É ATRIBUÍDO AOS CLÉRIGOS O PRIVILÉGIODO FORO “NISI FORTE EPISCOPUS A REGE FEUDUM TENERET"
UM ESTUDO SOBRE UM CASUS EXCEPTI À LIBERTAS ECCLESIAE APLICADO AO PERÍODO DO REINADO DE D. DINIS (1279-1325), ANTEPASSADO DIRETO DE D. PEDRO I DO BRASIL E IV DE PORTUGAL

Cassiano Malacarne 1

 

Resumo: Este artigo trata do estudo dos fundamentos canônicos à resposta do rei de Portugal D. Dinis (1279-1325) a uma queixa feita pelos bispos sobre a citação indevida de clérigos nos tribunais reais. Isso é feito de forma paralela a análise sobre um livro canônico de um bispo contemporâneo do monarca, da qual citamos o trecho em destaque. A preponderância das leis canônicas era limitada pela própria Igreja com relação a determinadas circunstâncias. Uma delas era a força dos vínculos de vassalagem.

Palavras-chave:Idade Média Portuguesa. D. Dinis.  Direito Canônico.  Direito Medieval Português..

Uma concordata realizada em 1289 marcou o inicio do estabelecimento da harmonia entre os poderes régio e episcopal portugueses. Esses ataques eram motivados por uma necessidade de centralização política, fenômeno que marcou outros reinos europeus do período e que culminará no Absolutismo moderno. O processo de formação do Estado Moderno é dirigido não somente contra o poder senhorial, mas ainda contra a autoridade dos bispos, sobre os dependentes laicos, atingindo o privilégio do foro eclesiástico e as imunidades fiscais do clero. Nosso objetivo é analisar uma queixa específica dessa concordata de 1289. Portugal há dez anos que é governado pelo sucessor de D. Afonso III, o jovem rei D. Dinis (1279-1325), que como seu pai, está se comportando intransigentemente com os prelados e a Santa Sé. Ainda que lhe caibam os méritos da concordata, ela foi só muito dificilmente estabelecida. Além do mais, as igrejas próximas ao monarca estão em interdito religioso e lhe paira a ameaça de excomunhão. A escolha do estudo da queixa que transcreveremos se justifica pelos fundamentos jurídicos no quais se alicerçam os procuradores e juristas do monarca. D. Dinis não ordena que se responda apenas que a infração às normas canônicas não ocorrerá novamente, como aparecem na maioria das respostas régias, mas defende uma diferenciação de critérios para cada circunstância:

 
[...]esse Sobre-Juiz [...] quer julgar, e conhecer dos preitos, que perteẽcem aa jurdiçom da Igreja; [...] e ainda os davanditos Clerigos, e pessoas Eclesiasticas cumunalmente em todo preito costranges, que respondam na tua Corte [...].
Respondem [...] que o dito Rey nom entende a chamar, citar, nem ainda  julgar alguũ Bispo, ou Clerigo sobre Igreja, direitos, e cousas Eclesiasticas, nem sobre as possissoões dellas [...] e quanto he sobre os outros preitos, que os Clerigos ouverem sobre as possissoões, que lavrarem Regueengas, foreiras conheçudas, he feita especial avença antre os Prelados, e os Procuradores davanditos 2.

Embora a Coroa respeite o privilégio do foro eclesiástico, ela impõe uma restrição nas terras reguengas e foreiras. Estaria isso de acordo com o direito canônico? Antes de respondermos vamos ver a resposta mais completa do rei entre os Onze Artigos (he feita especial avença). A concordata de 1289 é formada, na verdade, por mais onze demandas, separadas das demais quarenta, por causa do seu conteúdo muito polêmico e que não são protegidas por ameaças de sanções espirituais (excomunhão, interdito e fim dos laços de fidelidade dos vassalos). Isso ocorre porque a Santa Sé permitiu que nesses casos o direito canônico se curvasse diante dos costumes portugueses para que finalmente se chegasse a um acordo, ainda que isso não ocorra em todas as queixas. Diante da mesma reclamação, declara o rei que sobre todos os direitos, igrejas e propriedades, os clérigos devem responder somente perante seu juiz eclesiástico. Entretanto:

 
Mais porque os Reyx, donde vem o dito Rey, ouverom de direito sempre, e de custume, que tambem Clerigos, como Leigos, que lavram as possissões fiscaaes feidatarias, ou regueengas, devem a responder, e acustumarom sobre taaes possissoões, e coutos dellas em sa Corte, ou dante outro Juiz Sagral, quer ElRey, que esto se faça, e que esto se guarde tambem a elle, como a seus Socessores. Aquesta responsom louvam os Prelados, e outorgam 3 .

