O Patrimônio cultural como elemento da produção mercadológica televisiva


Valério Cruz Brittos
Denis Gerson Simões


1 Introdução
2 Microssérie e diferenciação
3 Produção e literatura
4 Releitura e temática
5 Diferenciado e massificado
6 Propaganda e qualidade
7 Considerações conclusivas
Notas
Referências

RESUMO
O artigo discute a relação da produção ficcional de televisão com o patrimônio cultural brasileiro. Para isso, é analisada a microssérie Hoje é dia de Maria, um produto diferenciado da programação regular das emissoras de TV, concebido e apresentado em meio às comemorações de 40 anos da Rede Globo de Televisão, no ano de 2005. Neste caso, uniu referências do folguedo brasileiro, inovações tecnológicas e grande carga de sensibilidade, o que resultou na desconstrução de padrões usualmente trabalhados. Foi utilizada forte simbologia dos personagens lendários do folclore nacional para contar uma ficção, com aparência de irrealidade, mas com grande familiaridade ao telespectador. Desta forma, a produção não abandonou os propósitos das indústrias culturais, seguindo princípios que fizeram dessa saga um elemento vendável, através do tangenciamento de estruturas autênticas das manifestações populares. Além disso, Hoje é dia de Maria teve a função de vender a imagem da Globo, sem apresentar algum salto qualitativo nas demais produções da emissora.
PALAVRAS-CHAVE: Processos midiáticos. Comunicação e capitalismo. Mídia e cultura.


1 Introdução

Globalmente, a sociedade passa por transformações acentuadas desde o final do século XX. Os meios de comunicação, com destaque a televisão, acompanham estas alterações, até por terem que se adaptar constantemente às situações advindas das novas tecnologias ou temáticas. A própria mídia fomenta estas mudanças, já que serve como ponte para transmitir e provocar informações com rapidez e amplitude. Dentro de seus limites, difunde opiniões de diversas fontes e as tornam públicas para discussão da coletividade.

Estes novos dados também passam a constituir o produto oferecido ao público. A exigência dos espectadores de uma alteração progressiva do que é exibido, no âmbito da dialética homogeneização e diferenciação, acabou por gerar resistência ao que não se renova. Neste panorama, as emissoras de TV trabalham na produção de programações sintonizadas com a base cultural nacional e, paralelamente, com potencial de exportação, o que não é novidade, como provam as já consagradas telenovelas e seriados que projetam a imagem brasileira no exterior.

Dentro da linha de produção da mídia brasileira, uma atração recebe destaque por sua configuração inovadora, a partir de referentes já presentes na cultura popular. Hoje é dia de Maria foi produzida com temática universal, mas com cara de Brasil. Realizada pela Rede Globo de Televisão, a microssérie, como foi chamado o conjunto de oito capítulos de 45 minutos, traz, com sua complexa temática, um trabalho de dramaturgia diferenciado, assim como de cenografia, figurinos, personagens e trilha sonora, entre outros pontos.

A Globo, em alusão à passagem de seus 40 anos, fabricou programas que se diferenciaram dos que tradicionalmente realiza. Destacaram-se pelo alto investimento, assim como maior cuidado no acabamento visual e na elaboração dos roteiros. Os Maias, Alto da Compadecida, Mad Maria, A Casa das Sete Mulheres e A Muralha são alguns destes bens projetados para um público mais segmentado, onde Hoje é dia de Maria se soma. Mesmo não escapando do processo de massificação, imposto pelo próprio método televisivo, essas séries são peculiares por suas estruturas mais condensadas em questão de duração, comparadas com as tradicionais novelas, mas, ao mesmo tempo, mais densas em relação ao conteúdo.


2 Microssérie e diferenciação

Hoje é dia de Maria é um produto que claramente busca evidenciar seu caráter cultural diferenciado, com uma discussão sobre a própria realidade humana em um mundo plural. Utilizando-se da menina como personagem que interliga as seqüências, demonstra no ambiente irreal do cenário uma realidade palpável de diversas zonas do país. Esse trabalho levanta uma bandeira institucional da Globo, colocando-se como entidade comprometida com os valores nacional e locais, mesmo quando produz obras de distribuição internacional.

Embora pontuando os focos de cultura nacional, o espetáculo televisivo construído pela emissora carioca não abdica de seu potencial mercadológico. A surrealidade de sua estrutura é linguagem universal para ser introjetada nos mais distintos meios sociais, seja latino-americanos ou globais. A própria estruturação da narrativa condensa um misto de elementos ficcionais da literatura universal e um panorama das lendas e contos nacionais.

A microssérie é repleta de seres caricatos, muitos ligados a figuras míticas, outros com uma forte expressão denunciativa social. No seu linguajar são claros os sotaques locais, comuns no Sudeste, Centro e Nordeste do Brasil, transplantados nos personagens que compõem seu conjunto e configuram um novo modo de ver as estórias por eles apresentadas.

Fruto de canções populares e obras do erudito nacional, a sonoridade constitui um aspecto particular neste trabalho. Os próprios atores cantam e interagem junto à música, mesmo não se tratando de um produto a estilo musical. Concentra diferentes sons, ritmos e cores a cada cena. As canções embalam o enredo como som de ninar, apontando e evidenciando o que ocorre e o que está por vir.

Entretanto, a rima entre qualidade e gratuidade não ocorre de fato no que diz respeito a Hoje é dia de Maria. Uma das características apresentadas nas refinadas produções da emissora global é conseguir conciliar projetos e custos. Segundo Valladares (2005), o “desafio é se equilibrar entre a intenção de inovar e as exigências técnicas e comerciais decorrentes da própria natureza da televisão”. Na prática, as mudanças também obedecem a projeções de aceitação pública, que vetam elementos passíveis de repulsa dos espectadores. [1] Os investimentos necessários para constituir uma produção diferenciada devem simultaneamente conciliar o novo com a postura tradicional do padrão Globo de qualidade. (VALLADARES, 2005, p.108-109)

Gravada só em estúdio, teve um espaço desenvolvido especialmente para a sua produção, cujos custos foram expandidos, comparados com outras gravações rotineiras. [2] Até mesmo o telespectador mais desatento foi capaz de perceber os diferenciais desta obra. Além da luz, do cenário, do som e do ambiente, também os atores trabalharam com formatações incomuns aos padrões regulares, incluindo constituição de personagens, maneira de atuar e sotaques das falas.

Através de Hoje é dia de Maria é possível ressaltar a discussão sobre os processos midiáticos televisivos, suas estratégias de agregar novos públicos à grade de programação da emissora e de consolidação da sua imagem. Questiona-se quais foram os benefícios pretendidos e alcançados pela emissora na primeira jornada de Maria na busca das franjas do mar ou aonde chegou a Globo com uma segunda caminhada, um trabalho distinto dentro de um emaranhado de produtos altamente massificados constituintes de sua programação.

“Observando genericamente a história da dramaturgia, pode-se identificar ligações com o contextualizado nesta microssérie da Rede Globo. Para recontar as diversas estórias de domínio público, foram alterados o foco, o modo e a forma de ver os elementos contados” (BRITTOS; SIMÕES, 2006, p.50). Nada que já não tenha sido feito, mas em outros meios e veículos, com outras roupagens, por sua vez.

Uma apresentação sintética de uma parcela da história da arte e da comunicação pode dar subsídios para evidenciar a estrutura que forma Hoje é dia de Maria. Sem fixar-se somente em uma fonte, mas bebendo do pluralismo do imaginário popular, a trama agrega a si uma infinidade de signos e ícones de contos e lendas. De modo muitas vezes dicotômico, os meios de comunicação mimetizam os elementos do passado, os resignificam e os comercializam de modo inovador, mesmo que seus componentes, em separado, não o sejam.

