi premiado como melhor filme documentário de longa-metragem no Rameshwaram International Film Festival (RIFF), na Índia (2020) e foi semifinalista no Luleå International Film Festival, na Suécia (2021). *Por estar em circuito de mostras e festivais competitivos, nacionais e internacionais, o filme ainda não está com link disponível para acesso online.

Durante o ano de 2016, as filmagens compreenderam o processo de avaliação anual/audição pública para os integrantes da companhia no mês de fevereiro, a rotina diária com aulas práticas de técnica de dança moderna, improvisação e composição coreográfica, além de laboratórios de interpretação teatral e dezenas de sessões de ensaios que envolveram o registro memorial da criação dos gestos, a estruturação de cada uma das personagens e a repetição das sequências de movimentos à exaustão, preparando o espetáculo para a sua estreia no teatro da Reitoria da UFPR em novembro do mesmo ano.

Ao pensarmos sobre o conceito de registro memorial, torna-se necessário evidenciar a origem etimológica da palavra de origem latina – regestum –, que, como assevera Ribeiro (2020, p. 3)RIBEIRO, Mônica Medeiros. De registros a reflexões sobre o corpo em processo de criação. Rev. Bras. Estud. Presença, Porto Alegre, v. 10, n. 4, e100061, 2020. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602020000400204&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 15 set. 2020. https://doi.org/10.1590/2237-2660100061.
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, “[...] significa a retomada de algo que já aconteceu (re-gestum), se refere à transcrição e à escrita de informações importantes”. Nesse caso, o filme A Alma do Gesto – em sua matriz imagética e sonora –, além de se configurar como uma espécie de manifesto performativo sobre o ato de criação em dança, reveste-se também de um importante registro discursivo, documental e memorial histórico-corpo-gráfico. Mas de onde parte a noção de registro documental, que traz aportes historiográficos para o corpo que se move e dança sua própria história?

A coexistência de concepções teóricas e práxis documentárias antagonistas é ainda corrente nos debates atuais sobre este modo particular de se pensar-fazer cinema. O documentário pode ser vislumbrado como um entre-lugar que, por meio da representação – encenação ou mise-en-scène –, produz diferentes asserções sobre a realidade. De acordo com Bordwell e Thompson, a mise-en-scène significa “[...] pôr em cena, uma palavra aplicada, a princípio, à prática de direção teatral” (2013, p. 205). Nas artes cinematográficas referese a tudo o que o/a diretor/a escolhe e recorta para colocar no quadro fílmico, assim, o/a diretor/a encena o evento para a câmera.

No caso de A Alma do Gesto, trata-se de um modo particular de registro documental sobre o processo de criação artística, no qual a voz real/referente do corpo que se move e dança é continuamente atravessada pela ficção documentarizante. Então, seria prudente considerar esse processo cinematográfico documental contaminado pela ficção como um testemunho histórico assimétrico sobre a história de/sobre dança da própria companhia?

Trago para essa reflexão, em uma tentativa de elucidar possíveis caminhos para pensar e responder à questão retórica, dois teóricos, Ramos e Nichols, que compreendem o documentário como um tipo distinto de filme. Segundo Ramos, um documentário é uma espécie de discurso ou narrativa representacional “[...] que estabelece asserções com imagens e sons, ou com o auxílio de imagens e sons, utilizando-se das formas habituais da linguagem falada ou escrita (a fala da locução, ou a fala dos homens e mulheres no mundo, ou ainda entrevistas e depoimentos), ruídos ou música” (2008, p. 81). Já para Nichols, o contexto histórico e a questão de representação são essenciais na formulação de um conceito para o filme documental, visto que retratam representações de imagens e sons a partir do mundo histórico vivido e experienciado, de fato, pelos indivíduos – atores e atrizes sociais. Os documentários “[...] elaboram argumentos ou formulam suas próprias estratégias persuasivas, visando convencer-nos a aceitar suas opiniões [...] a ideia de representação é fundamental para o documentário” (Nichols, 2012, p. 30NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.).

