Leopold Kompert, conciliador de facções judaicas na Mitteleuropa
ABSTRACT
This article deals with two short stories by Leopold Kompert (1822-1886), a Jewish author from the Austro-Hungarian Empire and one of the major names in a genre which became known as Ghettoliteratur. As all other authors in his genre, Kompert dealt mainly with the conflicts involved in the passage from the world of traditional Jewry towards 19th into modernity. But he did this in a typical Habsburg way. Rather then emphasizing the incompatibility between these two worlds, Kompert tries, on the one hand, to preserve the memory of the vanishing world of the Jewish Shtetl, and on the other hand to create a synthesis between this world and the multi-lingual and multi-cultural Austro-Hungarian Empire.
Keywords:German-Jewish Literature; Assimilation; Austrian Jewish History.
A permeabilidade e os limites da permeabilidade entre o “velho” e o “novo” mundo judaico na Europa de língua alemã do século 19, isto é, entre a aventura na modernidade e a vida no conservadorismo religioso das aldeias e enclaves judaicos dos territórios da velha Polônia, incorporados à Prússia a à Áustria-Hungria no fim do século 18,ou nos guetos da Alemanha Ocidental, da Boêmia, da Moravia e da Áustria, são temas marcantes nas trajetórias narradas pelos autores da chamada Ghettoliteratur. Este gênero da literatura alemã, que floresceu a partir da década de 30 do século 19, bem antes do surgimento de uma literatura judaica moderna em língua ídiche, tem, portanto, como temática central o contraste entre dois universos aparentemente incompatíveis: de um lado, as promessas de emancipação e integração dos judeus nas sociedades burguesas e liberais que emergem com o século 19, e que rompem com as doutrinas religiosas de caráter segregacionista, que até então justificavam a exclusão social e a marginalização dos judeus; de outro lado, a nostalgia por um universo judaico coeso, orientado por princípios éticos herdados de ancestrais remotos e voltado para a crença metafísica e a esperança pela redenção messiânica.
Escritores oitocentistas como Berthold Auerbach, Aron David Bernstein, Meyer Aron Goldschmidt, Leopold Kompert, Karl Emil Franzos, Jakob Frommer e dezenas de outros percorreram, em suas vidas pessoais, os caminhos de que tratam, de maneira recorrente, em seus trabalhos ficcionais. As fronteiras entre duas identidades judaicas, dentro e fora dos muros da Judengasse, entre a metrópole e a aldeia, entre a tradição e a modernidade fáustico-titânica das grandes cidades européias, são assunto de sua preocupação permanente – quer em suas trajetórias de vida pessoais, quer em suas obras de ficção.
É só por um movimento de idas e vindas entre esses dois mundos, que se refletem nos escritos desses e de outros expoentes da Ghettoliteratur,que aos poucos vão se costurando identidades culturais distintas, isto é, vão se constituindo aqueles embriões dos quais surgirão e se cristalizarão, a partir do final do século 19, as imagens muitas vezes estereotipadas do Ostjude e do Westjude, isto é, do judeu “ocidentalizado”, germanizado, integrado à realidade da vida moderna, e do judeu “oriental” – um termo que parece menos associado a um território geográfico do que a territórios espirituais e mentais, povoados por crenças, por idéias e por superstições consideradas incompatíveis com os parâmetros predominantemente racionalistas da civilização burguesa da Europa Ocidental.
Essas imagens opostas, muitas vezes estereotipadas, e cada vez mais afastadas, traduzem o crescente grande distanciamento e a multiplicação das oposições entre estas duas facetas do judaísmo do século 19 europeu – especialmente no universo de língua alemã, onde a passagem do “velho” para o “novo” mundo se deu por meio da demolição dos muros dos guetos e da migração das antigas aldeias judaicas, onde a vida se organizava de acordo com parâmetros medievais praticamente inalterados, em direção às cidades e metrópoles. È em torno dessa passagem que floresce a Ghettoliteratur, de maneira que este gênero, atual nos estudos germanísticos na Europa, funciona mais como uma ponte entre dois mundos – que freqüentemente, inclusive, propõe-se a manter unidos, ao mesmo tempo em que parece indagar-se sobre a viabilidade de tal coesão – do que como um mecanismo de construção de uma nova persona cultural, isolada da anterior e desvinculada de um patrimônio identitário comum, como acontecerá na literatura mais tardia.
É neste sentido que o conto Der Dorfgeher, de Leopold Kompert (1822-1886), um dos expoentes do gênero, escritor nascido na Boêmia austro-húngara, publicado em 1851, se torna emblemático do esforço de manutenção de uma continuidade entre dois universos cujo processo de distanciamento apenas começa a acontecer, mas cujo acirramento já é percebido como inevitável: o protagonista da narrativa, Emanuel Prager, é alguém que deixou para trás a aldeia natal para conquistar um lugar na “civilização”. Prestes a casar-se com uma moça cristã, de nome Klara, rompeu todos os laços com o mundo dos ancestrais, e não se corresponde, há anos, com seus pais. Emanuel, que na casa de seus pais se chamava Elije, deixou sua cidadezinha natal pouco tempo depois de completar treze anos de idade, pois a estreiteza do gueto lhe era insuportável. Já no início da vida adulta, chegou a Viena, disposto a conquistar o novo mundo e, sobrevivendo como professor particular, torna-se estudante na Universidade. É assim que fica conhecendo Klara, uma donzela encantadora da burguesia cristã da capital, com quem deseja se casar.
