EDITORIAL

Mesmo que não queiramos pensar no passado na perspectiva de um projeto e decidirmos olhar para trás a partir da noção de trajetória, quando refletimos acerca dos 15 anos que passaram desde que lançamos a Revista Movimento, fica difícil não atribuirmos o sucesso obtido a algo planejado e carregado de coerência. Em momentos como esse é fácil esquecer as dificuldades e mesmo os acasos, e sermos dominados pelo justo sentimento da comemoração.

Mas quando se lê o primeiro Editorial da nossa revista, publicado há 15 anos, encontramos informações que mostram como a Movimento surgiu num contexto histórico bem diferente do que nos encontramos agora, no que se refere ao campo acadêmico da Educação Física Brasileira. De lá para cá muitas coisas mudaram e hoje é risível – se não inacreditável – pensar que, mesmo depois de convidarmos vários autores, foi por falta de artigos que demoramos perto de dois anos para publicar o nosso primeiro número.

Não há dúvidas de que a distância que nos separa daquela época é enorme, o que fica evidente quando vemos alguns dados relativos aos anos de 2008 e 2009: no que se refere aos manuscritos encaminhados, em 2008 tivemos 191 e 98 no primeiro semestre de 2009. Destes, foram rejeitados 54% em 2008 e 64% em 2009. Apesar desse alto índice de rejeição, no momento em que este texto está sendo escrito há 61 manuscritos em processo de avaliação e as edições de 2009 estão fechadas.

Para justificar esse avanço, poderíamos recorrer a várias explicações, que vão desde a percepção do crescimento da Pós-graduação em Educação Física no Brasil, até a forma como este crescimento repercute na produção acadêmica na área, em especial quando ocorre pela pauta dos processos de avaliação atuais. Porém, mesmo que esses fatores ajudem a compreender o progresso da Área de Conhecimento Educação Física no Brasil, eles não são suficientes para entender como a Movimento se inseriu nessas dinâmicas, nem as razões que a levaram a ser recentemente indicada, pela Área 21 da Pós-graduação, como revista científica merecedora de investimento/indução desta comunidade. Obviamente que esse espaço não permite a apresentação dessa trajetória com a complexidade que uma análise rigorosa exigiria (talvez fosse um tema que merecesse uma investigação), mas, por hora, destacamos alguns acontecimentos que nos parecem ter sido cruciais.

Um primeiro aspecto a destacar é o fato de a revista já ter surgido com o firme propósito de induzir a comunidade da Educação Física a pensar sobre as suas especificidades. Este espírito já perpassa o primeiro número, quando decidimos implantar uma seção denominada “temas polêmicos”, que pretendia fomentar a discussão de assuntos que estivessem na pauta da nossa comunidade. O primeiro tema logo causou um grande impacto, já que perguntava “O que é Educação Física?” Deste debate participaram várias pessoas da área, o que ocupou as páginas centrais da revista até sua 4º. volume e gerou muitos frutos, sendo, inclusive o tema de uma dissertação de Mestrado realizada num Programa de Pós Graduação de uma Universidade Brasileira. É uma pena que este caráter provocador, questionador que – acreditamos – também faz parte das qualidades de um bom periódico, não esteja presente nos critérios que pautam os processos de avaliação de periódicos... pelo menos no Brasil.

Em uma fase subseqüente, passamos por um processo que chamamos de “especialização” da revista. Ela se inicia com a edição do primeiro número de 2003, quando a Movimento completava nove anos de existência. As razões que nos levaram a esta decisão foram duas. Em primeiro lugar nós estávamos nos adaptando às novas exigências da avaliação de periódicos, que propunham como importante critério de qualidade a especialização num campo particular do conhecimento; ou seja, as críticas voltavam-se aos periódicos “guarda-chuvas”. Enquanto editores e colaboradores, nós não discordávamos disto, mas necessitávamos decidir em qual especificidade a Movimento iria se alojar, dentro de uma área complexa e multidisciplinar como a Educação Física. Depois de algum tempo de debates – e não sem alguma disputa interna – quem nos deu a resposta foi a própria comunidade acadêmica que vinha prestigiando a revista Movimento. Um levantamento que fizemos nos mostrou que mais Movimento v15 de 75% dos artigos nela publicados advinham da área sociocultural e pedagógica; percebemos também – e isto era decorrência da primeira análise – que a maior parte dos nossos autores eram pessoas vinculadas a estas áreas de estudo. Mas um ponto importante que também nos levou a definir a Movimento como uma revista científica do campo sociocultural e pedagógico da Educação Física foi o fato de que – proporcionalmente – o número de doutores e professores de cursos de pós graduação que se propunha a publicar na Movimento era de pesquisadores vinculados a este campo. Com base nestes dados, em dezembro de 2002 a revista se especializou.