Desde o princípio da sociedade organizada, o homem constrói sua cultura com base no cotidiano. O teatro, como representação fictícia de atos humanos ou de deuses, ganhou forma em todo o planeta, tendo, no mundo ocidental, destaque o realizado na Grécia. Com a evolução, construíram estruturas onde a prática de representar fosse apropriadamente exercida. O espaço teatral grego era o templo a Dionísio, constituído como local religioso, de acordo com a Grande Enciclopédia Larousse Cultural (1990).

Paulatinamente a dramaturgia recebeu renovações e constituiu um ambiente múltiplo de arte. O teatro, como estrutura para abranger atividades culturais, renovou-se e constituiu-se como grande centro social. Outros locais passaram a também disponibilizar espaços de apresentações cênicas, seja em praças com coretos, bares com palcos ou casarões com salões. Para os nobres os eventos teatrais continuaram sendo momentos de diversão segregacionista; para os mais humildes era uma fuga da realidade e um campo de atuação dos itinerantes. [3]

Já o circo provém de outra raiz, a romana, espetáculos em princípio bastante longínquos de uma idéia cênica, onde se entretia o povo e se realizavam os jogos públicos. Era freqüentado por todas as classes sociais, dispostas de formas distintas dentro do espaço para isto reservado, contando com o próprio imperador como platéia, daí surgindo a expressão que o povo somente necessitava de pão e circo. O entretenimento chegava a atentar contra a própria vida humana, um local de interesses políticos aliados a divertimentos não raro bizarros, caracterizando uma manobra romana para reforçar os ícones do poder centralizador.

Em uma perspectiva mais recente, o circo acabou por receber conotações de um espaço de espetáculo ambulante, tendo ligações com a idéia de um teatro popular. A formação dos circos da atualidade provém de uma estrutura européia da década de 1760, a qual depois se espalhou pelo mundo, havendo saltimbancos no Brasil desde o século XVII. A grande semelhança entre a formação circense romana e a atual é o público e os animais (no antigo os bichos comiam as pessoas do picadeiro). Mas, ainda no período medieval, já eram conhecidos na Europa personagens que seguiam de cidade em cidade, com seus corsos, montando pequenos palcos, junto a praças e feiras. Os próprios ciganos, por vezes, tinham uma função de atração artística, com curiosidades (FIX, 1987, p.26, tradução nossa).

Porém, é com o aprimoramento das tecnologias que são constituídos espaços diferenciados para a dramaturgia. O cinema vai trazer a imagem que se move, impactando a humanidade. Segundo Marcondes Filho (1988, p.17), com a constituição gradativa de uma indústria cinematográfica, o comércio de espaço publicitário passa a influir nas produções (podendo financiar totalmente ou parcialmente a obra). Ao longo do tempo, os produtos cinematográficos alteraram-se, com o desenvolvimento dos equipamentos de filmagem, e formaram uma nova concepção para a sétima arte. Assim, o crescimento vertiginoso da área ocorre a partir da descoberta do filme dentro do segmento mercadológico e político.

A tecnologia do rádio surgiu na segunda metade do século XIX. Entretanto, a implantação de emissoras convencionais unicamente vai acontecer na década de 1920. Após o lançamento de programas de música e variedades, nos anos 1930, foram utilizadas as antigas formas de teatro para constituir as radionovelas. Ali passa a ser distribuída de maneira mais massiva a dramaturgia, mesmo que somente pelo áudio.

Com o advento das máquinas que traziam simultaneamente imagem e som às residências, utilizou-se da matriz radiofônica para organizar o televisivo, recorrendo a profissionais também do teatro e do circo. A novidade, ainda em preto e branco, teve de ser estudada e adaptada, processo mantido constante até a atualidade. Os programas ao vivo eram a única forma de veiculação, já que não existia a gravação em fita magnética (a exceção eram as realizações em película, de custo caro e demorado), limitando o trabalho da equipe técnica. Os próprios atores abusavam da improvisação, por restrição tecnológica.


3 Produção e literatura

O texto é de Carlos Alberto Sofredini, dramaturgo santista, que utilizou como base contos dos folcloristas nordestinos Câmara Cascudo e Silvio Romero. Feito por encomenda do diretor Luiz Fernando de Carvalho, em 1995, depois de dez anos o roteiro chegou à televisão (NA TEVÊ, 2005). [4] O material permite que se detecte uma grande colcha de retalhos de formas de fazer dramaturgia. Um bocado de circo, um tanto de atos cênicos de rua, elementos do teatro de bonecos e linguagem de literatura de cordel, entre tantos dados. A mescla dessas tendências dá o sentido para recontar o que é já sabido.

A sede por conhecer o desfecho não é o principal fator instigador para acompanhar a primeira jornada de Maria. A própria vinheta apresenta elementos que valorizam o conjunto e não somente seu roteiro com princípio, meio e fim. Com uma animação ao estilo das imagens estampadas junto às publicações de literatura de cordel, ocorre uma pequena síntese dos fatos desencadeadores da viagem da menina. Por mais que não conte todo o resultado desta peregrinação, a abertura aponta os caminhos que a personagem seguirá e expõe até indicativos de um desfecho, já que um ambiente de sonhos deve terminar com a famosa expressão e todos viverão felizes para sempre. Também dispõe a abertura de uma trilha sonora que mescla canções populares sobrepostas, exemplo da formatação do próprio roteiro.

Os oito capítulos da microssérie compõem uma ficção embasada em contos e lendas, dos folguedos nacional e internacional, recontando o conhecido, mas de forma nova, ou recriando com casos inéditos o que já é público. Literaturas infantis ou adultas podem ser ligadas a esta narrativa sem maiores dificuldades, apenas alterando o enfoque ou a origem dos fatos apresentados.

Independentemente do local em que vive, forma e nome, a figura de Maria está muito presente no imaginário coletivo. Alice no país das maravilhas[5] também mostra uma menina que percorre ambientes fantasiosos, encontrando situações inusitadas. Outra infanta que anda por uma trilha em busca de solução é Dorothy, no clássico norte-americano O mágico de Óz, [6] onde, em uma quebra de paradigmas, nem tudo que parece é, ao mesmo tempo em que dá indicativos para o desfecho do conto. O pequeno príncipe[7] é outra obra que retrata um jovem peregrino, o qual saiu de seu planetinha em busca do novo, fazendo descobertas sobre a vida.

O próprio nome da personagem principal, por sua simbologia bíblica, constituiu-se como sinônimo de mulher. Sem sobrenome, ele é simplesmente Maria, refletindo que se trata de mais uma entre tantas, ou todas. Contudo, é nas atitudes que expressa a unicidade de sua personagem, como que encorajadora das demais que a circundam. Poderia ser comparada à pluralidade de Severinos, de Morte e vida Severina, [8] mas com o potencial de buscar caminhos para trilhar seu próprio rumo, por mais que nem sempre possa fugir do destino.

A mudança circunstancial entre a produção da Rede Globo e os demais contos é o ambiente em que os fatos ocorrem. Foi utilizado o visionário nordestino para aproximar a brasilidade à obra. O Nordeste, com seus muitos estados refletindo o contraponto de lindas praias e simultaneamente áreas de extrema seca, é baú de um folclore com rico simbolismo. É com seu linguajar e jeito de pintar a realidade que ficou conhecido e compreendido.

Dessa cultura múltipla é que foram absorvidas crendices que auxiliaram a compor o cenário de Hoje é dia de Maria. Faz com que as comunidades de Norte a Sul do Brasil consigam, de alguma forma, ainda se identificar, mesmo que nada se assemelhem aos personagens apresentados. Ou quem sabe o próprio hábito da televisão em tratar da realidade desta parcela dos brasileiros já não construiu uma falsa proximidade de todo o país a eles?