A partir da leitura desses pressupostos, destaca-se a compreensão do filme documental como forma específica de representação, que traz um saber baseado em asserções sobre o universo histórico que compartilhamos. Esse universo coincide com o caráter indicial da imagem, peculiarmente intensa no cinema documentário, visto que o momento da captação – do olhar da câmera sobre o fenômeno/ação/sujeitos filmados –, a indicialidade entre as imagens e mundo e a dimensão da tomada são apontados por Ramos (2005RAMOS, Fernão Pessoa. A cicatriz da tomada: documentário, ética e imagem-intensa. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 159-226).; 2008; 2018) como fator fundamental na distinção do documentário em relação aos demais tipos de filmes. Essa suposta indexicalidade é condição formal para se pensar o documentário como potente fonte primária que postula aspectos memoriais e histórico-corpo-gráficos sobre o universo da dança.

Em A Alma do Gesto, Baggio e Nogueira se apropriam da presença da voz dançante – evocada em depoimentos corporalizados, da elocução verbal condutora de estados corporais e imagens metafóricas na criação do gesto coreográfico – e de encenação em locações diversas. Se na narrativa ficcional ocorre a utilização de atores e atrizes que representam personagens fictícios, “[...] a narrativa documentária prefere trabalhar os próprios corpos que encarnam as personalidades no mundo, ou utiliza-se de pessoas que experimentam de modo próximo o universo mostrado” (Ramos, 2008, p. 26RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac/SP, 2008.).

É por esse ângulo – a experimentação de um universo próximo – que ingressamos na análise do primeiro excerto do documentário [minutagem: 10’:24’’até 11’:18’’], em que o diretor e coreógrafo solicita verbalmente que as atrizes sociais – duas dançarinas – movam-se e executem o gesto simbólico que está a ser elaborado naquele momento singular do processo de criação da obra Black Dog. Pacheco, habitando cenicamente uma sala/estúdio de dança e em frente a um conjunto de espelhos, enuncia: “[...] braço direito, ele leva o gesto na altura do olho; essa mão um pouco mais solta, porque é um movimento primal de proteção, assim...” (A Alma do Gesto, 2020A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b.). Em uma analogia aos pressupostos de Ramos (2005RAMOS, Fernão Pessoa. A cicatriz da tomada: documentário, ética e imagem-intensa. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 159-226).; 2008; 2018), pode-se afirmar que, os atores/atrizes sociais reconhecem e rememoram as informações e [identific]ações históricas da companhia com seus corpos que enunciam, por sua vez, um jogo especular entre passado virtualizado e presente atualizado. Quando representam ou encenam, as dançarinas vislumbradas nesse excerto, ao receberem informações verbais e se pronunciarem como performers, acabam por formalizar um jogo especular no qual representam a si mesmas, enquanto argumentam sobre fatos históricos, memoriais e afetivos sobre si e sobre os outros membros da referida companhia. Seus corpos habitam o universo próximo a elas: o lugar do nascedouro de sua arte, o estúdio de dança. Seus corpos celebram uma voz de alteridade documentária a partir de personagens – auto-mise-en-scène – construídos perante o olhar da câmera. Entretanto, nem por isso deixam de encenar a história da criação do gesto naquele exato momento (Figura 01).

Figura 1
Processo de criação de um gesto icônico cinético na obra Black Dog (2016)

Na corroboração dessa hipótese, recorro a Mocarzel (2014)MOCARZEL, Evaldo Vinagre. Auto-mise-en-scène: ficção e documentário na cena contemporânea. Sala Preta, [S. l.], v. 14, n. 2, p. 171-181, 2014. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/84582>. Acesso em: 18 fev. 2021.
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, que atesta que ao nos colocarmos em cena perante uma câmera ou até mesmo num palco, imediatamente criamos uma “[...] alteridade de nós mesmos, um personagem além, mas, ao mesmo tempo, a partir de nós mesmos, que acaba adquirindo vida própria como em uma assumida obra de ficção” (Mocarzel, 2014, p. 177MOCARZEL, Evaldo Vinagre. Auto-mise-en-scène: ficção e documentário na cena contemporânea. Sala Preta, [S. l.], v. 14, n. 2, p. 171-181, 2014. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/84582>. Acesso em: 18 fev. 2021.
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, grifo nosso). A voz documentária, nesse caso, argumenta em prol de uma suposta identidade histórica construída pelo gesto impregnado de sentidos albergados em si e recortados pelo olhar da câmera.

