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Análise comparativa numérica da transferência de calor em prismas de alvenaria em situação de incêndio

Comparative numerical analysis of heat transfer in masonry prisms in a fire situation

Resumo

Opresente trabalho busca analisar numericamente a transferência de calor em prismas de alvenaria com blocos cerâmicos em situação de incêndio. Três tipos de abordagens foram consideradas: modelo homogeneizado com base na NBR 15220-2:2022, modelo detalhado com propriedades termofísicas constantes e modelo detalhado com propriedades térmicas variando em função da temperatura. Para o processo da homogeneização é proposto um programa denominado “THC NBR15220-2”. Esse programa foi desenvolvido em Matlab e calcula a homogeneização das propriedades segundo a NBR 15220-2:2022. Os modelos numéricos foram realizados utilizando o método dos elementos finitos (MEF) no software Abaqus. O incêndio foi simulado utilizando a curva padronizada ISO 834:1999. Foram coletadas as temperaturas na face não exposta ao fogo no tempo final de exposição de 4 horas. Os resultados mostraram que o prisma com maior número de vazios e menor relação área líquida e área bruta apresentou melhor desempenho térmico em situação de incêndio. O modelo detalhado com propriedades térmicas variando com a temperatura, como sugerido por normas internacionais.

Palavras-chave:
Alvenaria; Blocos cerâmicos; Situação de incêndio; Comportamento térmico; Transferência de calor

Abstract

This study aims to numerically analyse heat transfer in masonry prisms with ceramic blocks under fire conditions. Four prism configurations, designated as Prism “A”, “B”, “C” and “D”, were modelled. Three different numerical approaches were considered: a homogenized model based on the NBR 15220-2:2022 standard, a detailed model with constant thermophysical properties, and a detailed model with properties varying as a function of temperature. For the homogenization process, a programme called “THC NBR15220-2” was proposed. This programme, developed in Matlab, calculates the homogenised properties according to the NBR 15220-2:2022 standard. Numerical models were performed using the Finite Element Method (FEM) using the Abaqus software. The fire condition was simulated using the ISO 834:1999 standardised curve. Temperatures were collected on the face not exposed to fire at the final exposure time of 4 hours. The results showed that the prism with the highest number of voids and, consequently, the lowest net to gross area ratio was the one with the best thermal performance. There is a difference of 12,79% to 29,61% when compared to the reference model, which is the detailed model with thermal properties varying with temperature, as suggested in international standards.

Keywords:
Masonry; Ceramic blocks; Fire situation; Thermal behaviour; Heat transfer

Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial, o fogo passou a ser visto como uma ciência, a qual englobava diversos fenômenos complexos, envolvendo a física, a química, o comportamento humano, a engenharia, entre outros fatores. Atualmente, essa ciência pode ser chamada de segurança contra incêndio (SCI), sendo uma área que necessita de constantes pesquisas, desenvolvimento e ensino. É uma tendência internacional exigir que todos os sistemas construtivos e os materiais constituintes sejam testados e analisados do ponto de vista da SCI, com a finalidade de sempre obter produtos e técnicas com um desempenho cada vez melhor. No Brasil, a alvenaria estrutural é um dos sistemas construtivos que ainda carece de mais pesquisas relacionadas ao seu comportamento quando submetida a elevadas temperaturas (SEITO et al., 2008SEITO, A. I. et al. Segurança contra Incêndio no Brasil. São Paulo: Projeto Editora, 2008.). Para Russo e Sciarretta (2012)RUSSO, S.; SCIARRETTA, F. Experimental and theoretical investigation on masonry after high temperature exposure. Experimental Mechanics, v. 52, n. 4, p. 341-359, 2012. esse campo da pesquisa é bastante desafiador, pois além dos elevados custos dos ensaios de resistência ao fogo, ainda envolve a complexidade física do fenômeno.

Análises relacionadas ao comportamento térmico de componentes construtivos estruturais podem ser feitas por meio de ensaios de resistência ao fogo. No Brasil, a NBR 5628 (ABNT, 2001ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5628: componentes construtivos estruturais: determinação da resistência ao fogo. Rio de Janeiro, 2001.) prescreve métodos para que possam ser feitos esses ensaios em componentes construtivos estruturais. Essa norma recomenda que a amostra possua dimensões reais e que seja submetida a carregamentos reais. No entanto, entende-se que conduzir experimentos em escala real ainda é uma tarefa muito custosa e outras formas de análises para esses problemas são necessárias com a finalidade de atuar de forma complementar aos ensaios de resistência ao fogo, como por exemplo o uso de modelos numéricos e simulação computacional. Para problemas mais básicos, com informações simplificadas, os métodos analíticos também podem ser utilizados (NGUYEN; MEFTAH, 2012NGUYEN, T. D.; MEFTAH, F. Behavior of clay hollow-brick masonry walls during fire: part 1: experimental analysis. Fire Safety Journal , v. 52, p. 55-64, 2012.; SILVA, 2014SILVA, P. Segurança contra incêndios em edifícios: considerações para o projeto de arquitetura. São Paulo: Blucher, 2014.; KREITH; MANGLIK; BOHN, 2018KREITH, F; MANGLIK, R. M.; BOHN, M.S. Princípios de transferência de calor. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2018.).