A microssérie da Globo inova ao trazer esta formação para um modelo de programa televisivo, mas, evidentemente, trabalhando a partir de referentes pré-estabelecidos, como, aliás, costuma processar-se a inovação nos marcos do capitalismo. Espetáculos musicais e folclóricos adaptados para a TV e vídeo trabalham com elementos parecidos. O mérito da emissora foi ajustar à dramaturgia televisiva esses costumes. Não coincidentemente, as bases são as mesmas, com destaque aos textos de Câmara Cascudo e Silvio Romero. Também é possível ver estruturas como as já presenciadas em O Auto da compadecida, [9] pois, mesmo trabalhando com outra estética, é inegável a ligação dos universos.

Para exemplificar e criar pontos de referência concretos, foram comparados o espetáculo Lunário perpétuo, do músico nordestino Antônio Nóbrega (artista pernambucano que dirige o espaço cultural Teatro e Escola Brincante, em São Paulo), e a série da Globo. É possível encontrar-se muitas semelhanças, já que ambos trabalham com o imaginário popular. Nóbrega faz uso de um espetáculo musical cheio de expressões da dança e do teatro; Hoje é dia de Maria é um produto da teledramaturgia repleto de música e movimentos rítmicos.

Duas construções visuais próximas foram constatadas: no espetáculo musical a cenografia é composta de pinturas do artista Manuel Dantas Suassuna, com base no folclore nordestino (LUNÁRIO..., 2003); na obra da Globo o responsável foi Clécio Régis, o qual, com sua equipe, pintou à mão temas com base nas “telas de pintores como os espanhóis Goya e Velázquez e o brasileiro Cândido Portinari” (VALLADARES, 2005, p.108-109).

Ambos os cenários, por mais diferentes que sejam, trazem a visão de algo voltado ao sonho, visivelmente irreal e artístico. Em Lunário perpétuo percebe-se nos murais a dança, a religiosidade, a música, o cotidiano das pessoas. No “ciclorama (painel que circunda o domo por dentro com cenários desenhados)” (CORRÊA, 2004) de Hoje é dia de Maria estão retratados sete cenários que reportam às paisagens do Milharal, Terra do Sol a Pino, Fornalha, Vilarejo, Lavoura e Bosque, partes do imaginário do Nordeste brasileiro. Os dois cenários seguem tons envelhecidos, com a incidência de amarelo e ocre, referência ao sol, à terra seca, ao algodão cru, a uma realidade que não é economicamente abastada, mas repleta de história.

Essas semelhanças colocam-se em panoramas diferentes. Uma está no palco e outra no estúdio. Por mais que se tenham dois exemplos de produtos adaptados ao televisor, já que o espetáculo de Nóbrega ganhou uma versão gravada em DVD (digital video disc), seguem seus padrões próprios. A emissora, por sua vez, incorporou elementos rotineiros ao teatro e ao circo, alterando uma composição que anteriormente provinha da novela. Um diálogo do espetáculo de Nóbrega pode ser encaixado com propriedade na explicação da construção psicológica de Hoje é dia de Maria. Tonheta, personagem do artista, fala de sua infância e, com bom humor, traz ao público o cotidiano circense:


TONHETA: Eu fui educado, viu Edmilson, no picadeiro de um circo.
EDMILSON: Maravilha.
TONHETA: É porque você não foi educado num deles. Esse circo era muito pobre. Era tão pobre, mas tão pobre... que nele a Mulher Barbada era o meu pai.
EDMILSON: pobreza danada.
TONHETA: E neste circo, Zezinho Pitoco... que eu escutei pela primeira vez... a voz do maior tenor brasileiro de todos os tempos. Minha gente, essa criatura cantava... com tal dose de perfeição... com tal firmeza no seu canto, que uma vez ele estava lá no Palácio do Catete... numa festa... quando o Rio de Janeiro era capital federal... e ele quebrou, com lá sustenido bemol.... 427 taças de cristal. Pronto, tudo ficou quebradinho (LUNÁRIO..., 2003). [10]

O personagem, neste diálogo com o músico Edmilson, traz uma história que reproduz a simplicidade dos circos, fazendo referências a esses grupos de espetáculo de baixo poder aquisitivo, sem luxos. Também coloca o contraponto de num espaço popular ter contato com temas eruditos, como a música de um tenor, caracterizando o picadeiro como área cultural, mesmo que em uma realidade economicamente desprivilegiada.

Isso igualmente é possível ver na microssérie global, quando a literatura e as estruturas teatrais complexas, mas provenientes da população, são apresentadas ao povo, sem maiores simplificações. Vê-se aí características também trabalhadas junto ao Movimento Armorial, que trazia a idéia de criar uma arte erudita brasileira com base na cultura popular. [11] Identifica-se uma apropriação privada do patrimônio cultural, prática comum das indústrias culturais.

No microsseriado, o circo é fisicamente explicitado nas figuras de Quirino e Rosa, interpretados por Daniel de Oliveira e Inês Peixoto, por mais que eles não o constituam em sua plenitude, mas sim como saltimbancos. O que mais diferenciado pode se visualizar na comparação de Tonheta e Quirino, observando estes dois elementos masculinos, é a forma mais plana e humorada do personagem de Nóbrega comparado à profundidade do de Oliveira (que apresenta sua máscara alegre em contraponto à sua postura melancólica e ciumenta).

Não obstante, o elemento circense se materializa dentro da obra da Globo em todo o conjunto, com destaques à cenografia, música e atuação em área circular, como no picadeiro. A possibilidade de improvisação dada aos atores de Hoje é dia de Maria já conduz para essa visão, podendo ser um pouco palhaço, apresentador, malabarista ou simplesmente artista.

Neste ponto já é possível apontar que esta utilização do aspecto circense nada mais é que a apropriação de uma arte do povo para aplicação pela mídia. Isso é típico da indústria cultural, que bebe da fonte real (manifestações do meio urbano e rural) e a reconfigura para o campo virtual (da televisão). O registro de Antônio Nóbrega (2005) possibilita a ampliação do leque de elementos sobre o ambiente da microssérie da Globo:


Há muito tempo venho criando uma epopéia picaresca a partir das façanhas de uma figura que há mais tempo ainda venho elaborando. Vendo de fora essa figura, o industrioso Tonheta, ela é um misto de pícaro, bufão, palhaço, arlequim, vagabundo, ou sei lá mais o quê. Sentindo por dentro, Tonheta é uma espécie de colcha de retalhos desses tipos populares que povoam as ruas e praças do meu país, que me tocam profundamente deixando-me num estado de desordem interior cujos contrários dor e alegria se confraternizam misteriosamente. Para contar as aventuras do carroceiro andante Tonheta – ele percorre as estradas-do-mundo conduzindo uma velha carroça – criei uma dupla de atores ambulantes, João Sidurino (vulgo Mestre Siduca) e sua partner Rosalina de Jesus e a eles conferi a missão de, utilizando-se de qualquer linguagem espetacular (dança, teatro, música, mímica, circo, ventriloquismo, etc, etc) narrar as proezas desse personagem. (NOBREGA, 2005). [12]

Com Tonheta, Nóbrega esculpe o picadeiro não somente pela configuração do personagem circense, mas pelas formas de fazer sua arte. Hoje é dia de Maria segue princípios de construir com elementos rudes um trabalho apurado, a idéia do produto artesanal popular bem elaborado. O circo, como referencial, reporta ao plano do espetáculo feito para o povo, com elementos próprios e imitando de maneira fantástica a vida. Seu instrumental sonoro característico “[...] toca qualquer tipo de música, mas sempre deixando as melodias com o inegável aspecto de entretenimento da coletividade. A Globo se utiliza bem destes sinais para sensibilizar suas imagens” (BRITTOS; SIMÕES, 2005, p.56).