O tema do casamento entre cristãos e judeus é particularmente caro aos autores da Ghettoliteratur, e evidentemente reflete uma realidade concreta: o convívio irrestrito entre representantes de religiões diferentes, assim como o triunfo do secularismo multiplicaram, já a partir do início do século 19, matrimônios desse tipo. No caso aqui narrado, os pais de Klara se dão por satisfeitos com um casamento civil, e tudo parece anunciar um fim auspicioso para esta história de amor. Mas o próprio Emanuel, numa das epístolas que dirige a sua amada, afirma que está disposto a adotar seu credo. Antes de casar-se, porém, e de romper, de maneira definitiva, com suas origens, Emanuel decide visitar, uma última vez, a cidadezinha natal. Disfarçado de mendigo, chega a seu Shtetl (aldeia judaica) na Boêmia austro-húngara e vai à procura da casa paterna.
A Boêmia e a Moravia austro-húngaras, com seu sistema escolar germanizado e sua tradição de convívio pacífico entre judeus e cristãos no século 19, é o topos por excelência daquela paisagem cultural conhecida como a Mitteleuropa: um território em que se trata de resolver as polarizações entre o Oriente e o Ocidente por meio da conciliação e do compromisso – estas virtudes cardinais do josefinismo habsburgo e, sobretudo, do longo reinado do Kaiser Franz Joseph. A idéia de um Império em que diferentes culturas, etnias e idiomas sobrevivem sob a égide de seu patriarca talvez tenha atingido o zênite de sua realização nessa Mitteleuropa, e o próprio cosmopolitismo subentendido pela mentalidade habsburga evidentemente torna-se um modelo atraente para os judeus do Império, na medida em que seu habitat nativo vai cedendo terreno ao avanço de uma economia de molde liberal voltada para o Fortschritt, e de uma mentalidade apoiada sobre os ideais de um liberalismo humanista, apresentando-se aos egressos do gueto como uma nova promissão. Não por acaso, os judeus da Boêmia e da Moravia foram os que primeiro deixaram suas aldeias e cidadezinhas para se radicarem em Viena, a partir de 1848. Eles eram, dentre os judeus o Império, os que viviam em menor grau de isolamento em relação aos seus vizinhos, de maneira que existe uma verossimilhança indiscutível na trajetória narrada por Kompert.
O otimismo do novo século, que parece anunciar o fim da condição de exilados dos judeus da Europa, encontra nesse universo mitteleuropäisch,suas melhores perspectivas de realização concreta e a grande receptividade dos judeus desta região à cultura habsburga germânica, que representa, afinal, a submissão aos monarcas protetores dos judeus, é expressão concreta deste otimismo. O que esta Kultur representa, idealmente, em termos de um repertório de valores laicos, ainda que profundamente arraigados na tradição do catolicismo, é um humanismo em que a Bildung e a fé na ciência são os vetores fundamentais, ao mesmo tempo em que o Estado busca recuperar e proteger os valores religiosos do medievo, sob a égide de um monarca benevolente e protetor de todos os seus súditos – independentemente de sua filiação religiosa ou étnica.
A cultura, assim, torna-se a expressão acabada de uma idéia imperial, construída de valores éticos, da qual os judeus germanizados poderão fazer parte, ao mesmo tempo em que o caráter cosmopolita dessa idéia opõe-se, de maneira radical, à emergência dos diferentes nacionalismos que, ao longo de todo o século 19, vão criando as fissuras que culminarão com a dissolução total do Império, em 1918.
A brutal aceleração dos ritmos da vida, no território desse império, a partir de meados do século 19, especialmente em função da introdução daqueles avanços tecnológicos que representam a destruição do velho mundo – como as ferrovias, os telégrafos, as máquinas e os navios a vapor – teve como contrapartida, no universo da literatura, a tentativa de fixação dos valores constitutivos do mundo que desaparecia. Assim, aos idílios que têm como tema o esplendor do Sacro Império Romano Germânico, surge uma contrapartida judaica: a Ghettoliteratur. “A vida judaica desfaz-se cada vez mais. Um pedaço dissolve-se depois do outro: por isso me parece que é chegada a hora de fazer com que a poesia e a história, e ambas juntas, fixem esse seu movimento numa imagem (Bild)”, escrevia, em 1837, Berthold Auerbach. Como Auerbach, Kompert começou a escrever por temer pelo desaparecimento do mundo judaico em que nasceu. Como cronista da Judengasse boêmia, portanto, ele pretendia “poder olhar mais uma vez no amado e conhecido rosto de um tempo que desaparece, fixar seus traços, antes que eles se tornem irreconhecíveis; apertar mais uma vez a mão daquelas figuras que rodearam seu berço, antes que a grama comece a crescer sobre os seus túmulos e um novo tempo, indiferente àqueles sobre quem marcha, pisoteie a terra que foi fertilizada com o pó de seus antepassados.”
