OS ESTUDOS DE LITERATURA MEDIEVAL NO BRASIL

Márcio Ricardo Coelho Muniz 1

 

Resumo: Analisando fundamentalmente a produção bibliográfica publicada pela Associação Brasileira de Estudos Medievais – ABREM, busca-se neste texto esboçar um quadro sintético das publicações e pesquisas sobre a literatura medieval realizadas por investigadores brasileiros.

Palavras-chave:Literatura Medieval; Pesquisas em Literatura Medieval; ABREM.

No interior de um debate avaliativo dos estudos medievais no Brasil na atualidade, tratar da literatura medieval requer, primeiramente, determinar o ângulo da abordagem. Determinei centrar-me fundamentalmente nas pesquisas que são realizadas nas Instituições Superiores de Ensino. Abdiquei de referir-me ao ensino da literatura medieval, superior ou médio, porque o retrato traçado há exatos dez anos por Lênia Márcia de Medeiros Mongelli, no III Encontro Internacional da ABREM, no Rio de Janeiro, não me pareceu ter sido alterado significativamente, a justificar que se voltasse a ele. As palavras de Mongelli continuam, a meu ver, valendo. Dizia a pesquisadora:

 
Uma rápida consulta aos livros didáticos destinados ao que hoje se chama ‘ensino médio’ – de onde saem nossos universitários – denuncia talvez o adversário mais resistente dos estudos medievais no Brasil: para a maioria inconteste do público medianamente culto, nossa história começa no século XVI, com Pedro Álvares Cabral e o ‘achamento’ do Brasil, com a era das Navegações. Este é o prato oferecido à degustação nas escolas, inclusive pelas obras paradidáticas, publicadas pelas principais editoras do país” (MONGELLI, 2001, p. 149).