Apesar de ser um artigo muito debatido entre as partes oponentes, já que está inserido entre os Onze artigos, a resposta do rei assenta seu direito em uma ancestralidade que o parece legitimar. O bispo de Viseu, que participou dessa segunda concordata, escreveu em 1311 uma suma (GARCIA Y GARCIA, 1970, p. 257-281) do direito canônico, voltado para os conflitos entre as autoridades episcopais e os poderes senhoriais e régio. Enquanto nas concordatas a legislação canônica e do rei é sob muitos aspectos, como afirma António Garcia y Garcia (1970, p. 246-247), ‘transformado’ pela ação do conflito, na Summa de Ecclesiastica Libertate faz-se uma tentativa de preservar o direito da Igreja. Essa obra constitui, de certa forma, um libelo, contra os abusos cometidos contra as liberdades eclesiásticas. Não existe muita originalidade nela, porque o bispo se limita a citar o direito canônico em diversos pontos em que se defendem os direitos do clero. Mas, a maneira como ele cita, privilegiando certos aspectos em detrimento de outros, dá a entender que ele tinha em mente determinados tipos de infrações, que são exatamente aquelas que aparecem nas concordatas de 1289, 1292 e 1309, tanto cometidas pelo monarca quanto permitidas por este. De fato, enquanto os bispos participantes dos acordos com o monarca não citavam a localização e o conteúdo das leis eclesiásticas, D. Egas as expõe de forma quase direta ou indireta, indicando seu conteúdo e a localização. Apoiando-se no direito eclesiástico, afirma que de forma alguma um clérigo poderia ser acusado em tribunal secular. 4 Os laicos nem sequer testemunhas poderiam ser em causas criminais nos tribunais seculares 5. Também nem mesmo os dependentes e servos das igrejas e mosteiros poderiam ser afetados pela jurisdição criminal ou civil dos tribunais que não fossem dos prelados 6. Em outras passagens da obra verificamos outras defesas semelhantes do foro eclesiástico 7. As referências canônicas de D. Egas, do mesmo modo, afirmam o que ele escreveu em sua obra 8. Nessas citações não encontramos presente nenhuma exceção para os casos em que devem ser citados os clérigos. A Summa contém, todavia, em outra passagem, um trecho que sugere a quebra das imunidades judiciais dos clérigos que lavrassem terras do rei: “Item reges et principes non debent episcopis imperare, set inclinabunt caput ei [...] nisi forte episcopus a rege feudum teneret, ut xviii. di Si episcopus et extra de appel. Cum parati ubi de hoc” 9. A dependência feudal a um rei é, então, uma exceção prevista pelo direito canônico que colocava os bispos sob sujeição temporal do rei sob vários aspectos. Entendemos também que eram julgados pelas cortes de justiça régia. Analisemos os trechos das leis canônicas apontadas por D. Egas:

 
Si episcopus metropolitanus ad comprouinciales episcopos epistolas direxerit, in quibus eos aut ad ordinationem summi pontificis, ut ad sinodum inuitet, postpositis omnibus (excepta graui infirmitate corporis, ac preceptione regia) ad constitutum diem adesse non differant. Quod si defuerint (sicut prisca canonum precipit auctoritas) usque ad proximam sinodum a caritate fratrum et ecclesiae communione priuentur 10.
Idem Zamorensi Episcopo.
[...] Quumque dilectus filius noster N. canonicus B. Iacobi firmiter asseveraret, quod in legatione regis esses, et ideo non potuisses ad vocationem praedicti cardinalis accedere, cardinalis e contra asseruit, quod non in legatione regis, sed in Salamantina ecclesia te suus nuncius invenisset [...] 11.

