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A Presença no Trabalho do Lume como Alargamento Temporal e Sentimento Oceânico

RESUMO

A Presença no Trabalho do Lume como Alargamento Temporal e Sentimento Oceânico - O artigo reúne esforços para ler a estética do Lume a partir de possíveis conexões filosóficas com suporte no alargamento temporal e no conceito freudiano de sentimento oceânico. Para isso, amparou-se na metodologia filosófico-conceitual. Destacaram-se as ideias de plano de composição, flutuação e saturação, o delírio, a dissolução de fronteiras e a ligação com o todo. A presença foi o elemento articulador da estética do Lume com os componentes conceituais mobilizados. Ao expor duas recepções possíveis, o texto intenciona que o cotejamento com tais saberes acrescente camadas de expansão à experiência estética teatral, sem pretender revelar sentidos, mas antes, propor inteligibilidades.

Palavras-chave:
Presença; Estética; Filosofia; Psicanálise; Freud

ABSTRACT

The article combines efforts to read Lume’s aesthetic based on possible philosophical connections supported by the notion of temporal enlargement and the Freudian concept of oceanic feeling. The philosophical-conceptual methodology was used to this end. The ideas of composition, fluctuation and saturation plane, delirium, the dissolution of borders and a sense of holistic connection stood out. Presence was the articulating element of Lume’s aesthetic, which is framed by the aforementioned conceptual principles. By exposing two possible receptions, the text intends the comparison with such knowledge to add layers of expansion to the theatrical aesthetic experience, not aiming to reveal meanings, but rather to propose intelligibilities.

Keywords:
Presence; Aesthetic; Philosophy; Psychoanalysis; Freud

RÉSUMÉ

L’article rejoint les efforts pour lire l’esthétique de Lume basée sur d’éventuelles connexions philosophiques soutenues par l’expansion temporelle et le concept freudien du sentiment océanique. Pour cela, il s’est appuyé sur la méthodologie philosophico-conceptuelle. Les idées de composition, de plan de fluctuation et de saturation, de délire, de dissolution des frontières et de connexion à l’ensemble ressortent. La présence était l’élément d’articulation de l’esthétique de Lume avec les composantes conceptuelles mobilisées. En exposant deux réceptions possibles, le texte entend que la comparaison avec de telles connaissances ajoute des couches d’expansion à l’expérience esthétique théâtrale, sans vouloir révéler des significations, mais plutôt proposer des intelligibilités.

Mots-clés:
Présence; Esthétique; Philosophie; Psychanalyse; Freud

Um corpo-em-vida é mais que um corpo que vive. Um corpo-em-vida dilata a presença do ator e a percepção do espectador (Barba; Savarese, 1995BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas: Hucitec, 1995., p. 54).

Memórias Intensivas

Pelo olhar espectador, não sou1 1 Apesar de sermos dois autores, neste momento, apenas um de nós assume a voz da narrativa. capaz de afirmar quantas vezes assisti ao Teotônio2 2 Nome de palhaço do ator Ricardo Puccetti. havendo-se com a vida. Na mais marcante, testemunhei por horas, junto a uma plateia extasiada, uma batalha sem as mãos com seu nariz vermelho, que havia se desajustado pelo rosto. O mesmo palhaço, acompanhado de Carolino3 3 Nome de palhaço do ator Carlos Simioni. e pela música da clarineta4 4 Nigun, de Giora Feidman (The Magic of the Klezmer). romperam-me a ideia primeira do tempo, cindido entre passado, presente e futuro.

A ordem cotidiana, os carros transitando velozmente na via pública e as pessoas passando ao largo, também me foi rearranjada: a Parada de Rua5 5 Espetáculo de rua com os sete atores e atrizes do grupo, 1997. , coletiva e eloquente, rasgou o contorno sensível que eu havia formado até então sobre o espaço e sua normalidade. Com cadeiras e pessoas dispostas em cena6 6 Café com queijo, espetáculo com atuação de Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini, 1999. , na pequena sala de trabalho da sede do Lume7 7 Barão Geraldo, distrito de Campinas/SP, localizado fora do espaço do campus da Unicamp. , recordo-me de ter estado suspenso no ar ao ser indagado diretamente por um ator, sem saber ao certo se eu deveria responder, se aquilo era mesmo teatro, se a pergunta havia sido para mim, se era verdade, ou apenas era.

Sonhei muitas vezes com Kelbilim8 8 Espetáculo com atuação de Carlos Simioni, música de Denise Garcia e direção de Luís Otávio Burnier, 1988. e Cnossos9 9 Espetáculo com atuação de Ricardo Puccetti e direção inacabada de Luís Otávio Burnier, 1995. . Quis mesmo escapar daquelas imagens, mas já era tarde.

Shi-zen10 10 Espetáculo para palco italiano com os sete atores e atrizes e direção de Tadashi Endo, 2003. ensinou-me a entender que poderia ser diferente: a performance teatral conduzia-me pela mão a passear por categorias de sensações que haviam nascido, crescido e permanecido inflexíveis, porque nenhuma conjunção de forças fora capaz de, até então, reorganizá-las centrifugamente. Conheci, por isso, outra beleza para a cena no palco italiano.

Uma mulher eram todas as mulheres, a humanidade inteira, com o fio da história atravessando as senhoras do nosso grupo11 11 Grupo de mulheres com vulnerabilidades de diversas ordens, assistido há mais de 10 anos por experiências formativas de pesquisa, ensino e extensão dos cursos da área da saúde da Unifesp - Campus Baixada Santista. Para aprofundamento, ver: <https://delicadascoreo.wixsite.com/delicadas>. Acesso em: 19 mar. 2021. que assistiam a uma peça de teatro pela primeira vez. Éramos todos SerEstando Mulheres, as crianças, os meninos envergonhados pela nudez, as meninas também, até a autoridade local, confusa, atemorizada pela força, pela poesia em forma feminina, achando que deveria de algum jeito parar tudo aquilo.

Foi-me necessário aprender a manejar um pouco também. Convocar algumas forças, caminhar, organizá-las, inventar a primeira gota de suor. A voz, a atenção e escuta ao infinito do outro, mímese de mim mesmo. Saltar até dilacerar e germinar em processo pedagógico contínuo, exercitar o trabalho de ator/atriz. A síntese tomou forma no corpo, em treinamento, em transpassar a si mesmo, junto.

Desta trama de lembranças, germinam indagações amplas: como passeia a qualidade e os efeitos de presença no trabalho do Lume forjando uma estética singular da manifestação teatral? Como esta estética se constitui como uma ética de trabalho fértil e polinizador? O objetivo deste texto é o de expor duas recepções do trabalho do Lume, a partir do olhar do espectador de suas obras, mas entrecruzando tal fonte com aportes vindos da filosofia e da psicanálise. Com esse esforço, espera-se ampliar o alcance interpretativo a partir de nexos de inteligibilidade entre as obras e saberes cotejados na filosofia de Deleuze e Guattari e na psicanálise freudiana. Mais especificamente, vamos nos dedicar ao conceito filosófico de alargamento temporal e, em seguida, à noção freudiana de sentimento oceânico, sempre tendo como pivô compreensivo a questão da presença nas obras do Lume. Se em terreno epistêmico puro encontraríamos evidentes descontinuidades entre tais conceitos, parece interessante notar que o hibridismo da cena teatral proposta pelo Lume nos permite contágios e borramentos, ampliando as fronteiras estéticas da experiência e nos permitindo apreciar em conjunto estes saberes diversos.

