RESPOSTA

Joseph Younger 1

Tendo lido os cuidadosos e penetrantes comentários de Fabrício Prado, Mariana Flores da Cunha Thompson Flores e Luís Augusto Farinatti, estou imediatamente ciente de o quão afortunado sou em ter a oportunidade de receber respostas compreensivas e detalhadas sobre os estágios iniciais do meu trabalho de três fantásticos historiadores do Rio da Prata do século XIX. Eu gostaria de agradecer todos os comentadores por terem oferecido seus insights e sugestões. Seus conhecimentos sobre história e historiografia provaram e continuarão provando serem valiosos para mim na medida em que a pesquisa avança. Gostaria também de agradecer a Arthur Avila por ter me providenciado a oportunidade de apresentar minha pesquisa na Aedos, assim como seu paciente trabalho de tradução do meu artigo, suas sugestões oportunas e seu apoio contínuo.
Tendo relido meu ensaio nove meses após tê-lo originalmente escrito, também estou igualmente surpreso com o quão incipientes parecem muitos dos meus argumentos e afirmativas. Creio que os pedidos de todos os comentadores por mais contexto histórico e discussões historiográficas são inteiramente oportunos. Minha pesquisa, escrita e contemplação adicionais apenas tornaram este ponto ainda mais claro para mim. Assim, no espírito de um fórum sobre um trabalho em andamento e refletindo o fato de que tenho somente algumas discordâncias menores com os excelentes pontos substantivos apresentados nos comentários, quero usar esta resposta para explorar brevemente a evolução de minha própria pesquisa em relação a vários dos importantes temas identificados pelos três autores.
Como identificado por cada um dos comentadores, uma das principais intenções do artigo e do meu projeto de pesquisa mais amplo era explorar e compreender o processo de forja das lealdades e identidades nacionais nas fronteiras do Rio da Prata no curso do século XIX. Dada esta meta explícita, agora me surpreendo com os modos pelos quais meu trabalho conceitualiza Estados como os atores em movimento na história, utilizando instituições fronteiriças para consolidar sua própria autoridade na fronteira. Eu concordo completamente com a sugestão de Prado de que o ensaio presume em demasia a existência de um Estado funcional na metade do século XIX.
Um modo de minimzar isto, acredito, é focar ainda mais os fóruns locais, sem perder vista seu impacto nas estuturas estatais e internacionais mais amplas enquanto estes conflitos locais irradiavam-se externamente. Vista sob a perspectiva da narrativa legal no cerne de minha pesquisa, esta abordagem conceitualiza os tribunais da fronteira como arenas de conflito entre facções políticas rivais. Litigantes evocavam laços sociais, conexões políticas e a doutrina escrita para apresentarem suas reivindicações.
Com tantas conexões em jogo, mesmo disputas mundanas seguidamente não podiam ser confinadas aos salões de justiça. Pelo contrário, ações legais na fronteira frequentemente agiam como sinais para batalhas faccionais nas ruas e no campo. Lei e violência andavam de mãos dadas. Isto teve profundas consequências para os projetos nacionais da região enquanto eles tentavam se recuperar das guerras regionais que assolaram o Prata na década de 1840. Especificamente, no contexto das políticas faccionais fronteiriças, o recurso a remédios legais e à linguagem do direito formal tendia a minar o poder estatal ao invés de sinalizar a crescente consolidação dos Estados-nação na fronteira. Os limites nebulosos entre lei e violência asseguravam que os limites nacionais também permanecessem nebulosos. Assim, ao conceitualizar os fóros locais como uma arena de conflito sobre o significado da lei, lealdade faccional e, em última instância, identidade nacional, creio poder revelar muito do mistério envolvido nos processos de construção dos Estados nas fronteiras do Rio da Prata.
Isto já começa a referir-se a algumas das críticas válidas de Farinatti de que o meu ensaio falha em dar conta da relação entre conflito militar e a criação de direitos legais. O que, creio, emerge desta análise é a ideia de que ações legais e campanhas militares tinham muita coisa em comum ainda em meados do século XIX. Ao ver os conflitos legais como extensões, ao invés de derivações, dos métodos mais militaristas de estabelecimento de direitos de propriedade na fronteia no começo daquele século, acredito ser possível complicar as narrativas de uma transição nítida da violência à lei e de borderlands a bordered lands 2.