Minha experiência em sala de aula dos cursos de Letras não indica que algo de substancial tenha sido alterado. Embora aquela pesquisadora conclua seu texto dizendo-se otimista relativamente ao quadro que traçou, creio que uma década é ainda pouco para observarmos mudanças num sistema de ensino com o nível de deterioração a que o nosso chegou. Volto-me, assim, para as pesquisas na área da literatura medieval desenvolvidas nas universidades brasileiras.
Antes, faço um pequeno excurso para tratar de uma associação de estudos que alentava o otimismo de Mongelli, em 1999, e ainda alenta o meu. Refiro-me a ABREM. Como sabem, a Associação Brasileira de Estudos Medievais, fundada oficialmente em 1996, congrega pesquisadores da Idade Média das diversas áreas do conhecimento, nos dois níveis do ensino superior: graduação e pós-graduação. Contando hoje com mais de cinco centenas de sócios, brasileiros e estrangeiros 2, a ABREM vem cumprindo os objetivos traçados na fundação: estimular, desenvolver e dar publicidade às pesquisas realizadas no Brasil em torno da Idade Média. São muitas as ações nesse sentido. Enumero-as rapidamente: organização de congressos internacionais a cada biênio, realizados em universidades de diferentes Estados brasileiros; publicação de uma revista acadêmica anual, especializada nos estudos medievais, a Signum, em seu décimo número, de um Jornal eletrônico de divulgação de eventos e ações realizadas ou informadas pelos sócios, o Jornal da ABREM, das Atas dos congressos organizados, de um levantamento eletrônico dos pesquisadores e pesquisas feitas no Brasil, o Quem é quem na ABREM?; desenvolvimento e publicação de um levantamento dos fontes primárias da Idade Média presentes em bibliotecas e acervos bibliográficos de alguns Estados brasileiros; organização de cursos de extensão sobre temáticas medievais, entre outras ações. Como se vê, de fato, a ABREM tem sido uma associação atuante, articuladora e aglutinadora de pessoas e ações ao redor dos estudos medievais brasileiros, e, a partir dela, temos acessado mais e melhores informações relativas ao que se pesquisa e se ensina sobre a Idade Média em quase todo Brasil. A partir, então, desses “documentos” publicados pela ABREM, ou com seu apoio, buscarei traçar um quadro dos estudos sobre a literatura medieval realizados no Brasil 3.
Começo por, rapidamente, tentar identificar o espaço que as Letras e, dentro delas, os estudos de literatura, ocupam nas publicações que, de alguma forma, têm a ABREM como promotora. Tomando, primeiramente, as Atas dos encontros internacionais da associação, observamos que de 1995 até 2005, ano de publicação das relativas ao I e VI Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM (EIEM), respectivamente, a quantidade de comunicações apresentadas nos eventos e, posteriormente, nelas publicadas, crescem de modo significativo - o que é confirmado pela quantidade de sócios da própria associação. Para se ter uma ideia, no I EIEM, realizado na Universidade de São Paulo, em 2005, foram publicadas em suas atas 05 conferências e 34 comunicações, sendo 16 da área da História, 17 da área das Letras (15 dedicadas à Literatura, 01 à Filologia e 01 às relações de obras da literatura moderna com a literatura medieval) e 01 da Filosofia. Uma década depois, em 2005, quando se realizou o VI EIEM, na Universidade de Londrina, cujas Atas foram publicadas neste mesmo ano, contamos 06 conferências, 03 mesas redondas dedicadas a temáticas relacionadas à História, com 08 participantes, e aproximadamente cento e vinte e sete comunicações. Destas, 45 versaram sobre temas relacionados à História, 54 eram da área das Letras (sendo 29 sobre literatura medieval, 19 sobre as relações de obras da literatura moderna com a literatura medieval e 06 sobre a Filologia ou Linguística Histórica), 13 da Filosofia, 08 da Educação e 07 de outras áreas. Como se vê, um salto significativo de participantes e quantidades de comunicações publicadas.
Da análise dos volumes das atas dos congressos da ABREM, é possível constatar que a História e as Letras são as duas grandes áreas do conhecimento que, no Brasil, se dedicam aos estudos medievais, seguidas pela Filosofia, Educação e Artes. Centrando o olhar sobre as Letras, é perceptível o domínio dos estudos literários, sejam eles exclusivamente dedicados à literatura medieval, em diversas línguas, sejam em perspectiva comparatista, observando os diálogos entre autores e obras dos séculos XVI ao XXI com a literatura produzida ao longo da Idade Média. Outra área das Letras quem tem forte presença nos estudos medievais, perceptível pelos documentos, é a Filologia e a Linguística Histórica. Responsáveis, via de regra, pelas edições críticas dos textos medievais e por toda a problemática que as envolve (determinação de grafia, acentuação, pontuação, prosódia etc. dos textos medievais), essas duas ciências têm grande número de estudiosos entre os sócios da ABREM. Ainda assim, é a Literatura a área que mais atrai os pesquisadores, representando algo em torno dos 70% das investigações das letras medievais no Brasil.