Como recurso para discutirmos o proposto, este texto ampara-se na metodologia filosófico-conceitual, tal como descrita por Martins (2004)MARTINS, André. Filosofia e saúde: métodos genealógico e filosófico-conceitual. Cadernos Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 950-958, 2004., a fim de instigar inferências para a construção e/ou reflexão de novos valores e formas de conceber os assuntos aqui discutidos. A metodologia filosófico-conceitual promove novos nexos cujo valor não mais se oculta sob a ideia de verdade. Não encerra doutrinas filosóficas e mantém o caráter questionador da filosofia, constituindo-se como um instrumento para se pensar os conceitos envolvidos e propostos nas práticas e políticas a que se refere (Martins, 2004). Por esse caminho, cria-se a licença para se intervir reflexivamente, em nossa opção, a partir da filosofia e da psicanálise, mesmo em elementos não originais a esses saberes, como é o caso da prática teatral. O que se propõe, como dito, não é a verdade, mas interpretações, ainda que fundamentadas em conceitos consagrados dos saberes escolhidos.

No contexto mais amplo da pesquisa em artes da cena, as ideias ora apresentadas dialogam mais amplamente com a construção de subsídios interdisciplinares, da filosofia e da psicanálise, que buscam contribuir com o debate já constituído. Em um panorama global, a crise da presença12 12 Para aprofundamento, ver Gumbrecht (2010). vem ocupando espaço crescente e tem na obra de Giannachi, Kaye e Shanks (2012)GIANNACHI, Gabriela; KAYE, Nick; SHANKS, Michael (org.). Archaeologies of Presence: Art, Performance and the persistence of being. Londres: Routledge: 2012. um marco importante. No contexto nacional, é possível especular que a discussão em torno dos Estudos da Presença (Icle, 2011ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 9-27, 2011. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602011000100009&lng=en&nrm=iso>. Accessed on: Feb 11, 2021.
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), bem como dos dispositivos já desdobrados pelo Lume, vigorado principalmente por Ferracini (2014FERRACINI, Renato. A presença não é um atributo do ator. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Linguagem, Sociedade, Políticas. 1. ed. Campinas; Pouso Alegre: RG; Univás, 2014. P. 227-237.; Ferracini; Feitosa, 2017, dentre outros trabalhos)FERRACINI, Renato; FEITOSA, Charles. A Questão da Presença na Filosofia e nas Artes Cênicas. OUVIROUVER, Uberlândia, v. 13, p. 106-118, 2017. Available at: <http://www.seer.ufu.br/index.php/ouvirouver/article/view/37043>. Accessed on: Feb 11, 2021.
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têm eixos significativos, os quais acompanhamos com atenção e proximidade.

Neste rumo, podemos afirmar que o impulso determinante desta escrita tem origem segura nas potências do corpo em ato expressivo e nas vontades de produção de conhecimento e reverberação comunitária de saberes. Valemo-nos da acuidade do pensamento expresso por Icle (2013, p. 191)ICLE, Gilberto. Vontade de presença, vontade de corpo: para pensar o teatro brasileiro contemporâneo. Sala Preta, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 180-192, 2013. Available at: <https://www.revistas.usp.br/salapreta/article/view/69087>. Accessed on: Feb 11, 2021.
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, em que “[...] corpo e presença poderiam, enfim, constituir um olhar (dentre inúmeros outros) para sobrevoar a cena contemporânea, mas ainda constituem uma vontade de estar com o outro, de compartilhar”.

O que é o Lume?

O Lume é o nome dado para o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) situada no estado de São Paulo/Brasil. Foi fundado pelo ator e pesquisador Luís Otávio Burnier em 1985, época em que iniciava a sistematização de suas pesquisas sobre técnica e treinamento de ator/atriz, oriundas de sua formação em mímica corporal na França na Mime Mouvement Théâtre, escola de Jacques Lecoq e École de Mime de Etienne Decroux (Silman, 2011SILMAN, Naomi (org.). Lume teatro 25 anos. Campinas: Editora da Unicamp , 2011.). O núcleo, singular em seu modo de filiação institucional, intencionava o relacionamento entre campos do saber tradicionalmente separados pelos currículos acadêmicos, não estando, portanto, vinculado ao ensino de graduação, mas primordialmente direcionado à pesquisa.

Este modelo possibilitou que Burnier, além de também ser acolhido pela universidade como professor no recém-criado Instituto de Artes, no curso de graduação em Artes Cênicas, levasse adiante seu intenso trabalho de investigação na arte de ator/atriz. Como orientador de outros dois atores deu início à trajetória do que veio a se tornar um coletivo de pesquisadores do ofício da cena.

Burnier esteve à frente do núcleo por 10 anos até seu falecimento precoce, sedimentando as bases das criações e suas linhas de pesquisa originais: o Treinamento energético, a Dança pessoal, a Mímeses corpórea e o Clown e o sentido cômico do corpo. Juntos por mais de 25 anos, sete atores e atrizes integram o grupo13 13 Carlos Simioni, Ricardo Puccetti, Renato Ferracini, Naomi Silman, Raquel Scotti Hirson, Jesser Pereira e Ana Cristina Colla. e seguem desenvolvendo e ampliando o alicerce inicial, expandindo os cenários de atuação do grupo até a atualidade, com intensa produção artística e acadêmica. Hoje, as pesquisas do Lume ancoram-se na investigação artística, conceitual e formativa com suas respectivas delimitações e especializações14 14 Para aprofundamento, ver Ferracini, Hirson e Colla (2020, p. 23-36). .

O Aspecto Temporal da Presença

Partiremos do aspecto temporal da presença, como modo de situar conceitualmente as reflexões aqui relacionadas ao trabalho do Lume.

Reconhecemos que os processos de criação e pesquisa artística do grupo, nomeadamente o Treinamento energético, a Dança pessoal, a Mímeses corpórea, o Palhaço15 15 Os termos clown e palhaço serão utilizados como sinônimos neste texto, apesar das distinções quanto às linhas de trabalho. e o sentido cômico do corpo e a Teatralização e poetização de espaços não convencionais vêm lidando com a temporalidade como forma de atar e desatar continuamente “[...] a distância entre a eternidade e o instante” (Wisnik, 1996WISNIK, José Miguel. O dom da ilusão. In: GIL, Gilberto. Todas as letras. São Paulo: Companhia das Letras , p. 17-19, 1996., p. 18) por meio da fluência das intensidades dos corpos em gesto poético. Trata-se, pois, de um conjunto de procedimentos de codificação do corpo em expressão desenvolvido, aprimorado e transformado ao longo do tempo de existência do coletivo. Cada um destes diferentes caminhos habita e alimenta, por meio do treinamento técnico, as pistas infinitas até as memórias e as energias potenciais humanas com vistas à produção artística.

Façamos um breve panorama sobre cada um deles, partindo das premissas iniciais de seus propositores e levando em conta as variações já incorporadas e que mantêm o vigor das veredas há tanto abertas. Iniciemos pelo Treinamento energético, base do trabalho do Lume. Nas palavras do próprio Luís Otávio:

Trata-se de um treinamento físico intenso e ininterrupto, extremamente dinâmico, que visa trabalhar com energias potenciais do ator. ‘Quando o ator atinge o estado de esgotamento, ele conseguiu, por assim dizer, ‘limpar’ seu corpo de uma série de energias ‘parasitas’, e se vê no ponto de encontrar um novo fluxo energético mais ‘fresco’ e mais ‘orgânico’ que o precedente’ (Burnier, caderno de notas, 1985). Ao confrontar e ultrapassar os limites de seu esgotamento físico, provoca-se um ‘expurgo’ de suas energias primeiras, físicas, psíquicas e intelectuais, ocasionando o seu encontro com novas fontes de energias, mais profundas e orgânicas (Burnier, 2001BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001., p. 27).