Ao mesmo tempo, essa abordagem também levanta importantes questões relacionadas à interessante discussão de Prado sobre lei e coerção. Prado aponta que “coerção pode ou não pode ser legal, portanto, a lei pode ser uma força coercitiva, dessa forma, não havendo um limite entre lei e coerção” (PRADO, 2009). Prado está correto em apontar que a lei possui profundos elementos coercitivos e que o limite teórico entre os dois é ambíguo, na melhor das hipóteses. Contudo, sob a perspectiva da compreensão dos usos locais da lei através da fronteira, eu não acredito que, sendo a própria lei coercitiva ou porque coerção pode ser legal e ilegal em diferentes momentos, o termo perde seu “poder explicativo”, como sustenta Prado.
Pelo contrário, o que a minha pesquisa almeja demonstrar são as lutas faccionais pela definição da diferença entre estes dois termos profundamente entrelaçados. O que descobri em minha investigação é que cada nova ação legal oferecia uma oportunidade para políticos rivais aumentarem suas posições através da obtenção de controle sobre estas definições entre lei e coerção. Para elites faccionais, assegurar que seus aliados políticos estavam no lado vitorioso nas cortes através de uma mistura de persuasão, corrupção e, algumas vezes, violência explícita, facções políticas rivais poderiam aumentar seu próprio poder local através da reivindicação da habilidade em definir os limites entre direitos legais e coerção ilegal. Deste modo, a tênue linha entre lei e coerção tinha um sentido real precisamente porque era tão importante para os próprios atores políticos e legais locais.
É por este motivo que a decisão das cortes de Alegrete declarando serem os direitos de propriedade de  Joaquim dos Santos Prado Lima resultado de mera coerção é tão significativa. O veredito declarando ilegais os direitos de propriedade meticulosamente consolidados de Prado Lima foi o ápice de uma estratégia que mesclou ações legais, apelos políticos e violência coercitiva para se ganhar o controle sobre o poder de definir lei e direitos legais. Em certo sentido, os próprios litigantes buscavam dar sentido à distinção entre lei e coerção através de prolongados conflitos políticos e legais centrados nas salas de justiça da fronteira. O ensaio apenas começa a explorar este processo, que precisa de uma maior elucidação, tanto prática quanto teórica. Contudo, uma narrativa que explica como, através das intersecções entre alianças faccionais e argumentos jurídicos, direitos legais puderam ser declarados ilegais tem uma importância real para a compreensão dos usos e limitações da lei na forja de soberania através da fronteira. A ambiguidade identificada por Prado está no cerne do meu projeto.
O foco nos fóruns locais, acredito, também permite uma compreensão mais sofisticada de como era a cultura legal da fronteira em meados do século XIX. Como Flores identificou em seus comentários, noções como honra desempenhavam um papel crítico na definição de identidades na fronteira. Como sugerido por Flores, lei e honra estavam fortemente entrelaçadas. Por exemplo, minha pesquisa descobriu que honra era algo crítico na afirmação de uma variedade de formas de provas legais. Do mesmo modo, honra e reputação possuíam um profundo caráter local, especialmente quando conectadas ao status de alguém como um vecino.
A partir destes tipos de observações, minha pesquisa busca explorar estes vernáculos compartilhados de privilégio, reputação e direitos como um mecanismo para preencher a brecha causada pela ausência de Estados-nação e sistemas legais nacionais consolidados. Argumento que o sistema que apoiou laços comerciais internacionais estava centrado no status comunitário e na honra no estabelecimento de fundações para reivindicações através da fronteira. Em outras palavras, minha pesquisa defende que formas locais de direitos legais podiam ser usadas para embasar redes comerciais mais amplas. Creio que a busca inter-fronteiriça de fórum de Almeida e Silva refletia esta internacionalização do direito local, com cada um buscando projetar suas alianças e conexões locais através da fronteira. É neste sentido que vejo os homens em uma constante busca pela lei.
Uma vez mais, quero agradecer os comentadores pelos seus bem-pensados comentários e críticas. Acredito que eles fornecerão uma base sólida para mais discussões além das limitadas páginas deste fórum e por anos vindouros.

Réplica recebida em 29/07/2009.

1 Doutorando na Universidade de Princeton, Estados Unidos. Tradução: Arthur Lima de Avila.

2 N. do. T.:  “Borderlands” significa  literalmente “terras limítrofes”, embora sua tradução mais comum seja “fronteira”, e “bordered lands” pode ser entendido como “terras limitadas”, referindo-se, evidentemente, à definição dos limites dos Estados-nacionais no Prata. No caso da frase acima, em respeito ao jogo de palavras original, optei por manter os termos em seu original.