Se direcionarmos nosso olhar, agora, para a Revista da ABREM, a Signum, há uma pequena alteração do quadro, mas explicável pelas particularidades da própria revista. A Signum sempre gozou de autonomia quanto a sua organização e seleção de textos a publicar. Sua comissão científica, embora formada majoritariamente por sócios da ABREM, resguardou independência em relação à associação e suas direções nacionais. Por outro lado, o fato de seu diretor, o Prof. Dr. Hilário Franco Jr., ser da área da História, provavelmente colaborou para que esta ciência tivesse sempre mais destaque dentro da revista. Além disso, muitos dos ensaístas convidados a publicar ou não eram sócios da ABREM ou eram estrangeiros. Tudo isso construiu a particularidade da revista, não permitindo de fato que ela pudesse servir de retrato dos estudos medievais no Brasil. Ainda assim, se considerarmos que número significativo de sócios da ABREM nela publicou ensaios, resenhas e outros textos e que ela objetiva ser o órgão científico por excelência da associação, vemos nela confirmados, de certa forma, em termos de espaço das áreas do saber, aquilo que vimos em relação as atas dos EIEM. Ou seja, embora haja um predomínio de ensaios e de entrevistados da área da História – a Signum conta com uma sessão em que um pesquisador de destaque dos estudos medievais, estrangeiro ou brasileiro, é entrevistado –, as Letras, mais especificamente os estudos literários, ocupam o segundo lugar em termos de área do conhecimento presente na revista, seguidas pela Filosofia, Artes, Astronomia e outras.
Todavia, se estas publicações nos possibilitam um retrato dos estudos medievais no Brasil ao longo de aproximadamente uma década, detenho-me, a partir de agora, com mais vagar em outro projeto desenvolvido pela associação, o Quem é quem na ABREM?, pois ele nos dá um quadro bem mais claro sobre o que os pesquisadores brasileiros que se dedicam a essa temática vêm investigando na atualidade, já que data de 2007. Fruto da ação da atual direção nacional da ABREM e coordenado por sua presidenta, a Professora Doutora Maria do Amparo Tavares Maleval, o periódicosegue um modelo tradicional de publicação que busca radiografar o perfil dos pesquisadores de uma determinada área do saber, nesse caso, a medieval, no Brasil, e circunscrito aos sócios da ABREM. Como explica a organizadora no texto introdutório, nem todos os sócios estão presentes na obra. Enviaram dados 330 pesquisadores, sendo 78 graduandos, e todo o resto pertencente a diversos níveis da pós-graduação (08 especialistas, 82 mestres, 127 doutores, 07 livres-docentes) (MALEVAL, 2007, p. 7-11). Há ainda que se excluir próximo de duas dezenas de sócios estrangeiros, que não contabilizei na exposição que faço a seguir.
Num universo de aproximadamente três centenas de pesquisadores, um terço pertence à macro-área das Letras e Linguística. Este é um retrato que se pode dizer fiel do espaço ocupado pelas Letras no campo dos estudos medievais no Brasil, como vimos. Ou seja, via de regra, seja nos congressos, nas revistas especializadas ou nos diretórios de grupo de pesquisas, a área de Letras segue sempre como segunda área de maior concentração de pesquisadores no âmbito dos estudos sobre Idade Média. A maior área é sempre a História, que concentra algo perto de 50% dos espaços. A seguir, vêm a Filosofia, as Artes, os estudos de Religião, a Astronomia, a Matemática e outras.
Observando, agora, apenas esta centena de pesquisadores da macro-área de Letras e Linguística, próximo de 1/4 desses provêm da área da Filologia ou dos estudos de Linguística Histórica. Edições críticas de textos, estudos da prosódia, da fonética, da ortografia, da sintaxe, da morfologia e do léxico dos textos medievais traduzem os interesses dos pesquisadores da língua no mundo medieval. Além disso, identifica-se um centro aglutinador dos estudos da área da língua portuguesa medieval: a Universidade Federal da Bahia, de onde é oriunda grande parte das pesquisas nesta área.
No que diz respeito ao campo estrito da literatura, dominante dentro da macro-área, é perceptível uma diversidade de interesses nas pesquisas, muito embora observemos uma concentração nas literaturas em língua portuguesa e galego-portuguesa, o que se é de esperar. As demais literaturas em língua estrangeira ocupam espaço diminuto. No rol dos pesquisadores, há três deles investigando textos literários medievais italianos, outros três dedicando-se a obras alemãs, apenas uma pesquisa envolve a literatura inglesa, bem como outra se dedica à literatura medieval em árabe. Destacam-se, no âmbito das literaturas estrangeiras, os estudos dedicados à França medieval. Dez pesquisadores, de diferentes instituições e regiões brasileiras, têm como corpus de suas investigações textos da literatura medieval francesa. Canções de gesta, poesia provençal, novelas de cavalaria, tratados didático-moralistas, como os de Christine de Pizan, entre outros tipos textuais, são analisados em diferentes enfoques e aspectos. Este predomínio dos estudos da literatura francesa, no âmbito das literaturas estrangeiras modernas, deve-se não só à tradição dos estudos franceses no meio acadêmico brasileiro, que data do século XIX, mas também ao grande desenvolvimento da historiografia medieval francesa a partir da Escola dos Annales, que popularizou a historiografia de modo geral e, em particular, a medieval, fazendo aproximar-se do grande público leitor e, mais ainda, do espaço acadêmico.
