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Transcendendo Disjunções Cívicas: organização de jovens transnacionais em um espaço educacional comunitário

Resumo:

As recentes políticas migratórias nacionais - separação de famílias migrantes na fronteira entre Estados Unidos e México, aumento no número de prisões e remoções pelo Serviço de Imigração e Controle Alfandegário dos Estados Unidos, e o banimento de viagem de muçulmanxs - levantam questões de discriminação com base em raça, etnia e religião. Este artigo examina como, durante épocas de tensão e conflito racial, imigrantxs latinxs e refugiados muçulmanos que são membros de uma organização de imigrantes jovens desafiam narrativas baseadas em déficit por meio de uma ação coletiva em um espaço educacional comunitário. Defendo que um espaço educacional comunitário (EEC) em uma grande cidade do meio-oeste dos Estados Unidos proporciona um espaço único para que a juventude imigrante transnacional construa coalizões pan-étnicas transformadoras de maneiras que abordem a disjunção cívica - o conflito entre as realidades cotidianas dos jovens e os ideais cívicos democráticos adotados por currículos e funcionários de escola - e as mensagens concorrentes de escolas, comunidades e conflitos nacionais e globais dos estudantes.

Palavras-chave:
Juventude Imigrante; Organização de Jovens; Educação para Cidadania; Transnacionalismo; Disjunção Cívica

Abstract:

Recent national migration policies - separations of migrant families at the U.S.-Mexico border, increased arrests and removals by United States Immigration and Customs Enforcement, and the Muslim travel ban - raise questions of discrimination based on race, ethnicity, and religion. This article examines how, during times of racial tension and conflict, Latinx immigrant and Muslim refugee members of an immigrant youth organization have challenged deficit-based narratives through collective action in a community-based educational space. I argue that a community-based educational space (CBES) in a large Midwestern city offers a unique space for transnational immigrant youth to build transformative panethnic coalitions in ways that attend to civic disjuncture - the conflict between youths’ daily realities and the democratic civic ideals espoused by school curricula and staff - and competing messages from students’ schools, communities, and national and global conflicts.

Keywords:
Immigrant Youth; Youth Organizing; Citizenship Education; Transnationalism; Civic Disjuncture

Introdução

A partir da eleição presidencial de 2016 nos Estados Unidos, a imigração tornou-se um tema ainda mais politizado e divisionista. A separação de famílias migrantes na fronteira entre Estados Unidos e México, o aumento no número de e remoções pelo Serviço de Imigração e Controle Alfandegário dos Estados Unidos, e o banimento de viagem de muçulmanxs1 1 N. T.: A letra “x” foi usada para designar sujeitos de todos os gêneros, seguindo o original. levantam questões de discriminação com base em raça, etnia e religião. Estas políticas migratórias e a retórica anti-imigração levaram jovens imigrantes e refugiadxs a se organizarem para enfrentar narrativas baseadas no déficit. Com base em estudos no campo da antropologia da educação que destacam as nuances de práticas transnacionais de ser, pertencer, e a formação da consciência crítica que ocorrem com frequência em espaços de ação coletiva, esta etnografia com dez meses de duração explora um esforço de organização entre jovens (Abu El-Haj, 2015ABU EL-HAJ, Thea Renda. Unsettled Belonging: educating palestinian american youth after 9/11. Chicago: University of Chicago Press, 2015.; Dyrness, 2016DYRNESS, Andrea. The Making of a Feminist: spaces of self-formation among Latina immigrant activists in Madrid. Diaspora, Indigenous, and Minority Education, v. 10, n. 4, p. 201-214, 2016. ; Dyrness; Abu El-Haj, 2019; Maira, 2009MAIRA, Sunaina Marr. Missing: youth, citizenship, and empire after 9/11. Durham: Duke University Press , 2009.; Ríos-Rojas, 2011RÍOS-ROJAS, Anne. Beyond Delinquent Citizenships: immigrant youth’s (re) visions of citizenship and belonging in a globalized world. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 81, n. 1, p. 64-95, 2011. ). Investigo como os jovens imigrantes latinxs e refugiadxs muçulmanxs2 2 Como todos os rótulos, latinx e muçulmanxs são categorias homogeneizadoras. Neste artigo, estes termos estão sendo usados para fins analíticos e não como um modo de reificar o apagamento das diferentes etnias, nacionalidades e histórias racializadas daqueles considerados sob estes termos. que são membros de uma organização de jovens imigrantes em uma grande cidade do meio-oeste dos Estados Unidos se engajam em práticas de cidadania crítica, as quais “[…] problematizam e (re)constroem a cidadania democrática para abordar realidades cívicas de exclusão e discriminação” (DeJaeghere, 2009DEJAEGHERE, Joan G. Critical Citizenship Education for Multicultural Societies. Inter-American Journal of Education for Democracy, v. 2, n. 2, p. 222-236, 2009. , p. 226). Defendo que os espaços educacionais comunitários (Baldridge, 2019BALDRIDGE, Bianca J. Reclaiming Community: race and the uncertain future of youth work. Stanford: Stanford University Press, 2019.; Baldridge et al., 2017) proporcionam um espaço singular para que jovens imigrantes e refugiadxs urbanxs comecem a construir coalizões pan-étnicas de maneiras que respondam à disjunção cívica, a qual, com base no trabalho de Beth Rubin (2007RUBIN, Beth C. There’s Still Not Justice: youth civic identity development amid distinct school and community contexts. Teachers College Record, v. 109, n. 2, p. 449-481, 2007. ), eu defino como o conflito entre realidades diárias dos jovens e os ideais cívicos democráticos dos Estados Unidos frequentemente adotados por currículos e funcionários escolares. Exploro como membros dos Todos Juntos (TJ)3 3 Foram usados pseudônimos para o grupo de jovens e para as pessoas. - braço jovem de uma organização popular - reconheciam, negociavam e intervinham em disjunções cívicas. Especificamente, destaco como os jovens reconheciam que, ao se concentrar apenas nas lutas de estudantes imigrantes latinxs, o TJ perpetuava a disjunção cívica de outrxs estudantes marginalizadxs e minoritárixs e respondiam ao tornar o TJ mais inclusivo.