Esse projeto essencialmente anti-histórico, assim, faz de Kompert alguém empenhado em preservar, de forma quase museológica, seu legado psíquico e espiritual, em busca do tempo perdido como tantos outros escritores judeus na Europa do século 19. Der Dorfgeher, publicado originalmente em 1851,é um conto longo, quase uma Novelle, construído sobre a alternância entre descrições, diálogos e epístolas que o protagonista dirige à sua noiva cristã, em Viena. Emanuel Prager, como só pode acontecer num conto sentimental, consegue um Plett (bilhete) da comunidade para fazer, na casa de seus pais, as refeições do Shabat (o dia semanal de descanso dos judeus, no qual nenhum tipo de trabalho é permitido, e no qual os moradores de uma localidade têm o dever de oferecer hospedagem e refeições aos forasteiros que se encontram de passagem por ali), ali penetrando sob o disfarce de um mendigo errante.
A narrativa, assim, está construída sobre uma variedade de perspectivas: aos dois nomes do protagonista, Elije e Emanuel, como convém aos judeus integrados ao mundo moderno, que possuem um nome “religioso” e um nome “profano”, corresponde, aqui, uma duplicidade de olhares: o jovem, egresso do gueto, olha-o de fora no momento desta visita secreta, e relata à noiva suas observações, ao mesmo tempo em que seus pais, que não o reconhecem, voltam a cada tanto a mencionar o filho que partiu e que talvez, naquele mesmo momento, esteja vagando, como ele, por aldeias desconhecidas, desenhando, assim, a perspectiva dos que ficaram para trás. Der Dorfgeher é notável, portanto, pela maneira como retrata os territórios que se estendem dos dois lados de uma fronteira cujos contornos, no momento da criação literária de Kompert, apenas começam a delinear-se, e cujo mercurial protagonista cruza livremente, durante todo o tempo narrativo. O conto prenuncia, também, a incompatibilidade entre esses dois mundos, e as diferenças radicais entre maneiras opostas de se compreender a vida, que colocam em xeque, inclusive, o espírito de conciliação que se pretende instaurar com o Império.
Emanuel observa um mundo em declínio, marcado pela melancolia e pela desolação. Em sua aldeia natal, os homens passam a semana inteira longe de casa, percorrendo a Medine – como é chamado o mundo fora da aldeia – portando suas mercadorias e mascateando com os camponeses, para retornarem ao convívio familiar apenas no Shabat. Mas sua sobrevivência torna-se, a cada tanto, mais problemática. O número de mendigos judeus na região cresce, como um reflexo dos novos tempos e, sobretudo, em decorrência do rápido declino da economia tradicional, provocado pela chegada das máquinas e das estradas de ferro. Schnorren(mendigar), assim, tornou-se uma ocupação comum e para abrigar os mendigos itinerantes, que por ali passam em números sempre crescentes, a cidadezinha mantém uma Schlafstube (dormitório) onde eles podem dormir durante o Shabat, ao mesmo tempo em que as famílias da comunidade se dividem na obrigação piedosa de alimentá-los, em suas mesas escassas, durante o dia sagrado de descanso.
Segundo a descrição de Emanuel numa de suas epístolas, a Schlafstube reúne mendigos judeus de todos os quadrantes do Império habsburgo: ali estão poloneses e alemães, galicianos e húngaros, um exército cosmopolita de esfomeados, que refletem o trágico desmantelamento das formas de vida judaicas tradicionais em toda a extensão de um reino empenhado na própria modernização.