Mesmo com essas quase duas dezenas de pesquisas centradas nas literaturas de língua estrangeira, são dois, em realidade, os grandes campos de interesse dos pesquisadores da literatura medieval no Brasil: a literatura portuguesa e galego-portuguesa, e a literatura brasileira, em perspectiva comparada, com enfoque nos estudos de fontes e influências. Deter-me-ei, por isso, com mais vagar nessas duas linhas.
A poesia trovadoresca galego-portuguesa é, sem dúvida, o objeto de maior interesse entre os brasileiros que se dedicam à literatura medieval. Os corpora lírico, satírico e religioso ou, melhor dizendo, as cantigas de amor e de amigo, as cantigas de maldizer e de escárnio e as cantigas de Santa Maria são alvo de investigações tanto de aspectos de ordem mais estritamente literários, como discussões genológicas, estruturas retóricas, categorias poéticas, entre outros, quanto de aspectos de ordem cultural e sócio-político.
As experiências desenvolvidas no campo da História Social e da História das Mentalidades somadas, mais recentemente, ao campo investigativo aberto pelos Estudos Culturais, vêm servindo de modelo para uma ampliação das perspectivas analíticas do corpus poético trovadoresco. Temáticas como, por exemplo, a representação da mulher e seu papel no interior da cultura medieval, são objeto de diversas pesquisas. Algumas delas observam e discutem as personas líricas constitutivas dessa tradição como representantes de personagens sociais, como a mãe, a moça da vila, a dama, a prostituta ou soldadeira, entre outras, e discutem sua caracterização e a função que desempenham dentro desse grupo, sempre a partir da análise do corpus poético, muito embora apoiados num diálogo íntimo com toda a historiografia relativa à mulher.
Grupos marginalizados socialmente, como homossexuais, judeus, mouros, heréticos, entre outros, têm sua representação e função no interior da sociedade investigadas, tomando os pesquisadores o corpus poético medieval como uma espécie de fonte histórica primária, a desvelar a complexidade das relações humanas e sociais no ainda enigmático mundo da época. Outros aspectos extraliterários, como os pertencentes às culturas clericais e jurídicas, são também alvo de pesquisas, corroborando, no campo das representações, o que encontramos em bases legislativas, em ordenamentos jurídicos, regimentos canônicos e bulas papais, algumas vezes a comprovar o caráter de “folhas mortas” de muito do que vai registrado nesses últimos documentos.
Se o corpus poético trovadoresco galego-português atrai boa parte dos pesquisadores brasileiros da literatura medieval, não se limita a ele os interesses investigativos. Novelas de cavalaria, em particular A demanda do Santo Graal e o Amadis de Gaula, crônicas, tratados didático-moralistas, peças teatrais e hagiografias compõem um amplo corpus literário sobre os quais se debruçam os estudiosos brasileiros. Edições críticas e análises estruturais das obras, interpretações de aspectos retóricos, discussões de ordem temáticas, enfim, uma gama variada de perspectivas e olhares é lançada sobre toda esta literatura, buscando conhecê-la melhor e colaborando para sua divulgação não só junto ao mundo acadêmico, mas também almejando a conquista do público para além dos muros da universidade.
Deixo propositadamente para o fim a perspectiva de estudo da literatura medieval mais presente entre os pesquisadores brasileiros, qual seja, a dos estudos comparados entre autores e obras das literaturas brasileira e portuguesa e suas possíveis influências e fontes medievais. No conjunto levantado de oitenta pesquisadores que desenvolvem estudos com literaturas em língua portuguesa, próximo de trinta deles trabalham em perspectiva comparatista. Tal constatação, algo surpreendente, revela que, de alguma forma, aquela compreensão da história do Brasil que Mongelli identificou na análise de livros didáticos e paradidáticos, ou seja, de que nossa história, segundo aqueles materiais, se iniciava a seguir a nosso ‘achamento’ ou pós-Navegações, começa, pelo menos no interior das universidades, a ser alterada, compreendendo os pesquisadores brasileiros da área das Letras, mas creio que não apenas nela, que o legado medieval para a conformação de nossa história e cultura é significativo, e merecedor de estudos sérios e atentos.