Por meio da exaustão física busca-se no Treinamento energético diminuir o lapso de tempo entre o impulso e a ação. A regra, aliás, a única, de não se interromper a movimentação do corpo durante a prática, leva a uma procura contínua dos caminhos ainda não trilhados pelo corpo em variação incessante de intensidade, ritmo, fluidez, níveis, amplitude, força e dinâmica das ações. Ao “[...] substituir o cansaço pela mudança rápida dentro dessas dinâmicas corpóreas diferentes, fazendo com que elas o instiguem e estimulem a continuar, nunca desistindo” (Ferracini, 2012FERRACINI, Renato. O Treinamento Energético e Técnico do Ator. Ilynx , Campinas, v. 1, n. 1, p. 94-113, 2012. Available at: <https://gongo.nics.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/issue/view/22>. Accessed on: Feb 05, 2021.
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, p. 96), o ator começa a expandir suas próprias possibilidades de ação manejando seus limites físicos.

A Dança pessoal seria uma etapa seguinte e “[...] é um trabalho que busca as mesmas qualidades de energia e de vibrações encontradas no energético, os mesmos códigos aprimorados no treinamento pessoal, mas com dinâmica completamente diversa” (Burnier, 2001BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001., p. 140, grifos do autor).

A Dança pessoal avança o trabalho de treinamento, superando o expurgo inicial das energias mais cotidianas do ator e dirigindo-se para um sentido mais social das ações físicas, isto é, encontrando e ancorando as referências das formas de comunicação mediadas pelo corpo.

A Dança Pessoal é filha do Treinamento Energético. Com o aprofundamento do trabalho, ações recorrentes e qualidades de energia começam a ser codificadas naturalmente, pela repetição. A memorização permite criar um léxico particular, pessoal e corpóreo do ator. Esses códigos, compostos de dinâmicas físicas e vocais desenhadas no tempo e no espaço, são chamados de matrizes e vão formar o repertório pessoal de cada ator (Silman, 2011SILMAN, Naomi (org.). Lume teatro 25 anos. Campinas: Editora da Unicamp , 2011., p. 39).

Neste processo de desenvolvimento do ofício de ator/atriz, ocorre o trânsito de um corpo inicialmente mais restrito, que se cansa (biológico) ou que parece não ter ainda um vocabulário rico de ações físicas e vocais para, pela repetição, percorrer as trilhas de um corpo social e cultural, a partir de si mesmo, encontrando em sua própria história um léxico a ser desperto, dinamizado e dançado. Este fluxo entre três diferentes dimensões e concepções do corpo, quais sejam, o biológico, social e cultural, que escaparia de uma aparente limitação cotidiana e rumaria para a produção ativa da vida, encontra-se bem referido nas palavras do orientador da pesquisa de doutorado de Luís Otávio Burnier: “Natureza, técnica e arte em diálogo agônico de titãs arquitetaram a vertiginosa dinâmica do corpo em fuga de si mesmo” (Baitello Júnior, 2012BAITELLO JÚNIOR, Norval. O Corpo em Fuga de Si Mesmo. Ilynx, Campinas, v. 1, n. 1, p. 09-12, 2012. Available at: <https://gongo.nics.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/view/147>. Accessed on: Feb 08, 2021
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, p. 12).

A terceira linha de pesquisa artística e processo de criação do Lume é a Mímeses corpórea, que consiste:

[...] na observação de ações físicas e vocais cotidianas, posteriormente transformadas em matrizes corporais. Contudo, a Mímeses Corpórea não se encerra naquilo que, a priori, a alimenta: na observação, ou em uma suposta tentativa de cópia das ações físicas e vocais dessa observação, mas busca ir além: recriar a potência, a sensação em afeto no outro (seja esse outro corpo, foto, quadro, bicho), gerando uma zona de intensidade através das ações observadas e também recriadas no corpo do ator. A mímesis não é imitação. É ampliação do espaço da sala de trabalho para o mundo, pois ela transforma o espaço-tempo-outro em material de trabalho; potencializa o outro-fora como campo de afeto que intensifica o dentro singular do corpo do ator (Silman, 2011SILMAN, Naomi (org.). Lume teatro 25 anos. Campinas: Editora da Unicamp , 2011., p. 86-87).

Este procedimento respalda-se no exercício de devir-outro, faz “[...] um recorte no fluxo do acontecimento e na velocidade da experiência vivida e busca agenciamentos singulares para dizer-se a partir desse novo lugar” (Hirson; Colla; Ferracini, 2017HIRSON, Raquel Scotti; COLLA, Ana Cristina; FERRACINI, Renato. O Estado da Arte do Procedimento de Mímesis Corpórea do Lume. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas , Florianópolis, v. 2, n. 29, p. 112-127, 2017. Available at: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573102292017112>. Accessed on: Feb 05, 2021.
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, p. 115). Ao desestabilizar as diversas referências arraigadas no corpo do ator/atriz, a Mímeses corpórea cria oportunidade de esvaziamento e abertura, fissuras mesmo, para novos campos de criação e pesquisa. Dentre as distintas vertentes que a Mímeses corpórea já tomou é possível dizer que a memória se conserva como seu elemento chave, formando o manancial dos encontros com pessoas, matérias, corpos, formas, paisagens, gostos, palavras, estados, cheiros, imagens, trejeitos, bichos, objetos, lugares, enfim, experiências de deslocamento suficientes para gerar atualizações e sistematizações de intensidades afetivas vividas e linhas de força que permanecem em movimento e potência.

A quarta linha de investigação artística e processo de criação do Lume é O Palhaço e o sentido cômico do corpo, “[...] que tem a importante função como contrapeso entre o rigor e o improviso” (Burnier, 2001BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001., p. 28). Nesta seara, a iniciativa do Lume é pioneira no Brasil, disseminando e semeando a arte do palhaço, primeiramente por meio de seus retiros de iniciação e formação realizados, prosseguindo com assessorias. Trata-se de um caminho de pesquisa da “[...] comicidade do corpo na relação direta com a figura histórica e social do palhaço” (Ferracini; Hirson; Colla, 2020FERRACINI, Renato; HIRSON, Raquel Scotti; COLLA, Ana Cristina. Práticas Teatrais: sobre presenças, treinamentos, dramaturgias e processos. Campinas: Editora da Unicamp , 2020., p. 28).

Atualmente, a produção artística e acadêmica em torno do palhaço é prolífica, ganhando horizontes largos em diversas áreas, como a saúde, educação, as relações públicas, ou até mesmo corporativas. No entanto, a linha de trabalho desenvolvida no Lume sustenta-se pelo caráter rigoroso, cuidadoso e, sobretudo, processual de uma investigação ancorada em tradições, seja do circo de lona, de rituais e tradições de povos originários ou de sua miscigenação já há tanto tempo ocorrida nas brincadeiras populares brasileiras.