As Realidades da Educação Cívica

Os estudantes, particularmente jovens urbanos de cor, que frequentam escolas com carência de recursos que passam por restrições curriculares têm oportunidades limitadas para desenvolver seus conhecimentos, habilidades e comportamentos cívicos. Meira Levison (2012) denominou isto de lacuna de empoderamento cívico, em que baixos escores em exames de conhecimento e eficácia cívica são acompanhados por disparidades em escores de leitura e de matemática entre jovens brancos e jovens de cor. Além disso, as vivências cotidianas de estudantes imigrantes de cor de baixa renda e suas realidades transnacionais - inclusive relações complexas entre seu status de cidadania e sentido de pertencimento nacional - estão em conflito com suas realidades cotidianas. Esta disjunção cívica e a lacuna de empoderamento cívico são preocupantes quando estudos vinculam o engajamento cívico e político dos jovens com sua participação política como adultos (McIntosh; Youniss, 2010MCINTOSH, Hugh; YOUNISS, James. Toward a Political Theory of Political Socialization of Youth. In: SHERROD, Lonnie R.; TORNEY-PURTA, Judith; FLANAGAN, Constance. Handbook of Research on Civic Engagement in Youth. New Jersey: John Wiley & Sons, 2010. P. 23-41.). Quinn e Nguyen (2017QUINN, Rand; NGUYEN, Chi. Immigrant Youth Organizing as Civic Preparation, American Educational Research Journal, v. 54, n. 5, p. 972-1005, 2017. ) defendem que existe “[…] necessidade de espaços alternativos para preparação cívica”, pois as escolas são limitadas em sua capacidade de desenvolver habilidades cívicas da juventude, particularmente jovens imigrantes de cor (p. 973). Ademais, os espaços para ação coletiva fora da escola possibilitam autoformação (autoformación), que Andrea Dyrness (2016DYRNESS, Andrea; HURTIG, Janise. Migrant Third Space Pedagogies: educative practices of becoming and belonging. Diaspora, Indigenous, and Minority Education , v. 10, n. 4, p. 185-188, 2016. ) descreve como “[…] um processo coletivo de autorrecuperarão e conscientização” (p. 202) que atende as necessidades dos jovens em comparação com a educação cívica formal, que muitas vezes prioriza as necessidades do Estado-nação. Assim, é fundamental compreender como as vivências de disjunção cívica vivenciadas por jovens transnacionais estão informando seus processos de autoformação e cidadania crítica em espaços educacionais comunitários, com a finalidade de resolver a disjunção cívica e a lacuna de empoderamento cívico à luz das crescentes tensões raciais e anti-imigração na atualidade. Este estudo demonstra que a juventude transnacional pode desempenhar um papel chave na sua educação cívica ao se organizar em um Espaço Educacional Comunitário (EEC), o que resultou em vivências e defesa de direitos educacionais dinâmicos.

Organização de Jovens em Espaços Educacionais Comunitários

A juventude organizada em espaços educacionais comunitários como sítios singulares que “[…] complementam e suplementam o aprendizado e o crescimento do estudante” que ocorrem nas escolas (Baldridge et al., 2017BALDRIDGE, Bianca J.; BECK, Nathan; MEDINA, Juan Carlos; REEVES, Mario A. Toward a New Understanding of Community-Based Education: the role of community-based educational spaces in disrupting inequality for minoritized youth. Review of Research in Education, v. 41, n. 1, p. 381-402, 2017. , p. 384) tem recebido muita atenção. Os grupos de organização de jovens “[…] propiciam espaços estruturados e estratégicos e vivências pelas quais os jovens e seus aliados podem compreender as forças perturbadoras e contraditórias que moldam suas vidas, e permitem que testem novos caminhos de luta e resistência” (HoSang, 2006, p. 16). Estes espaços também oportunizam aos jovens irem além da resiliência e resistência rumo à ação coletiva (Ginwright; Cammarota, 2002GINWRIGHT, Shawn; CAMMAROTA, Julio. New Terrain in Youth Development: the promise of a social justice approach. Social Justice, v. 29, n. 4, p. 82-95, 2002. ). Além disso, muitas vezes os jovens organizados enfrentam narrativas de jovens de cor centradas nos danos (Tuck, 2009TUCK, Eve. Suspending Damage: a letter to communities. Harvard Educational Review , v. 79, n. 3, p. 409-428, 2009. ). Shawn Ginwright (2016) sustenta que as organizações comunitárias e outros atores podem fazer uso de uma estrutura de justiça restaurativa, a qual une justiça social e restabelecimento para melhor apoiar o bem-estar coletivo de jovens que passaram por trauma, estresse e opressão estrutural em multicamadas.