Nos dois cânones aparece a mesma exceção que dispensava um clérigo de se apresentar ao seu superior eclesiástico. As duas leis apenas falam, porém, da simples obediência ao poder real, sem mencionarem a situação jurídica particular do clérigo. Ainda que não se descreva essa situação particular, ela é obviamente inferida, já que somente o caráter vassálico das relações entre os reis e alguns bispos é que nos faz pensar na quebra do privilégio do foro eclesiástico, conforme concluiremos mais adiante, através das informações de autores contemporâneos. Comprovamos a aplicabilidade e o enquadramento dessas leis canônicas ao caso português tendo em conta que não somente o próprio D. Egas assim entendia como também os juristas do rei. Assim sucede em leis outorgadas por Dinis:

 
Se o clerigo tem algũus herdamentos dElRey en Regueengo ou en outros logares e ElRey o chama pera seu serujço. Primeiramente deue dobedeeçer a ElRey e hir a seu chamado ca este he de Juridiçom assy como he contheudo na .xxma  .iijª. cousa. na castom prestumeyra [e também nas Decretais] em hũu paragrafo que sse começa comparati que he no Titulo de apellacionibus 12.
Jtem se o clerigo tem delRey algũu herdamento Regueengo ou outros logares. elRey o chama pera seu seruiço e despoys o chama o bispo pera sseruiço primeyramente deue obedeecer a elRey e hir a seu chamado ca esto he de ssa Juridiçom. assy como he conteudo na xxª tercia cousa na questom prestumeira en hũu paragrafo que sse chama Ecce quod. e he contheudo na grosa dhũa degratal que sse Começa Comparati que he em no Titulo de appellacionibus 13.

Essas referências, com relação às Decretais de Gregório IX são muito reveladoras porque é a mesma lei na qual se fundamenta D. Egas para afirmar que os bispos que possuem feudos devem obedecer aos seus suseranos. Nada mais harmônico que isso, os dois poderes que se confrontam citarem a mesma norma da autoridade máxima. O bispo de Viseu tinha bem em mente essa subordinação que ocorria nesses casos. Já reproduzimos a lei das Decretais, falta-nos o texto do Decreto, o qual trecho que selecionamos diz que ‘se deve dar a César o que é de César’, nos casos em que se tratar de direitos reais:

 
Porro alii sunt, qui non contenti decimis et primiciis, predia, uillas, et castella, et ciuitates possident, ex quibus Cesari debent tributa, nisi inperiali benignitate inmunitatem promeruerint ab huiusmodi. Quibus a Domino dicitur: "Reddite que sunt Cesaris Cesari; et que sunt Dei Deo." Quibus idem Apostolus: "Reddite omnibus debita, cui tributum, tributum; cui uectigal, uectigal" 14.

D. Dinis quer ver fortalecido seu poder, em suas terras, tal qual a de um imperador romano. Porém, ainda que D. Egas confirme como beneficio real a mesma lei citada por D. Dinis a exceção no privilégio do foro eclesiástico fica dependente de uma confirmação de que os reguengosse enquadravam ou não na designação de feudos ou que levam a uma dependência feudal. D. Dinis fala no artigo em possissões feidatarias. José Mattoso define a dependência feudal como aquela que é baseada em um contrato estabelecido entre os membros de elevada ascendência social, enquanto que a dependência senhorial seria uma imposição de mando sobre as classes inferiores e aconteceria naturalmente pela ausência de poder público. (MATTOSO, 1995, v.1, p.50-53). Com relação aos reguengos, afirma que “a relação estabelecida entre o senhor e o dependente não se baseia em nenhuma espécie de contrato. As prestações dependem essencialmente de dois direitos de natureza diferente – o direito sobre a terra e o direito sobre os homens [...]”. (MATTOSO, 1995, v.1, p. 50-53). Se então a dependência que se estabelecia nas terras do rei não era do tipo contratual inferimos que as relações que existiam entre dependentes da Igreja e o soberano não sejam do tipo feudal. Contudo, não podemos nos esquecer de que, se o rei utilizava uma terminologia feudal diferente da atual (possissões feidatarias, ou regueengas), o mesmo deveria fazer o bispo de Viseu. E o que nos importa era a definição que a Igreja tinha ao formular seu direito e não uma conceituação moderna. Se a definição de reguengos era pensada em termos feudais por D. Dinis, D. Egas que era contemporâneo e conterrâneo do rei tinha, portanto, uma ideia de feudo e relações feudais semelhante àquela do monarca. E, se o bispo de Viseu coloca os feudatários, ou aqueles que estavam sob uma dependência feudal, como sujeitos à autoridade imperial e real, temos que não havia nada de ilegal em que os clérigos respondessem judicialmente ao rei em seus tribunais. Além do mais, Mattoso fala sobre a importância que tinha a ideologia feudal em Portugal, muito mais do que instituições feudais rigorosamente ditas. Ela foi algo importado de outras nações europeias e se espalhou por toda a sociedade portuguesa da época, não apenas no meio nobre. E essa ideologia seria muitíssimo mais extensiva na sociedade do que os contratos feudo-vassálicos propriamente ditos. (MATTOSO, 1995, v.1, p. 84-87). Mais revelador ainda é o que afirma Alexandre Herculano ao descrever os artigos movidos contra o rei D. Afonso III (quase os mesmos daqueles que seriam reivindicados sobre D. Dinis). No capítulo vigésimo terceiro das queixas traduz Herculano da língua latina uma queixa herdada por D. Dinis, feita a seu pai:

 
Que não só [D. Afonso III] prohibia aos eclesiasticos a acquisição de quaesquer propriedades, ainda não sendo emphyteuticas nem feudaes, mas tambem confiscava todas as que possuiam, quer compradas antigamente, quer compradas de novo. (HERCULANO, 1903, t.III, p. 104) 15.

Embora Herculano nos forneça apenas a versão traduzida por ele, nesse caso ele indica de quais palavras foi feita a tradução, dado a polêmica dos termos empregados pelo clero. Referente à expressão non emphyteuticas, nec feudales traduzidas por Herculano, este faz uma nota em que diz: “Ambas as designações eram extranhas a Portugal, e a segunda a nenhum genero de propriedade se podia applicar; mas os prelados precisavam de accommodar-se á linguagem jurídica geral na Europa além dos Pyrinéus”. (HERCULANO, 1903, t.III, p.104). Era necessário, portanto, que a linguagem se adequasse ao que era conhecido no restante da Europa. Não havia uma designação que pudesse ser específica para Portugal e ainda que fizesse possível o entendimento pela cúria romana a quem era apresentada os artigos. Diferentemente ocorre, porém com os mesmos artigos apresentados a D. Dinis em 1289, os quais já vêm vertidos para o vernáculo. Ali encontramos as expressões adequadas às instituições sócio-econômicas portuguesas: “Que esse Rey nom solamente defende aos Bispos, e aas pessoas das Igrejas, que nom comprem possissões algũas, pero nom sejam regueengas, nem foreiras [...]” 16. As palavras emphyteuticas e feudales foram traduzidas posteriormente por “reguengas” e “foreiras”. Não somente nessa queixa, como na anterior, tema desse estudo. É o que aparece em uma versão em latim das concordatas: [...] “de consuetudine quod tam clerici quam layci qui fiscales notarias fundatorias [feudatorias] et regalengas possessiones excolunt [...]” 17. Na mentalidade da época uma terra reguenga e uma possessão foreira eram vistas como sendo feudal e enfitêutica, respectivamente 18.  E, com o passar do tempo, essas duas primeiras expressões acabaram se tornando equivalentes na época de D. Dinis 19. Temos, então, entendido o que significava o termo feudum, utilizado por D. Egas. Constituía antes uma ideologia jurídica, uma mentalidade, e não pode ser entendida com nossos conceitos modernos. Ele utilizou-se das palavras provavelmente para indicar em Portugal os diversos tipos de possessões com caráter de dependência senhorial.
F. Claeys Bouuaert (BOUUAERT, 1942, v.3, col. 827-872), ao tratar do privilégio do foro eclesiástico, afirma inicialmente a inviolabilidade do foro eclesiástico, estabelecido desde o governo de Justiniano 20 e reafirmado pelos concílios da alta Idade Média com algumas transformações. E, com relação à nossa época de estudo:

 
Alexandre III, Célestin III, Innocent III, quien étendirent l’application à toutes les causes civiles et criminelles, à exception cependant des causes concernant le lien feudal (De foro competenti, I, II, tít. II, c. 6). (BOUUAERT, 1942, v.3, col. 866) 21.