Dentre as linhas de investigação mais presentes naquelas pesquisas estão as que discutem as relações entre a literatura popular e a literatura erudita – em que pese a problemática envolvida nesses dois conceitos, que aqui, frente a meus objetivos, me isento de discutir –, associado à importância da oralidade no mundo medieval e nas manifestações da poesia popular no Brasil. Nesse sentido, a permanência de estratégias versificatórias e retóricas da tradição trovadoresca medieval nas composições dos cantadores populares do Nordeste brasileiro, por exemplo, é objeto de estudo em muitas pesquisas. A isto se soma o diálogo permanente das poesias brasileira e portuguesa moderna e contemporânea com a poética medieval, dando azo à construção de um conceito literário, que começa a ser divulgado no âmbito da academia, o de Neotrovadorismo (MALEVAL 2002 E 2009).
Ainda na linha das características próprias de uma literatura popular, as relações do teatro brasileiro, principalmente o produzido no Nordeste, onde a feição popularizante parece ser mais forte, com o teatro medieval ibérico, em particular com a obra de Gil Vicente, dramaturgo quinhentista português, é tema de diversas investigações. A isto se somam os aspectos religiosos e didáticos fortemente presentes tanto no teatro medieval quanto na produção teatral brasileira. Desta forma, dramaturgos reconhecidos do cenário nacional, como José de Anchieta, Martins Pena, Qorpo Santo, Ariano Suassuna, João Cabral de Melo Neto, Lourdes Ramalho, entre outros, têm suas obras analisadas em confronto com rica tradição teatral da Idade Média num grupo significativo de pesquisas.
A tradição do romance histórico, tanto o desenvolvido no século XIX, no interior do movimento romântico, quanto o retomado mais recentemente por meio da literatura denominada de pós-moderna – conceito que abarca a produção literária desde as três últimas décadas do séc. XX até nossos dias –, é objeto de interesse investigativo de muitos pesquisadores brasileiros. Da releitura ou reescrita de fatos históricos do passado medieval português por parte dos escritores românticos e pós-modernos, até a presença de mitos e lendas medievais no imaginário social, político e cultural português e brasileiro, são muitas as perspectivas temáticas assumidas pelas pesquisas na área, tendo sempre como apoio metodológico os estudos teóricos de base comparatista. Não está ausente dessas pesquisas uma discussão candente para as áreas da História e das Letras: a da narratividade que caracteriza e funda tanto o discurso histórico quanto o discurso literário. Os romances históricos, em particular os pós-modernos, que sofreram todo o influxo de certa indeterminação do discurso histórico quanto a sua especificidade, graças, em boa medida, às contribuições trazidas pela historiografia do século XX, problematizam e dinamizam o debate teórico, que está também presente no campo dos estudos literários. Muitas das pesquisas que tomam como objeto de análise os romances contemporâneos de feição histórica têm como discussão de fundo a especificidade desses discursos e a contribuição sócio-política que a literatura pode dar para o debate de fatos ou questões historiográficas.
Também as relações da música popular brasileira com a poesia trovadoresca galego-portuguesa motivam pesquisadores em todo o Brasil. Cancioneiros tão distintos como os de Chico Buarque, Caetano Veloso e Elomar, são analisados à luz da tradição dos trovadores, buscando-se comprovar que formas e ideais que sustentaram o amor cortês, fundador das concepções do amor romântico, mantêm-se vivas nos cancioneiros dos séculos XX e XXI.
Como se vê, pela síntese feita acima, a perspectiva comparatista vem norteando parte significativa das pesquisas brasileiras ao redor da literatura medieval. Didaticamente, este talvez seja um caminho frutífero para aproximar nossos alunos do mundo medieval, rompendo com a resistência que a distância temporal, a linguagem e a ausência de uma Idade Média historicamente brasileira cria nos espíritos dos estudantes. Não sendo único caminho possível ou mesmo desejado de contato de nossos futuros pesquisadores com o mundo medieval, a perspectiva comparatista parece, todavia, ser uma das mais instigantes.
Por fim, gostaria de ressaltar que as pesquisas na área de Letras não prescindem do diálogo constante com a historiografia dedicada à Idade Média. Se a partir da Escola dos Annales a literatura alcançou, de certo modo, condição de fonte documental primária em muitos estudos de história dedicados ao mundo medieval, a contrapartida por parte da área das Letras, em particular no campo dos estudos literários, foi erigir a História como disciplina coadjuvante de nossas pesquisas. Uma rápida mirada nas bibliografias dos projetos de pesquisas dedicados à literatura medieval basta para comprovar a importância da historiografia para nossa área. Que esta síntese das pesquisas feitas no Brasil sobre a literatura medieval sirva para aprofundar ainda mais os laços entre a História e as Letras.