Os grupos de jovens organizados oferecem aos jovens acesso a redes sociais e adultos atenciosos, que muitas vezes são de origem étnica, cultural e linguística semelhante a deles (Ginwright; Cammarota, 2007GINWRIGHT, Shawn; CAMMAROTA, Julio. Youth Activism in the Urban Community: learning critical civic praxis within community organizations. International Journal of Qualitative Studies in Education, v. 20, n. 6, p. 693-710, 2007. doi:10.1080/09518390701630833
https://doi.org/10.1080/0951839070163083...
; Wong, 2010WONG, Nga-Wing Anjela. ‘Cuz They Care About the People Who Goes There’: the multiple roles of a community-based youth center in providing ‘youth (comm)unity’ for low-income Chinese American youth. Urban Education, v. 45, n. 5, p. 708-739, 2010. ). Por intermédio de um rol de processos formais e informais de “[…] reflexão, transferência, ação e renovação”, os espaços educacionais comunitários permitem que os jovens imigrantes negociem suas identidades limítrofes e desenvolvam identidades culturais e raciais positivas (Dyrness; Hurtig, 2016DYRNESS, Andrea; HURTIG, Janise. Migrant Third Space Pedagogies: educative practices of becoming and belonging. Diaspora, Indigenous, and Minority Education , v. 10, n. 4, p. 185-188, 2016. ; Ventura, 2017VENTURA, Julissa. ‘We Created that Space with Everybody’: constructing a community-based space of belonging and familia in a Latina/o youth group. Association of Mexican American Educators Journal, v. 11, n. 1, p. 23-37, 2017. ; Wong, 2010). O ambiente informal pode permitir aos jovens relações adulto-jovem com mais sentido. Com frequência constituindo “[…] a primeira relação de ‘escolha’ de um jovem com um adulto”, as relações dos jovens com trabalhadores jovens podem ser poderosas (de St Croix, 2018DE ST CROIX, Tania. Youth Work, Performativity and the New Youth Impact Agenda: getting paid for numbers? Journal of Education Policy, v. 33, n. 3, p. 414-438, 2018. , p. 12). Além disso, muitos grupos de organização de jovens “[…] reorganizam relações hierárquicas adulto-juventude”, permitindo a colaboração intergeracional (Kirshner, 2006, p. 39). Os grupos de organização de jovens também têm o potencial de ser mais inclusivos de estudantes com uma larga variedade de desempenhos acadêmicos, embora muitas vezes isto dependa da estrutura de financiamento da organização.

Estudos considerando o desenvolvimento cívico de jovens muçulmanxs e muçulmano-americanxs após [os ataques ocorridos em] 11 de setembro de 2001 (Abu EL-Haj, 2009ABU EL-HAJ, Thea Renda. Becoming Citizens in an Era of Globalization and Transnational Migration: re-imagining citizenship as critical practice. Theory into Practice, v. 48, n. 4, p. 274-282, 2009. ; Ali, 2016ALI, Arshad. Citizens under Suspicion: responsive research with community under surveillance. Anthropology & Education Quarterly, v. 47, n. 1, p. 78-95, 2016. ; Sirin; Fine, 2007SIRIN, Selcuk R.; FINE, Michelle. Hyphenated Selves: Muslim American youth negotiating identities on the fault lines of global conflict. Applied Development Science, v. 11, n. 3, p. 151-163, 2007. ) e jovens imigrantes latinxs (Gonzales, 2008GONZALES, Roberto G. Left out but Not Shut Down: political activism and the undocumented student movement. Northwestern Journal of Law and Social Policy, v. 3, p. 219-239, 2008. ; Stepick; Stepick; Labissiere, 2008STEPICK, Alex; STEPICK, Carol Dutton; LABISSIERE, Yves. South Florida’s Immigrant Youth and Civic Engagement: major engagement: minor differences. Applied Development Science , v. 12, n. 2, p. 57-65, 2008. ; Unzueta Carrasco; Seif, 2014UNZUETA CARRASCO, Tania A.; SEIF, Hinda. Disrupting the Dream: undocumented youth reframe citizenship and deportability through anti-deportation activism. Latino Studies, v. 12, n. 2, p. 279-299, 2014. ) reconhecem a importância do contexto na formatação de dispositivos e formas de engajamento cívico de jovens, descobrindo que as percepções de discriminação e de uma maior consciência de alteridade engendram o engajamento cívico de jovens imigrantes. Embora os estudos sobre a organização da juventude em espaços extraescolar tenham se concentrado majoritariamente em jovens com menor nível de escolaridade, como a juventude asiática (Kwon, 2013KWON, Soo Ah. Uncivil Youth: race, activism, and affirmative governmentality. Durham: Duke University Press, 2013.; Quinn; Nguyen, 2017QUINN, Rand; NGUYEN, Chi. Immigrant Youth Organizing as Civic Preparation, American Educational Research Journal, v. 54, n. 5, p. 972-1005, 2017. ; Wong, 2010WONG, Nga-Wing Anjela. ‘Cuz They Care About the People Who Goes There’: the multiple roles of a community-based youth center in providing ‘youth (comm)unity’ for low-income Chinese American youth. Urban Education, v. 45, n. 5, p. 708-739, 2010. ), e em regiões em que os jovens imigrantes não superam aqueles nascidos nos Estados Unidos (Unzueta Carrasco; Seif, 2014; Ventura, 2017VENTURA, Julissa. ‘We Created that Space with Everybody’: constructing a community-based space of belonging and familia in a Latina/o youth group. Association of Mexican American Educators Journal, v. 11, n. 1, p. 23-37, 2017. ), poucos estudos enfocaram a colaboração intergrupos, embora observemos estas campanhas de justiça social ocorrendo entre jovens muçulmano-americanxs, negrxs, latinxs e LGBTQI (Fine, 2018FINE, Michelle. Just Research in Contentious Times: widening the methodological imagination. New York: Teachers College Press, 2018.).