Ao mesmo tempo, a fé incondicional na religião dos ancestrais parece fazer com que os personagens desse universo se elevem a um patamar que está acima das dificuldades e das provações, garantindo a manutenção de uma dignidade que independe de fatores externos e materiais, como quando o pai de Elije, Schimme Prager, chega à sua casa, pouco antes do início do Shabat:
Dorfgeher, antes que pudesse responder,
tocou com a mão aquele ponto sagrado no
baten te da porta, onde se avistava, por
uma reluzente janelinha de vidro, o misterioso
nome de Deus, “Schadai”, levando-a então aos
lábios, compenetrado. E ao fazê-lo toda a
estatura do Dorfgeher tornou-se maior e mais
imponente do que se poderia imaginar à primeira
vista, como se a proximidade com seu Deus o
elevasse acima do peso de seu fardo – e acima
de si mesmo. Agora também era possível ver
melhor o seu rosto, era um daqueles rostos em
que as preocupações, as dificuldades e os
sofrimentos haviam desenhado rugas profundas,
como só o gueto é capaz de fazer.[1]
Em seu estudo sobre a dissolução dos guetos austro-húngaros, e sobre o fenômeno da mendicância judaica no século 19, Klaus Hödl[2] mostra como a implantação das ferrovias representou o fim de um modus vivendi que tinha sua base econômica no pequeno comércio, e como esta transformação criou uma massa de proletários judeus ameaçados – e freqüentemente vitimados – pela fome e pela impossibilidade de reproduzirem suas formas de vida tradicionais. Os mendigos, nessas circunstâncias, não eram simplesmente outsiders, mas passaram a constituir um estrato crescente da população judaica, isto é, uma espécie de casta e de profissão própria, cuja legitimidade não é posta em questão pelo restante da sociedade judaica. É assim que, num diálogo entre Channa Prager e seu filho incógnito, após o término da refeição de sexta-feira à noite, ela destaca a necessidade de se conseguir uma Kondition, isto é, uma profissão:
“Diga-me, hóspede”, começou a mãe,
“como é que o senhor se vira no
vasto mundo? O senhor não parece ser,
de nascença, um –“
“Mendigo – a senhora quer dizer?
Realmente não o sou.”
“Então por que? É com prazer
que lhe dou de comer, e possa Deus me
amparar assim na minha última hora, mas
sua mãe, eu aposto, certamente não
gostaria de ver o senhor assim sem
profissão. Ela ainda vive?”[3]
A população de mendigos judeus, que crescia ano a ano a partir de meados do século 19, explica a existência da Schlafstube: a pobreza endêmica entre os judeus do Império provocava uma febre de errância, obrigando os egressos do Shtetl a buscarem em outros lugares os meios para a sobrevivência, de maneira que a presença de forasteiros se tornava, a cada tanto, mais comum. E a cada Shabat esta multidão de errantes, que andava pelas estradas poeirentas da Medine,em busca de caridade, parava, na aldeia judaica mais próxima, para descansar, em obediência aos mandamentos judaicos. Dezenas de milhares de judeus percorriam as estradas à procura de novas possibilidades de sobrevivência, ao mesmo tempo em que a desesperança e a melancolia se tornavam as marcas de uma vida no gueto que já se vê, sobretudo pelas circunstâncias econômicas, impedida de reproduzir-se segundo os padrões tradicionais. O édito imperial que permite o estabelecimento de judeus na capital pode ser compreendido, de um lado como uma busca de solução para este problema humano, mas de outro como forma de garantir à economia urbana e industrial nascente a mão-de-obra abundante de que faz uso.
Em sua visita à casa dos pais, Emanuel defronta-se com a cena comovente de sua irmã Rösele, agora envelhecida e cansada, que é como um mau augúrio sobre o futuro judaico. Rösele, quando chega o Shabat e seu pai volta de seus seis dias de andanças em busca de dinheiro, põe-se a chorar e gemer baixinho ao lado do fogão:
”O que perturbava Emanuel profundamente
era a percepção de que esta cena, que
ele acabara de presenciar, não apresentava
nada de novo para a sua família. A atitude
quase maquinal de sua irmã lhe parecia
a decorrência de muitos sofrimentos
anteriores, e seu pai certamente já a
repreendera muitas vezes antes por estar
perturbando seu Shabat.[4]
O choro tornou-se parte do quotidiano de Rösele, e a característica maquinal de seu lamento parece ecoar, também, a catástrofe que representam, para ela e para os seus, a introdução das novas máquinas em seu habitat: a pobreza agora a impede de conseguir um noivo, de maneira que a esperança e o futuro, representados pelos filhos, são esmagados, dolorosamente, em seu próprio ventre. A regressão e a esterilidade impedem a continuidade da vida ao mesmo tempo em que o surgimento de uma nova geração se vê ameaçado pelo êxodo assimilatório, sobretudo dos homens, em direção ao “novo mundo”. Os jovens de inteligência promissora, os que parecem destinados a serem os Rabis do futuro, abandonam o mundo dos pais em busca de outra vida, longe, nas estradas, nas capitais do Império ou até mesmo na distância quase inatingível da América. A desconsolada Channa Prager afirma ao forasteiro, que não sabe ser seu próprio filho:
Os Vou lhe dizer só uma coisa, que não se
tem nada dos próprios filhos. Quem tem
uma filha, fica com os cabelos grisalhos
antes do tempo, até que se consiga
casá-la, e um filho? Este vai embora
de casa, não conhece mais seu pai
nem sua mãe. O que temos nós, por
exemplo, de nosso filho Elije? Acaso
você sabe onde ele está agora?”[5]
E, logo adiante:
“Por isso uma mãe deve desejar, sempre, só ter filhas,
pois elas se mantêm fiéis, e ela pode conservá-las
em sua casa, mas um menino é como um passarinho
que voa tão logo nascem as primeiras penas.[6]
As filhas perecem na casa de seus pais, permanecem junto às suas mães, sem que possam vir à luz os frutos de seus ventres, enquanto os filhos voam para longe, tão logo “surgem suas penas”: o mundo do gueto está condenado ao desaparecimento e o choro de Rösele, que se repete, segundo o ritmo implacável das máquinas, dia após dia, Shabat após Shabat, representa também as dores daquilo que já não mais poderá vir a ser e que tampouco ressurgirá em outra parte e de outra forma. É como se ela pressentisse o cruel destino de ser devorada pela mesma sepultura de seus pais, e com suas lágrimas e seu choro, que destrói a única alegria do Dorfgeher¸ é a contrapartida do Mythos von der Ferne, (Mito da distância) que seduz os homens jovens: seu sofrimento é a extremidade oposta ao sofrimento implícito no desenraizamento e na migração, de maneira que a desolação permeia, de uma ponta à outra, as perspectivas de população do gueto.