Na engenharia, o uso de métodos numéricos para solucionar problemas térmicos complexos é fortemente recomendado, os quais podem envolver geometrias e condições de contorno ou propriedades consideradas como complexas (ÇENGEL; GHAJAR, 2012ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de calor e massa: uma abordagem prática. 4. ed. Porto Alegre: McGraw Hill, 2012.). A simulação numérica possibilita a previsão de um fenômeno ou um comportamento físico; quando desenvolvida e calibrada de forma adequada pode identificar problemas antes de suas ocorrências, reduzindo os riscos na tomada de decisão. Essa técnica permite diferentes formas de análises e avaliações de um sistema físico, ocasionando diferentes propostas de soluções e decisões mais assertivas, incluindo a realização de análises relacionadas à viabilidade técnica e econômica (HARREL et al., 2002HARREL, C. R. et al. Simulação: otimizando os sistemas. 2. ed. São Paulo: Editora IMAM, 2002.).

Diversos estudos numéricos têm sido desenvolvidos abordando de diferentes formas a transferência de calor em paredes de alvenaria quando expostas a elevadas temperaturas. Tais abordagens podem levar em consideração o tipo de modelagem. Para Lourenço (1996)LOURENÇO, P. B. Computational strategies for masonry structures. Delft, 1996. 210 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Geociências) - Delft University of Technology, Delft, 1996., dependendo do nível de precisão e da complexidade desejada, é possível usar as seguintes estratégias de modelagem da alvenaria: micromodelagem detalhada, micromodelagem simplificada e macromodelagem. Cada estratégia possui sua importância e campos de aplicação diferentes, as quais devem ser escolhidas levando em consideração os objetivos e resultados a serem alcançados, nível de precisão necessário e a capacidade computacional e tempo de processamento.

Através de simulações numéricas, Rodovalho e Corrêa (2019)RODOVALHO, F. S.; CORRÊA, M. R. S. Thermal simulation of prisms with concrete blocks in a fire situation. Ibracon Structures and Materials Journal, v. 12, n. 3, p. 638-657, 2019. estudaram a capacidade de isolamento térmico de prismas de alvenaria constituídos por blocos de concreto em situação de incêndio. Para o desenvolvimento dos modelos numéricos foi adotada a micromodelagem e o software utilizado foi o Abaqus/CAE. Para a representação do ar no interior dos vazados dos blocos foi utilizada a interação fluido-estrutura. As propriedades térmicas do bloco e da argamassa foram validadas com resultados experimentais. Na face exposta ao incêndio, foi aplicada uma curva de elevação da temperatura, bem próxima à curva ISO 834-1 (INTERNATIONAL..., 1999INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 834: fire resistance tests: elements of building construction: part 1.1: general requirements. Geneve, 1999.). Na simulação, foi desconsiderada a transferência de calor por radiação nas cavidades internas, a compensação foi feita com ajustes na condutividade térmica do ar. Foi utilizado o mesmo valor de emissividade para as faces exposta e não exposta ao fogo, valores indicados pelo Eurocode 2 (EUROPEAN.., 2004EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 2: design of concrete structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2004.). Observou-se uma contribuição favorável do revestimento quanto ao isolamento térmico. O prisma sem revestimento nas faces atingiu o critério de isolamento térmico por mais de 60 minutos, já o prisma com revestimento de 1,5 cm nas duas faces atingiu o mesmo critério com um tempo 59% maior. Considerando a aplicação de revestimento apenas na face exposta ao incêndio, verificou-se numericamente um aumento de cerca de 23% no tempo de isolamento térmico em relação ao prisma sem revestimento.

Com relação aos estudos com blocos cerâmicos, Bolina et al. (2020)BOLINA, F. et al. Análise numérico-experimental de paredes de alvenaria de bloco cerâmico com diferentes espessuras em altas temperaturas. Revista ALCONPAT, v. 10, n. 1, p. 22-35, 2020. realizaram uma análise numérico-experimental para avaliar a influência da geometria desses blocos na resistência ao fogo em paredes de alvenaria de vedação submetidas a elevadas temperaturas. Foi utilizado o software Ansys Mechanical para realização dos modelos computacionais em 2 dimensões. Com relação à malha de elementos, o menor elemento finito ficou com 1 mm de lado e o maior elemento com 50 mm de lado. A condutividade térmica, o calor específico, a densidade e os coeficientes de convecção do bloco foram extraídos do modelo experimental. Após a calibração do modelo computacional, foi feita uma extrapolação computacional para outras geometrias de blocos, alterando as espessuras (largura) e a porcentagem de vazios. Foi verificado que os vazios dos blocos possuem grande influência no isolamento térmico dos blocos; a escolha de um bloco com uma maior porcentagem de vazios pode ser mais vantajosa do que a escolha de um bloco de maior espessura, quando se deseja atingir um tempo de resistência ao fogo (TRF) elevado. Em temperaturas mais baixas, os vazados possuem influência quase nula. Outra consideração está relacionada com a transferência de calor, verificando que a convecção e radiação no interior dos blocos são mais relevantes que a condução térmica atuante no material sólido, confirmando que o ar confinado é um excelente isolante térmico.