Campos Transnacionais

Os jovens da primeira e segunda gerações, além da geração 1,5 em meu estudo enfrentaram dificuldades internas envolvendo o que Stuart Hall (1989HALL, Stuart. The Meaning of New Times. In: HALL, Stuart; JACQUES, Martin (Ed.). New times: the changing face of politics in the 1990s. London: Lawrence and Wishart, 1989. P. 116-133. ) descreve como a negociação de múltiplos “[...] pontos de vinculação que dão ao indivíduo algum sentido de ‘lugar’ e posição no mundo, seja em relação a determinadas comunidades, localidades, territórios, línguas, religiões ou culturas”. Múltiplas afiliações socioculturais e institucionais entre e além Estados-nação, ou campos sociais transnacionais (Levitt; Glick Schiller, 2004LEVITT, Peggy; GLICK SCHILLER, Nina. Conceptualizing Simultaneity: a transnational social field perspective on society, International Migration Review, v. 38, n. 3, p. 1002-1039, 2004. ) têm sido uma preocupação central de na literatura norte-americana sobre antropologia da educação porque considera-se que comprometem a assimilação e a adaptação dos jovens, bem como ameaçam a coesão social de uma sociedade democrática (Dyrness; Abu El-Haj, 2019DYRNESS, Andrea; ABU EL‐HAJ, Thea Renda. Reflections on the Field: the democratic citizenship formation of transnational youth. Anthropology & Education Quarterly , 2019. ). Ao contrário, Andrea Dyrness e Thea Renda Abu El-Haj (2019) alegam que os campos de jovens transnacionais promovem o desenvolvimento de consciência crítica, conhecimento de ação coletiva e compromisso com direitos democráticos, embora observem que a consideração de como os jovens se envolvem neste processo está em geral ausente das discussões transnacionais. Este estudo irá investigar como jovens imigrantes e refugiadxs se baseiam em suas vivências transnacionais tanto distintas como sobrepostas ao desenvolver práticas de educação para a cidadania crítica.

Métodos

O estudo foi realizado durante dez meses, entre setembro de 2017 e dezembro de 2018. Os métodos primários de coleta de dados foram a observação participante, totalizando aproximadamente 180 horas, e entrevistas semiestruturadas. A observação participante ocorreu em reuniões semanais com lideranças, no programa intensivo de verão, em diversos eventos de arrecadação de fundos, em um retiro de organização de jovens na metade do ano, na reunião anual do grupo de organização de jovens com a organização de pais, no baile de gala anual, e em quatro protestos e marchas a prédios governamentais e a residências e escritórios de autoridades. Os encontros semanais com a liderança jovem no escritório da organização comunitária tiveram uma duração aproximada de duas horas. O programa intensivo de verão de oito semanas se reuniu em uma universidade local durante cinco horas uma vez por semana entre junho e agosto de 2018, tendo se seguido um retiro de três dias. As entrevistas, cada uma durando aproximadamente uma hora, foram conduzidas entre novembro de 2017 e dezembro de 2018.

Local da Pesquisa

Todos Juntos (TJ), o braço jovem de uma organização popular que defende os direitos dos imigrantes, funciona em duas cidades diferentes. Os grupos se reúnem para organizar eventos maiores, retiros durante o ano letivo e participam juntos de um programa de verão. Observei as reuniões de liderança de um dos grupos de organização de jovens sediado em uma grande cidade do meio-oeste com segregação racial e econômica. As reuniões de liderança do TJ ocorriam semanalmente no escritório principal de sua organização de pais. Os estudantes, que frequentavam seis diferentes escolas de Ensino Médio no distrito, também se reuniam em uma sala de aula, após o término do dia letivo, uma vez por semana para planejar, organizar e divulgar informações. No início deste estudo, quase todos os estudantes representantes de escolas com sessões do TJ que assistiam às reuniões eram jovens latinxs. Ao longo do ano letivo, estudantes refugiadxs muçulmanxs começaram a comparecer às reuniões de liderança.

Participantes

A maior parte dos estudantes membros da organização de juventude era formada por jovens imigrantes ou refugiadxs de cor. Os estudantes imigrantes latinxs do Ensino Médio eram ou imigrantes de segunda geração ou imigrantes indocumentadxs da geração 1,5 - crianças que chegaram aos Estados Unidos antes dos doze anos de idade (Rumbaut, 2004RUMBAUT, Rubén G. Ages, Life Stages, and Generational Cohorts: decomposing the immigrant first and second generations in the united states. International Migration Review , v. 38, n. 3, p. 1160-1205, 2004. ). Quase todos os jovens latinxs, tanto imigrantes como filhxs de imigrantes, eram do México ou tinham laços com aquele país. Os jovens muçulmanxs refugiadxs vinham de diferentes países, incluindo Iraque, Somália, Quênia, Etiópia e Mianmar (Burma). Perto do fim da sessão de verão, anunciei que esperava entrevistar estudantes sobre suas vivências com Todos Juntos para permitir a participação aberta em entrevistas; entretanto, como as vivências de jovens que frequentavam regularmente os encontros de liderança no local que observei por um período de dez meses seriam mais informativas para a finalidade deste estudo, acompanhei diversos destes estudantes ao perguntar se teriam interesse em ser entrevistados. Esta amostra intencional permitiu uma melhor compreensão das vivências dos jovens e do papel da organização em suas vidas.

Entrevistas Semiestruturadas

Conduzi oito entrevistas semiestruturadas, uma por participante, incluindo o organizador dos jovens, seis membros da organização de jovens e um membro jovem que era organizador temporário para o programa de verão. A origem dos jovens que entrevistei variavam consideravelmente, mas eram representativos dos antecedentes mais amplos dos participantes. As origens variavam em gênero, raça, língua, país de origem, escola de Ensino Médio frequentada, vivências escolares e status legal, embora todos fossem estudantes entre 16 e 19 anos de idade. Os entrevistados incluíam imigrantes mexicanxs de segunda geração, migrantes indocumentadxs da geração 1,5 originárixs do México que chegaram antes dos seis anos de idade, e jovens muçulmanxs refugiadxs da África subsaariana e do sudeste asiático que tinham sido reassentados nos Estados Unidos entre 2012 e 2015. Esta amostra permitiu comparações entre as diferentes vivências dos estudantes.

