Chamada para publicação de artigos no dossiê: História da historiografia no Brasil e em Portugal: futuro passado das histórias nacionais em um presente inquieto

2020-10-07

Está aberto, até o dia 15 de março de 2021, prazo para submissão de artigos ao dossiê "História da historiografia no Brasil e em Portugal: futuro passado das histórias nacionais em um presente inquieto", organizado por Sérgio Campos Matos (Universidade de Lisboa) e Temístocles Cezar (UFRGS) 

Na apresentação ao primeiro número da revista Estudos Históricos, publicada em 1988, cujo dossiê intitulou-se Caminhos da Historiografia, os editores assinalavam que “a historiografia no Brasil tem sólida tradição de análise em dupla direção. Ou se afirma que nada muda neste país, ou se afirma cada momento como novo. Vivemos como se o novo não existisse ou como se o novo brotasse do zero. Nem idolatria do passado, nem negação total das origens nos ajudam a entender o presente e a construir um futuro”.[1] Coube a Manoel Luis Lima Salgado Guimarães iniciar o caminho com uma análise sobre o IHGB e a obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, a Ricardo Benzaquen de Araújo e a Francisco Iglésias dissertarem, respectivamente, sobre Capistrano de Abreu e José Honório Rodrigues e, finalmente, a Francisco Falcon impendeu um exame interpretativo da historiografia portuguesa contemporânea. Dez depois, no prefácio à segunda edição de a História da história em Portugal. A história através da história (séculos XIX e XX), datado de 14 de julho de 1997, os autores – Luís Reis Torgal, José Amado Mendes e Fernando Catroga – registraram um desejo: “esperamos, acima de tudo, que a leitura desta obra leve os estudiosos a refletir criticamente sobre um tema ou sobre temas que estão longe de ficar esgotados”.[2] Em que pese suas notórias diferenças, ambos os projetos trazem em si uma ideia de futuro que, hoje, transcorridas de duas a três décadas, sabemos resultou na consolidação de uma área de estudos que chamamos de história da historiografia. A proposta, portanto, deste dossiê é o de reaproximar, contrastar e questionar nossas culturas historiográficas, a partir de temas abrangentes e interconectados, importantes tanto para o Brasil quanto para Portugal, como, por exemplo, a história nacional. Nesse sentido, partindo do século XIX, que se caracterizou, em sua perspectiva mais ampla, como o período fértil da história da nação, podemos nos perguntar como esta categoria subjetiva da consciência – ser nacional –, essa comunidade social – pela qual se constroem muros, promovem-se guerras e por ela se morre – foi e é instrumentalizada desde sua gênese tanto no Brasil como em Portugal? Como essa historiografia militante sobre a nação e a nacionalidade são percebidas, usadas, manipuladas hoje em nossos países, em um contexto de apelos tanto a aproximação e integração em grandes unidades transnacionais, quanto de fronteiras xenófobas?[3]Partimos assim da hipótese que a concepção de nação, vigente no século XIX, articular-se-ia a uma noção específica de temporalidade como qualidade intrínseca e imanente à realidade. Atriz principal ou coadjuvante de uma peça romântica, as vezes burlesca ou trágica, adaptada às circunstâncias locais, esta ideia de nação despontou como categoria de reflexão privilegiada para a apreensão dessa historicidade nas suas manifestações mais evidentes e singulares. Esse conjunto de transformações gravita em torno da experiência da história na modernidade, cujo alcance excederia o território epistemológico para condicionar, de um modo mais dilatado e perceptível, todas as formas de elaboração do passado. Assim sendo, a nação como problema político e historiográfico, leva-nos a pensar que nem toda a história proveniente do século XIX sintetiza-se ou fundamenta-se exclusivamente na abordagem historiográfica do nacional. Não estamos afirmando simplesmente que escrever a história é também apagá-la, mas que uma metafísica da existência corrompe uma historicidade viva que é abortada, em última instância, pela própria historiografia. Logo, perguntamos qual nação ou quais temas históricos, construídos e veiculados de inúmeras maneiras desde o século XIX, explicam, justificam, normatizam a compreensão de sua própria historicidade bem como de sua visibilidade retórica no presente? Abrirmo-nos para este debate é nosso objetivo neste dossiê.


[1] Estudos Históricos, Caminhos da Historiografia, v. 1, n. 1, 1988, pp. 3-4.

[2] TORGAL, Luís Reis/ MENDES, José Amado/CATROGA, Fernando. História da história em Portugal. A história através da história (séculos XIX e XX). Coimbra: Temas e Debates, 1998.

[3] MATOS, Sérgio Campos. Consciência histórica e nacionalismo. Portugal, séculos XIX e XX.  Lisboa: Livros Horizontes, 2008. BERGER, Stefan/LORENZ, Chris (edited by). The contested nation. Ethnicity, class, religion and gender in national histories. Basingstoke: Palgrave Macmillian, 2011. PALTI, Elias. La nación como problema. Los historiadores y la “cuestión nacional”. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2002.