A sistematização das ações físicas e vocais e o treinamento do palhaço atravessa um percurso que explora as singularidades de cada ator/atriz na desterritorialização e desvelamento de suas fragilidades e debilidades sociais, e sua reterritorialização na constituição de um palhaço único. A graça surge para cada indivíduo dessa discrepância desnudada e oferecida ao público em forma de jogo. Nas palavras de Ricardo Puccetti, ator-pesquisador do Lume:

Assim, o palhaço não tem uma forma fixa e definida, ele é um conjunto de impulsos vivos e pulsantes, prontos a se transformarem em ação no espaço e no tempo. Esses impulsos se concretizam ou se manifestam sempre obedecendo três parâmetros: a lógica do palhaço, entendida como sua maneira de ‘pensar’ (o agir e o reagir com seu corpo); a interação com cada indivíduo do público e o jogo estabelecido entre palhaço e público. Entendo jogo como as pequenas ideias, as micro-situações e relações criadas entre palhaço e público a partir da interação do repertório do palhaço com as reações do público. Essas pequenas relações permitem que o palhaço traga o público para o seu universo, conduzindo-o através de sua atuação (Puccetti, 2012PUCCETTI, Ricardo. No caminho do palhaço. Ilynx , Campinas, v. 1, n. 1, p. 121-127, 2012. Available at: <https://gongo.nics.unicamp.br/revistadigital/index.php/lume/article/view/231>. Accessed on: Feb 09, 2021.
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, p. 122-123).

A Teatralização e poetização de espaços não convencionais encerra as linhas atuais de investigação artística e processos de criação do Lume. Em síntese: “[...] busca colocar o ator diretamente em contato com o público nas ruas, praças, etc., e investiga experimentos cênicos que implodam o espaço teatral restrito e histórico do palco italiano” (Ferracini; Hirson; Colla, 2020FERRACINI, Renato; HIRSON, Raquel Scotti; COLLA, Ana Cristina. Práticas Teatrais: sobre presenças, treinamentos, dramaturgias e processos. Campinas: Editora da Unicamp , 2020., p. 28).

Enfim, as linhas apresentadas são metodologias de organização, de colocação em ordens determinadas as matérias a serem exploradas, exercitadas, partilhadas: as ações físicas e vocais. Faz-se necessário localizar o conceito. Neste contexto, elas têm sua especificidade calcada na necessidade de “[...] elementos básicos como concentração, objetivo e um vínculo com alguma outra imagem ou necessidade externa à atividade desenvolvida” (Ferracini, 2013aFERRACINI, Renato. Presença e Vida: corpos em arte. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 7., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2013b. P. 1-7. Available at: <http://www.portalabrace.org/viireuniao/tfc/FERRACINI_Renato.pdf>. Accessed on: Ago 22, 2020.
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, p. 115). Apresentamos o esboço conceitual cunhado por Ferracini acerca de ação física: “[...] um fluxo muscular-nervoso com total engajamento psicofísico em conexão com algo externo (seja objeto, espaço, outro corpo - ator ou expectador -, imagem e mesmo outra ação física) e que é formalizada, estruturada, ritmada, enfim, codificada no tempo-espaço” (Ferracini, 2013a, p. 116). Por este viés, as ações físicas e vocais são relacionais.

Resulta que existe aí uma materialidade, uma fisicalidade decisiva, importante de ser destacada. São os atores e atrizes, os indivíduos mesmos que se aprontam, dinamizam-se e dão-se a serem percebidos em ato, o mais completamente possível, nas intervenções cênicas e no encontro, na relação com as pessoas em posição de espectadores(as). O próprio Luís Otávio Burnier (2001, p. 18, grifos do autor)BURNIER, Luís Otávio. A arte de ator: da técnica à representação. Campinas: Editora da Unicamp, 2001. referenciou o argumento: “Existe, no entanto, no caso da arte de ator e de todos os artistas performáticos do palco, uma particularidade que lhes é específica: no momento em que a arte acontece, eles estão presentes e vivos diante de seus espectadores”.

Estes modos de arranjo parecem ocupar variações determinantes na criação, mas, sobretudo oscilações, ora partindo do dentro, deslocando e descolando do corpo subjetivo do ator/atriz tudo o que ele pode16 16 Alusão à clássica máxima espinosana: “O fato é que ninguém determinou, até agora, o que pode o corpo, isto é, a experiência a ninguém ensinou, até agora, o que o corpo - exclusivamente pelas leis da natureza enquanto considerada apenas corporalmente, sem que seja determinado pela mente - pode e o que não pode fazer” (Spinoza, 2009, p. 101). , ora partindo do fora, in-corporando as realidades, trazendo e povoando reminiscências de alteridade. O tempo de convergência desses sentidos se dá no presente, na presença. E o lugar, no corpo em ato expressivo.

Retornemos ao tempo da presença. Acompanhamos o conceito de presença como os efeitos “[...] produzidos por uma porosidade relacional dos corpos numa sempre ontogênese da ação em ato; uma certa escuta do fora que inclui o outro, o espaço e o tempo na tentativa de estabelecer uma relação coletiva de jogo potente e poético” (Ferracini, 2013FERRACINI, Renato. Presença e Vida: corpos em arte. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 7., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2013b. P. 1-7. Available at: <http://www.portalabrace.org/viireuniao/tfc/FERRACINI_Renato.pdf>. Accessed on: Ago 22, 2020.
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b, p. 03). Em correlação estreita aos termos precedentes, podemos ainda admitir que “[...] a presença não é senão uma experiência de presença partilhada. Algo que se localiza na interação, portanto não podemos falar da presença em si, mas de uma experiência que compartilhamos quando somos performers ou quando assistimos a uma prática performativa” (Icle, 2011ICLE, Gilberto. Estudos da Presença: prolegômenos para a pesquisa das práticas performativas. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 9-27, 2011. Available at: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2237-26602011000100009&lng=en&nrm=iso>. Accessed on: Feb 11, 2021.
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, p. 16).

A estética do Lume investe em uma estruturação dramatúrgica que parte da codificação e arranjo de ações físicas e vocais pesquisadas com os modos de treinamento sistematizado, ao que denominam de matrizes corporais. É a composição e distribuição singular dessas ações no tempo que parece produzir as pequenas fissuras no cotidiano da audiência no acontecimento teatral. Bachelard (2010, p. 94)BACHELARD, Gaston. A intuição do instante. Campinas: Verus Editora, 2010. nomeia estas rupturas como instante poético: “É para construir um instante complexo, para atar, nesse instante, simultaneidades numerosas, que o poeta destrói a continuidade simples do tempo encadeado”. Desvela-se uma poesia do movimento. Toda arte do ator/atriz mira com tenacidade estes lampejos de con-fusão - ou zonas de contágio e turbulência (Ferracini, 2013FERRACINI, Renato. Presença e Vida: corpos em arte. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 7., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2013b. P. 1-7. Available at: <http://www.portalabrace.org/viireuniao/tfc/FERRACINI_Renato.pdf>. Accessed on: Ago 22, 2020.
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b), de imbricação plena de entrada em um campo ficcional fértil. Há, portanto, interferência deliberada na ordem cotidiana regular, alcançada pela conquista no manejo de qualidades expressivas determinadas. Essa disposição intencional vem adensada pelo contínuo jogo dos contrastes, das tensões e relaxamentos, dos ritmos, dimensões e contradições do corpo em movimento expressivo em um plano de composição.