Falando daqueles que partem, Channa Prager diz que “para um jovem, que não precisa das bênçãos de seus pais porque está longe deles, para um menino assim é impossível estar bem.” [7] A tragédia, portanto, faz encontrarem-se o próximo e o distante: a estreiteza sufocante da Heimat e as incertezas da Ferne são, no entender de Channa Prager, as possibilidades igualmente sombrias ante o declínio irreversível de seu mundo.
Para Emanuel, essa distância representa, também, a adoção da crença religiosa de sua amada Klara, como ele afirma numa das cartas que escreve em sua visita ao gueto, de tal forma que seu dilaceramento interior alcança proporções insuportáveis à medida que ele outra vez mergulha na vida de seus familiares. Depois de passar a sexta-feira à noite com seus pais e irmãos, incógnito, Emanuel não consegue suportar voltar à casa paterna à hora do almoço de Shabat, no dia seguinte, depois de assistir à explicação de uma página de um tratado talmúdico, apresentada por seu irmão menor, Benjamin, cuja inteligência é elogiada pelos eruditos e comparada à do desaparecido Elije, cujas grandes promessas se tornaram nada. A ruptura em sua alma o leva à beira da loucura, e ele desaparece da cidadezinha, caminhando por muitas horas, até voltar empoeirado, para escárnio dos outros mendigos que passam o Shabat na Schlafstube.
No dia seguinte, porém, errando pela Medine, ele encontra, inesperadamente, seu pai, que já cedo partiu com seu fardo, tentando vender as roupas usadas que carrega nas costas. Ao longo de toda a semana, sem destino, ele acaba por acompanhar o pai em suas andanças à cata de pequenos negócios. “Como estou despedaçado, sem unidade e sem centro, desde que vi a terra natal!”[8], pensa ele, durante suas interminável errância ao lado do pai. À medida que os dias da semana passam, e eles vão conversando sobre isto e aquilo, aos poucos Emmanuel vai descobrindo no velho uma Humanitas e uma integridade de princípios que o deixam pasmo: é como se só agora ele realmente chegasse a conhecê-lo.
O dilaceramento interior atinge um ponto insuportável quando, depois de vagar com o pai a semana inteira, Emanuel Prager acaba voltando à sua casa. Incapaz de resistir, depois de compartilhar com eles da refeição festiva do Shabat, revela, finalmente, sua identidade verdadeira. O retorno impossível ao passado, assim, encerra com uma nota nostálgica este conto, ao mesmo tempo em que expressa a impossibilidade da recuperação da integridade perdida: embora decida permanecer, doravante, na aldeia, Elije não pode mais esquecer-se de sua Klara: o dilaceramento não pode mais ser curado e a cisão em sua alma não pode mais ser resolvida depois que a unidade da vida dos ancestrais foi rompida.
A irreversibilidade do processo de entrada dos judeus na história, e o caráter definitivo da ruptura das muralhas do gueto, assim, é implicitamente descrita por Kompert, ainda que seu conto se encerre com um tom otimista.A esperança por uma síntese feliz entre o novo e o velho mundo, ainda que não seja possível antever quais serão os seus contornos, parece reger a constelação de eventos que marca o término dessas narrativas: o futuro, ou um retorno impossível ao passado se anunciam como os topoi de uma felicidade que não mais parece residir na esperança messiânica, conforme a tradição judaica européia desde a Idade Média, e no retorno, sob o auspício do Messias, às terras dos antepassados, em Israel.
Os ventos que dissolverão o universo ossificado que se reproduzia, por séculos a fio, nos enclaves judaicos espalhados pela Boêmia austro-húngara insinuam-se, também, na aldeia em que se passa o conto Eiziks Brille (Os óculos de Eizik), conto do mesmo Kompert, de 1860. A narrativa começa, de maneira emblemática, no momento em que o velho rabino da cidadezinha morre aos quase 90 anos de idade, e o acontecimento é a oportunidade que se esperava para, finalmente, introduzir no culto religioso aquelas modificações que o tornarão compatível com o gosto dos novos tempos, isto é, reformando-o no sentido de aproximá-lo do refinamento estético e do apuro que caracterizam os rituais celebrados nas grandes sinagogas de Viena. Convém lembrar aqui que as grandes sinagogas são invenções do século 19, caracteristicamente vinculadas à nova cultura judaica urbana: a reunião de milhares de participantes num só edifício para a celebração das festas judaicas é um fenômeno estranho às comunidades atomizadas que, até então, viviam em aldeias ou em pequenos enclaves dentro das cidades, enquanto a construção de grandes sinagogas é um fenômeno diretamente vinculado à urbanização e à emancipação, bem como à confessionalização da identidade judaica, que passa a ver em sua vinculação a uma nacionalidade e a um estado moderno a contrapartida de sua desvinculação do mundo tradicional.