Em busca de avaliar o critério de isolamento térmico da alvenaria estrutural, Carvalho, Leal e Munaiar Neto (2021)CARVALHO, P. R. de O.; LEAL, D. F.; MUNAIAR NETO, J. Análise numérica térmica da alvenaria estrutural em situação de incêndio: isolamento térmico entre ambientes. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 21, n.4, p. 65-87, out./dez. 2021. realizaram uma micromodelagem detalhada de pequena parede de alvenaria estrutural de blocos de concreto com largura de 79 cm e altura igual a 99 cm, considerando as juntas de argamassa de assentamento com espessura de 1 cm. Os modelos foram elaborados no software Abaqus. O elemento finito utilizado foi do tipo linear de transferência de calor DC3D8, com dimensões de aproximadamente 1 cm. O uso de elementos com essa dimensão foi suficiente para proporcionar resultados satisfatórios com esforço computacional reduzido. A análise foi do tipo transiente, com temperatura e propriedades térmicas dos materiais variando em função do tempo. As propriedades térmicas do modelo foram calibradas de acordo com os limites propostos pelo Eurocode 6 (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.) para estruturas de concreto e de alvenaria estrutural, porém tendo como base de comparação resultados experimentais de Dupim (2019)DUPIM, R. H. Resistência residual de compressão de blocos, prismas e pequenas paredes de alvenaria estrutural de blocos de concreto submetidos à situação de incêndio. São Carlos, 2019. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2019.. Com o intuito de reduzir o esforço computacional, o modelo desconsidera o uso da interação fluido-estrutura no interior dos blocos, no entanto adotou uma estratégia de simplificação, na qual a discretização dos vazios dos blocos é substituída por uma curva de elevação da temperatura no interior da parede, obtida por meio de cabos termopares. Quanto aos coeficientes de convecção e emissividade, foram consideradas paredes com 14 cm de espessura e o tempo de resistência ao fogo quanto ao critério de isolamento térmico resultou igual a 60 minutos. O modelo numérico se mostrou bastante consistente quando comparado a resultados experimentais presentes na literatura.

Para Oliveira et al. (2021)OLIVEIRA, R. et al. Experimental, and numerical analysis on the structural fire behaviour of three-cell hollowed concrete masonry walls. Engineering Structures, v. 228, 2021., a falta de documentos normativos e de dados relacionados às propriedades dos materiais em altas temperaturas, para calibração e validação dos modelos numéricos, indicam a necessidade de mais pesquisas na área de alvenaria em situação de incêndio. Os autores realizaram um estudo sobre o comportamento estrutural de paredes de alvenaria quando expostas ao fogo, constituídas por blocos de concreto de três células. Foram realizados estudos de nível experimental e numérico. O programa experimental foi constituído por quatro ensaios de resistência ao fogo e dois testes de capacidade de carga após 90 minutos de exposição ao fogo, em paredes de alvenaria de meia escala. Diferentes níveis de carga foram considerados. Os corpos de prova foram submetidos a uma carga de serviço no plano durante o ensaio e foram medidos os deslocamentos, as temperaturas e cargas. Logo após, foram desenvolvidos modelos de elementos finitos e validados com o experimental. As análises numéricas foram realizadas utilizando o software Abaqus Explicit e foi adotada a estratégia de macromodelagem, considerando as paredes de alvenaria homogênea e isotrópica. Os resultados experimentais e numéricos também foram comparados com os fornecidos pelo Eurocode 6 (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.).

Com a finalidade de contribuir com o tema, este trabalho busca analisar a transferência de calor em prismas de alvenaria em situação de incêndio, utilizando diferentes estratégias de modelagem. Foram abordadas quatro configurações de prismas de alvenaria constituídos por blocos cerâmicos com diferentes geometrias. Todos os prismas possuem revestimento de argamassa de 1 cm na face exposta ao fogo e 2 cm na face não exposta. Os modelos numéricos foram desenvolvidos a partir de três diferentes tipos de abordagens: modelo homogeneizado, de acordo com a NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.), modelo detalhado com propriedades termofísicas constantes e modelo detalhado com propriedades térmicas variando em função da temperatura.O presente trabalho também propõe, e disponibiliza de forma gratuita, um programa denominado “THC NBR15220-2”, onde THC se refere as palavras em inglês Thermal Homogenization Calculater. Esse programa foi desenvolvido em Matlab e faz os cálculos da homogeneização das propriedades segundo a NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). O software comercial utilizado foi o Abaqus. Para a simulação do incêndio foi utilizada a curva-padrão ISO 834 (INTERNATIONAL..., 1999INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 834: fire resistance tests: elements of building construction: part 1.1: general requirements. Geneve, 1999.). A análise é do tipo transiente e os modelos são tridimensionais. Foram coletadas as temperaturas dos prismas na face não exposta ao fogo, considerando como referência para comparação o modelo detalhado com propriedades térmicas variando em função da temperatura. Os resultados propõem uma discussão sobre transferência de calor relacionada aos diferentes tipos de abordagens numéricas.

Alvenaria estrutural em situação de incêndio

Um dos maiores benefícios da utilização da alvenaria estrutural está relacionado com a possibilidade de um único elemento construtivo atender diversas funções, capaz de ser a sustentação estrutural, ser resistente ao fogo, atuar como sistema de isolamento térmico e acústico, além de compartimentar os espaços (HENDRY, 2001HENDRY, E. A. W. Masonry walls: materials and construction. Construction and Building Materials, v. 15, n. 8, p. 323-330, 2001.). De acordo com a NBR 5628 (ABNT, 2001ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5628: componentes construtivos estruturais: determinação da resistência ao fogo. Rio de Janeiro, 2001.), para que uma parede de alvenaria seja considerada resistente ao fogo, é preciso que a mesma cumpra três principais critérios de resistência ao fogo: estanqueidade, isolamento térmico e resistência mecânica.

O comportamento de uma parede de alvenaria exposta ao fogo depende de alguns fatores principais, como:

  1. o material e a densidade das unidades;

  2. o tipo/geometria, podendo ser sólida ou com vazados e, nesse caso, a porcentagem de vazios e a espessura das paredes do bloco possuem grande influência;

  3. o traço e forma de aplicação da argamassa de assentamento;

  4. esbeltez da parede; e

  5. a excentricidade do carregamento e o tipo e a natureza do revestimento utilizado na superfície da alvenaria (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.).