A conhecida expressão dilatação17 17 Princípio forjado pela antropologia teatral de Barba e Savarese (1995). Ao lado de, principalmente, equilíbrio, oposição, base, equivalência e ritmo, o corpo dilatado refere-se a um estado extracotidiano do corpo-em-vida, e “[...] é acima de tudo um corpo incandescente no sentido científico do termo: as partículas que compõem o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais energia, sofreram um incremento de energia, separam-se mais e opõem-se com mais força, num espaço mais amplo ou reduzido” (Barba; Savarese, 1995, p. 54). da presença ganha vida por uma condensação do conjunto gestual, um bloco de sensações presentificado e, como veremos, atualizado no acontecimento teatral. O paradoxo é apenas aparente na coexistência desses dois sentidos, concentração como causa e expansão como efeito, pois o que está em mobilidade, em câmbio entre o artista e o público é algo independente de um e de outro, algo que poderíamos relacionar ao que Deleuze e Guattari (1992)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992. entendem como perceptos e afectos. A diferença conceitual para percepção e afecção reside na independência que os perceptos e afectos adquirem em relação ao próprio ser humano e erigem a obra artística. Os perceptos e afectos não pertencem mais, portanto, nem àqueles que produzem e tampouco aos que fruem da obra artística.

A arte, compreendida desta maneira, é, ela própria, um ser de sensação, existindo em si, mantendo-se e valendo por si mesma pela noção de conservação, tornando “[...] sensíveis as forças insensíveis que povoam o mundo, e que nos afetam, nos fazem devir” (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992., p. 215). A arte conserva e carrega a possibilidade da variedade e não é difícil percebê-la no repertório do Lume, panorâmica e parcialmente rememorado no início deste artigo.

O acordo, o reconhecimento do comum humano na estética do grupo dá-se na admissão e acolhimento incondicional das diferenças, da não linearidade das narrativas criadas e do material de trabalho selecionado pelo grupo. Os pontos de contato do acontecimento teatral entre os atores/atrizes e a plateia ilumina a pluralidade do humano, amplifica as singularidades lançando-as justamente nas dessemelhanças e nelas encontrando permanência ao invés de escape. Recorremos ao amparo de outros autores a respeito desta sustentação de um tempo e espaço cênico que, tanto mais diferencia, mais possibilita identificações fundamentais:

[...] parece-nos importante ressaltar que a experiência de pertencimento, que a presença do presente (ou experiência de uma duração) configura, não se baseia na possibilidade de uma superação de diferenças, mas na necessidade de coexistência com elas, pois a duração se manifesta em uma diferenciação constante. Por menor que seja, o presente abre uma lacuna, um interstício, tanto no tempo linear quanto na percepção espacial. É a distância com o outro que permite ao indivíduo experimentar o pertencimento mútuo. Ou seja, é a renovada tensão entre proposta cênica e percepção do espectador; é o excesso semântico (e não a compreensão unificante) que os une enquanto um vetor de interesse mútuo constantemente renovado. Compreender a distância e os vetores da atração é apenas o passo secundário (Nunes; Baumgartel, 2015NUNES, Juarez; BAUMGARTEL, Stephan. A Construção de Presença e a Cena Teatral Multimidiática: a hegemonia de uma presença imanente. Revista Brasileira de Estudos da Presença , Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 640-661, 2015. Available at <https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/47774>. Accessed on: Sept 24, 2020.
https://seer.ufrgs.br/presenca/article/v...
, p. 648).

A qualidade da presença cênica realiza-se na relação, pelas infinitas formas de afecções, quer seja na intenção voltada ao outro, ou a despeito dela. Trata-se de uma estética, portanto, que diz respeito à linguagem poética de composição que intermedia as relações de afetações mútuas e recíprocas.

Afetar e ser afetado18 18 Convém citar a herança da base do pensamento do filósofo seiscentista Espinosa com a atualidade conceitual desenvolvida por Ferracini no Lume. Como já mencionado, as ações físicas no Lume são chamadas de matrizes. Para Ferracini (2009, p. 126), “[...] a matriz é o correspondente cênico da Alegria de Espinosa. [...] Podemos dizer que a capacidade de afeto de uma matriz determina sua própria potência. É o afeto e não a ação consciente do movimento que produz a potência da matriz”. Derivam deste sistema conceitual outras produções do autor (Ferracini, 2009; 2013a; 2013b; 2014; Rabelo; Ferracini; Reis, 2016, dentre outros). é uma inerência a todo e qualquer ser humano. Alegria-tristeza, ou aumento-diminuição da potência de ação e existência constitui uma passagem para uma perfeição maior-menor. Uma passagem. Um fluxo. Um instante contínuo que a arte do ator ilude ser eterno. Cultivamos a ideia, portanto, que o aspecto temporal da presença cênica como relação encontra-se na capacidade de sustentação desta seara de flutuação. Um concentrado porvir.

A estética do Lume se relaciona ao alargamento - e não alongamento - deste tempo de intensidades. Suas metodologias trabalham sempre no sentido de ampliação e preservação deste intervalo. Uma estética de abertura e cuidado que vitaliza e revigora os afetos e as afecções em suas memórias, forças e atualizações constantes. É possível circunscrever tal estética de comunicação no conceito de interação:

O que se chama ‘percepção’ não é mais um estado de coisas, mas um estado do corpo enquanto induzido por um outro corpo e ‘afecção’ é a passagem deste estado a um outro, como aumento ou diminuição do potencial-potência, sob a ação de outros corpos: nenhum é passivo, mas tudo é interação, mesmo o peso (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992., p. 183).

Caberia então abordarmos a discussão sobre a diferença determinante entre o estado presente e o atual, visto que é recorrente a abordagem da presença artística com a utilização desses dois conceitos com pouco contraste entre ambos ou mesmo tratados como sinônimos. Pelas palavras dos autores:

É que, para Foucault, o que conta é a diferença do presente e do atual. O novo, o interessante, é o atual. O atual não é o que somos, mas antes o que nos tornamos, o que estamos nos tornando, isto é, o Outro, nosso devir-outro. O presente, ao contrário, é o que somos e, por isso mesmo, o que já deixamos de ser. Devemos distinguir não somente a parte do passado e a do presente, mas, mais profundamente, a do presente e a do atual (Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992., p. 135).

O rigor que resulta na força de manter perceptos e afectos em pé no conjunto da obra do Lume pode ser reconhecido na ideia de saturação. Consideramos que constitua talvez um dos fundamentos principais dos processos de pesquisa e criação do grupo. As significações que o substantivo apresenta são bastante fecundas, relacionando-se desde fartar, saciar, alimentar, nutrir, encher inteiramente, impregnar, penetrar, chegar aos limites da resistência ou tolerância, até a definição da química, que é especialmente interessante para nossas reflexões: produzir (composto, substância etc.) através de ligações simples, com a maior quantidade possível de uma solução sobre outra.

É precioso o surgimento da ideia de simplicidade nesta análise, pois ela aterra toda pretensão ou tendência de escape da prática corporal da conceituação experimentada sobre ela. Em suma, são sempre a experiência e o treinamento as guias mestras de investigação.

Assim se constituiu o trabalho de pesquisa e justeza no grupo: com o desenvolvimento coletivo e perene da capacidade de seleção criteriosa das variedades a serem investigadas, com a permanência das saídas à rua e ao campo e com as entradas em sala, com a destilação do suor produzido. Repetição de processos de evaporar e condensar, “Saturar cada átomo, Eliminar tudo o que é resto, morte e superfluidade, [...] Incluir no momento o absurdo, os fatos, o sórdido, mas tratados em transparência, Colocar aí tudo e com tudo saturar” (Woolf apud Deleuze; Guattari, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia?. São Paulo: Editora 34, 1992., p. 203, grifos do autor). Mas e quando é a própria imensidão quem se apresenta aos limites da destilação artesanal? A complexa experiência que a cena teatral nos apresenta pode, muitas vezes, não caber nos limites de conceitos filosóficos, por mais complexos que sejam. O elemento do desejo, do impulso, presente em cada ato humano e potencializado na cena teatral, requisita sua porção de atuação. Em grande medida, o esforço da psicanálise freudiana foi justamente o de incluir essa parte sombria do inconsciente na análise dos comportamentos e da cultura sem abrir mão da fortuna crítica acumulada por saberes tradicionais como os da filosofia. Outros nexos se tornam possíveis e essa complexa trama sofistica os fenômenos, atribuindo à experiência do espectador ainda mais patrimônios a partir da polissemia de cenas potentes como as do Lume.