4 Releitura e temática

Claramente vê-se, em Lunário perpétuo e Hoje é dia de Maria, a utilização de estórias populares, relativas à realidade brasileira ou adaptadas ao cotidiano nordestino. [13] Com base nisso, constituem uma fantasia que brinca e dá vida a uma realidade que, maquiada, acaba por parecer mera ficção. É como se tratassem do cotidiano com imaginação, grande dose de metáforas e, por vezes, muitos eufemismos.

Pode ser constatada a grande carga religiosa na temática das obras. Num paradoxo, o povo tem temor da divindade (como seres onipotentes), mas, ao mesmo tempo, ela também é próxima dos humildes e necessitados, já que as santidades não só regem os passos dos homens, como igualmente podem interferir em favor deles. Pontos desta exposição da fé, por exemplo, podem ser verificados na canção Ponteio acutilado, de Nóbrega, e na figura de Nossa Senhora da Conceição (Juliana Carneiro da Cunha), como personagem da série da Globo. O mesmo é fato marcante em toda a seqüência de O Auto da compadecida.

Outro ponto da cultura nordestina é a dualidade, tendo elementos que polarizam as situações. Nas questões religiosas não há a aparição do céu se, correlatamente, não falarem do inferno (Nossa Senhora X Asmodeu). Pode ser verificado de igual maneira o contraponto entre amor e ódio (Amado e Quirino), água e fogo (mar e sertão), inocência e esperteza (Maria e Asmodeu), criança e adulto (Maria nas duas fases), pobreza e riqueza (trabalhadores e executivos). As antíteses podem ser igualmente observadas no canto musicado Romance da nau catarineta (LUNÁRIO..., 2003), onde o capitão justo contrapõe-se às artimanhas do demônio. O mesmo pode ser visto na idéia de nobreza e rudeza de O Romance da filha do imperador do Brasil (LUNÁRIO..., 2003). Ambas as formas inspiram-se na literatura de cordel, repleta destas características, resultando em informações com aspectos aproximados.

Não fica somente na cenografia e no ambiente o universo fantasioso: os dois produtos comparados utilizam-se de farta irrealidade, ao mesmo tempo em que a colocam como necessidade do universo psicológico do homem real. O interessante dos dois trabalhos é que mesmo na diferença de propósitos existe um diálogo de signos. É possível fazer comparações com a estória do pássaro que está junto a Maria, o Amado (que depois se configurará como homem), e a canção intitulada de Meu foguete brasileiro, pois ambas são formatações de desejos humanos que, com o passar do tempo, foram transfiguradas na natureza e nos objetos.

Desta trajetória fantasiosa do espetáculo resulta a reflexão do homem para permitir-se fazer coisas não explicitamente aceitas na sociedade. A sensibilização por parte da TV faz com que seu espectador valorize o meio, pois esse o auxilia a interiorizar-se. O folclore nordestino é rico nesta possibilidade. O próprio Nóbrega, em seu espetáculo, canta e reproduz movimentos que imitam figuras míticas do folguedo popular, como uma forma de expressão de sentimentos interiores, fora de um padrão racional. Com Maria há a possibilidade do espectador chorar junto com a personagem e se emocionar com sua caminhada, também evocando a interiorização, dando-se o direito de sair de uma postura socialmente instituída. [14]

A língua é outro fator marcante nos dois produtos midiáticos analisados. O linguajar nordestino, com suas palavras e formação frasal, é mantida em ambos, mesmo quando isso priva os desconhecedores de uma compreensão plena. Também são acrescidas expressões do cotidiano caipira do Sudeste brasileiro. Na realidade, mais uma vez é possível se reportar à idéia expressa pelo Movimento Armorial, na constituição de um novo erudito brasileiro com base no popular. Mesmo com vocábulos não pertencentes às normas cultas, a formatação dos diálogos, com um trabalho delicado de regionalização de temas globais, passa a transformá-la em uma construção simbólica do próprio ambiente tratado, como na poesia, que tem suas licenças para, em prol da arte, fugir do gramaticalmente correto.

O linguajar específico, neste contexto, constrói a idéia de erudição. Não pelo fato de acrescer complicações ao processo comunicacional, mas sim por promover de forma proposital a ambientação de um personagem via sua forma de falar. Coloca ao espectador um conjunto de signos que simultaneamente margeiam o categorizado como culto e ignorante, podendo, como resultado, causar à primeira vista uma incompreensão. Acaba por obrigar o telespectador a interpretar e pensar sobre o produto por ele consumido.

É possível observar o uso dos vocábulos em trecho do capítulo Onde o fim nunca termina, de Hoje é dia de Maria. O diálogo ocorre quando a menina reencontra Zé Cangaia, personagem que anteriormente foi salvo por ela:


MARIA: Zé!
ZÉ CANGAIA: Que bom le vê, Mariazinha. Ocê já foi ou tá vortando?
MARIA: Num sei de mais nada, Zé! E ocê?
ZÉ CANGAIA: Num fui nem vortei. Fiquei por aqui que, sou prantado na terra! Ocê vortô pra ficá?
MARIA: Não, Zé. Acho que minha sina é caminhá.
ZÉ CANGAIA: E caminhando ocê deixa saudade em cada lugar que passa. Ocê carece de criá raiz, menina. Espaiá boas amizade.
MARIA: Num fala assim, Zé. Num fala assim que sinto que andei, andei e num cheguei a lugar nenhum. Sinto que um tanto de coisa perdi e outro tanto de coisa num conseguí achá. (ABREU; CARVALHO, 2005, p.341-342). [15]

Claramente o diálogo não é um conjunto de frases gramaticalmente correto, se forem levados em consideração as regras que definem a Língua Portuguesa no Brasil. Todavia, não é com base nisso que vem sua erudição. É possível notar, neste fragmento, uma construção mais complexa de significados, principalmente na última frase de Maria (acima destacada). Não se trata da resposta de uma criança, mas sim da declaração bem construída de uma personagem.

Maria vai falar da vida, no diálogo que segue ao exposto. Ele ocorre com a menina sentada em um cavalinho no carrossel. As imagens que acompanhavam a cena demonstravam o giro do brinquedo e o retorno sempre ao mesmo lugar, evidenciando o movimento cíclico desta viagem. [16] As falas de Cangaia e da infanta remetem, novamente, a uma reflexão referente à rudeza e simbologia do texto:


MARIA: Vivê é isso mesmo, Zé? Essa coisa doida que muda sempre? É separação de quem a gente qué, andança sem parada? Parece tudo sonho! Vivê é isso, Zé?
ZÉ CANGAIA: A única coisa que eu sei, Maria, é que num sei respondê nada disso!
MARIA: E o amor, Zé? Quando é de verdade?
ZÉ CANGAIA: Olha, Maria, o amor... o amor...
MARIA: E a felicidade? Quando é de verdade?
ZÉ CANGAIA: A felicidade, ao contrário do amor... a felicidade... a felicidade...
MARIA: E na vida, Zé. O que vem depois da morte, Zé?
ZÉ CANGAIA: Ocê escóie as minhas resposta pra cada pergunta, Maria: Não, num sei, não sei! Esqueci de aprendê!
MARIA: Ocê num fica mangando di eu!
ZÉ CANGAIA: Tô mangando de ocê não, Mariazinha. É que essas coisa, acho que a gente só sabe é perguntá... Num sabe respondê, não. (ABREU, CARVALHO, 2005, p.343-344).