Em Eiziks Brille, então, o velho rabino é substituído por um “Prediger” (“Pregador”, isto é, um rabino formado não mais pelas pequenas academias talmúdicas, mas pelos institutos da Ciência do Judaísmo que à época começavam a ser implantados na Alemanha), ao mesmo tempo em que os rituais são transformados no sentido de se obter um serviço religioso “regrado” (“geregelt”). Não há termo que poderia designar com maior exatidão as ambições daqueles que, deixando para trás o mundo dos pais, buscavam seu lugar ao sol em meio às cidades alemãs, nem há termo que, isoladamente, possa descrever melhor a maneira de ser daqueles que, posteriormente, viriam a ser os judeus germanizados. O proverbial sentido de organização característico da tradição cultural alemã, bem como seu estrito sentido de hierarquia; o rigor na aplicação das regras e a conseqüente inflexibilidade, que não raro se torna sufocante – tudo isto está subjacente, de alguma maneira, no termo “geregelt”, que se opõe, de maneira diametral, ao que passa a ser percebido como a informalidade caótica dos tempos anteriores. Em Eisiks Brille a morte do velho rabino é também a oportunidade para a aposentadoria do velho cantor da comunidade (“Gemeindesänger”), Daniel Kremsier, que será substituído por um “Kantor” que obteve sua formação em Viena, no coro do célebre Salomon Sulzer (1804-1890), compositor de melodias litúrgicas judaicas e regente, responsável pela criação das músicas que passaram a animar as celebrações nas grandes sinagogas que o século 19 viu nascer em praticamente todas as grandes cidades da Europa Central e responsável, também, pela introdução da música de órgão na liturgia judaica.
Aos ouvidos das novas gerações, o canto tosco do velho “Gemeindesänger” tornou-se insuportável enquanto as velhas melodias, que remetem a tempos arcaicos, não são capazes de satisfazer seus gostos estéticos.[9]
As transformações, evidentemente, não se dão de maneira pacífica e opõem, em dois campos distintos, dois setores e duas gerações da comunidade, como convém à era do Fortschritt, em que o afã pelo novo substitui a reverência pelo consagrado e em que o exemplo da tradição se torna não um modelo a ser emulado, mas objeto de crítica e investigação. O novo “Prediger”, formado e educado de acordo com os princípios de um judaísmo transformado, modernizado e adaptado aos padrões estéticos emergentes do século 19, volta-se de maneira implacável contra os costumes dos ancestrais e dos velhos:
O jovem, na ambição de seu cargo, golpeara com
seu machado uma série de coisas que encontrara
ali, atirando-as ao fogo, inclusive muitas coisas que
ainda não estavam tão obsoletas ou mortas mas
que, com um olhar mais atento, até prometiam
uma bela sobrevida.[10]
A respeito da febre de reformas do “Prediger”, o velho e sábio Eisik afirma que
“por estar usando óculos, ele enxerga cada manchinha
e cada pontinho preto de nossa religião duas vezes
maior do que realmente é.”[11]
A presença da cultura dos novos tempos, porém, não é um acontecimento súbito na aldeia – ao contrário, é algo que se manifesta, de maneira sutil porém persistente, desde a infância do próprio Eisik, que é um ancião no tempo ficcional. Seu pai, um comerciante próspero e banqueiro, que freqüentava, duas vezes por ano, as feiras em Frankfurt, casou-se com uma mulher daquela cidade, cujas particularidades a distinguiam de maneira notável das outras mulheres da cidadezinha:
Minha mãe nascera fora, no “Reich”; meu pai a conheceu
na feira de Frankfurt, para onde ele viajava duas vezes
ao ano. Era uma mulher especialmente fina e distinta; ela sabia
escrever em alemão e em “jüdisch” melhor do que a maioria
dos homens, o que àquela época significava muito. Dizia-se dela,
também, que ela sabia ler livros franceses e tocar piano.
Naquela época, isto era visto como algo admirável. Porém,
como são as pessoas! A grande Bildung foi a infelicidade
da minha mãe. Por causa disto ela foi bastante insultada,
e nenhuma mulher da comunidade dignou-se a
estabelecer um relacionamento mais próximo com ela. As pessoas
sempre achavam que teriam que falar francês com ela, e como ninguém
sabia isto, acabaram por deixar de falar com ela por completo.