Sentimento Oceânico como Manifestação da Presença nas Obras do Lume

Sobre o alargamento tratado na última seção e o sentido mesmo de dilatação do tempo com intensidade, talvez possamos nos lembrar de um conceito da teoria freudiana que aponte para um sentido da presença que se faz potente, raro e que, pelo menos por vezes, parece ter encontrado vias de acesso provisório na obra do Lume. Referimo-nos ao conceito de sentimento oceânico. Para Freud (2014)FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). In: FREUD, Sigmund. Obras Completas: volume 18. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. P. 14-122., em texto de 1930, há um sentimento, inicial e mais amplamente encontrado na religiosidade, embora não restrito a ela, que carrega algo de extraordinário e que poderia denominar uma sensação de eternidade, ou como lemos em seu Mal-estar na civilização: “[...] um sentimento de algo ilimitado, sem barreiras, como que ‘oceânico’” (Freud, 2014 [1930], p. 14). Esse sentimento conduziria a um fato puramente subjetivo, mas que seria o maior responsável pelo engajamento em, seguindo no exemplo, uma energia religiosa, ao ponto de que alguém “[...] poderia considerar-se religioso, ainda que rejeitasse toda fé e toda ilusão” (Freud, 2014 [1930]FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). In: FREUD, Sigmund. Obras Completas: volume 18. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. P. 14-122., p. 15).

Merece atenção essa afirmação sobre o papel da ilusão nesse sentimento. Resta clara a percepção de que a subjetividade proporcionada por esse alargamento, por essa sensação de eternidade, não submete o sujeito ao delírio fugaz, mas antes, insere-o em uma tensão cujo campo de forças concorrentes é composto tanto pela atenção ativa ao momento como pela paradoxal sensação de duração infinita ou atemporal, em outras palavras, em um estado de presença único.

O próprio Freud, ao deparar-se com estas descobertas do sentimento oceânico, por meio de alusões à religião e à prática do Yoga, viu-se inclinado a rejeitá-las como componente teórico psicanalítico uma vez que sua conceituação pareceu-lhe pouco trabalhável cientificamente. Percebeu, contudo, que só a imersão no conjunto de elementos que compõem tal sentimento podem de fato constituir a percepção adequada que escapa à formulação fria dos conceitos. Estamos diante de uma petição de princípio que em termos lógicos soaria falaciosa, mas, no ambiente desse sentimento, anuncia que a presença é condição necessária para se entender o estado de presença. Em outros termos, aproveitando-nos da metáfora do conceito, é preciso entrar no oceano para conhecê-lo de fato.

Esse entendimento, quando novamente mobilizado para o conteúdo teatral, permite-nos enlaçamentos com a presença cênica e, por extensão, com as opções metodológicas e artísticas do Lume. Evidentemente, não só do Lume e não em qualquer momento de qualquer uma das suas obras. Mas parece tácito afirmar que tal sentimento aparece nas obras do Lume com razoável frequência para se fazer tal associação e que uma atenção aos desdobramentos desse sentimento pode apresentar elementos interessantes para estudos da presença.

A primeira característica para a qual podemos propor um cruzamento já anunciamos linhas atrás, mas não é demais reforçar. Esse sentimento, ainda que subversor de certas lógicas temporais, não é da ordem do delírio. Se o conhecimento mais ordinário sobre o conceito de delírio costuma associá-lo a um comportamento fora da realidade (e, não raro, algumas encenações contemporâneas, na busca de certa originalidade, não deixam de exibir essa qualidade delirante), para a psicanálise o delírio não se caracteriza como essa conduta fora da realidade, mas antes, na crença de que a realidade depende mais de nós mesmos do que dela própria. O sujeito delirante, portanto, é aquele que cria uma realidade para si e luta para convencer os outros de que seria este o verdadeiro real. A qualidade da presença, ao contrário, como coparticipante do sentimento oceânico, estabelece uma tensão necessária entre o Eu e o Outro, ou entre ator/atriz e plateia, de modo que o compartilhamento da mesma realidade é obrigatório, ainda que possa se subverter, transitoriamente e em comum acordo, elementos estruturantes desse real.

Uma vez bem situada a questão do delírio nesse contexto, poderíamos nos estender à dissolução das fronteiras. Freud nos mostra que em algumas patologias, mas também na condição do enamoramento, a tão estável fronteira entre o Eu e o mundo externo pode tornar-se tênue. É próprio do enamorado que se veja como uma unidade entre si mesmo e o ser amado. Não obstante a possibilidade de se argumentar sobre as trapaças desse sentimento no mais das vezes passageiro, estamos diante de mais uma modalidade dessa ilusão.

O oceano, em sua imensidão, não nos apresenta bordas, limites, margens internas, sendo a orla apenas a determinação onde o mar deixa de ser mar para se tornar continente. Em outros suportes, é aquilo onde o material inconsciente cede espaço para a solidez consciente, ou quando o regime da vida se impõe ao fim do espetáculo, ao acender das luzes e ao fim da ilusão (até então real). O jogo entre ilusão do mar e realidade da terra é componente da presença, a dissolução das fronteiras no sentimento oceânico tem o subtexto da navegação e do retorno, sem o qual seria apenas estar à deriva. A presença é, assim, o dispositivo anti-deriva do sentimento oceânico em cena.

A presença no trabalho cênico do Lume parece propor essa dissolução de fronteiras, a começar por aquela tão demarcada entre ator/atriz e plateia. Desde o rompimento de um espaço fixo de atuação até as interações constantes e não invasivas, tal sentimento vai se formando de modo natural nas obras do grupo. Evidentemente, não há garantias e cada espetáculo assume um novo risco, como é próprio às artes da presença. Há diversos níveis de fome, se seguirmos no paralelo psicanalítico do desenvolvimento de tal sentimento, pois ao bebê, que ainda não separa seu Eu do mundo exterior, o grande Outro é o seio que o alimenta, mas tal prazer modula-se pelo reconhecimento paulatino de que o objeto de satisfação se acha fora e esta tensão entre Eu e Outro não mais abandonará o princípio de prazer. Também por isso a dissolução das fronteiras é transitória e inapreensível, tal como um espírito que se deseja presente, mas cuja manifestação só podemos evocar por meio de um conjunto de técnicas de eficiência contingente.

Uma vez anunciado o princípio de prazer, como o fizemos no último parágrafo, o sentimento oceânico estará, mais uma vez, sob ameaça do delírio, pois o Eu tende a mergulhar nesse vórtice de satisfação, que fora plena apenas no seio materno, e que agora segue em busca de uma substituição impossível. No que tange ao paralelo aqui proposto, caberia responder se as obras do Lume, as quais argumentamos serem candidatas eficientes à promoção de um tal sentimento oceânico, são elas também capazes de produzir um princípio de realidade que componha o equilíbrio necessário para a satisfação não delirante. A solidez de temas e construção de personagens, consubstanciadas no valor do texto e/ou dramaturgia, parecem compor essa dimensão do princípio de realidade e projetar as obras para uma presença ulterior à da performatividade sensorial. Os procedimentos metodológicos de investigação artística apresentados em resumo anteriormente neste texto apontam para o exercício rigoroso de composição que busca acionar no próprio corpo do ator/atriz as ações físicas e vocais justamente deste meio caminho que parece contestar e desmanchar as dicotomias dentro-fora, eu-outro, indivíduo-coletivo, sobretudo quando derivam de pesquisas de campo, onde o princípio de realidade teria sua sustentação. O deslocamento para a cena de elementos existentes, como fotos, cenografia ou expressões de épocas e lugares explicitamente outros contribuem para uma ocupação comum deste intervalo pelo ator/atriz e plateia19 19 A apresentação e discussão sobre diversas montagens do Lume oferecem amplo material a este respeito, como por exemplo: Colla (2006; 2013); Ferracini (2006); Hirson (2006; 2012); Ferracini; Hirson; Colla (2020), deste último os capítulos 8 e 9 principalmente. .