As entrevistas semiestruturadas permitem maior flexibilidade, o que é útil pois os entrevistados podem fazer declarações que necessitem de perguntas de seguimento. Embora os jovens soubessem que eu era uma estudante de pós-graduação conduzindo a pesquisa, não revelei detalhes demais a respeito do estudo em um esforço para evitar influenciar as respostas. Para assegurar a representação precisa das vivências vividas pelos entrevistados no estudo, usei táticas e técnicas de entrevista recomendadas por Andrew Shenton (2004SHENTON, Andrew K. Strategies for ensuring trustworthiness in qualitative research projects, Education for Information, v. 22, n. 2, p. 63-75, 2004. ) e Joseph Maxwell (2012MAXWELL, Joseph A. Qualitative research design: an interactive approach. 3. Ed. Thousand Oaks: Sage publications, 2012.). No início de cada entrevista, eu explicava que não havia nenhuma resposta correta, que esta pesquisa estava sendo conduzida de maneira independente da organização e que seriam usados pseudônimos para proteger a confidencialidade. Durante a entrevista, utilizei o processo de questionamento iterativo no qual eu retornava a tópicos anteriores “[…] levantados por um informante [para] extrair dados relacionados por meio de perguntas reformuladas” (Shenton, 2004, p. 67). O questionamento iterativo oportuniza ao pesquisador abordar qualquer contradição que possa surgir ou tópicos que exijam elaboração adicional.

As entrevistas em profundidade duraram aproximadamente uma hora. Os tópicos da entrevista se concentraram em torno do histórico migratório dos estudantes, suas vivências educacionais, sua história junto à organização e as motivações para se juntarem à organização de jovens e manter seu engajamento como liderança. As entrevistas foram gravadas em áudio com o consentimento de cada participante e o consentimento por escrito do responsável se o jovem fosse menor de 18 anos.

Observação Participante

Como eu estava observando jovens, a observação participante neste cenário de pesquisa era uma ferramenta útil para “[…] gerar resultados significativos e interpretáveis, mais insight para o investigador, e é muito menos intrusiva para a população sob estudo” (DeWalt; DeWalt, 2011DEWALT, Kathleen M.; DEWALT, Billie R. Participant Observation: a guide for fieldworkers. 2. ed. Lanham, MD: Altamira Press, 2011.). A observação participante também ajudou no desenvolvimento de perguntas com sentido. Além dos encontros que ocorreram, compareci a outros eventos, como arrecadação de fundos, uma vez uma semana em média. Muitas vezes, os jovens e eu conversávamos informalmente antes e depois dos encontros e me envolvi em determinadas atividades do grupo como aquecimento. Durante estas observações, prestei especial atenção a discussões dos jovens a respeito da cidadania no sentido tradicional, assim como noções de cidadania crítica e democrática, discussões de suas aspirações, relacionamentos com outros indivíduos e instituições como a escola, e seus pensamentos sobre a organização. Além disso, minhas anotações como observadora participante nos encontros e eventos semanais eram detalhadas e descritivas (Maxwell, 2012MAXWELL, Joseph A. Qualitative research design: an interactive approach. 3. Ed. Thousand Oaks: Sage publications, 2012.). Triangular os dados destes dois métodos diferentes no estudo - entrevistas semiestruturadas e observação participante - “[…] compensa suas limitações individuais e explora seus respectivos benefícios”, oferecendo um quadro mais completo de Todos Juntos e de seus membros (Shenton, 2004SHENTON, Andrew K. Strategies for ensuring trustworthiness in qualitative research projects, Education for Information, v. 22, n. 2, p. 63-75, 2004. , p. 65).

Limitação

Uma limitação deste estudo foi minha incapacidade para observar as reuniões semanais da sessão da escola e as vivências e diálogos que podem acontecer em casa referentes às práticas de cidadania crítica. Esta limitação pode ser resolvida por estudos futuros que incluam observações na escola, em casa e na comunidade.

Análise dos Dados

No trabalho etnográfico, a análise de dados é continuada. Discussões com participantes, redação analítica de anotações após a observação participante e as entrevistas, transcrição das gravações em áudio, revisitar com frequência o crescente corpus de dados e a codificação linha a linha das transcrições fizeram parte do processo de análise dos dados. Após a coleta de dados, minha análise dos dados envolveu um processo de codificação em três etapas. Como eu tinha codificado as entrevistas usando o software qualitativo NVivo, referenciei meus próprios dados reflexivos - anotações analíticas baseadas em anotações de campo a partir da observação participante - e a transcrições das entrevistas. Durante o primeiro ciclo, a codificação aberta envolveu uma combinação de codificações descritivas para identificar tópicos básicos nas entrevistas e codificação in vivo para resumir sentidos dos conceitos extraídos diretamente dos participantes (Saldaña, 2016SALDAÑA, Johnny. The Coding Manual for Qualitative Researchers. 3. ed. Thousand Oaks: Sage publications , 2016.). Nesta rodada de codificação aberta foram gerados cinquenta códigos. A seguir, identifiquei padrões e agrupei em categorias palavras, ideias e códigos êmicos usados por informantes. Durante o segundo ciclo, apliquei esquemas de codificação derivados da literatura sobre identidade e engajamento cívico, juventude e organização da comunidade e vivências de jovens transnacionais e minoritárixs. Os exemplos incluem códigos como isolamento social, solidariedade e colaboração interétnica. No terceiro ciclo, combinei de maneira mais coesa códigos êmicos e éticos e busquei conexões entre códigos para criar famílias de códigos interconectados.