Em situação de incêndio, é indispensável o conhecimento de como os materiais e elementos estruturais se comportam frente às ações térmicas atuantes na edificação. Geralmente, as paredes de alvenaria são submetidas ao aquecimento em uma face, ocorrendo a transferência de calor através de sua espessura, resultando em um gradiente térmico. A transmissão de calor é regida por três mecanismos básicos: condução, convecção e radiação. Os três tipos de transmissão agem de forma combinada em qualquer incêndio, no entanto cada uma delas predomina conforme o estágio do aquecimento ou o local do compartimento (COSTA, 2008COSTA, C. N. Dimensionamento de elementos de concreto armado em situação de incêndio. São Paulo, 2008. Tese (Doutorado em Engenharia de Estruturas e Geotécnica) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.).

Os problemas de transferência de calor podem ser classificados conforme as variáveis influenciam a temperatura, podendo ser estacionário (permanente), quando a temperatura é independente do tempo ou transiente, caso as condições de contorno variem com o tempo. Na alvenaria estrutural, a análise de transferência de calor ocorre de maneira diferente ao longo da espessura da parede. Na região sólida do sistema, a transmissão de calor acontece por meio da condução, enquanto nos vazios da parede e também nas faces, a transmissão ocorre por convecção e radiação (AL-HADHRAMI; AHMAD, 2009AL-HADHRAMI, L. M.; AHMAD, A. Assessment of thermal performance of differenttypes of masonry bricks used in saudiarabia. Applied Thermal Engineering, v. 29, p. 1123-1130, 2009.). A Figura 1 mostra a vista de cima de como ocorre a transferência de calor em um bloco quando exposto ao incêndio.

A transferência energia por meio da condução resulta do contato direto das partículas de maior energia com as partículas de menor energia. A taxa de condução de calor depende de algumas características do meio em que se encontra, como: da geometria, da espessura, do tipo de material e da diferença de temperatura. Quanto maior o isolamento, menor será a perda de calor (ÇENGEL; GHAJAR, 2012ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de calor e massa: uma abordagem prática. 4. ed. Porto Alegre: McGraw Hill, 2012.). Em um meio homogêneo, a taxa de transferência de calor por condução é considerada como unidimensional e ocorre de acordo com a Lei de Fourier.

A convecção envolve os efeitos combinados de condução e de movimento de um fluido. Quanto mais rápido o movimento do fluido, maior será a taxa de transferência por convecção. Para uma edificação em situação de incêndio, o fluído a considerar é o gás aquecido presente no ambiente. Por fim, a radiação representa um fenômeno superficial e pode ser considerada como a energia emitida pela matéria, transportada por ondas eletromagnéticas, através do ar ou no vácuo. Para modelagens de estruturas de alvenaria, a radiação é representada pela emissividade, a qual depende do material da superfície e de seu acabamento.

Figura 1
Transferência de calor em um bloco exposto ao fogo

Estratégias de modelagens aplicadas no sistema de alvenaria estrutural

No Brasil, a NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.) pode direcionar estudos relacionados ao comportamento térmico de prismas de alvenaria em situação de incêndio, a norma nacional especifica o método de cálculo da transmitância e capacidade térmica de elementos e componentes de edificações. Esse método considera camadas termicamente homogêneas que podem ser definidas como camadas com espessura constante cujas propriedades térmicas podem ser consideradas uniformes. Para o caso de paredes em situação de incêndio, considera-se o cálculo da transmitância com fluxo de calor horizontal. A transmitância e a capacidade térmica são usadas nesse modelo para descrever o comportamento térmico do sistema homogêneo.

O modelo homogêneo trata do cálculo de macropropriedades do compósito com base na discretização real dos componentes da alvenaria. Os resultados desse cálculo servem como dados de entrada para um macromodelo independente. Outra estratégia para modelar a alvenaria é por meio da micromodelagem detalhada, nesse caso cada material que compõe a alvenaria é modelado de forma individual, com suas propriedades. As unidades e juntas de argamassa são representadas através de elementos contínuos. Essa técnica é explicada por Lourenço (1996) LOURENÇO, P. B. Computational strategies for masonry structures. Delft, 1996. 210 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Geociências) - Delft University of Technology, Delft, 1996. e também é vista em Rodovalho e Côrrea (2019)RODOVALHO, F. S.; CORRÊA, M. R. S. Thermal simulation of prisms with concrete blocks in a fire situation. Ibracon Structures and Materials Journal, v. 12, n. 3, p. 638-657, 2019. e Carvalho, Leal e Munaiar Neto (2021)CARVALHO, P. R. de O.; LEAL, D. F.; MUNAIAR NETO, J. Análise numérica térmica da alvenaria estrutural em situação de incêndio: isolamento térmico entre ambientes. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 21, n.4, p. 65-87, out./dez. 2021.. A micromodelagem detalhada é adequada para pequenas estruturas e detalhes estruturais, como, por exemplo, em casos em que há um interesse investigativo na interação entre as unidades e a argamassa. Para grandes estruturas, como paredes, essa estratégia torna-se inviável, devido ao tempo de processamento elevado (LOURENÇO, 1996LOURENÇO, P. B. Computational strategies for masonry structures. Delft, 1996. 210 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil e Geociências) - Delft University of Technology, Delft, 1996.).