Verifiquemos melhor o que diz essa lei: Si quaestio feudalis est inter clericum et laicum, cognoscet dominus feudi; sed eo negligente cognoscet delegatus Papae, etiam ante negligentiam datus 22. Portanto, a imunidade eclesiástica era limitada na Idade Média pelas prerrogativas feudais e senhoriais. Encontramos aqui um ponto em que a Reforma Gregoriana não pôde avançar. Era algo que vinha desde as origens da cristianização dos Estados germânicos e contra o qual os papas teocráticos não conseguiram alterar 23.
Se então as normas da Igreja defendem o direito à jurisdição dionisina e ao direito consuetudinário que, como o próprio rei afirmou, se estabeleceu há muito tempo, porque reclamam os bispos? Os prelados não reclamam que o rei estava exigindo que os clérigos que estavam sob uma dependência senhorial do rei respondessem perante o tribunal régio. Os bispos reclamam da quebra de suas imunidades somente em possessões que acreditam serem suas. D. Dinis reconhece o privilégio do foro dos clérigos, mas alerta que há exceções 24. Essas dúvidas surgiam pelos desvios das propriedades régias, as quais eram doadas pela Coroa a determinados nobres e estes doavam à Igreja, esquecendo-se que apenas detinham suas posses 25.

 

Is Attributed the Judicial Privilege to the Clergymen “Nisi Forte Episcopus A Rege Feudum Teneret”. A Study On a Casus Excepti to Libertas Ecclesiae Applied To The Period of Reign de Dinis I (1279-1325), Direct Ancestor de Peter I of Brazil and IV of Portugal.

Abstract:This article deals with the study of the canonic beddings to the reply of the king of Portugal Dinis  I (1279-1325) to a complaint made for the bishops on the improper citation of clergymen in the real courts. This is made of parallel form the analysis on a canonic book of a bishop contemporary of the monarch, of which we cite the stretch in prominence. The superiority of the canonic laws was limited for the proper Church with regard to determined circumstances. One of them was the force of the bonds of vassalage.

Keywords:Middle Ages Portuguese. Dinis I. Canon Law. Portuguese Medieval Right.

 

1 Bacharel e Licenciado pela UFRGS. Mestre em História pela UFRGS. Email: cassiano_ninho@yahoo.com.br.

2 OA, II, I, art. XXXV.

3 OA, II, II, art. IX. A queixa volta em 1292, quando o monarca reafirma o que disse (OA, II, III, §1).

4 Item nullus debet predictas personas ecclesiasticas uexare in indicio seculari,“xi q.i. et ii. et quasi per totum” et “extra de foro compet. c. Si quis contra clericum” et “Si diligenti et de iudic.   At si clerici (Summa de Libert. Ecles. p. 262. “Também ninguém deve vexar as mencionadas pessoas eclesiásticas em denúncia secular”).

5 Item laici non possunt accusare clericos seu testificari contra eos in causa criminali et criminaliter attemptata. (Summa de Libert. Ecles.  265. “Também os laicos não podem acusar os clérigos ou testemunhar contra estes em causa criminal e serem examinados/atacados criminalmente”).

6   Item serui et familie clericorum et rustici ecclesie sortiuntur ecclesiae forum, nec debent coram seculari iudice conueri [...] (Summa de Libert. Ecles. 266. “Também os servos e a familia [conjunto de dependentes que vivem nas terras eclesiásticas] dos clérigos e camponeses da Igreja escolhem o foro da Igreja, não devem acusar diante de juiz secular”).

7 Item si iudex secularis est suspectus debet causa per ecclesiasticum iudicem tractari [...] Non tamen propter negligentiam uel suspectionem ecclesiastici iudicis potest clericus conuenire coram laico [...] (Summa de Libert. Ecles. 279. “Também se o juiz dos seculares é suspeito a causa deve ser tratada pelo juiz eclesiástico [...]. Não, contudo por causa da negligência ou da suspeita do juiz eclesiástico pode o clérigo ser citado [em juízo] diante do laico”).

8   C.17, q.4, c.22 (Apud secularem iudicem nullus clericus conueniatur. Nemo umquam episcopum aut reliquos clericos apudiudicem secularem accusare presumat. “Que na presença de juiz secular nenhum clérigo seja citado. Ninguém jamais ouse acusar bispo ou outro clérigo na presença de juiz secular”.). C.12 q.2 c.69 (Ecclesiarum seruos, et episcoporum, uel omnium clericorum, a iudicibus uel actoribus publicis in diuersis angariis fatigari dolemus. “Os servos das igrejas, e dos bispos, ou de todos os clérigos, deploramos quem tiver oprimido [enviando] para juízes ou advogados públicos ou em diversos serviços compulsórios”.).