Não estamos aqui questionando o valor estético de outras opções, mas antes, articulando as escolhas do Lume com os sentidos de um tal sentimento oceânico, que descrito pela teoria freudiana, pode ajudar a sofisticar o olhar sobre a obra artística desse grupo, em especial no que concerne à questão da presença. Nesse sentido, o princípio de realidade é um elemento que pode funcionar como uma espécie de contraprova na construção desse sentimento, pois, como vimos, se o princípio de prazer não encontrar seu balizador antagônico tal sentimento não se produzirá, pois um êxtase da presença pode ceder lugar a uma embriaguez delirante.

Restaria ainda uma dúvida sobre a pertinência do uso desse conceito em contexto das artes da cena se tomarmos como referência que é próprio do desenvolvimento do Eu que ele parta de uma sensação de totalidade e imersão quase completas na experiência do bebê lactante para um distanciamento cada vez mais consciente das fronteiras com o Outro. Como poderia uma consciência assim formada, tão carregada de princípio de realidade, retornar a um estado de imersão apenas pelo episódio de uma obra cênica?

Sem dúvida, a medida dessa resposta é perigosa demais para ser anunciada sem que se corra riscos desnecessários. Mais seguro, entretanto, é entender nossa busca incessante por esse sentimento de algum modo já registrado em nossa experiência. O sentimento oceânico possivelmente encontrado em uma obra como as propostas pelo Lume é, assim, antes uma busca, do que um resultado de metodologias, mesmo que acertadas. O acerto, nesse sentido, é apenas o acerto da busca, ou seja, as condições potencializadoras da produção de tal sentimento e o possível enlaçamento dessas potências com a falta que reside na experiência de todos nós.

Na vida psíquica, essa busca pelo retorno da experiência do sentimento oceânico costuma configurar-se, como lemos mais adiante nesse texto freudiano (Freud, 2014FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização e outros textos (1930-1936). In: FREUD, Sigmund. Obras Completas: volume 18. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. P. 14-122. [1930]), por meio de um conteúdo ideativo, ainda residente na vida madura, que aspira uma certa ligação com o todo. Nesse sentido, podemos perspectivar que a qualidade da presença no trabalho cênico que aluda a tal sentimento oceânico, não se limita a personagens e situações ensimesmadas ou mesmo exibidoras de grande singularidade. Em outros termos, parece que cada partícula da presença, por mais que esteja circunscrita a uma personagem ou cena, projeta círculos concêntricos em direção ao todo, dinâmica que permite, eventualmente, capturar essa aspiração de ligação.

Não nos propomos aqui a decupar a metodologia do Lume a fim de encontrar elementos confirmadores dessa opção ascendente. Basta a nossos propósitos a experiência de interação com as obras desse coletivo para testemunhar, mesmo que a partir de uma posição inevitavelmente subjetiva, que esta aspiração encontra motor nas peças do seu repertório criativo.

A ideia de promoção de um sentimento oceânico em uma peça cênica parece implicar, pela percepção psicanalítica, na recuperação de traços mnemônicos. Seriam eles, uma vez acionados, que dariam a dimensão da experiência psíquica alusiva a essa totalidade perdida cuja busca do sentimento oceânico pode representar. Em texto muito preliminar, de 1891, Freud, ao avançar sobre o conceito de afasia, compreende que os traços mnemônicos são os elementos chave no processo de representação sob o qual o sujeito pode associar o momento presente com sua experiência mais íntima e total. Isso nos permite supor que a composição cênica amparada em traços mnemônicos, intencional ou intuitiva, pode ser suficientemente transferencial para convidar os sujeitos a esse sentimento oceânico diante da poética do espetáculo.

As pesquisas do Lume, talvez por se situarem em um contexto longitudinal de um grupo antigo e estável, parecem ter encontrado metodologias de acesso a estes traços de modo a mobilizá-los em diversos de seus espetáculos. Não custa sublinhar, novamente, que a digressão que aqui executamos ao cotejar o conceito psicanalítico de sentimento oceânico e um certo resultado estético das obras do Lume não estabelecem relações de causa e efeito entre esses polos. Tampouco indicam intencionalidades conscientes dos conceitos aqui circulados, o que não nos parece retirar em nada o mérito de tal digressão que, como é próprio desse recurso reflexivo, excursiona por outros territórios para acrescentar camadas desconhecidas a matérias de interesse.

Enlace Final

A partir da articulação da presença no trabalho do Lume, este artigo buscou sofisticar os modos de compreensão sobre a estética desse grupo na medida em que propôs novos elementos articuladores que, advindos de aportes filosóficos e psicanalíticos, podem permitir novas camadas de interpretação da obra cênica. Para isso, circunscrevemos conceitos específicos, quais sejam, o do alargamento temporal e do sentimento oceânico, como balizadores para esse processo de interpolação, permitindo-nos vislumbrar a estética do Lume a partir das potências produzidas para a reflexão ampla de tais conceitos. Como processo de mão dupla, supomos que exercícios cruzados como esses podem tanto enriquecer a crítica do trabalho teatral como ofertar novos suportes para aplicação dos conceitos de origem.

Se o objetivo anunciado desse texto era o de expor duas recepções do trabalho do Lume a partir do olhar do espectador de suas obras, entrecruzando saberes da filosofia e da psicanálise, podemos considerar que tal esforço nos mostrou potências e limites. É potencial a percepção de que o cotejamento com saberes da filosofia e da psicanálise acrescentam camadas de expansão à experiência de espectador dos trabalhos do Lume. Ao propormos tais nexos, fazemos essa incursão, que não revela sentidos, mas antes, propõe inteligibilidades. Outros cotejamentos produziriam diferentes enlaçamentos, impossíveis de se assegurar aqui como mais adequados ou menos potentes. Anunciamos assim um limite, testemunhado pela escolha, que não fora aleatória ou exótica, pelo contrário, apareceram a esses autores como nexos potentes, mas ainda assim, escolhas. São sentidos que nos tocaram a partir da experiência da cena, da fortuna crítica que nos subsidia e do valor da presença no trabalho do Lume. Uma única cena pode desintegrá-los em um tempo muitíssimo menor do que o necessário para tecê-los. Mas tal efemeridade talvez seja o mais interessante nessa dualidade limite/potência que reflexões como as aqui apresentadas carregam. A filosofia e a psicanálise não são ciências em seu sentido duro. Especulação e análise, para além da doxa, são recursos que se esforçam para acompanhar os pés velozes de potências criativas como as do teatro.