 

The Middle-Age Literature studies in Brazil.

Abstract:Looking primarily for the production literature published by the Brazilian Association for Medieval Studies – ABREM, this text seeks to outline a summary of publications and research on medieval literature conducted by Brazilian researchers.

Keywords:Medieval Literature, Research on Medieval Literature; ABREM.

 

1 Professor da UFBA, Doutor em Letras (Literatura Portuguesa) pela USP – marciomuniz@ufba.br

2 Todas as informações referentes à ABREM foram colhidas em sua página na internet, para onde remeto o leitor interessado: http://www.abrem.org.br

3 Em se tratando do Brasil, como se sabe, a Plataforma Lattes, do CNPq, http://lattes.cnpq.br, é também fonte importante para se conhecer o que se pesquisa em todas as áreas do conhecimento. Não é diferente com os estudos medievais. Todavia, numa consulta a esta plataforma de pesquisa, dei-me conta de que as poucas pesquisas de alguma forma relacionadas à literatura medieval ali cadastradas são, em sua grande maioria, de sócios da ABREM, e que, portanto, estão contemplados pela documentação por mim analisada.

 

Referências:

 

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LEÃO, Ângela Vaz; BITTENCOURT, Vanda O. (Orgs.). Anais do IV Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM. Belo Horizonte: PUC-Minas, 2003.

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MONGELLI, Lênia Márcia de Medeiros (Org.). Fontes primárias da Idade Média – Séculos V-XV. Cotia/SP: Íbis, 2005, vols. 3.

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SIGNUM: Revista da Associação Brasileira de Estudos Medievais. São Paulo, números 1 a 10, 1999-2008.

TELLES, Célia Marques; SOUZA, Risonete Batista (Orgs.). Anais do V Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM. Salvador: Quarteto, 2005.

VISALLI, Angelita Marques; OLIVEIRA, Terezinha (Orgs.). Anais do VI Encontro Internacional de Estudos Medievais da ABREM. Londrina: ABREM/ UEM/UEL, 2005, 3 vols.