A noção de argumento/argumentação, para Nichols (2005NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 47-68).; 2012), não está restrita ao que é dito verbalmente. É expressa também na construção dos planos e na relação estabelecida entre eles por meio da montagem, na utilização do som ou na ausência dele, no tipo de cronologia narrativa utilizada, na escolha dos tipos de imagem em suas diferentes tomadas, angulações de câmera e efeitos de transição entre os planos, o que se denomina de voz ou modo de representação. O autor postula a existência de seis modos de representação: expositivo, poético, observativo, participativo, reflexivo e performático.

O objeto empírico dessa investigação é um documentário sobre processo de criação artística e de registro memorial do gesto coreográfico, além de se revestir, predominantemente, de um modo observativo que tem no movimento estadunidense do Cinema Direto seu principal expoente. Nesse modo de representação, busca-se diminuir ao máximo a intervenção dos realizadores no registro de determinado tema ou acontecimento. Como uma espécie de mosca na parede, o cineasta – ou sujeito da câmera – procura filmar em busca de momentos verdadeiros, que serão transformados em narrativa no momento da montagem.

Documentários de modo observativo acabam por sacrificar a expressão artística convencional – efeitos de acabamento/tratamento de imagens e manipulação com efeitos de pós-produção. Assim, eles priorizam imagens granuladas, pouco iluminadas e mudanças violentas de direção, com a finalidade de trazer à tela o aspecto contextual mais verdadeiro, histórico e real possível, na tomada da cena.

No segundo excerto de A Alma do Gesto [minutagem: 12’:38’’ até 13’:08’’], vislumbramos a valorização da experiência do momento da captura da imagem, a história da criação de mais um gesto icônico da obra coreográfica Black Dog, onde e como ele acontece, sem roteiros prévios e fixos. Tratase do aspecto que Nichols (2005, p. 54)NICHOLS, Bill. A voz do documentário. In: RAMOS, Fernão Pessoa (org.). Teoria contemporânea do cinema – volume II: documentário e narratividade ficcional. São Paulo: Ed. Senac-SP, 2005 (p. 47-68). define como “[...] passagem da expressividade artística para a revelação histórica [do fato em si]”, o que faz com que não prevaleça, neste tipo de documentário, o apelo estratégico da construção textual.

Nessa mise-en-scène histórico-corpo-gráfica, o coreógrafo encontra-se imerso na elaboração de um conjunto de gestos a partir de uma ideia de movimento que parte da sensação de confinamento, de cerceamento do movimento infligido pelo medo – referindo-se metaforicamente a um dos sintomas da depressão/mote da obra Black Dog: a síndrome do pânico de estar sozinho – e o faz verbalizando instruções, coordenadas sinestésicas, além de corporalmente presentificar modelos e padrões de movimentos que poderiam estar presentes na partitura coreográfica das atrizes sociais convocadas para a composição da cena.

O coreógrafo, focalizado em plano médio ao centro do enquadramento e à frente de dois imensos arcos das janelas do estúdio de dança (Figura 02), alude às sensações que devem impregnar o nascimento do gesto:

Então... vejam: eu aqui, não tenho muito escape... Nem a Dani. Vá para lá, Dani, ponha a cabeça ali perto da Bruna, olhem... Tá muito aqui em cima: isso aqui não... [demonstrando um gesto]. A ideia não é a compressão [executa um gesto com as mãos fechadas]. Essa compressão que vocês estão fazendo... Eu tenho um pouco de espaço. Eu tenho como ir pra lá, pra cá, de repente eu posso tentar até sair pra cá... Isso, Bruna: olha o medo. O gesto é pequeno, respira, vem vindo e... achou a ideia. É isso! [exclamando no exato momento em que a dançarina traz no semblante e na respiração suspensa a compreensão da ideia do gesto] (A Alma do Gesto, 2020A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b.).

Figura 2
Processo de criação/elucidação da emoção a impregnar o gesto em Black Dog (2016)

Esse procedimento – elocução do ator social/coreógrafo –, efetuado no momento de criação do gesto, acaba por tematizar a identidade histórica da Téssera Companhia de Dança da UFPR, se levarmos em consideração as informações constantes nas fontes primárias consultadas no site institucional e extraída de uma entrevista com o coreógrafo em 2020:

[...]é a questão do gesto. Sempre é o gesto. Quando penso na criação de uma nova coreografia lá vem o tema me impregnar a pesquisa de movimentos, argumentos, as ideias das formas, agrupamentos, personagens – a Téssera é assim, né?! A dança é sempre impregnada de elementos de teatro; o movimento veste o personagem, faz ele se mover, faz ele entender porque se move, como se move. O gesto fala de emoção que vem da intenção. Não acredito em movimento pelo movimento. Este não é o credo artístico da Companhia [...] Não importa a obra em que eu esteja trabalhando com o elenco: parto sempre da compreensão do gesto. Os dançarinos estão implicados neste momento de criação. Eu não trago a coisa pronta. Vamos juntos neste nascimento do gesto, é assim [...]. Se o gesto e movimento carregam história? Não tenho dúvidas... Acho que o gesto e movimento que fazem a Dança, são a história da Companhia, porque uma Companhia de Dança é feita de danças que se sucedem no tempo... Aqui é assim, cada dança tem particularidades, mas todas falam de uma identidade; o gesto na Téssera é carregado de alma, de intenção, de fogo, de entrega... E essa história já tem lá seus 39 anos... (Pacheco, 2020PACHECO, Rafael. Entrevista concedida ao/à autora. Curitiba, PR, 16 de novembro de 2020. [transcrita; não publicada].).

A focalização da performer, em primeiro plano e sozinha no centro da tela, na expressão teatralizada do gesto em sua plenitude de forma e carga emocional, atesta um timbre, ou seja, uma identidade, um traço histórico do processo de criação. Uma tal concepção de mise-en-scène histórico-corpo-gráfica também se constitui em relevante registro memorial, como estamos aqui a afirmar, pois, de acordo com Nichols (2012)NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012., pode-se memorizar uma enunciação discursiva desenvolvendo-se uma espécie de encenação dessa memória com o objetivo de lembrar, guardar e registrar o que se quer como referência a um objeto, sujeito ou instituição. Esse teatralizar “[...] compreende a localização criativa dos componentes do discurso em partes diferentes de um ambiente familiar” (Nichols, 2012, p. 90NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.).

O ambiente familiarizado é vital para um conceito como a “[...] encenação-locação”4 4 A encenação-locação compreende a ação localizada do sujeito-da-câmera [referese aqui a toda a equipe cinematográfica presente no local da tomada da cena] e que solicita que os atores a atrizes sociais – nesse caso, tanto o diretor/coreógrafo, quanto o elenco da Téssera Companhia de Dança da UFPR – desenvolvam ações cotidianas com a finalidade de representar/encenar para a câmera atos que executam, de fato, nas circunstâncias históricas do mundo vivido. (Ramos, 2008, p. 42RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac/SP, 2008.), em que os atores e atrizes sociais – personagens reais atravessados pela ficção da mise-en-scène documentária – movem-se numa determinada ordem promovida pela montagem cinematográfica, reforçando, assim, os argumentos historiográficos depositados no processo de criação coreográfica que fala da identidade histórico-corpo-gráfica da companhia a partir do olhar da câmera. Como declara Nichols:

Já que filmes não são proferidos como discurso espontâneo, o papel da memória neles aprofunda-se de duas maneiras: em primeiro lugar, o filme em si é um tangível ‘teatro da memória’. É uma representação externa e visível do que foi dito e feito. Como a escrita, o filme alivia o fardo de contar sequência e detalhe à memória. O filme pode se converter numa ‘fonte de memória [...]’, dando-nos a sensação vívida de como alguma coisa aconteceu num determinado tempo e lugar (Nichols, 2012, p. 90NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012., grifo nosso).

A sensação que experimentamos ao assistir ao documentário é a de que alguma coisa – processo de criação artística de uma obra de dança e a sua consequente apresentação pública – aconteceu num determinado tempo e lugar. Essas são as marcas espaciais e temporais tangíveis deixadas pelo pronunciamento contido do documento de registro memorial.

O pronunciamento no documentário A Alma do Gesto constrói-se em duas instâncias: a voz e o gesto ou que Nichols descreve como “[...] comentário e perspectiva” (Nichols, 2012, p. 92NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.), apresentando os argumentos envolvidos no processo de criação da obra a partir da perspectiva do gesto capturado pelo olhar da câmera. Enquanto o gesto compreende comunicação não verbal, a voz do coreógrafo, por sua vez, irrompe com eloquentes indicações verbalizadas e atenta para imagens mentais e metáforas, ao conduzir passo a passo a elaboração do gesto a partir de intensa carga emotiva – marca registrada no pensar-fazer dança no coletivo, desde o processo em sala de aula, nos ensaios e na sua consecução na cena performativa no palco.