Achados

Encontrando seu Caminho entre Disjunções Cívicas

Os jovens entrevistados neste estudo referiram várias disjunções cívicas - quando os ideais de inclusão cívica não correspondem às realidades vividas pelos estudantes - como centrais para seu interesse em se tornar membros ativos do TJ. Todos Juntos não é um programa de acesso à faculdade, mas para estudantes indocumentadas como Emma e Norma, tornou-se um local chave para conversar com sua organizadora de jovens, Gabi, não apenas sobre como encontrar seu caminho entre distintas fontes de financiamento para transformar a faculdade em realidade, mas também para combinar múltiplas facetas centrais ao senso de pertencimento delas - seu alto desempenho escolar com sua paixão por defender direitos orientada por um senso de exclusão. Para Gabi, Emma e Norma, assim como os jovens imigrantes latinxs indocumentadxs no estudo de Andrea Flores (2016FLORES, Andrea. Forms of Exclusion: undocumented students navigating financial aid and inclusion in the United States. American Ethnologist, v. 43, n. 3, p. 540-554, 2016. ), o acesso ao ensino superior era um marcador de inclusão cívica, mas o acesso dependia de sua excelência acadêmica. Embora o caso de 1982 da Suprema Corte Plyler v. Doe tenha garantido aos jovens indocumentadxs o direito à Educação Básica pública, não foi tomada nenhuma medida em relação ao ensino superior. Os menores de idade indocumentadxs com aspirações de estudar na faculdade em um estado onde os residentes não-legais são excluídos de políticas de matrícula em universidades públicas com valores diferenciados para moradores estavam em um beco sem saída. Durante nossa entrevista, que ocorreu vários anos após sua graduação em uma universidade católica privada, Gabi, a organizadora de jovens, explicou seu processo de pensamento quando estava se inscrevendo para a faculdades no estado onde vivia:

Não posso nem mesmo me inscrever para uma escola pública porque não existe matrícula com valores diferenciados para moradores e vão me cobrar o triplo [como estudante de fora do estado], e as escolas públicas não lhe dão nem mesmo muito dinheiro. Foi frustrante, decepcionante e desanimador. Eu tinha tudo; atendia a todas as qualificações para bolsas de estudo generosas, exceto o status. Por que meus colegas que são cidadãos dos Estados Unidos têm mais valor do que eu? (Entrevista, 2 de novembro de 2017).

Assim como Gabi, tanto Emma como Norma, estudantes de faculdade indocumentadas de primeira geração, estavam passando pelo mesmo estresse ao tentarem juntar as peças de diferentes bolsas de estudo privadas para transformar em realidade o estudo em uma faculdade. Como muitos outrxs jovens de cor transnacionais de alto rendimento no TJ, Emma e Norma faziam parte de diversos programas privados de desenvolvimento de jovens, incluindo o Clube de Moças e Rapazes, que oferece bolsas de estudo e apoio para inscrição em faculdades, mas ambas as estudantes priorizavam sua liderança no TJ. Emma disse:

Quanto mais eu frequentava as reuniões do TJ, mais eu via o que eles faziam, como falavam e tudo que sabiam. Eu pensava, ‘esta meninada é esperta. Quero ser esperta assim. Quero ser corajosa como eles’. Eu gostava da maneira como falavam de si mesmos. Minha maior prioridade era educação. Desde que eu era muito nova, eu sabia que queria ir para a faculdade, que eu queria estudar para aprender tanto quanto pudesse todo conhecimento que eu pudesse captar. Eu sabia que é por este motivo que tínhamos vindo para cá, para aprender tudo que não poderíamos aprender lá. Quando descobri o TJ, não era apenas um grêmio estudantil onde você vai para colocar no seu currículo. Era um grupo que cuidava uns dos outros. Um grupo que era mais do que apenas serviço comunitário ou algo onde apenas precisam de você para terem números em um grupo. Eu sabia que se eu quisesse ir para a faculdade, se eu quisesse ser alguma coisa na vida, eu sabia que o TJ era o caminho a seguir e até mesmo para crescer (Entrevista, 14 de agosto de 2018).

O TJ tornou-se um espaço chave para a autoformação de Emma. No TJ poderia aprender como fazer uso de sua excelência acadêmica para confrontar sua ilegalidade e para garantir seu acesso ao ensino superior (Flores, 2016FLORES, Andrea. Forms of Exclusion: undocumented students navigating financial aid and inclusion in the United States. American Ethnologist, v. 43, n. 3, p. 540-554, 2016. ) e, ao mesmo tempo, fortalecer seu conhecimento e capacidade para organizar ações coletivas contra estruturas atuais de manutenção da inclusão de estudantes indocumentadxs em níveis mínimos (Gonzales, 2011GONZALES, Roberto G. Learning to Be Illegal: undocumented youth and shifting legal contexts in the transition to adulthood. American Sociological Review, v. 76, n. 4, p. 602-619, 2011. ). Embora Emma, Norma e outrxs estudantes latinxs fossem capazes de transcender determinadas disjunções cívicas, como o mito de meritocracia educacional ao negociar com fontes de financiamento privado em uma tentativa de transformar em realidade o acesso à faculdade, este mesmo grupo de jovens reconhecia como esta ênfase perpetuava a exclusão e os disjunções cívicas de outrxs estudantes marginalizados e minoritárixs. Emma me explicou:

É muito segregado. Há muita antinegritude na comunidade latina e muita antilatinidade na comunidade negra. A comunidade de refugiados está bem no meio. Não são latinxs, mas são imigrantes. Alguns são negros, mas não são negros norte-americanos. […] Quando nos tornamos organizadores temporários, eu e Jackson dissemos que precisamos trabalhar nisso de termos mais diversidade, e não apenas porque precisamos ter mais diversidade, mas porque, se estamos trabalhando com problemas de imigrantes, não é apenas a comunidade latina que tem estes problemas (Entrevista, 14 de agosto de 2018).