Na micromodelagem detalhada, é fundamental ter conhecimento das propriedades termofísicas dos materiais que irão compor o sistema de alvenaria, como, por exemplo, as unidades, a argamassa e a massa de ar confinada no interior dos vazados dos blocos. A propriedade térmica de um material pode ser explicada como a resposta de um material à aplicação de calor, influenciando diretamente na severidade do sinistro, assim como na segurança da edificação (COSTA; ONO; SILVA, 2005COSTA, C. N.; ONO, R.; SILVA, V. P. A importância da compartimentação e suas implicações no dimensionamento das estruturas de concreto para situação de incêndio. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CONCRETO, Olinda, 2005. Anais [...] Olinda, 2005.).

Quando as propriedades termofísicas variam ao longo da temperatura elevada, elas representam de forma indireta as reações termoquímicas e termofísicas que acontecem durante a exposição da estrutura ao incêndio (FIRE..., 2002FIRE SAFETY DESIGN. TCD 5.0 user’s manual. Lund: Fire Safety Design AB, 2002.; EUROPEAN..., 2004). Para Buchanan (2002)BUCHANAN, A. H. Structural design for fire safety. Canterbury: John Wiley & Sons, 2002., a variação dessas propriedades em função da temperatura é fundamental para compensar a impossibilidade dos programas comerciais em simular a transferência de massa, como, por exemplo, a migração de vapor de água em materiais porosos. As principais propriedades termofísicas consideradas em uma micromodelagem térmica são: a condutividade térmica, o calor específico e a densidade.

Na ausência de ensaios experimentais, os valores da condutividade térmica podem ser obtidos por meio da literatura, no entanto a maior parte desses dados são medidos em temperatura ambiente. Nessas condições, a condutividade térmica depende da densidade de massa aparente do material, geralmente, observa-se que conforme a densidade do material diminui, a condutividade térmica também se reduz (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). Na cerâmica, geralmente, a condutividade térmica aumenta com o aumento da temperatura (PINTO et al., 2006PINTO, C. S. C. et al. Measurement of thermophysical properties of ceramics by the flash method. Brazilian Archives of Biology and Technology, v. 49, p. 31-39, 2006.; NGUYEN et al., 2009NGUYEN, T. D. et al.The behaviour of masonry walls subjected to fire: modelling and parametrical studies in the case of hollow burnt-clay bricks. Fire Safety Journal, v. 44, p. 629-641, 2009.). Em pastas de cimento e argamassa, a grandeza depende de alguns fatores principais, como: porosidade e teor de umidade do material; tipo de agregado, misturas e aditivos; proporções da mistura; tipo de cimento e temperatura da amostra (ROUSAN; ROY, 1983ROUSAN, A. A.; ROY, D. M. A thermal comparator method for measuring thermal conductivity of cementitious materials. Industrial & Engineering Chemistry Product Research and Development, v. 22, p. 349-351, 1983.). Em âmbito mundial, existe uma carência de pesquisas relacionadas ao comportamento de argamassas quando expostas ao fogo (AYALA, 2010AYALA, F. R. R. Mechanical properties and structural behaviour of masonry at elevated temperatures. Thesis - The University of Manchester, School of Mechanical, Aerospace and Civil Engineering, Manchester, 2010.).

Com relação à condutividade térmica da massa de ar confinada entre os vazados dos blocos, também há uma variação com a temperatura. Os gases apresentam valores muito pequenos de condutividade e são conhecidos por serem maus condutores ou isolantes térmicos, o ar atmosférico é um excelente exemplo. O isolamento térmico pode ser obtido pelo aprisionamento do ar dentro de pequenas cavidades em um sólido ou através do preenchimento do espaço com pequenas partículas sólidas, reduzindo o fluxo de calor (KREITH; MANGLIK; BOHN, 2018KREITH, F; MANGLIK, R. M.; BOHN, M.S. Princípios de transferência de calor. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2018.).

Outra propriedade térmica importante é o calor específico, nos materiais cerâmicos, o calor específico pode ser considerado independente da densidade do bloco (MALHOTRA, 1962MALHOTRA, H. L. Fire resistance of concrete block walls. Boreham Wood: Department of Scientific and Industrial Research and Fire Offices Committee Joint Fire Research Organization, 1962.), mas ainda dependente da temperatura. O Eurocode 6 (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.) aborda a variação do calor específico e também da condutividade térmica para blocos cerâmicos com densidade de 900 a 1.200 kg/m³. Na argamassa, o calor específico também varia com a elevação da temperatura. Através de estudos em pastas de cimento Portland, Harmathy (1970)HARMATHY, T. Z. Thermal properties of concrete at elevated temperature. ASTM Journal of Materials, v. 5, n. 1, p. 47-74, 1970. aborda que em temperaturas elevadas em que ocorre o processo de desidratação, de 100 °C a 850 °C, o calor latente tem grande influência no calor específico, devido à absorção de calor nas reações de desidratação.

Nos gases, geralmente, atuam dois tipos de calor específico: o calor específico a volume constante, o qual é a energia necessária para elevar a temperatura em um grau de unidade de massa de dada substância, mantendo o volume constante e o calor específico a pressão constante, que possui a mesma definição, no entanto o que permanece constante é a pressão. Para um gás ideal, o calor específico depende apenas da temperatura (ÇENGEL; GHAJAR, 2012ÇENGEL, Y. A.; GHAJAR, A. J. Transferência de calor e massa: uma abordagem prática. 4. ed. Porto Alegre: McGraw Hill, 2012.).