Observa-se uma estrutura que trata de assuntos intimamente ligados à filosofia moral. Mesmo não sendo o foco aqui a estória de fato, vê-se que a felicidade por ela tratada, assim como os demais itens citados (amor, vida e morte), são temas de uma série de questionamentos da história da humanidade. “A busca da felicidade é um propulsor evidente da ação humana” (CANTO-SPERB; OGIEN, 2004, p.34). É a procura pela felicidade, na busca das franjas do mar, a motivação da protagonista.

A personagem Maria traz à tona ao espectador um questionamento, tão adulto quanto o universo em que ela está imersa, o que pode, conjuntamente com outros pontos, colocar em dúvida a sua própria infantilidade. Essa contradição, que depois vai realmente se configurar via os poderes de Asmodeu, pode ser evidenciada pela obra de Canto-Sperb e Ogien (2004, p.41) quando falam que a felicidade “[...] não pode resultar do acaso; ela exige, ao contrário, um considerável esforço; somente seres que apresentam um certo valor moral e fazem uso de sua razão podem ser ditos felizes neste sentido, mas não os animais, nem as criancinhas”.

A menina, com pensamento de mulher, procura respostas a perguntas que a humanidade se faz constantemente. Pode-se aqui colocar que a figura infante de Maria pode ser meramente uma roupagem de uma personagem complexa. O mesmo vê-se na linguagem rude que disfarça de popular uma construção textual forjada sobre uma renomada literatura.

Nóbrega também faz uso de roupagens para discutir seus temas junto ao público. Trabalha com conjuntos textuais e utiliza transposições musicais. Com seus trejeitos conta estórias já existentes, mas as espelha, ou se utiliza de obras já adaptadas, na sonoridade dos ritmos brasileiros. Exemplo pode ser visto no Romance da nau catarineta, retirado de texto homônimo. Melhor explicação pode-se obter em estudo de Benjamin:


O Romance da Nau Catarineta, que integra as tradições dos ciclos dos trabalhos do mar, tem sido coletado no Brasil tanto pela voz de cantadeiras de romance – como Tia Beta – como integrante de folguedos dessa temática (Nau Catarineta, da Paraíba, marejadas e fandangos). Nóbrega informa trabalhar com uma versão de Ariano Suassuna, “presente no folheto XXXIV do Romance d’A Pedra do Reino” (informação constante no encarte do CD Lunário Perpétuo) e que a melodia é a mesma utilizada por Antônio José Madureira para a versão instrumental escrita para o Quinteto Armorial. (BENJAMIN, 2003). [17]

Transfigurar o folguedo em obra atualizada acaba por simultaneamente reconduzi-lo ao povo de forma mais expandida, podendo popularizá-lo ou até incluí-lo em uma moda, como também passa a alterá-lo no imaginário de quem já o domina, possibilitando colocar no esquecimento o movimento original. Na realidade, torna-se imprevisível o resultado de uma exposição pública de uma nova versão do produto existente, tendo chance de evidenciar a fonte primeira como dissolvê-la em meio massificado.

Benjamin (2003) também evidencia este tipo de prática em outras canções, comparando músicas e romances, como O Romance da filha do imperador do Brasil e A Filha do imperador de Roma e o segador, A Morte do touro Mão-de-pau e O Boi da Mão-de-Pau, e Romance de Clara Menina com Dom Carlos de Alencar e Clara linda.


5 Diferenciado e massificado

Todas essas informações populares do Brasil, expressas em Lunário perpétuo e Hoje é dia de Maria, nada mais fazem que valorizar os hábitos constituídos pelo imaginário coletivo brasileiro. Antes disso, o material projetado nos espetáculos não é somente um conteúdo disperso de retalhos dos folguedos, mas sim a seleção elaborada por pensadores e pesquisadores das sociedades ali retratadas, como forma de expressar em seus textos e canções a essência do povo. Os próprios diálogos de personagens e elementos em cena acabam recebendo o refinamento da linguagem típica e não somente a massivamente difundida. Chega-se a ter o paradoxo de ser um conteúdo deveras trabalhado que pode parecer, em determinados momentos, algo ainda bruto.

A musicalidade é ponto forte dentro do contexto do programa da Globo e parte principal do espetáculo de Nóbrega. Na microssérie, utilizando-se de composições eruditas, buscou-se elevar o nível das peças selecionadas. Entretanto, as aproximações com a cultura popular provêm da forma como essa erudição é apresentada. Sendo estas tocadas por instrumentistas dos movimentos folclóricos, a trilha sonora de Hoje é dia de Maria é um recorte, por exemplo, da obra de Vila Lobos, imprimindo um atestado, no mínimo virtual, de que o conjunto do programa é qualificado e amplamente imerso no imaginário do povo. É uma música de renome com uma vestimenta de simplicidade.

Em Lunário perpétuo a relação muda, sendo a inspiração textual voltada a romances, temas sociais e folclore, entre outros, e a musicalidade e a instrumentação cunhadas pelos ritmos nacionais. Não é a música em si, mas a desempenho aparentemente comprometido de Nóbrega com as causas populares, além da base forte de trabalhos como o de Suassuna, que legitimam sua atuação num rumo diferenciado da simples sonoridade das ruas nordestinas.

Como visto, há um conjunto de características que aproximam e assemelham o trabalho de Lunário perpétuo e Hoje é dia de Maria. Por enfoques diferenciados, ambos trazem a público o estilo dos movimentos populares de cultura brasileira. Reconstroem para apresentações em palco ou para as câmeras uma estrutura que foi concebida para festas de rua. Também remodelam estórias, ou transformam em personagens indivíduos do dia-a-dia das comunidades interioranas do Brasil. Fazem belo o que não tem refinamento.

Benjamim coloca o trabalho de Antônio Nóbrega como um produto de massa, utilizando-se do depoimento do folclorista Ronaldo Correia de Brito como suporte: “O que ninguém enxerga é que Nóbrega re-elabora a linguagem popular para deixá-la assimilável à classe média, sobretudo universitária. Ele é um produto da classe média para a classe média. É ela que se reconhece nos seus espetáculos [...]” (BENJAMIN, 2003). [18]

A posição de Brito poderia igualmente abranger a realização da Rede Globo, quanto à primeira fase de Hoje é dia de Maria. Assim como as semelhanças entre o trabalho de Nóbrega e da emissora global são bastante evidentes nestes dois casos, essa adaptação da cultura do povo a uma visão televisiva, ou até mesmo do negócio de entretenimento, também é. Não que haja perda de qualidade na produção, que, ao contrário, prima por uma riqueza de detalhes visuais e simbólicos. Mas o efeito da massificação exclui o que é feio e somente apresenta o belo e o consumível. Ocorre uma filtragem, canalizando à massa o deglutível e aceitável, conduzindo ao público fragmentos da original, promovendo sua descaracterização.

Marcondes Filho (1988, p.28) fala que “a comunicação produzida industrialmente para as grandes massas tem normalmente a função de captar suas fantasias, seus sonhos, seus desejos e ‘domesticá-los’, isto é, desviá-los de sua satisfação como meras guloseimas”. No caso das produções mais onerosas da Globo, entre elas a saga de Maria, o público projetado é menor. Poder-se-ia entrar na discussão se este público selecionado é que define a obra ser apurada ou vice-versa, embora pareça que um elemento depende do outro.

O autor ainda completa que, “em vez de nos atender, [...] só recebemos dela alguns indícios: [...] a emoção do prazer e não o prazer, a sensação de paz e não a paz” (MARCONDES FILHO, 1988, p.28). Com isto ele evidencia esta dualidade do homem entre a realidade e a virtualidade. O mesmo pode ser refletido em um comparativo do original e a releitura, onde os limiares entre um e outro se tornam turvos. Isso não significa que as novas obras tenham um fator degradativo frente ao folguedo regional, mas podem assumir esse papel quando não explicitadas as diferenças entre ambas.