O impacto desta decisão foi expressivo. Em dezembro de 2005, quando fizemos um levantamento desde dezembro de 2002 para questionar os critérios que levaram à CAPES a não reconhecer a Movimento como um dos importantes periódicos brasileiros da área, a revista publicou oito números e um total de 68 artigos. Destes, em números arredondados, 78% foram artigos originais de pesquisa, 12% foram ensaios e 10% foram resenhas. Quanto à titulação dos autores desse período, 57% eram doutores e/ou pós-doutores, 16% eram mestres e 27% estavam no grupo dos graduados, especialistas e estudantes de iniciação científica, que habitualmente publica em co-autoria com seus orientadores e membros de grupos de pesquisa.

Dali em diante publicaram na revista Movimento pesquisadores estrangeiros do Canadá, de Portugal, da Espanha, da França, da Alemanha, da Argentina e do México. Além disso, nosso Conselho Editorial conta hoje com pesquisadores das universidades de Baunschweig (Alemanha), de Copenhague (Dinamarca) de Pádua (Itália), de Paderborn (Alemanha), do Porto (Portugal) e de Valência (Espanha), o que indica uma forte investida rumo à internacionalização do nosso periódico.

Outra etapa importante é o que poderia ser denominado de “profissionalização” da Movimento, em momento recente, que se vincula à participação mais efetiva da biblioteca da Escola de Educação Física no processo de sustentação da revista. A inserção de bibliotecárias na equipe de trabalho vem qualificando o nosso periódico, dando-lhe um caráter profissional, diferente de um esforço carregado de inexperiência que destacávamos no primeiro Editorial, em 1994.

Se não por decorrência direta disso, mas pelo fato de termos, desde então, condições efetivas para outros avanços, somaram-se ao progresso da revista a adoção do seu formato eletrônico na plataforma SEER, a disponibilização dos artigos também na língua inglesa, modificações que potencializaram o impacto da revista e agregaram colaboradores à equipe editorial. Tais condições estruturais, e o volume de manuscritos submetidos, nos levaram a tomar outra decisão extremamente importante para a área. A partir deste ano de 2009 a Movimento passou a ter periodicidade trimestral.

Nestes 15 anos de vida foram muitas as dificuldades, os percalços e os contratempos, mas a Movimento tem muito a comemorar. Poucas revistas científicas da área da Educação Física editadas no Brasil chegaram a celebrar esta data. E por isso este número é especial. São 17 artigos distribuídos em 400 páginas, volume expressivo se comparado com os outros números (normalmente são 12 artigos em 250 páginas). Nesta edição são 13 artigos originais, destes três foram solicitados pela editoria: um deles trata das revistas espanholas indexadas na base Latindex, outro o processo de revisão por pares e os motivos que levam à rejeição de artigos e o terceiro trata da arqueologia das práticas editoriais da revista Movimento. Os outros 10 artigos originais são de demanda livre de fluxo contínuo. Mais quatro ensaios e uma resenha fecham nosso número comemorativo.

Por fim, é preciso fazer alguns agradecimentos. Uma revista científica não completa 15 anos de existência sem apoio institucional. A Escola de Educação Física, a Pró Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Ministério do Esporte do Brasil têm sido fundamentais na sustentação político-financeira do periódico. Uma revista científica nem sequer surge se não tiver credibilidade acadêmico-científica, e isto só se alcança com a submissão de artigos por parte dos autores da área, com a avaliação criteriosa dos pareceristas e com a abnegação de todos aqueles que de algum modo colaboram para que a Movimento aconteça.

Estamos todos de parabéns!

Comissão Editorial
Revista Movimento