Método

Rotina computacional para o cálculo das propriedades homogeneizadas

Para a etapa da obtenção das propriedades homogeneizadas foi implementada a função em Matlab denominada “THC NBR15220-2”. Essa função realiza o cálculo da transmitância e capacidade térmica de componentes estruturais compostos por blocos e pode ser acessada via link1 1 Disponível em: https://github.com/AlanaCostaQuispe/Thermal-Homogenization-NBR15220. . A função foi desenvolvida seguindo o procedimento apresentado pela norma NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). O programa considera as novas modificações apresentadas na última versão da referente norma. Os parâmetros de entrada são as propriedades termofísicas dos materiais que conformam os componentes estruturais, assim como a sua geometria. De forma a validar os resultados do programa, uma série de exemplos de aplicação foram testados e são mostrados na Figura 2. Os exemplos apresentados estão na versão 2008 da norma, pois a versão atual não apresenta exemplos de aplicação para o cálculo de transmitância e capacidade de componentes homogêneos.

No primeiro exemplo, C.2 da norma, é considerada uma parede de blocos de concreto colados e sem reboco, com dimensões 39 x 19 x 9 cm, como pode ser observado na Figura 2(a). No segundo exemplo, C.3 da norma, é considerada uma parede de tijolos cerâmicos de seis furos rebocados em ambas as faces, com dimensões 32 x 16 x 10 cm, visto na Figura 2(b). Na Tabela 1, são mostrados os valores das propriedades termofísicas para os materiais componentes das paredes. Observa-se que para o reboco e a argamassa de assentamento são consideradas as mesmas propriedades.

Figura 2
Vista em perspectiva de paredes com blocos usados nos exemplos de aplicação da norma NBR 15220-2

Tabela 1
Propriedades termofísicas dos materiais

Os resultados obtidos pelo programa são mostrados na Figura 3. Cabe ressaltar que o programa calcula a transmitância térmica (UT) e a capacidade térmica (CT) para diferentes configurações: bloco, bloco com revestimento, prisma e parede. Os resultados mostram que as diversas configurações possuem valores de UT e CT diferentes, pois esses valores dependem diretamente da espessura da argamassa de assentamento e do reboco, assim como da geometria considerada nos cálculos. Para efeitos de comparação, foi considerada unicamente a configuração de parede.

Para o caso do exemplo C.2, a norma mostra um resultado de UT = 3,320 W/(m²K) e CT = 105 kJ/(m²K); enquanto o programa obteve um resultado de UT = 3,319 W/(m²K) e CT = 104,972 kJ/(m²K), valores praticamente idênticos. No exemplo C.3, a norma mostra um resultado de UT = 2,430 W/(m²K) e CT = 160 kJ/(m²K); enquanto o programa mostra um resultado de UT = 2,429 W/(m²K) e CT = 155,617 kJ/(m²K), com uma divergência de 0% e 2,5%, respectivamente.

Cálculo das propriedades dos blocos cerâmicos

Foram escolhidos quatro tipos de blocos comerciais comumente utilizados no Brasil, com diferentes geometrias, os quais foram nomeados de Bloco “A”, Bloco “B”, Bloco “C” e Bloco “D”. O Bloco “A” possui valor aproximado da relação área líquida e área bruta de 0,41. Os blocos “B”, “C” e “D” possuem geometrias semelhantes, no entanto a relação área líquida e área bruta varia, sendo os valores, respectivamente, 0,48; 0,56 e 0,58. Cada prisma é composto por dois blocos, com junta de assentamento de 1 cm e revestimento de argamassa com 1 cm na face exposta ao fogo e 2 cm na face não exposta. A Figura 4 mostra os blocos modelados no programa e os valores da transmitância térmica e capacidade térmica calculadas.

A partir dos valores da transmitância UT e capacidade térmica CT dos prismas é possível calcular a condutividade λ e calor específico c do conjunto homogêneo, como mostrado nas Equações 1 e 2:

UT = λ d Eq. 1

CT = с x d x ρ Eq. 2

Onde:

d é a espessura do componente analisado; e

ρ é a densidade do material homogeneizado.

Figura 3
Resultados mostrados pela rotina implementada

Figura 4
Blocos obtidos pelo programa e valores da UT em [W/(m²K)] e CT em [kJ/m²K)]

Modelagem por elementos finitos e recursos computacionais

A modelagem numérica foi realizada utilizando o método dos elementos finitos (MEF), com auxílio do software Abaqus. Em todos os modelos numéricos, utilizou-se o elemento finito linear de transferência de calor DC3D8, com 8 nós, um por vértice. Nesse caso, cada nó possui um grau de liberdade (GDL) que corresponde ao valor da temperatura nodal. Inicialmente, uma análise de sensibilidade foi realizada para determinar o tamanho ótimo dos elementos, resultando no tamanho padrão de 1 cm. Valores menores de tamanho do elemento não produziram uma variação significativa dos resultados. Cabe ressaltar que para a obtenção das malhas, uma série de partições geométricas foi realizada, forçando a obtenção de malhas totalmente homogêneas, como pode ser visto na Figura 5, por exemplo. Nessa figura, mostra-se a malha por elementos finitos para o prisma A.

Todas as análises numéricas foram realizadas em um computador com um processador AMD Ryzen 7 2.700x com 16 GB de RAM.As análises foram paralelizadas, usando a funcionalidade avançada disponível no Abaqus, com isso foram utilizados simultaneamente 8 processadores (16 threads). A Tabela 2 apresenta os dados dos modelos, como o número de elementos, os graus de liberdade (GLDs) e tempos de processamento para os 4 modelos numéricos, que correspondem aos diferentes tipos de prismas. Três análises foram realizadas para cada tipo de prisma:

  1. modelo homogeneizado;

  2. modelo utilizando propriedades constantes; e

  3. modelo com as propriedades variando em função da temperatura, totalizando assim 12 modelos testados.