Os veículos de comunicação realmente não trazem os conteúdos por eles divulgados em suas formas plenas, por vontade de quem a conduz ou falta de recursos técnicos. Aliás, a questão que polemiza e massifica não se refere meramente ao fato de adaptar uma tradição, por vezes secular, às lentes da câmera, mas sim o de promover modificações no original em prol de ser vendável. A deteriorização do folguedo ocorre no momento que somente seus cacos, alterados e devidamente reconstruídos, passam a representá-lo publicamente.

Vidal e Marques (2005) colocam esta questão por outra perspectiva, vendo na apropriação destes elementos da cultura popular uma forma de seguimento da mutação que o folclore (suas lendas, contos e hábitos) naturalmente tem em sua forma oral. Basicamente, atribui-se o fenômeno da massificação a uma seqüência convencional da vida de uma informação que segue uma trajetória nos veículos televisivos.

Para embasar suas afirmações, as pesquisadoras tratam do exemplo de Ariano Suassuna: “Quando Suassuna bebe nas fontes populares, no ‘romanceiro popular nordestino’, o que ele está promovendo é um diálogo com essas fontes” (VIDAL ; MARQUES, 2005). [19]

Entretanto, Globo e Suassuna ocupam posições distintas. Os meios de comunicação não são elementos humanos pertencentes ao povo, mas sim canais mecânicos que transmitem informações. Diferente do escritor, coletor de informações que possibilitem expressar no papel uma construção literária com base coletiva, a televisão busca um fim diretamente mercadológico a estes dados, não se importando em fragmentá-los ou simplesmente ressignificá-los. O autor de um trabalho de literatura que se embasa na cultura do conjunto social regional acaba por ter uma função testemunhal alternativa à própria lente de uma câmera. As palavras, que marcam sua pessoalidade, não ferem o povo, mas sim o apresenta com os olhos de um pintor das letras.

Vidal e Marques (2005) ainda colocam que, assim como um artista pode utilizar-se das informações do povo, é natural que outros usufruam deste trabalho também, seja da fonte original ou já da secundária: neste sentido, as autoras não usam o termo adaptação, sugerindo o uso das terminologias tomar emprestado e reescritura, como forma de tornar explícito a origem popular do conteúdo. Não há porque vetar a utilização do que é popular para qualquer indivíduo que seja, devendo ser sabida a diferenciação entre o que ainda preserva a essência e a simbologia e o que somente o aproveita como pano de fundo.

Mas não é possível abrandar os efeitos da massificação pelo panorama da mutação natural do elemento popular, pois esta mudança deve ocorrer do povo para o povo, e não pelas mãos da imprensa ou veículos que se colocam como porta-vozes da população. Mesmo Suassuna posicionando-se como escritor e pesquisador, sua postura, ao escrever à sua maneira os contos, não é comparável ao trabalho realizado pela indústria cultural. As motivações são distintas e o produto final igualmente o é. Estes fatos também não excluem Hoje é dia de Maria de ter qualidade dentro de seu gênero televisivo.

Um produto munido de uma grande carga cultural, mesmo que fragmentada, ainda é um trabalho que não pode ser desconsiderado. No entanto, sua massificação o prejudica, tornando-o uma sombra do original, uma fotocópia que perde resolução e que depois passa a ser repintada.

Mesmo com tais problemáticas, não pode ser descartado o valor simbólico das obras, por ser fração, não falsificação. As performances que maquiam a realidade na TV acabam por condensar em questão de horas um aglomerado de signos que não seriam corretamente apresentados se não em muitos dias. Fazem uso do elemento existente, mesmo que no imaginário coletivo, para agregar valor estético a produções industriais. Não há como mensurar o grau de comprometimento cultural de uma equipe somente por um programa bem feito e com pinceladas de sotaques e estórias variadas.

Parece que é sina das grandes obras populares terem uma versão adaptada à tela pequena. A polêmica, que tanto problematiza o processo de massificação, não resulta das impossibilidades técnicas dos meios em transcrevê-las em áudio e vídeo, mas sim do choque entre interesses dos que produzem a mídia e dos que acredita na preservação da cultura do povo. Basicamente buscam enfoques diferentes, um por produzir o que se enquadra nos quatro cantos do televisor (compreendido ou passível de compreensão pelos espectadores), outro por buscar manter a simbologia de uma arte a ser preservada, principalmente quanto às peculiaridades que as distingue do convencional e que podem, por sua linguagem, constituir barreiras ao processo empedrado pelos que dominam a área das comunicações.


6 Propaganda e qualidade

Mesmo com todo o investimento em diferencial, por parte da Globo, em Hoje é dia de Maria podem ser evidenciados elementos descaracterizados pela massificação. Muito procede dos próprios produtores, que, mesmo pesquisando a área que procuram reproduzir, são comprometidos, primordialmente com o resultado visual do que produzem. Isto está claro no trecho que segue:


Banda é banda; ciranda é ciranda. Quem toca em banda não toca em ciranda; quem toca em ciranda não toca em banda. [...] O “sacrilégio” estava sendo cometido em Paraty, mas por uma boa causa. É que o diretor Luiz Fernando Carvalho queria uma ciranda com instrumento de sopro para tocar a música de São José quando Maria (Carolina Oliveira) encontrasse Zé Cangaia (Gero Camilo) na minissérie “Hoje é dia de Maria” [...]. Mas ciranda não tem sopro, só banda é que tem. O jeito era juntar as duas.

– Ele pede, eu digo OK. Depois me viro para arranjar as coisas que ele me pediu – diz Íris, bem-humorada (GONZALES, 2005).

Este caso expressa uma forma clara de massificação que não tem conexão com a idéia de tomar emprestado um costume. Sobrepôs-se a vontade do diretor sobre a realidade cultural que supostamente ele aborda. Como se pode atribuir a Hoje é dia de Maria uma idéia de bem cultural que reflete os costumes do povo brasileiro se a própria produção da microssérie se utiliza da expressão “ele pede, eu digo OK” (GONZALES, 2005)? É necessário colocar que a autora da frase foi Íris Gomes, escritora e pesquisadora de cultura popular, mas que, ao mesmo tempo, é comprometida com a indústria cultural. Neste caso, a televisão diz como a cultura do povo deve agir, subestimando suas tradições e preceitos.

O resultado dessa massificação não é o prejuízo estético do produto televisivo, muito menos sua mensagem positiva ou negativa. O que traz é uma visão do povo que verdadeiramente não corresponde a ele mesmo. A câmera acaba por reconstruir uma imagem que nem sempre é verossímil, mas que o espectador desavisado pode acabar por acreditar. Não que ele não saiba distinguir entre ficção e realidade, mas pode não saber diferenciar, por exemplo, a cultura do Norte e do Nordeste do Brasil se mora no sul do país, acreditando nas informações disponibilizadas na programação.

A sociedade eventualmente protesta contra ações que possam lesar-lhe, sejam impostos cobrados pelos órgãos públicos, aumento dos preços dos produtos ou cortes nos seus direitos já instituídos. Com menos intensidade o cidadão preocupa-se com o ambiente que o rodeia, com a veracidade das informações dos jornais, com a qualidade dos programas de televisão e com a publicidade veiculada. Fora casos mais chamativos de desrespeito a uma moral vigente, esses conteúdos da mídia raramente merecem algum movimento específico. Nos meios audiovisuais, acabam diluídos no embaralhar das imagens do processo constante de troca de canal, conhecido como efeito zap.