9 Summa de Libert. Eccl. p. 264.  “Também os reis e príncipes não devem comandar os bispos, mas inclinarão a cabeça aos mesmos [...] a não ser que o bispo detivesse do rei um feudocomo xviii. di Si episcopus e extra de appel. Cum parati, onde diz respeito a isso”.

10 C. 13, D. XVIII, os grifos são nossos. “Se o bispo metropolitano [arcebispo] aos bispos co-provinciais tenha dirigido epístolas, para estes aos quais também conforme a ordenação do Sumo Pontífice, que para o sínodo tenha chamado a todos, em negligência (exceto em grave enfermidade do corpo, e também por ordem/recomendação régia) à constituição que não retardem comparecer no dia. Porque se tiverem faltado (como condena a autoridade de um cânone antigo) até o mais próximo sínodo por caridade dos irmãos e da igreja que sejam privados da comunhão [ou “que sejam privados da caridade dos irmãos e da comunhão da igreja”].

11 C. 19, X, II, 28, os grifos são nossos. “Do mesmo [Alexandre III] ao bispo de Zamora. [...] Como o nosso dileto filho N. cônego B. Tiago/ Jacó firmemente declarasse que em embaixada do rei estivesse e, por essa razão não tivesse podido para o chamado do mencionado cardeal aceder/ajuntar-se, o cardeal por isso contrariamente alegou que, não na embaixada do rei, mas na igreja de Salamanca, o mensageiro dele teria vos encontrado”.

12 LLP, p. 58.

13 LLP, p. 380

14 C. 20, C. XXIII, q. 8. “Além disso, não devem ser retidas as décimas e primícias, prédios, cidades, e castelos e comunidades que possuem, os quais devem tributo a César, a não ser que por esse modo tenham sido dignos de imunidade por benignidade imperial. Aos quais pelo Senhor é dito: ‘Dai as coisas que são de César a César; e as coisas que são de Deus a Deus’. Também a eles [disse] o Apóstolo: ‘Dai tudo o que é devido, ao tributo o tributo; às taxas as taxas’ “. No Decreto não constitui uma lei, uma vez que é um comentário de Graciano, mas uma referência a uma constituição papal.

15 Os grifos são nossos.

16 OA, II, II, art. II. Os grifos são nossos.

17 LLP, p. 392.

18 Já uma possessão feudal não poderia ser considerada obrigatoriamente como um reguengo. Isso porque, a mesma tradução não pode ser feita de uma citação de D. Egas sobre os feudatários da Igreja. Ali diz: “Item habent priuilegium ut si earum feudatarius uel emphiteota[...]”. (Summa. de Libert. Eccl., p. 276). Sabemos que os reguengos são próprios dos reis.

19 De acordo com Mattoso (s.d., v. 2, p. 270), nas terras foreiras o rei tem apenas os “foros” e não a terra, enquanto que nos reguengos o rei tem os direitos e a terra. Além do mais, as terras foreiras são afetadas como bens públicos e não privados como o são suas possessões particulares. Importante destacar aqui que ocorre uma assimilação entre essas e os reguengos: “[...] a tendência para o nivelamento dos dependentes e a simplificação introduzida pela difusão do regime senhorial levaram, durante a segunda metade do século XIII, a desprezar as distinções, agora cada vez menos importantes. [...] Ao rei importava apenas impedir que as terras mudassem de estatuto por ausência de proprietários ou alienação em favor de privilegiados” (MATTOSO, 1995, v. 2, p. 70) . E, conclui o autor, que a nivelação se concretizou quando da outorga por D. Dinis da lei que proibia os clérigos de usufruírem dos reguengos, porque o rei fala apenas de suas possessões particulares, deixando de lado a situação específica das terras foreiras, distinção que fez seu pai na lei de 1265 sobre o mesmo tema. Por isso, pela assimilação que ocorreu nessa época entre os estatutos dos dois tipos de herdades, que não seria necessário nos determos sobre as terras foreiras. Em 1311 D. Dinis já proibia os clérigos de obterem terras de seu patrimônio, portanto, tanto reguengas como foreiras. Mas, ainda António Hespanha (1982, p. 135-136), um tanto de forma oposta a Mattoso, nos diz que entre os tipos de terras foreiras havia um tipo de possessões reguengas. Assim, entre as propriedades foreiras havia também terras do rei. A diferença entre reguengos propriamente ditos e terras foreiras do monarca seria a de que os colonos tinham, nas terras foreiras uma posse hereditária sobre a terra e não precária, como no caso das possessões de reguengos. De qualquer forma, na época de 1311 ao menos, as possessões foreiras já estavam assimiladas às terras reguengas e não há porque deixarmos de concluir que não sofressem também o controle do monarca. Ali também os clérigos estavam obrigados a responderem ao tribunal do rei, como previa o direito canônico.