Resultados e discussões

Nesta seção são apresentados os resultados dos modelos numéricos realizados. Primeiramente, são mostrados os resultados utilizando o modelo homogeneizado proposto na NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). Logo após, mostra-se os resultados utilizando o modelo detalhado com propriedades constantes e, por fim, os resultados utilizando a análise detalhada com propriedades variando com relação à temperatura.

Modelo homogeneizado

Os modelos numéricos foram realizados mediante a homogeneização de seus componentes. A homogeneização foi realizada usando as recomendações da NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). A função fun_UC_NBR15220 foi utilizada para este fim, como mencionado anteriormente. A Tabela 3 mostra as propriedades térmicas homogeneizadas para todos os prismas considerados.

Figura 5
Malha por elementos finitos utilizada no prisma A

Tabela 2
Informação sobre o número de elementos, número de graus de liberdade (GLDs) e tempos computacionais requeridos para a análise de cada modelo numérico

Tabela 3
Propriedades térmicas homogeneizadas para os prismas

A Figura 6 mostra a evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo em termos do tempo de exposição. As temperaturas no tempo final de exposição de 4 horas (14.400s) correspondem a 416,09 K, 445,73 K, 436,18 K e 431,49 K, para os prismas A, B, C e D, respectivamente.

A maior variação de temperatura foi observada no prisma A, o qual apresenta uma diminuição de 6,65% quando comparado com o prisma B (temperatura mais crítica). O prisma A possui menor relação área líquida/área bruta dos prismas testados e uma distribuição de vazios mais uniforme, indicando que o ar tem efeito significativo como isolante térmico sobre o comportamento do conjunto.

Modelo detalhado com propriedades termofísicas constantes

Nesses modelos foram considerados os diferentes materiais que compõem um prisma de alvenaria: blocos cerâmicos, argamassa e massa de ar interna dos blocos. Nesse caso, as propriedades dos materiais são consideradas invariantes em termos da mudança da temperatura. Os valores dessas propriedades em temperatura ambiente são mostrados na Tabela 4.

A Figura 7 mostra uma vista de cima da distribuição do fluxo e da temperatura no plano normal ao fluxo de calor (plano X-Y) para todos os prismas. A base das figuras representa a face exposta ao fogo, enquanto a outra face representa a face não exposta.

Figura 6
Evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo em termos do tempo de exposição para o modelo homogeneizado

Tabela 4
Propriedades termofísicas dos materiais constituintes da alvenaria para o modelo detalhado

Figura 7
Distribuição dos valores de fluxo e temperatura no plano normal ao fluxo de calor (plano X-Y) dos prismas A, B, C e D, respectivamente - modelo com propriedades constantes

A Figura 8 mostra a distribuição de temperaturas para os prismas A e D, isso no tempo final de exposição de 4 horas (14.400 s). Para uma comparação mais precisa, os limites de temperatura foram padronizados no intervalo entre Tmin = 355 K e Tmax = 450 K. Portanto, unicamente a temperatura nessas regiões são mostradas na figura. As outras regiões são mostradas em uma cor acinzentada.

Finalmente, a Figura 9 mostra a evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo em termos do tempo de exposição. Nessa figura também são mostradas as distribuições de temperatura dessas faces para o tempo final. Cabe ressaltar que aqui também foi considerado o intervalo entre Tmin = 355 K e Tmax = 450 K para a visualização dos resultados nos diagramas. As temperaturas finais correspondem a 375,73 K, 404,57 K, 412,42 K e 415,84 K, para os prismas A, B, C e D, respectivamente.

A maior variação de temperatura foi observada no prisma A, o qual apresenta uma diminuição de 9,65% quando comparado com o prisma D (temperatura mais crítica). Nesse caso, o prisma D é o maior de relação área líquida/área bruta. Nesse modelo, percebe-se a diferença de comportamento dos prismas do tipo A, de blocos de paredes vazadas, em relação aos demais prismas, de blocos de paredes maciças.

Modelo detalhado com propriedades variando com a temperatura

De forma similar aos modelos anteriores, aqui também foram considerados os diferentes materiais que compõem uma parede de alvenaria estrutural convencional: bloco cerâmico, argamassa e massa de ar interna aos blocos. Nesse caso, a condutividade térmica e o calor específico foram considerados dependentes da temperatura, para a cerâmica e a argamassa o comportamento adotado foi o apresentado no Eurocode 6 (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.) e Nguyen e Meftah (2014)NGUYEN, T.; MEFTAH, F. Behavior of hollow clay brick masonry walls during fire: part 2: 3D finite elemento modeling and spalling assessment. Fire Safety Journal , v. 66, p. 35-45, 2014., respectivamente. Quanto à massa de ar, a variação considerada é mostrada em Kreith, Manglik e Bohn (2018)KREITH, F; MANGLIK, R. M.; BOHN, M.S. Princípios de transferência de calor. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2018.. A Figura 10 mostra a dependência dessas propriedades em função da temperatura. A densidade foi considerada constante para todos os materiais, sendo equivalente a 1800 kg/m³ para o material cerâmico e a argamassa, e 1,164 kg/m³ para o ar.

Figura 8
Distribuição de temperatura na face não exposta ao fogo para o prisma A (a) e prisma D (b) - modelo com propriedades constantes

Figura 9
Evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo com relação ao tempo de exposição e distribuição de temperatura no tempo final de exposição - modelo com propriedades constantes

Figura 10
Propriedades térmicas variando com a temperatura

Na Figura 11, mostra-se a distribuição do fluxo e da temperatura no plano normal ao fluxo de calor (plano X-Y), para todos os prismas. A base das figuras representa a face exposta ao fogo, enquanto a outra face representa a face não exposta.