Por causa disto, minha mãe nunca se sentiu em casa na Gasse, vendo-se
sempre como uma estrangeira![12]
A penetração da mentalidade da Bildung, assim, e a tentativa, ainda que mal sucedida, de integrá-la à vida da Gasse, estão representadas por este casamento do pai de Eisik com uma mulher de Frankfurt, que evidentemente deixara para trás a Judengasse local, na passagem do século 18 para o século 19, mergulhando na cultura nascente, de influência francesa. A formação que Kompert atribui a esta mulher remete à presença cultural francesa, decorrente das guerras napoleônicas, e sua personalidade, aqui desenhada em poucos traços, reflete de maneira precisa os ideais da cultura judaica emancipada no universo germânico: ela é alguém que se distingue por sua Bildung¸ por seu conhecimento literário e por sua fineza e urbanidade, que a impedem de sentir-se heimisch na aldeia.
Sua trajetória, assim, da mesma forma que a descrita por Emanuel Prager em Der Dorfgeher representa, mais uma vez, a esperança implicitamente formulada por Kompert de que os parâmetros da nova cultura possam ser integrados aos parâmetros do universo da aldeia judaica – isto num momento em que esse universo já se encontra em seu processo de dissolução.
A presença da Bildung judaica, assim, e o conflito que esta representa com a tradição da Gasse, está representada, igualmente, no episódio em que Eisik descreve um presente que seu pai lhe trouxe de uma das suas viagens à Alemanha: trata-se de um livro muito especial, que não pode, de maneira nenhuma, ser visto pelos outros moradores:
Ao cair da noite, meu pai retirou o pacote do esconderijo,
depois de certificar-se de que todas as portas e janelas da
casa estavam fechadas e trancadas. O embrulho cinzento
foi retirado; meu pai me apresentou cinco livros.
“Isto é um Chumesch (Os Cinco Livros de Moisés)”,
eu exclamei, quase desapontado.
“Pelo amor de Deus, cale-se se você não quer que eu tire
esses livros de você”, gritou meu pai, muito amedrontado,
e também tive que prometer à minha mãe que me calaria.
Ela me ensinou deste Chumesch. Só muitos anos mais
tarde consegui compreender o cuidado e o temor de
meu pai. Se alguém tivesse encontrado aquele Chumesch
em nossa casa, só Deus sabe o que poderia nos
ter acontecido! Ele continha a tradução alemã de Moses
Mendelssohn, de Dessau![13]
O choque entre facções judaicas que se vêem, mutuamente, como apóstatas e como mergulhadas no obscurantismo, na superstição e na ignorância, assim, é a realidade do judaísmo centro-europeu já desde o início do século 19, aqui representada, e o aferramento das duas facções, em vez de resolver-se com o tempo, radicaliza-se. Ideologias progressistas e conservadoras são os pólos opostos que Kompert representa, no espírito do cosmopolitismo habsburgo, nesse território ficcional de reconciliação e moderação, como a apontar para um caminho de entendimento e de respeito mútuo, que é o cerne, também, da idéia imperial do Kaiser Franz Joseph. Ao estabelecer um reino que aspirava à perfeição, o mais longevo dos monarcas habsburgos pretendia, também, instaurar uma ordem que perdurasse para sempre; uma ordem fundada nos princípios cósmicos, destinada a proteger e preservar a todos os que dela participavam.
[1] KOMPERT, Leopold. Der Dorfgeher p. 13: Der Dorfgeher, ehe er antworten wollte, berührte früher die geheiligte Stelle an der Türpfoste, wo der geheimnisvolle Name Gottes „Schaddai“ durch ein glänzendes gläsernes Fensterchen hindurchblickte, mit der Hand, die er dann andächtig an die Lippen führte. Dabei wurde die ganze Gestalt des Dorfgehers höher und mächtiger, als man bei seinem ersten Anblick vermutet hätte; es war, als hebe ihn die Nähe seines Gottes über die Wucht seines Packes und über sich selbst hinaus. Auch sein Antlitz war nun besser zu sehen; es war eines jener von Kummer, Lebensmüh’ und Plackerei tief eingefurchten, wie sie nur das Ghetto zu zeichnen vermag!
[2] HÖDL, Klaus. Als Bettler in die Leopoldstadt – Galizische Juden auf dem Weg anch Wien.
[3] KOMPERT, Leopold. op. cit. p. 38:
„Sagt mir, Gast“, begann die Mutter, „wie kommt Ihr denn eigentlich in die weite Welt? Ihr seht ja gar nicht danach aus, als wäret Ihr ein geborener – „
„Bettler – wollen Sie sagen? Das bin ich auch nicht.“
[4] KOMPERT, Leopold. op cit. p. 20: Was Emanuel tief betrübte, war, daβ er erkannte, wie die soeben erlebte Szene seiner Familie nichts neues sein mochte; Die beinahe maschinenmäβige Fassung seiner Schwester erschien ihm als die Folge schon vielen vorhergegangenen Leides, - und sein Vater hatte sie wahrscheinlich schon öfters wegen Störung seines Sabbats anklagen müssen.