No terceiro excerto do documentário [minutagem: 21’:42’’até 54’:27’], vislumbra-se, finalmente, a consecução da obra, ou seja, a passagem do documento processual de criação do gesto em sala de aula/estúdio, por meio de ensaios até a performance final que tem lugar no palco do teatro da Reitoria da UFPR (Figura 03).

Figura 3
Apropriação do gesto na sala de ensaios e a performance final – em Black Dog (2016)

No decorrer desse longo excerto, conscientizamo-nos de que “[...] a obra de arte é, com raras exceções, resultado de um trabalho que se caracteriza por transformação progressiva, que exige, por parte do artista, investimento de tempo, dedicação e disciplina”, conforme observado por Salles (2000, p. 22)SALLES, Cecília Almeida. Crítica genética: uma (nova) introdução; fundamentos dos estudos genéticos sobre o processo de criação artística. 2.ed. São Paulo: EDUC, 2000.. Foi na certeza da existência desse processo [trans]formativo da obra Black Dog que decidi elucidar, por meio do registro documental fílmico, o processo da gênese do gesto e da obra, encarando-os como vestígios memoriais e como importante acervo histórico-corpo-gráfico da referida companhia.

Salles (2006SALLES, Cecília Almeida. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Horizonte, 2006.; 2010) afirma que, ao nos aproximarmos do universo do processo de criação, somos capazes de desvendar, na medida do possível e diante dos documentos disponíveis, as camadas superpostas de uma obra artística. É diante da ação processual, ou melhor, diante dos documentos e registros de processo que “[...] passamos a compreender a gênese da obra e não apenas a ‘obra finalizada’ entregue ao público espectador” (Salles, 2013, p. 21SALLES, Cecília de Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. 6.ed. São Paulo: Intermeios, 2013.). Nesse documentar processual, o registro faz emergir, mais uma vez, a própria mise-en-scène documentária aqui empreendida.

Em uma visada particular para esse terceiro excerto, observamos o olhar atento do diretor/coreógrafo sobre a execução dos movimentos em rigorosos ensaios, sempre acompanhados de estímulos verbais. Sabemos tratar-se de um argumento constante. Na consecução da obra Black Dog, levada ao palco em novembro de 2016, o sujeito-da-câmera em sua edição, também perform[a]tiva, compõe a cena documental durante o processo de montagem, a partir dos planos que serão definidos ao serem estabelecidos os cortes que os determinam a partir das tomadas disponíveis. O olhar da câmera é transformado em variados ângulos ao mostrar os movimentos, tais como: do alto/ângulo zenital, frontal, close-ups e planos detalhes.

O próprio diretor do documentário A Alma do Gesto explica que o controle dos elementos do espaço, dos objetos e dos corpos será fundamental para a constituição da mise-en-scène. É a partir da mise-en-scène que surgem as tomadas que serão, posteriormente, conformadas em planos que vão compor a cena.

A despeito de que a cena só seja de fato composta na montagem, será a partir das tomadas, enquanto matéria prima para os planos, que a cena será feita. Por isso a relevância de pensar, no que diz respeito à direção de documentário, a espacialidade – com objetos e corpos incluídos – e as ações, traduzidas enquanto mise-en-scène para a composição do quadro; e pensar também a temporalidade como delimitadora das ações que ocorrem no espaço e que pressupõe a duração das tomadas e, posteriormente, a duração dos planos que vão compor a cena. Trata-se de pensar sobre a materialidade – imagens e sons – que vai assumir o papel de expressar as ideias do filme naquilo que é próprio da linguagem cinematográfica (Baggio, 2020, p. 85BAGGIO, Eduardo Tulio. Direção de documentário: a constituição da mise-en-scène e a criação da cena. ReLiCi – Revista Livre de Cinema, v.7, 2020. Disponível em: http://www.relici.org.br/index.php/relici/article/view/320. Acesso em: 03 mar. 2021.
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).

Ainda nesse bloco documental (Figura 3), passamos a compreender como a cinematografia documentária empreende uma montagem de evidências com a finalidade de desnudar e demonstrar o processo observado em seu espaço e tempo. Rasga-se aqui o nascimento do gesto em um espaço familiar habitado durante o ano de 2016 e adentra-se ao espaço formal da re[a]presentação do gesto contido na obra Black Dog no palco/cena.