Porém, todo o conteúdo visualizado pelo espectador, no caso da TV, acaba sendo interpretado de alguma forma. Mesmo não sendo algo com uma percepção consciente, o visualizador passa a coletar impressões do ambiente midiático que o rodeia, constituindo opiniões e produzindo dados que passam a ser por ele distribuídos a outras pessoas. As propagandas, vinhetas, cores, movimentos, ações e elenco são captados e traduzidos, algumas informações com mais sensibilidade e outras com menos.

Na busca de atingir o público, a publicidade se destaca. Muitas vezes com maneiras violentas, outras de forma sutil, ela está hoje praticamente em todos os lugares. Criar desejos de consumo ou de incentivar hábitos são atribuições a ela instituídas. Sobre a publicidade, Toscani (2005, p.22) comenta:


Armada desse colossal financiamento, a publicidade cobre atualmente cada esquina de rua, as praças históricas, os jardins públicos, os pontos de ônibus, o metrô, os aeroportos, as estações de trem, os jornais, os cafés, as farmácias, as tabacarias, os isqueiros, os cartões magnéticos de telefone. Interrompe os filmes na televisão, invade o rádio, as revistas, as praias, os esportes, as roupas, acha-se impressa até nas solas dos nossos sapatos.

A cada dia os profissionais da área da propaganda constituem novos meios de chegar a seu público alvo. Para Toscani (2005, p.27), “a publicidade não vende produtos nem idéias, mas um modelo falsificado e hipnótico da felicidade”. O próprio excesso de imagens e chamadas acaba por desviar o foco do visualizador, que se distrai com o exagero de cores e símbolos que o desnorteia. É possível passar pelas ruas na atualidade e vislumbrar os mais distintos modos e jeitos de indiretamente dizer olha para mim!. Toscani (2005, p.34) complementa que “os truques grosseiros da publicidade saltam à vista desde que se preste atenção nos slogans”, os quais considera bobos, repetitivos, pobres e imbecilizantes, por serem “[...] sempre as mesmas receitas para os mesmos pratos. Assim, uma propaganda precisa elogiar a qualidade do produto que ela promove. É sua obsessão ‘colar’ com o produto”.

Hoje é dia de Maria pode assim ser vista como publicidade, não pelo seu caráter fantástico (parte do mundo fictício da dramaturgia), mas por construir uma idéia de programação televisiva qualificada, que na realidade somente se resume a seus escassos capítulos, com menos de uma hora cada, e que não servem de comparativo com as demais produções globais. O objetivo é imprimir, em uma grade que tem anualmente mais de cinco mil e 500 horas de conteúdo para TV, um atestado de qualidade utilizando-se como referência um trabalho veiculado em menos de oito horas.

Com base nisto, a sutileza junto aos veículos de comunicação passou a ser uma poderosa ferramenta para canalizar informações à sociedade. A Globo, como grande potência da mídia brasileira, não está alheia a isso. A estruturação de sua programação, horários e temas não é fruto do acaso ou do bel gosto de diretores. Constituir bons programas, que transmitam uma sensação de refúgio ao ambiente conturbado, como o que se tornou a própria televisão, é uma forma de se relacionar com os desejos dos espectadores sem necessitar estampar a logomarca da emissora por outdoors nas ruas das cidades.

Um desses produtos é Hoje é dia de Maria. Sendo negada a produção por quase dez anos, por seu custo, é aceita em um momento que a emissora produzia uma campanha que enfatizava suas quatro décadas de história. Em meio a reality shows, comédias grotescas, novelas popularescas e um aparato de filmes internacionais que marcaram seus últimos anos, a aniversariante planejou um quadro diferenciado para o ano de 2005. Veio com uma programação nova, apontando a preocupação com o espectador, anunciando publicamente um conjunto de atrações que evidenciam a qualidade técnica ligada à temática da Globo 40.

Para além da TV, a mídia em geral disseminou a idéia de busca pela qualidade, seu trabalho em compor um produto repleto de sensibilidade e imaginação. Tornaram público o esforço e o grande investimento feito para tornar Hoje é dia de Maria uma realidade. Exemplo pode ser percebido nesta matéria, posterior à veiculação da microssérie:


Para comemorar os 40 anos da Rede Globo, a emissora exibirá, entre 23 e 30 de abril, uma programação especial. Todos os telejornais e atrações do horário nobre farão uma menção à data e nenhum programa será comercializado. “Um presente não pode ser vendido”, disse o diretor-geral da emissora, Octavio Florisbal. A celebração alusiva à data começou com as séries “Hoje é dia de Maria” e “Mad Maria” (foto), produções que mostraram o melhor da Globo em termos tecnológicos e artísticos (PROGRAMAÇÃO..., 2005). [20]

Neste conjunto está presente a idéia de qualidade, também sendo colocada claramente a oposição entre o institucional e o comercial, ao citar a idéia de presente. Tal presente é um produto refinado, sem grandes pretensões de comercialização direta, que funciona como modelo para agregar valor à grade de programação da emissora. Os oito capítulos da microssérie podem sim se constituir em um qualificado elemento do portfolio da Globo.

Como publicidade institucional, cada vez mais as empresas desenvolvem projetos sociais, pelo respaldo que obterão da sociedade, como políticos que publicamente doam sangue, para conquistarem o eleitorado, ou banqueiros que distribuem comida e objetos às famílias carentes, para registro midiático. Ainda que o resultado seja nobre, a motivação não corresponde a um anseio da causa, mas pura exibição pública da imagem. É um informe propagandístico, como ocorre com o projeto Criança Esperança, que, embora não simbolize um produto com finalidades diretamente comerciais, integra as estratégias de marketing e consolidação da marca da instituição Globo. Isso não poderia ser diferente, tratando-se de corporações privadas em geral e, em particular, de uma organização oligopolista, que cumpre uma funcionalidade de reforço e disseminação do capitalismo, no plano cultural.


7 Considerações conclusivas

A microssérie global Hoje é dia de Maria constituiu uma inovação estética no panorama televisivo brasileiro. Com uma nova forma de captar a estória, foram trabalhados conjuntos textuais do folguedo nacional e literatura de cordel para constituir uma seqüência que enfatizasse o aspecto mágico do imaginário popular. Pode ser percebido que a busca do mar por Maria nada mais é que a procura dela por ela própria, suas descobertas interiores. “O jogo com as palavras mar e Maria não parecem acidentais e ainda refletem as antíteses que vão permear todo o conto” (BRITTOS; SIMÕES, 2005, p. 68).

Mesmo com aspecto de obra primorosa, repleta de simbologias e qualidade técnica que destaca não só a equipe que a produziu, mas a Rede Globo em si, Hoje é dia de Maria não se desviou de uma produção com cultura diferenciada somada a substâncias massificadas. O fato de trazer um conjunto de fatores que, indiscutivelmente, a destaca como produto com elevado grau de erudição, acaba por construir uma visão de cultura popular irreal, não por sua ficcionalidade, mas por seus deslizes, propositais ou não, na mistura de elementos do folguedo nacional. Tal constatação não afasta o caráter de bom gosto que a demarca.

Mas a busca por qualificação do produto televisivo não pode ficar estanque em séries, minisséries, microsséries e seriados isolados, veiculados em horários com baixo índice de audiência, se comparados com o das três principais telenovelas e do telejornal da Rede Globo. Desta dinâmica transluz uma pantomima que induz a acreditar em um projeto sério de constituição de um novo modelo de televisual. No entanto, tal inovação não apresenta apelo para substituir o modelo hegemônico, permanecendo como regra produtos de fácil assimilação pela audiência, com excessos eróticos, apresentação de conflitos com base em situações mesquinhas e uma linha de programas buscando nivelar seu público por baixo.