20 De acordo com o autor, N., 1, LXXIX, c. VIII; I, LXXXIII, c. XXI; I,  CXXIII, c. XXII (BOUUAERT, 1942, v.3, col. 866).

21 Afirma a mesma exceção Auguste Dumas no verbete Juridiction Ecclésiastique (1957, v. 6, col. 257), acrescentando que essa regra teria se estendido a toda forma de tenure.

22 c. 6, X, II, 2. “Se a questão feudal é entre clérigo e laico, o senhor do feudo examinará, mas com relação a aquele que negligencia examinará o delegado do Papa, e também diante de negligência atribuída.”

23 Além disso, ainda que os Onze Artigos não estivessem sido protegidos por sanções espirituais eles foram confirmados por Nicolau IV e depois por João XXII, conforme bula inserida no Livro das Leis e Posturas (LLP, p. 386).

24 Parece que o monarca se incomodava muito pelo fato de religiosos e nobres residirem em suas terras, porque sempre estavam tentando se desobrigar de seus deveres tributários e judiciais. É por isso que no ano de 1311 o monarca acabou com a possibilidade de clérigos ou nobres usufruírem de benefícios nas terras reais (OA II, XIII. Também no LLP, p. 87-88, 188-190, 380-381) Concluímos pela análise desse decreto que obviamente na época das concordatas (entre 1289 e 1309) o rei não obteve sucesso em tentar ampliar sua jurisdição através do direito de chamar em juízo os membros da Igreja residentes em terras reais. Caso contrário, não teria eliminado o melhor dispositivo que teria para isso.

25 Para uma análise mais detida dessa questão consultar nossa obra: MALACARNE, Cassiano. A Prática do Direito no Direito Adversário. As Infrações Institucionais de D. Dinis às Leis Canônicas (1279-1325).  Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: UFRGS, 2008, p. 196-234. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14696?show=full>.

 

Referências:

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LIVRO DAS LEIS E POSTURAS (LLP). Edição da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa. Lisboa: 1971.

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CORPUS IURIS CANONICI. 2 volumes: v. 1 – Decreto de Graciano; v.2 – Decretais de Gregório IX, Liber Sextus, Clementinas, Extravagantes de João XXII, Extravagantes Comuns. Edição de Aemilius Friedberg. Leipzig: Druck, 1959.
Obras Historiográficas:

BOUUAERT, F. Claeys. Clerc. In: Dictionnaire de Droit Canonique. Paris: Librairie Letouzey et Ané, v. 3, 1942, col. 827-872.

DUMAS, A. Juridiction Ecclésiastique (1957, v. VI, col. 257). In: Dictionnaire de Droit Canonique. Paris: Librairie Letouzey et Ané, v. 6, 1957, col. 257.

GARCIA Y GARCIA, António. Estudios sobre la Canonistica Portuguesa Medieval. Madrid: Fundación Universitária Española, 1970.

HERCULANO, Alexandre. História de Portugal. Lisboa: t. III: edição Tavares Cardoso e Irmão, 1903.

HESPANHA, António Manuel. História das Instituições. Épocas medieval e moderna. Coimbra: Almedina, 1982.

MALACARNE, Cassiano. A Prática do Direito no Direito Adversário. As Infrações Institucionais de D. Dinis às Leis Canônicas (1279-1325).  2008. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14696?show=full.

MATTOSO, José. História de Portugal. A Monarquia Feudal.Lisboa: Estampa, s.d., v. 2.

______. Identificação de um País. Ensaio sobre as Origens de Portugal (1096-1325). Lisboa: Estampa, 1995.