Os atores e as atrizes sociais encenam performativamente uma espécie de mise-en-scène de si mesmos. Como justifica Comolli (2008, p. 330)COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008., “[...] a auto-mise-en-scène é inerente a qualquer processo observado”. Segundo ele:

Perguntemo-nos como o cineasta poderia não enfrentar a questão do outro. Não apenas como questão do outro a filmar. Mas como questão do outro que está, no momento em que eu o filmo, (me) reenviando também o seu olhar. Aquele que eu filmo me vê […] Aquele que eu filmo me chega não somente com sua consciência de ser filmado, sua concepção de olhar, ele chega com seu inconsciente em direção à máquina cinematográfica, ela própria carregada de impensado, ele chega com seu corpo diante dos corpos daqueles que filmam (Comolli, 2008, p. 84COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – a inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.).

Sob esse ponto de vista, A Alma do Gesto é um jogo especular entre o documento de registro memorial que tangencia a história da/na dança da Companhia e, ao mesmo tempo, uma encenação performativa calcada na representação criativa da realidade. Como sustenta Comolli, “[...] o cineasta filma representações. Já em andamento, mise-en-scènes incorporadas e reencenadas pelos agentes dessas representações” (2008, p. 84-85).

Ao representar os aspectos histórico-corpo-gráficos da Companhia, sob determinadas particularidades que envolvem o processo de criação de um gesto, perspectiva ou ponto de vista, o texto documental, aqui, não tem a obrigatoriedade de ser uma reprodução indicial da realidade. Esse fato dá, ao documentário A Alma do Gesto, uma voz própria, por meio da qual a perspectiva sobre as coisas audiovisuais históricas do coletivo se dá a conhecer.

Considera-se que a voz, no documentário, é uma maneira de expressar um argumento, que se manifesta a partir de uma lógica informacional acionada pelo sujeito-da-câmera. A partir daí, assume-se que a voz diz respeito ao como o ponto de vista é transmitido na organização do texto documental. A voz no documentário não está restrita ao que é verbalizado pelo diretor/coreógrafo – uma eloquente voz visível –, mas, também, pelas vozes invisíveis, representadas por atores e atrizes sociais que performam seus depoimentos memoriais acerca do pensar-fazer dança na Companhia. Suas vozes/corpos são e fazem história no momento da cicatriz da tomada de cena. Se “[...] a voz do documentário fala por intermédio de todos os meios disponíveis para o criador[diretor]” (Nichols, 2012, p. 76NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 5ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.), assume-se aqui que os meios disponíveis à consecução do documento memorial em questão, são as opções de recorte, enquadramentos e angulações de câmera: combinações que irão determinar o arranjo estético entre imagem e som.

O lugar, o habitat, a casa que alberga a história do coletivo dançante não deixa de estar significativamente presente no documentário sobre o processo de criação. É daquele espaço que se nutrem os atores e as atrizes sociais na enunciação de seus discursos sobre histórias da e na dança.

A sondagem do último excerto (Figura 04) reveste a análise da proporção do espaço de criação tangível: as dependências da sala de aula/estúdio de dança onde são vivenciadas diariamente as rotinas de aulas formativas, laboratórios de criação do movimento, ensaios e preleções teóricas. Também nesse excerto, manifesta-se o percurso das escadarias internas e imponentes do prédio histórico da UFPR e que conduzem o olhar para o alto, para o segundo andar – coordenadas geográficas – do prédio onde reside a Companhia.

Figure 4
Os espaços de criação – redes de habitação estúdio/palco em Black Dog (2016)

Finalmente, o olhar da câmera e o processo de montagem realçam a perspectiva do olhar da câmera para o Teatro da Reitoria da UFPR em um enquadramento inusitado: a visão do olhar do performer (também câmera) para as cadeiras vazias da plateia. A narrativa imagética escolhe o argumento do olhar da câmera sob o viés do protagonismo do ator e da atriz social. Aquele/a que habita o palco, a cena e ali encena sua performance históricocorpo-gráfica repetidas vezes. Trata-se, aqui, da colisão das redes de habitação – estúdio/palco – do espaço e do tempo de re[a]presentação.