Havia um desejo de transformar o TJ em um espaço que atendesse mais seus objetivos globais de direitos dos estudantes, imigrantes e trabalhadores. No TJ, os jovens priorizaram a organização de campanhas mais colaborativas e abriram espaço para diferentes perspectivas em resposta ao crescente sentimento anti-imigração e antimuçulmanos. Para documentar como refugiadxs muçulmanxs e imigrantes latinxs se baseavam em suas vivências transnacionais para identificar e enfrentar a disjunção cívica, irei discutir diversas atividades do TJ.

Campanha da Escola Santuário

Em 2017, os estudantes trabalharam na Campanha da Escola Santuário, seguindo o movimento nacional que defendia que as escolas se opusessem a ações do Serviço de Imigração e Controle Alfandegário em terreno escolar e estabelecessem proteção para assegurar um ambiente seguro para todos os estudantes, particularmente aquelxs indocumentadxs e outras populações vulneráveis. Seis membros do TJ falaram em frente à direção do distrito escolar - cinco estudantes indocumentadxs e Hassim, refugiado birmanês. Hassim embasou-se em suas dolorosas vivências como membro do grupo étnico rohingya que requeria asilo na Malásia, onde perdeu seus pais e sofreu bullying severo na escola, o que o levou a trabalhar com pouca idade. Aos catorze anos de idade, frequentava a escola formal pela primeira vez em oito anos. Hassim expressou sua preocupação com o ambiente educacional nos Estados Unidos - seus amigxs que eram indocumentadxs ou membros de famílias com status misto tinham medo de ir à escola. Falar na frente da direção da escola a favor do Ato da Escola Santuário, que foi aprovada de maneira unânime, foi o primeiro ato político público de Hassim nos Estados Unidos. Explicou ele:

Senti que estava fazendo algo certo, falar contra a injustiça. Estava enfrentando a dificuldade. Não estava fugindo de um problema como fiz na Malásia. Dali em diante me envolvi fortemente. No meu ano último ano planejei que precisamos de mais birmaneses. Precisamos de mais representação. Muçulmanos e outras religiões não estavam se reunindo e havia conflito entre eles (Entrevista, 7 de dezembro de 2018).

Fazer parte do TJ era importante para Hassim não apenas porque achava que era importante falar contra a injustiça e apoiar seus amigos, mas também porque ele queria que mais refugiadxs birmaneses participassem para descobrir maneiras de construir pontes na sua comunidade, entre refugiadxs birmaneses da Malásia e da Tailândia, assim como com outros grupos imigrantes.

A Campanha pelo DREAM Act ‘Limpo’

O segundo exemplo de organização de jovens pan-étnicos é a campanha pelo Clean Development, Relief, and Education for Alien Minors (DREAM) Act [Lei de Desenvolvimento, Alívio e Educação para Menores Estrangeiros ‘Limpa’] do TJ. Durante muitos meses, Hassim e outrxs estudantes nas apresentações planejadas para as aulas na Lincoln High School recrutaram outrxs alunxs para participar de uma caminhada da escola e marchar para fazer lobby junto a uma autoridade superior do governo para levar o DREAM Act ‘limpo’ à votação no Congresso. A aprovação de uma lei federal DREAM Act ‘limpa’ estabeleceria que os menores indocumentadxs que respondessem a um conjunto de critérios em um itinerário rumo à cidadania sem serem usados como moeda de troca para outras medidas que prejudicariam as comunidades imigrantes, como mais financiamento para construção de um muro e centros de detenção. Desde que foi primeiro apresentado em 2001, quase todos os anos ativistas do país inteiro têm pressionado o Congresso para aprovar a lei.

Em preparação para a marcha até o escritório do congressista, os estudantes da Lincoln High School criaram duas camisetas da campanha como uma maneira de responder à recente remoção de mecanismos de proteção para os imigrantes e às tensões anti-imigração de maneira mais ampla. Uma camiseta dizia Straight Outta Shithole Country [Recém Saí de um País Revoltante], e a outra Muslim and Proud [Muçulmano com Orgulho]. Diversos estudantes, inclusive Aisha, uma refugiada muçulmana da Etiópia que Hassim tinha recrutado, falaram sobre suas vivências pós-migração e enfrentaram uma retórica anti-imigração mais ampla. Este foi um dos primeiros atos públicos de desobediência civil em que jovens imigrantes latinxs e refugiadxs muçulmanxs se organizaram em conjunto em resposta a suas vivências de disjunção cívica.

Construção Continuada da Coalizão

Muitos meses depois, os estudantes participaram de outra marcha com a organização popular maior protestando contra o acordo 287(g). Este acordo permite que órgãos estaduais e locais de cumprimento da lei desempenhem funções limitadas no cumprimento da legislação imigratória em conjunto com o Serviço de Imigração e Controle Alfandegário, tais como investigar o status de imigração que muitas vezes leva a discriminação, preconceito racial e separação das famílias. Durante uma reunião de lideranças após a marcha, Gabi começou por comentar como foi impressionante a maneira como recrutaram tantos estudantes, dado que estavam a poucas semanas do fim do ano letivo. Em reuniões anteriores, os líderes jovens tinham relatado que seus colegas estavam preocupados com a frequência à escola e, portanto, receosos de faltar às aulas pela marcha. Mesmo assim, o TJ lotou quinze ônibus, totalizando quase 1.000 estudantes. Os estudantes que estiveram no encontro compartilharam suas impressões. Kamaria, refugiada da Etiópia, explicou que “[…] havia diversidade, havia estudantes refugiadxos lá” (Anotação de campo, 7 de maio de 2018).