A Figura 12 mostra a distribuição de temperaturas para os prismas A e D no tempo final de exposição de 4 horas (14400 s). Para uma comparação mais precisa, os limites de temperatura foram padronizados no intervalo máximo e mínimo entre Tmin = 327 K e Tmax = 350 K. Portanto, unicamente a temperatura nessas regiões são mostradas na figura. As outras regiões são mostradas pela cor cinza.

Finalmente, a Figura 13 mostra a evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo em termos do tempo de exposição. Nessa figura também são mostradas as distribuições de temperatura dessas faces para o tempo final de exposição. Também foi adotado um intervalo máximo e mínimo de temperaturas de Tmin = 327 K e Tmax = 350 K para a visualização dos resultados nos diagramas. As temperaturas finais correspondem a 333,13 K, 343,91 K, 345,16 K e 346,10 K; para os prismas A, B, C e D, respectivamente.

A maior variação de temperatura foi observada no prisma A, o qual apresenta uma diminuição de 3,75% quando comparado com o prisma D (temperatura mais crítica). Confirmando a diferença de comportamento entre os prismas com blocos de paredes maciças e o de paredes vazadas.

Comparação entre os modelos

A Tabela 5 mostra a comparação da temperatura média no tempo final de exposição para os diferentes modelos considerados: modelo homogeneizado, modelo com propriedades termofísicas constantes e modelo com as propriedades térmicas variando com a temperatura, sendo este último o modelo considerado como referência, pois neste considerou-se a influência da temperatura na mudança das propriedades térmicas, como sugerido no Eurocode 6 (EUROPEAN..., 2005EUROPEAN COMMITTEE FOR STANDARDIZATION. Eurocode 6: EN 1996-1.2: design of masonry structures: part 1-2: general rules: structural fire design. Brussels, 2005.).

Dos resultados mostrados, observam-se diferenças de 12,79% a 29,61% dos modelos quando comparados com o de referência. Cabe ressaltar que existe uma compatibilidade de resultados entre o modelo homogeneizado e o modelo com propriedades constantes, com uma diferença máxima de 12,11% entre eles (prisma A). A homogeneização representa de forma conservadora as temperaturas na face não exposta ao fogo. No entanto, essa aproximação não é precisa em casos com grandes mudanças de temperatura, como em casos de incêndio.

No Brasil, existem diversos estudos experimentais e numéricos relacionados ao comportamento térmico da alvenaria estrutural expostos a elevadas temperaturas, mas a grande maioria aborda configurações de pequenas paredes ou paredes com dimensões reais. A Tabela 6 mostra um compilado de algumas das principais pesquisas relacionadas a esse sistema construtivo.

Figura 11
Distribuição dos valores de fluxo e temperatura no plano normal ao fluxo de calor (plano X-Y) dos prismas A, B, C e D, respectivamente - modelo com propriedades variando

Figura 12
Distribuição de temperatura na face não exposta ao fogo para o prisma A (a) e prisma D (b) - modelo com propriedades variando

Figura 13
Evolução da temperatura média da face não exposta ao fogo com relação ao tempo de exposição e distribuição de temperatura no tempo final de exposição - modelo com propriedades variando

Tabela 5
Comparação da temperatura média no tempo final de exposição para os diferentes modelos numéricos e para os diferentes prismas analisados

Tabela 6
Pesquisas nacionais relacionadas a alvenaria estrutural exposta a elevadas temperaturas

Considerações finais

O presente trabalho buscou avaliar o comportamento térmico de prismas de alvenaria com blocos cerâmicos utilizando diferentes abordagens para o desenvolvimento dos modelos numéricos: modelo homogeneizado, modelo detalhado com propriedades termofísicas constantes e modelo detalhado com propriedades térmicas variando em função da temperatura. Para o modelo homogeneizado, foi proposto um programa para calcular a transmitância e capacidade térmica de blocos, prismas e paredes de diferentes geometrias seguindo a NBR 15220-2 (ABNT, 2022ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo. Rio de Janeiro, 2022.). O programa está disponível para seu uso mediante o link2 2 Disponível em: https://github.com/AlanaCostaQuispe/Thermal-Homogenization-NBR15220. . Os arquivos dos modelos numéricos usados também podem ser disponibilizados por e-mail.

As análises computacionais mostraram que o prisma A teve o melhor desempenho térmico, quando comparado com os outros prismas, isso devido à sua baixa relação área líquida/área bruta (aproximadamente 0,41). A massa de ar no interior dos blocos possui grande influência na transferência de calor entre as faces dos prismas, devido à baixa condutividade do ar. O aumento do número de vazios dentro de um bloco indica ganho de isolamento térmico, logo a face não exposta ao incêndio apresentará uma temperatura menor quando comparada aos prismas com blocos de paredes externas maciças.

É de suma importância considerar a mudança das propriedades térmicas em função da temperatura, como abordado no Eurocode 6 Parte 1-2: 2005. Existe uma diferença de 12,79% a 29,61% dos modelos quando comparados com o de referência, reforçando a importância dessa consideração. No entanto, o modelo homogeneizado proposto pela norma pode servir como um resultado inicial de projeto, visto que o tempo computacional requerido para essa análise é mínimo quando comparado com o requerido pelos modelos mais completos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2022
  • Aceito
    05 Set 2022
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