Nesse sentido, sublinha Salles (2010)SALLES, Cecília de Almeida. Arquivos de criação: arte e curadoria. Vinhedo: Horizonte, 2010.:

O artista [...]está inserido em seu espaço geográfico e social, com restrições e possibilidades de deslocamentos. Os escritórios, os ateliês, salas de ensaio ou estúdios são espaços da ação do artista, que abrigam o trabalho físico e mental e guardam um potencial de criação pois oferecem possibilidade de armazenamento de objetos. Esse espaço envolve também a memória e o imaginário, indicia os gestos do artista e se torna guardião da coleta cultural, resguardando o tempo da construção das obras (Salles, 2010, p. 125SALLES, Cecília de Almeida. Arquivos de criação: arte e curadoria. Vinhedo: Horizonte, 2010., grifo nosso).

Nessa instância, os acontecimentos vividos nesses espaços de habitação e criação são exponenciados pela subjetividade e pelo tratamento criativo da realidade espaço-temporal no documentário. Os sujeitos-da-câmera, ao optarem por mostrar explicitamente o diretor/coreógrafo em seu estúdio, tocando um instrumento de percussão/bumbo, baquetas – desnudando seu performar docente perante a companhia –, as escadarias, o chão coberto de linóleo no palco do teatro, emolduram o universo histórico da Téssera Companhia de Dança da UFPR, intervindo criativamente sobre ele. A montagem em continuidade, que opera de forma a tornar imperceptíveis as transições lineares entre as tomadas, não tem prioridade nesse modo documental. Os quadros/frames em A Alma do Gesto, sobretudo nesse quarto excerto, exploram ambientes não relacionados e sem uma lógica espaço-temporal sequencial.

Os deslocamentos espaciais e geográficos – estúdio de dança, escadarias do prédio, palco do teatro, camarins, cabine de iluminação –, na composição da voz documentária, claramente estão associados ao que Ramos (2008)RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal... o que é mesmo documentário? São Paulo: Senac/SP, 2008. se refere como encenação-locação em oposição à encenação-construída. A encenação-locação, nesse caso, distingue-se da encenação-construída, pois o ambiente dessa locação é o próprio ambiente onde os sujeitos/atores e atrizes sociais filmados vivem sua vida e se constroem dia a dia como personagens reais, mesmo que, nas tomadas para a câmera, as ações tenham sido ensaiadas.

Em A Alma do Gesto, o diretor/coreógrafo e o elenco de performers são eles mesmos, re(a)apresentando a si mesmos em ambientes reais forjados em locação ficcional.

Considerações Finais

Partindo do entendimento de que propostas e modos de registro variados no campo da cultura audiovisual podem contribuir com a área da História e da Historiografia, sobretudo nas abordagens de histórias na e da dança, tomei como objeto empírico de minha investigação o documentário A Alma do Gesto (2020)A ALMA do gesto. Direção de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu-Nogueira. Curitiba, PR, Unespar/FAP, 2020. 1 filme documental (66 min.): son.; p/b., de Eduardo Tulio Baggio e Juslaine Abreu Nogueira, como um singular registro memorial sobre processo de criação em dança e, em consequência, como um potente manifesto histórico-corpo-gráfico sobre a Téssera Companhia de Dança da UFPR.

Ao admitir a possibilidade de uma coisa/objeto audiovisual prestar-se a variadas funções – éticas, estéticas, documentais –, parti da seguinte problematização: um documentário cinematográfico poderia ser considerado como um singular registro de processo na criação em dança e possível produtor de um discurso narrativo – histórico e memorial – sobre o corpo em movimento dançante?

Após o percurso analítico e reflexivo aqui empreendido, acredito que a resposta à questão seja afirmativa. Foi possível examinar o documentário A Alma do Gesto – a partir de quatro excertos específicos – e verificar que ele se traduz em uma fonte primária viável sobre estratégias indiciais acerca do cotidiano de uma companhia de dança – aulas, ensaios, espetáculos, corpos, espaço de criação, métodos, estéticas coreográficas lugares habitados.

O texto/documento que narra – o real atravessado pelo ficcional da mise-en-scène documentária – a história da dança, do movimento e do gesto icônico, impressa nos corpos do elenco de uma companhia de dança, pode ser compreendido aqui como uma espécie distinta e subjetiva de escrita histórico-corpo-gráfica constituída na e pela linguagem cinematográfica. Foi por meio da linguagem cinematográfica documental que o registro memorial do ato criativo em si serviu para balizar a observação do gesto, tanto no trabalho de extração da emoção em um corpo que se altera sob o olhar atento do diretor e coreógrafo, quanto na consecução desse mesmo gesto configurado na obra coreográfica Black Dog performada no palco de um teatro. Essa obra em construção – e documentada em sua gênese – convive isocronicamente com a memória do repertório, do acervo da companhia, pois, como afirma Salles (2010, p. 129)SALLES, Cecília de Almeida. Arquivos de criação: arte e curadoria. Vinhedo: Horizonte, 2010., “[...] cada nova tela carrega a história das telas passadas”.