Os estudantes continuavam a sentir orgulho do fato de que mais jovens refugiadxs muçulmanxs tinham se juntado ao TJ e se inscrito no programa do verão, o que, conforme Jackson, um dos organizadores de jovens, compartilhou em uma reunião de lideranças, “[…] é uma das principais maneiras de construirmos nossos líderes” para o ano letivo seguinte e desenvolver planos de campanha (Anotação de campo, 19 de abril de 2018). Entre os mais de trinta jovens que participaram do programa do verão, quase um terço era formado por jovens refugiadxs. Durante uma das sessões de verão em julho, os jovens trabalharam no compartilhamento de suas narrativas públicas usando a planilha What is Public Narrative: self, us & now [O que é Narrativa Pública: si mesmx, nós & agora], de Marshall Ganz, organizador comunitário e professor associado da Universidade de Harvard, como uma maneira de construir liderança ao identificar e compartilhar com outrxos como se tornaram ativistas. Os jovens passam por um processo em três etapas, desde criar uma história de si individual até uma história de nós focada em suas comunidades, e a seguir uma história do agora para chamar outrxs à ação. Durante esta sessão, os jovens estavam nos estágios iniciais de tópicos para chuva de ideias sobre a história de nós. Inicialmente, os estudantes gritaram: Latinx, Muçulmanx e multilíngue. Em seguida, acrescentaram mais temas à lista no quadro branco, como “[…] discriminação com base na língua, chegar a novos lugares, tentar se adaptar, aprender novas regras e vivências compartilhadas entre refugiadxs e imigrantes”. Estes espaços estruturados, porém informais, permitiram que os jovens fossem além de se concentrar na representação e no número de jovens de diferentes origens que compareciam, rumando para o enfoque em temas na chuva de ideais que incluem vivências em comum entre os participantes, e que poderiam conduzir à elaboração de campanhas que impactassem tanto a juventude imigrante latina como refugiada muçulmana para o ano letivo seguinte.

A sessão de verão abriu espaço para outras interações significativas entre participantes de diferentes origens. Por exemplo, Joaquín, um imigrante mexicano de segunda geração, ficou no mesmo quarto que Alex, um jovem refugiado da Somália. Joaquín explicou durante nossa entrevista que:

O TJ me ensinou o que eu meio que sabia por conta própria; as pessoas podem estar sorrindo, mas você nunca sabe o que está acontecendo dentro delas… então, hoje eu me abri com ele [Alex] como eu nunca tinha feito com ninguém. E acho que me ajudou. Me sinto muito aliviado. Sinto como se tivesse tirado esse peso enorme de cima de mim. E foi bom tanto para mim quanto para ele (Entrevista, 13 de agosto de 2018).

O TJ proporcionava a jovens com afiliações e vínculos transnacionais diferentes, mas superpostos, tanto espaços estruturados como não estruturados para conversar apesar das diferenças e abordar emoções tensas, muitas vezes originárias de vivências de disjunção cívica.

Conclusão

Este estudo examinou as vivências de jovens transnacionais ao transitarem entre disjunções cívicas e as transcenderem em um CBES. A autoformação cívica de jovens latinxs foi inicialmente embasada em suas próprias vivências de disjunção cívica. No TJ, xs estudantes indocumentadxs conseguiam denunciar injustiças, como precisar negociar bolsas de estudo privadas com sua excelência acadêmica como uma maneira de confrontar sua ilegalidade. Entretanto, ao reconhecer como o TJ alienava outrxs jovens minoritárixs, o desejo de inclusão e defesa de questões que os afetavam de maneira direta e indiretamente levou a um compromisso em construir coalizões pan-étnicas para responder aos desafios de políticas e práticas racializadas de imigração e educação entrecruzadas que impactam seu cotidiano. A organização de jovens transnacionais no TJ exemplifica como as disjunções cívicas não apenas são uma dimensão chave da autoformação cívica dxs jovens, mas também lugares de encontros inesperados para colaboração entre grupos. Este achado destaca as maneiras como a pesquisa etnográfica na antropologia da educação permite aos pesquisadorxs investigar as nuances das vivências de jovens na medida em que se desdobram, por meio do engajamento sustentado com participantes no tempo e no cenário. Além disso, ao prestar mais atenção a como a identidade transnacional de jovens identifica, compreende e critica as disjunções cívicas - lacunas entre experiências vividas de injustiças e os ideais da sociedade cívica dos Estados Unidos -, o campo da antropologia da educação pode compreender melhor o desenvolvimento de práticas de cidadania crítica em espaços educacionais comunitários que podem propiciar aos jovens que desafiem e até mesmo transcendam disjunções cívicas.

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Notas

  • 1
    N. T.: A letra “x” foi usada para designar sujeitos de todos os gêneros, seguindo o original.
  • 2
    Como todos os rótulos, latinx e muçulmanxs são categorias homogeneizadoras. Neste artigo, estes termos estão sendo usados para fins analíticos e não como um modo de reificar o apagamento das diferentes etnias, nacionalidades e histórias racializadas daqueles considerados sob estes termos.
  • 3
    Foram usados pseudônimos para o grupo de jovens e para as pessoas.
  • Traduzido do inglês por Ananyr Porto Fajardo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2019
  • Aceito
    27 Jan 2020
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