Inexistindo um reflexo direto da primeira jornada na segunda, as aventuras da menina correspondem a uma grande oficina na emissora global, uma ilha em meio a conteúdos não assemelhados. Assim, a Globo tem lançado uma produção seguindo este modelo no máximo uma vez por semestre, o que pode ser ainda mais reduzido, no futuro, considerando-se a baixíssima audiência obtida pela microssérie A Pedra do reino, exibida em junho de 2007.


Cultural heritage as an element of mercadological tv production
ABSTRACT
The article discusses the relation between fictional productions for television and Brazilian cultural heritage. In order to do that, the miniseries Hoje é dia de Maria, a product different from the TV channels’ ordinary programs, and broadcasted during the festivities for the 40th anniversary of Globo Network in 2005, was analyzed. In this case, a linkage between Brazilian popular humor, technological innovations and a great load of sensitivity - which led to the destruction of the patterns normally used - was established. A strong symbolism of legendary Brazilian folklore characters was used in order to tell a story with an unreal look, but of great familiarity for the viewers. Through this, the production did not abandon the purpose of the cultural industries. Furthermore, they followed some principles that made this saga a vendible element, by rendering authentic structures of popular manifestations tangible. Additionally, Hoje é dia de Maria had the function of selling Globo Network’s image without generating any qualitative gap vis-à-vis other productions of the group.
KEYWORDS: Mediatical processes. Communication and capitalism. Media and culture.


El patrimonio cultural como elemento de la producción mercadológica televisiva
RESUMEN
El artículo discute la relación entre la producción de ficción en televisión y el patrimonio cultural brasileño. Para ello, se analiza la miniserie Hoje é dia de Maria, un producto diferente de la programación regular de las emisoras de TV, concebido y presentado en ocasión de los festejos de los 40 años de la Red Globo de Televisión en 2005. En este caso, unió referencias al humor popular brasileño e innovaciones tecnológicas con una gran carga de sensibilidad; lo que resultó en la destrucción de los patrones habitualmente trabajados. Se utilizó la fuerte simbología de los personajes legendarios del folclore nacional para contar una historia de ficción con apariencia de irrealidad, pero de gran familiaridad para el telespectador. De esta manera la producción no abandonó los propósitos de las industrias culturales, siguiendo principios que hicieran de esa saga un elemento vendible mediante una tangibiliazación de las estructuras auténticas de las manifestaciones populares. Más allá de eso, Hoje é dia de Maria tuvo la función de vender la imagen de la Red Globo, sin mostrar ningún salto cualitativo en las otras producciones de la emisora.
PALABRAS CLAVE: Procesos mediáticos. Comunicación y capitalismo. Medios y cultura.


Notas

[1]O objetivo principal é, de forma direta ou indireta, a mercantilização do espaço televisivo, a fim de obter lucro, o que fica inviabilizado com o baixo índice de audiência. Não por acaso que esse tipo de programação encontra-se fora do horário nobre, o que minimiza os prejuízos de possíveis quedas de faturamento.

[2]Para desenvolver as cenas foi transportado ao Projac (o Projeto Jacarepaguá, assim chamado devido ao nome do bairro onde está situado, na cidade do Rio de Janeiro, hoje é denominado de Central Globo de Produção) um domo gigante, que, segundo o site Globo.com (2006), “na realidade a bolha do palco principal do Rock in Rio”, o que criou um estúdio sem cantos, com 360 graus, dando novas possibilidades de imagens e iluminação ao diretor Luiz Fernando Carvalho. (HOJE é dia..., 2006)

[3]Os cidadãos da alta classe, com suas vestimentas imponentes, delimitavam-se a produções de extrema erudição, como peças de autores renomados e óperas. A classe média permitia-se fruir da expressão cênica em eventos coletivos ao ar livre, em associações comunitárias e em festas paroquiais. Os menos favorecidos tinham acesso a produtos que contavam sua própria realidade, em forma de lendas e contos, ou podiam consumir espetáculos apelativos de bordéis e bares. Exemplos se multiplicam dentro de cada realidade regional e temporal.

[4] Documento eletrônico.

[5] Conto do escritor inglês Lewis Carroll (1832 – 1898). Publicado em 1865, apresenta as aventuras da menina Alice, que, ao imergir em um mundo de sonhos, com criaturas fantásticas, busca pista, no decorrer de sua trajetória, para conseguir novamente encontrar o caminho de casa (CARROLL, 1990).

[6] Foi escrito pelo norte-americano Loyman Frank Baum (1856 – 1919). Versa sobre Dorothy, menina órfã do Kansas, Estados Unidos (EUA), que é levada por um ciclone e acaba caindo no mundo de Óz. Passa a buscar uma forma de retornar para casa dos seus tios. Tem como acompanhante o cachorro Totó. (BAUM, 1969).

[7] Obra do francês Antoine-Jean-Baptiste-Marie-Roger de Saint-Exupéry (1900 – 1944), escrita em 1943. Trata das aventuras de um menino que conta suas viagens a um aviador no meio do deserto do Saara. (SAINT EXUPÉRY, 1966).

[8] Morte e vida Severina foi escrito por João Cabral de Melo Neto. Publicada em 1965, é um auto de Natal. Retrata o ambiente dos retirantes nordestinos na busca por uma realidade diferente da seca e da miséria. (MELO NETO, 1969).

[9] O Auto da compadecida foi uma microssérie da Rede Globo exibida entre 5 e 8 de janeiro de 1999, no horário das 22h30. Tendo quatro capítulos, o texto foi de Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão, sendo uma recriação da peça de Ariano Suassuna, O Auto da compadecida. A direção ficou ao encargo de Guel Arraes, cujo núcleo foi o responsável, sendo a direção de produção de Eduardo Figueira.

[10]Filme em DVD.

[11] “O Movimento Armorial teve e tem como objetivo principal a criação de uma arte brasileira erudita baseada na raiz popular da nossa cultura” (SUASSUNA, 2002, p.19).

[12] Documento eletrônico.

[13] Não se trata, de modo algum, de querer atribuir plágio a qualquer dos elementos de ambas as produções, mas de mostrar como o bem simbólico tende a apropriar-se do patrimônio cultural comum da humanidade, nestes casos a mesma matriz cultural do Nordeste brasileiro.

[14] O que é reflexo da interiorização hoje na televisão antes era feito em festividades coletivas pagãs, muitas vezes com a utilização de máscaras ou de peripécias junto a animais. Pode-se verificar isto claramente nas antigas expressões onde a pessoa deixava de ser ela mesma e assumia um personagem, como no carnaval de rua, Terno de Reis e Festa do Boi, entre tantas outras.

[15] Os diálogos apresentados no livro e na televisão seguem mesma estrutura, mas com pequenas variações de palavras. Isso deve ter ocorrido, provavelmente, resultante da mudança ou acréscimo de vocábulos no próprio processo de memorização do texto por parte dos atores.

[16] No roteiro apresentado em livro homônimo à microssérie, escrito por Abreu e Carvalho, não há indicação de carrossel, diferente do visto na versão televisiva. No texto consta somente que ele conduz a menina “[...] a um canto do parque, onde se sentam” (ABREU; CARVALHO, 2005, p.342).

[17] Documento eletrônico.

[18] Documento eletrônico.

[19] Documento eletrônico.

[20] Documento eletrônico.


Referências

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Valério Cruz Brittos
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação /UNISINOS Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas /FACOM/UFBA
E-mail: val.bri@terra.com.br
Curriculo Lattes

Denis Gerson Simões
Acadêmico em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda / UNISINOS Acadêmico em História / UFRGS
E-mail: denis@portal25.com
Curriculo Lattes