Como anteriormente exposto, os desafios da produção da história e das historiografias da e na dança atualmente não deixam de estar atravessados por questões postuladas por historiadores que, há muito tempo, perceberam que narrar a história não é equivalente a reproduzir o fenômeno acontecido. Na única vertente possível, ou seja, representar uma perspectiva sobre a história a partir de lentes específicas, acredito que o ponto de vista da mise-en-scène documentária se constitui em uma singular narração sobre processo de criação em dança.

Dessa forma, a Téssera Companhia de Dança da UFPR, por meio do documentário A Alma do Gesto, registra um tipo particular de ambiente/espaço/tempo de re[a]presentação histórica sobre si, a partir do olhar da câmera. Não se trata meramente de olhar o nascimento de um gesto icônico traduzido em dança. Trata-se, antes, da compreensão de que são necessários 40 anos de história da/na dança para produzir aquele gesto e aquela dança5 5 A publicação deste trabalho teve apoio financeiro da CAPES. .

Notas

  • 1
    O dossiê Genética Teatral da Revista Brasileira de Estudos da Presença [v. 3, n. 2, jun. 2013GENÉTICA TEATRAL – dossiê. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, RS, v. 3, n. 2, jun. 2013. ISSN 2237-2660. Disponível em: <https://www.seer.ufrgs.br/presenca/issue/view/1770>. Acesso em: 03 ago. 2021.
    https://www.seer.ufrgs.br/presenca/issue...
    ] pode ser consultado em: <https://www.seer.ufrgs.br/presenca/issue/view/1770>. Acesso em: 03 ago. 2021.
  • 2
    A referida companhia mantém um site específico narrando sua trajetória histórica cronológica, além de destacar obras de seu repertório coreográfico, os recursos humanos filiados ao coletivo, além de manter uma galeria fotográfica disponível para consulta em: <http://www.tessera.ufpr.br/>. Acesso em: 05 mar 2021.
  • 3
    O filme foi produzido no âmbito do Laboratório de Investigações de Cinema e Audiovisual (LICA/Unespar) como atividade investigativa vinculada aos grupos de pesquisa CineCriare (Cinema: criação e reflexão – PPG-CINEAV/Unespar/CNPq) e Kinedária – Arte, Poética, Cinema, Vídeo (PPG-CINEAV/Unespar/CNPq) a partir do interesse nos processos de criação da Téssera Companhia de Dança da UFPR. A realização do filme foi possível a partir da parceria firmada entre a Universidade Estadual do Paraná (Unespar) e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), por meio de sua Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (PROEC) e da Coordenadoria de Cultura (COC). A estreia pública do filme aconteceu em outubro de 2020, na 9ª edição do Mirada Paranaense, que faz parte do Olhar de Cinema – Curitiba Int’l Film Festival. A Alma do Gesto foi premiado como melhor filme documentário de longa-metragem no Rameshwaram International Film Festival (RIFF), na Índia (2020) e foi semifinalista no Luleå International Film Festival, na Suécia (2021). *Por estar em circuito de mostras e festivais competitivos, nacionais e internacionais, o filme ainda não está com link disponível para acesso online.
  • 4
    A encenação-locação compreende a ação localizada do sujeito-da-câmera [referese aqui a toda a equipe cinematográfica presente no local da tomada da cena] e que solicita que os atores a atrizes sociais – nesse caso, tanto o diretor/coreógrafo, quanto o elenco da Téssera Companhia de Dança da UFPR – desenvolvam ações cotidianas com a finalidade de representar/encenar para a câmera atos que executam, de fato, nas circunstâncias históricas do mundo vivido.
  • 5
    A publicação deste trabalho teve apoio financeiro da CAPES.
  • Este texto inédito também se encontra publicado em inglês neste número do periódico.

Referências

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Editado por

Editores responsáveis: Arnaldo de Siqueira Junior Correio, Cassia Navas Correio, Henrique Rochelle Correio e Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    07 Abr 2021
  • Aceito
    03 Ago 2021
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