A síntese do que encontramos nesses esforços reside em duas vertentes. A primeira, da percepção de um alargamento temporal nas obras do Lume, que parece remeter a um encadeamento de qualidades técnicas específicas e intencionalmente associadas. Tal alargamento nos permitiu digressões que alcançaram os conceitos de percepção e afecção, caros à filosofia de Deleuze e Guattari e que nos apresentou a interação do corpo como premissa, abrindo a chance de vinculações produtivas com a análise do trabalho do Lume. Na segunda vertente, entrecruzamos a percepção estética da cena do Lume com o conceito psicanalítico de sentimento oceânico. Identificamos que a abundante presença, intencional ou intuitiva, a traços mnêmicos potentes podem possibilitar a expressão de tal sentimento nas obras, construindo laços transferenciais influentes entre cena e espectador.

Esperamos ainda que os liames aqui construídos sejam capazes de mobilizar debates em torno da obra do Lume, patrimônio contemporâneo da cena teatral e, como aqui tentamos argumentar, aparente manancial para reflexões de inspiração filosóficas e psicanalíticas.

Notas

  • 1
    Apesar de sermos dois autores, neste momento, apenas um de nós assume a voz da narrativa.
  • 2
    Nome de palhaço do ator Ricardo Puccetti.
  • 3
    Nome de palhaço do ator Carlos Simioni.
  • 4
    Nigun, de Giora Feidman (The Magic of the Klezmer).
  • 5
    Espetáculo de rua com os sete atores e atrizes do grupo, 1997.
  • 6
    Café com queijo, espetáculo com atuação de Ana Cristina Colla, Jesser de Souza, Raquel Scotti Hirson e Renato Ferracini, 1999.
  • 7
    Barão Geraldo, distrito de Campinas/SP, localizado fora do espaço do campus da Unicamp.
  • 8
    Espetáculo com atuação de Carlos Simioni, música de Denise Garcia e direção de Luís Otávio Burnier, 1988.
  • 9
    Espetáculo com atuação de Ricardo Puccetti e direção inacabada de Luís Otávio Burnier, 1995.
  • 10
    Espetáculo para palco italiano com os sete atores e atrizes e direção de Tadashi Endo, 2003.
  • 11
    Grupo de mulheres com vulnerabilidades de diversas ordens, assistido há mais de 10 anos por experiências formativas de pesquisa, ensino e extensão dos cursos da área da saúde da Unifesp - Campus Baixada Santista. Para aprofundamento, ver: <https://delicadascoreo.wixsite.com/delicadas>. Acesso em: 19 mar. 2021.
  • 12
    Para aprofundamento, ver Gumbrecht (2010)GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de Presença: o que o sentido não consegue transmitir. Tradução de Ana Isabel Soares. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2010..
  • 13
    Carlos Simioni, Ricardo Puccetti, Renato Ferracini, Naomi Silman, Raquel Scotti Hirson, Jesser Pereira e Ana Cristina Colla.
  • 14
    Para aprofundamento, ver Ferracini, Hirson e Colla (2020, p. 23-36)FERRACINI, Renato; HIRSON, Raquel Scotti; COLLA, Ana Cristina. Práticas Teatrais: sobre presenças, treinamentos, dramaturgias e processos. Campinas: Editora da Unicamp , 2020..
  • 15
    Os termos clown e palhaço serão utilizados como sinônimos neste texto, apesar das distinções quanto às linhas de trabalho.
  • 16
    Alusão à clássica máxima espinosana: “O fato é que ninguém determinou, até agora, o que pode o corpo, isto é, a experiência a ninguém ensinou, até agora, o que o corpo - exclusivamente pelas leis da natureza enquanto considerada apenas corporalmente, sem que seja determinado pela mente - pode e o que não pode fazer” (Spinoza, 2009SPINOZA, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009., p. 101).
  • 17
    Princípio forjado pela antropologia teatral de Barba e Savarese (1995)BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas: Hucitec, 1995.. Ao lado de, principalmente, equilíbrio, oposição, base, equivalência e ritmo, o corpo dilatado refere-se a um estado extracotidiano do corpo-em-vida, e “[...] é acima de tudo um corpo incandescente no sentido científico do termo: as partículas que compõem o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais energia, sofreram um incremento de energia, separam-se mais e opõem-se com mais força, num espaço mais amplo ou reduzido” (Barba; Savarese, 1995BARBA, Eugenio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas: Hucitec, 1995., p. 54).
  • 18
    Convém citar a herança da base do pensamento do filósofo seiscentista Espinosa com a atualidade conceitual desenvolvida por Ferracini no Lume. Como já mencionado, as ações físicas no Lume são chamadas de matrizes. Para Ferracini (2009, p. 126), “[...] a matriz é o correspondente cênico da Alegria de Espinosa. [...] Podemos dizer que a capacidade de afeto de uma matriz determina sua própria potência. É o afeto e não a ação consciente do movimento que produz a potência da matriz”. Derivam deste sistema conceitual outras produções do autor (Ferracini, 2009FERRACINI, Renato. Ação física: afeto e ética. Urdimento - Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 2, n. 13, p. 123-133, 2009. Available at: <https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573102132009123>. Accessed on: Feb 12, 2021.
    https://www.revistas.udesc.br/index.php/...
    ; 2013aFERRACINI, Renato. Ensaios de Atuação. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2013a.; 2013bFERRACINI, Renato. Presença e Vida: corpos em arte. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 7., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte, 2013b. P. 1-7. Available at: <http://www.portalabrace.org/viireuniao/tfc/FERRACINI_Renato.pdf>. Accessed on: Ago 22, 2020.
    http://www.portalabrace.org/viireuniao/t...
    ; 2014FERRACINI, Renato. A presença não é um atributo do ator. In: ORLANDI, Eni Puccinelli (org.). Linguagem, Sociedade, Políticas. 1. ed. Campinas; Pouso Alegre: RG; Univás, 2014. P. 227-237.; Rabelo; Ferracini; Reis, 2016RABELO, Flávio; FERRACINI, Renato; REIS, Bruna. Planos de Composição em Ato: possibilidades poéticas do cotidiano. Revista Brasileira de Estudos da Presença , Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 267-286, 2016. Available at: <https://seer.ufrgs.br/presenca/article/view/58386>. Accessed on: Feb 12, 2021.
    https://seer.ufrgs.br/presenca/article/v...
    , dentre outros).
  • 19
    A apresentação e discussão sobre diversas montagens do Lume oferecem amplo material a este respeito, como por exemplo: Colla (2006COLLA, Ana Cristina. Da minha janela vejo… Relato de uma trajetória pessoal de pesquisa no Lume. São Paulo: Aderaldo & Rothschild/Fapesp, 2006.; 2013)COLLA, Ana Cristina. Caminhante, não há caminho: só rastros. São Paulo: Perspectiva/Fapesp, 2013.; Ferracini (2006)FERRACINI, Renato. Café com queijo: corpos em criação. São Paulo: Aderaldo & Rothschild/Fapesp , 2006.; Hirson (2006HIRSON, Raquel Scotti. Tal qual apanhei do pé: uma atriz do Lume em pesquisa. São Paulo: Hucitec/Fapesp, 2006.; 2012)HIRSON, Raquel Scotti. Alphonsus de Guimaraens: reconstruções da memória e recriações no corpo. 2012. Tese (Doutorado em Artes) - Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2012.; Ferracini; Hirson; Colla (2020)FERRACINI, Renato; HIRSON, Raquel Scotti; COLLA, Ana Cristina. Práticas Teatrais: sobre presenças, treinamentos, dramaturgias e processos. Campinas: Editora da Unicamp , 2020., deste último os capítulos 8 e 9 principalmente.

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Editado por

Editor-responsável: Gilberto Icle

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2020
  • Aceito
    15 Fev 2021
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