[5] Idem, p. 19 Aber ich will nur das sagen, daβ man eigentlich von seinen Kindern nichts hat: „Hat man Töchter, so machen sie einem die Haare grau vor der Zeit, bis man ‚sie ausgibt’, und ein Jüngel? Das zieht dir fort von daheim, es hat keinen Vater, es hat keine Mutter mehr. Was haben wir zum Beispiel von unserem Elije? Weiβt du gar, wo er jetzt ist?“.
[6] Idem, p. 21 „Eine Mutter, die soll sich deswegen immer nur Töchter wünschen, die bleiben ihr treu, die kann sie zu Haus behalten; aber ein Jüngel, das ist wie eine Schwalb’, fliegt fort, wie es nur die ersten Federn hat.“
[7] Idem, p. 23: „Ein Jüngel, was die Segnungen von seinen Eltern nicht braucht, weil es weit weg ist von ihnen, dem Jüngel kann’s nicht ganz gut gehen.“.
[8] “Wie bin ich zerstückt, ohne Einheit und Mittelpunkt, seitdem ich die Heimat gesehen!“,.
[9] KOMPERT, Leopold. „Eisiks Brille“ in Ghettoerzählungen, Viena: Nicolai, 1989, p. 38: Solange er am Leben war, hatte man sich gehütet, aus Ehrfurcht vor dem Greise, der die meisten in der „Gasse“ als Kinder gakennt hatte, irgend welche Verbesserungen oder, wie es hochdeutsch heiβt, „Reformen“ in Gottesdienst und Schule anzubringen. Der Tod des alten Rabbi war das Zeichen zu einem erbitterten Kampfe der Parteien; unentschieden wogte dieser lange hin und her, bis am Ende der Sieg der jüngeren Gemeindemitgliedern zufiel. Die Jüngeren hatten einen „Prediger“ durchgesetzt und mit diesem einen „geregelten“ Gottesdienst. Am meisten von diesen tiefeinschneidenden Veränderungen war Daniel Kremsier, der Gemeindesänger, betroffen, denn sie gingen ihm fast ans Leben. Er sollte nicht mehr die schöne Kunst seiner gesungenen Schnörkle übern, nicht mehr die wild aufschreienden Melodien einer uralten Zeit vor den Ohren der Leute, die feiner geworden waren, anbringen! Eine andre Zeit war gekommen und mit ihr ein musikalischer „Kantor“, der im Chore des trefflichen Sulzer in Wien gebildet worden war.
[10] Idem,¸p. 41: So wie dem Gemeindesänger Daniel Kremsier, erging es noch vielen andern, denen Rebb Eisik mit seiner Brille kam. Nicht jeder lachte darüber, manchem fuhr sie wie ein spitzer Pfeil in die Seele. Selbst der neue Prediger entging ihr nicht. Der junge Mann hatte im ersten Eifer seiner Stellung an gar manches in der Gasse die Axt gelegt und hatte ins Feuer geworfen, was gar nicht so abgestorben oder gar tot war, sondern bei einiger Nachsicht sogar ein schöneres Nachleben versprach..
[11] Idem, p. 42: Er sieht jedes Fleckchen und jedes schwarze Pünktchen in unsrer Religion doppelt so groβ als sie sind.
[12] Idem, p. 47: Rebb Eisik: Meine Mutter war draussen ‚im Reich’ geboren; der Vater hat sie auf der Frankfurter Messe kennen gelernt, wohin er zweimal im Jahre kam. Es war eine merkwürdig feine und besondere Frau; sie hat deutsch und jüdisch geschrieben, wie kaum ein Mann, was in der damaligen Zeit viel geheissen hat. Man hat ihr auch nachgesatgt, daβ sie französische Bücher lesen konnte und auf dem Klavier gespielt hat. Das ist in jener Zeit wie ein Wunder angesehen worden. Wie aber die Menschen sind! Die groβe Bildung ist das Unglück meiner Mutter gewesen. Sie ist deswegen ordentlich beschrien worden, und keine Frau in der Gemeinde hat sich unterstanden, mit ihr in einen näheren Verkehr zu treten. Die Leute glaubten immer, sie müssten mit ihr französich reden, und weil das keiner wusste, haben sie zuletzt gar nicht mit ihr gesprochen. Dadurch ist meine Mutter nie heimisch geworden in der ‚Gasse’, sie hat sich immer als Fremde betrachtet!
[13] Idem, p. 48: Als die Nacht gekommen war, holte der Vater das Paket aus dem Verstecke herbei, nachdem er sich früher überzeugt hatte, daβ alle Türen und Fenster fest verschlossen waren. Der graue Umschlag ward hinweggenommen; es waren fünf Bücher, die mir der Vater hinlegte.
‚Das ist ja ein ‚Chumesch“ (die fünf Bücher Mosis), rief ich, beinahe enttäuscht.